sábado, julho 25, 2009

- back to black -

"Ars Artium Ars Amoris." (A arte das artes é a arte de amar.) - São Bernardo
Já gostei de um Bernardo. Tinha eu, ora vamos lá ver... 6 anos. Mais ou menos. O Bernardo era o filho mais novo do Presidente da Câmara e andava comigo na ginástica de competição, mas na classe masculina. Fazia paralelas, trampolim e argolas. Quase nada de solo. Nas competições recebíamos sempre um livro com o nome dos atletas e eu guardava-os a todos, num armário destinado aos troféus e medalhas de participação (que nos davam juntamente com um pacote de 6 bolachas recheadas com baunilha e um pacote de leite com sabor a morango), e sempre que podia ía lá ver o nome dele. Da Primeira Comunhão guardava uma foto de grupo (fiquei a olhar para ele na fotografia) e uma foto tirada do púlpito, onde eu estava a ler a Primeira Leitura relativa ao Livro da Sabedoria, Antigo Testamento, e que apanhava o banco onde estava sentado o Bernardo (ficou ele a olhar para mim). No 5º ano o Bernardo começou a namorar com Carla. A Carla era minha amiga. Eu chamei-lhe nomes feios.

quinta-feira, julho 23, 2009

- original soundtrack -
(olha pá, porque sim!)


Porque cada manhã me traz
O mesmo sol sem resplendor
E o dia é só um dia a mais
E a noite é sempre a mesma dor
Porque o céu perdeu a cor
E agora em cinzas se desfaz


Porque eu já não posso mais
Sofrer a mágoa que sofri
Porque tudo que eu quero é paz
E a paz só pode vir de ti


Porque meu sonho se perdeu
E eu sempre fui um sonhador
Porque perdidos são meus ais
E foste para nunca mais


Oh, meu amor
Porque minha canção morreu
No apelo mais desolador
Porque a solidão sou eu
Ah, volta aos braços meus, amor


(Canção em Modo Menor, Tom Jobim)
- não vai mais vinho para essa mesa -

a passar por um prédio em construção:
- Olá estrela! Queres cometa?

[Ler: "Queres que o meta?"]

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "aie, que eu vou dizer ao teu paie, que tu copiaste o Richereeee!", ou "ah pois é! Cruzam-se as comadres, descobrem-se as verdades", ou como "não é bem assim, mas é quase", ou como "embora digam que Duchamp foi influenciado pelo cinema e pelo trabalho de Eadweard Muybridge, "Locomoção Humana", para mim foi influenciado pelo médico e anatomista francês Paul Richer, pelo menos neste caso. Pode ser que no geral o trabalho de Duchamp tenha sido influenciado pelo cinema, mas no "Nu descendo uma escada nº2", a referência é "Physiologie artistique de l'homme en mouvement", um conjunto de desenhos que Richer fez referentes ao estudo do corpo humano em movimento, como o nome indica. No entanto a sua especialidade era o estudo das doenças mentais como a epilepsia (chamava-se epilepsia histérica). Com a observação de tantos modelos vivos, Richer começou, primeiro a desenhar o corpo humano e depois a esculpi-lo, mas não, na minha opinião, com uma intenção artística. Nota-se nos seus trabalhos o gosto pelo pormenor, mas o seu traço (principalmente na escultura) não é expressivo; falta-lhe naturalidade, originalidade. É demasiado centrado na aproximação ao realismo para ser livre.

De Duchamp já se sabe tudo: pioneiro e principal representante do Dadaísmo, começou influenciado por Cézanne e fez uma incursão pelo Cubismo e pelo Futurismo. É desta época o quadro que aqui mostramos, "Nu descendo uma escada nº2". Foi realizado com a ajuda de uma nova técnica cinematográfica e fotográfica chamada fotocromografia. Com isto Duchamp juntou as essências dos dois movimentos: nota-se o movimento do corpo do Futurismo e as várias camadas de perspectivas do Cubismo. No entanto, como o corpo se desintegra e deixa de ser figurativa não é fiel ao Cubismo e como não faz a apologia da máquina, não agrada a Futuristas que mandam o pintor francês retirar a obra do Salão dos Independentes. É também a partir daqui que Duchamp deixa de lado a arte - voltando a ela mais tarde e através da máquina e do ready-made - por ter sido mal aceite entre os artistas franceses. A obra foi, no ano seguinte, um sucesso no Armory Show em Nova Iorque.”

Paul Richer
Descente d'un escalier
1894


Marcel Duchamp
Nu descendant un escalier nº2
1912-14
Philadelphia Museum of Art
- o carteiro -
Esqueça a Playboy; Eis a Idade Média! (2º parte)

Caros senhores: hoje não há mulheres nuas, só homens e vamos falar muito de pénis. Por isso se desejarem ir até outro blog, disponham. Como dissemos no post que antecedeu este, a representação de genitais masculinos nos "sermões de pedra" em contexto religioso era tão comum como os genitais femininos só que após o século XII, XIII, deixaram de aparecer. A razão que vejo para isto é a acentuação da forma negativa como a Igreja, principalmente a católica, via as mulheres. As suas "vergonhas" expostas no interior das Igrejas, faziam-nas corar de vergonha e avisavam-nas para o seu fraco poder de ocultação ou preservação da sua intimidade. O século XII foi um dos mais pródigos na construção de Igrejas Românicas, abarcando toda a Europa, o Mediterrâneo, a Palestina e a Irlanda. Isto levou a um rápido crescimento financeiro e "industrial". Escultores e pedreiros foram sendo recrutados das mais diferentes partes da Europa para obras situadas em reinos afastados dos seus locais de origem (eles eram a primeira versão do artista do Renascimento e o seu trabalho era o que agora conhecemos por trabalho de autor, embora não assinassem a pedra. A pedra ficava marcada, isso sim, com o símbolo da guilda a que pertenciam). Para o transporte de toda esta mão-de-obra foi necessário melhorar, pelo menos, a rede de comunicações: as cidades estavam ligadas mais facilmente, havia mais riqueza que poderia servir para incrementar ainda mais o crescimento, mas que foi utilizado para subsidiar as cruzadas. E foi no entanto este século, marcado pela primeira de três vagas de Cruzadas dirigidas a partir de Espanha, que é hoje recordado como o mais sangrento, o mais movido pelo ódio especialmente contra Muçulmanos.

Já nos homens, há três factos que não podemos esquecer e que estão ligados à sua representação, mais ou menos realista, mais ou menos fantasista no interior religioso. A primeira tem a ver com a palavra "fascínio" e está ligada a ritos ancestrais e tradições ainda hoje praticadas por alguns povos. A palavra "fascínio" vem do romano "fascinum" que mais não era que um amuleto em forma de pénis muito pequeno que os rapazes prestes a entrar na adolescência e no momento de assumir a sua virilidade, traziam ao pescoço. Para Santo Agostinho e para outras religiões, o pénis mais não era que uma criação de Deus dominada muitas vezes pelo diabo (este pensamento era comum à cultura islâmica). Quando erecto o pénis, segundo Santo Agostinho, estava possuído por Satanás, o que dramaticamente fazia sentido pois o movimento de erecção parecia involuntário.
O "grande pénis erecto", exemplarmente castigado é o de Judas que cometeu um dos grandes pecados da Humanidade ao suicidar-se por arrependimento de ter traído Jesus. Por isso é comum entre os homens nus do Românico, vermos alguns que seguram uma bolsa de dinheiro, como para provar que a avareza é um crime e um pecado que leva à Luxúria. E é também verdade que quando uma das formas de masturbação é a de privação de ar que se designa por asfixia auto-erótica: ou seja, um homem que se vê privado de ar, diminui o fluxo sanguíneo de chegar ao cérebro o que resulta numa falta de oxigénio e num orgasmo mais premente. Por isso existe um certo mito de que as pessoas que se enforcam morrem com uma erecção.
A segunda palavra a reter é "bourse". As figuras masculinas que mostram os genitais em igrejas francesas são muitas vezes prestamistas, ou cobradores de impostos, pessoas associadas à avidez e ao dinheiro. Por isso apresentam-se todos nus carregando uma bolsa de dinheiro numa das mãos, bolsa essa que tem a forma de escroto, mas é bastante maior que o próprio pénis que as figuras exibem. A palavra francesa para escroto é "bourse", mas também é uma palavra usada para designar saco de dinheiro ou bolsa. Em espanhol diz-se "bolsa" e em italiano diz-se "borsa" e as bolsas, sacos eram feitos de testículos de urso ou boi. Por isso muitas destas imagens de homens com sacos na mão encontram-se lado a lado com outras de ursos a mostrar os genitais. E de facto os ursos foram sempre maltratados na Europa.


As fachadas das Igrejas de paragem obrigatória para qualquer peregrino estava na maior parte das vezes coberta de imagens de horror, que tornavam presentes os vícios humanos - em oposição à fraca representação e representatividade das virtudes - como forma de expor os mesmos levando à vergonha pública de quem os praticava. Eram como se os fiéis devessem ser uns estóicos num Mundo de epicuristas. Quanto mais pública era a vergonha do vício, mais ele se praticava em privado. Esta insistência nos vícios não se dirigia apenas aos mais leigos e ao clero secular que privava com os transeuntes, mas também ao clero regular. Dentro de muitos mosteiros, os homens eram dissuadidos de cometer pecados como a gula (e o que lhe vem associado como a embriaguez e a música), a sodomia, a riqueza e a luxúria. Esses são então alguns dos temas presentes nos edifícios religiosos do século XII: bebedores de vinho, acrobatas que mostravam os genitais, prestamistas, ursos, músicos (a flauta era vista pelo clero como uma metáfora dos genitais masculinos), cães e porcos.


Já vimos de onde vem a relação entre o urso e escultura nestas igrejas. É uma questão de filologia, mas também de aproximação por acinte que alguns monarcas europeus faziam com os animais da sua personna real. Assim como Roma baseou as suas origens numa loba e todos os seus governantes tinham algo de licantrópico, da mesma forma muitos Imperadores em pleno Cristianismo associaram o seu nome e fundaram a sua genealogia no cruzamento de um urso com uma mortal. Mas havia outros animais cujo nome transpirava concupiscência como a lebre, pois esta estava relacionada com o culto de Vénus e porque naquela altura, como ainda hoje, as lebres procriavam com muita facilidade. Os macacos representavam a barbárie e a blasfémia moura e os leões estavam ligados ao sexo com as Sheela-na-gig. Há depois outras variantes como os homens que puxavam a boca numa careta, os que punham a língua de fora, os que engoliam as colunas onde estavam assentes e os que puxavam a própria barba.




- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Há uma frase que diz o seguinte: "quem tem telhados de vidro não deve atirar pedras ao vizinho". Eu penalizo-me quando correspondo às vossas e minhas expectativas, mas sempre que volto atrás, vejo os arquivos e reconheço um erro, corrijo-o de imediato. Em seguida martirizo-me. No entanto ninguém me conhece, não tenho ambições de escrever no "blog do ano", não farei dos meus post um livro de nome (humm... deixem ver uma coisa bem pirosa) "Arte de sapatos altos" ou "A Beluga doce" (xiiii... pretensioso...) e também ninguém paga para vir aqui. Isto do pagar é que faz a diferença. Também ninguém paga para visitar outros blogs, mas no caso dos livros, que é aquilo que hoje me interessa, embora não coloque em causa o preço de um livro ou de um bilhete para uma peça de teatro pois estou a ver ou a ler o trabalho de um autor, tenho de questionar o trabalho dos editores.

Vem isto a propósito dos inúmeros erros ortográficos, de pontuação ou mesmo erros de impressão com que nos deparamos quando lemos um livro. A culpa não é totalmente do autor: deve saber escrever com toda a correcção, mas lembremo-nos de Eça que colocava demasiadas vírgulas nas suas frases e nem por isso deixa de ser um dos melhores escritores de sempre. (Na minha opinião!). A culpa passa pelo autor, mas acima de tudo pela editora e com isto falo de revisores, de paginadores, de editores de texto, etc. Vamos então ao primeiro exemplo:

- "O Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade Média", Ferdinand Lot, Edições 70, 1980, página 454. Alguém escreveu "françês" em vez de "francês". Entre muitos outros erros, este era o mais flagrante.

- "Retrato de uma Senhora", Henry James, Publicações Europa-América, 1996, página 497. Está escrito "...defronte da fachada alta e fria de Saint John Lateran; daí avista-se a Campanha, nos contornos mais distantes...". Não houve critério de escrita, não houve uniformização pois "Saint John Lateran", é "São João Latrão" e Campanha é Campanha. Se a primeira expressão está em inglês, a segunda também deveria estar. Ou então estavam ambas em inglês ("Campania"). Na página 541 temos o erro que a minha professora D. Alcina, puniria com umas valentes reguadas: "- Só digo que nós éramos demasiado obsecadas pelo simples poder intelectual;...". "Obsecadas"? , "OBSECADAS"?

- Há livros que nem precisamos de ler. "Leu o livro?", "Não, não li.", "Então como é que sabe que é mau?", "Li o título". "Olá Mariana", Judite de Sousa, Oficina do Livro, 2002. Aparentemente nada de errado, não é? Não, não é. Antes do vocativo há sempre vírgula. O correcto seria "Olá, Mariana".

- "O Processo", Franz Kafka, Publicações Europa-América (Colecção Livros de Bolso), 2ª Edição, 1989, páginas 228 e 233. Pois... ainda estou à espera destas páginas. Quando cheguei à 227 percebi que a 228 estava em branco. O mesmo sucedeu com a 233. Posso ter tido azar, mas fica mal.

- Um Prémio Nobel não é garantia de uma escrita imaculada e este é o exemplo onde a culpa foi, provavelmente do autor (da autora) antes mesmo de ser do revisor, pois é um daqueles erros de "Salvatore stupido, stupido, stupido". "O sonho mais doce", Doris Lessing, Editorial Presença, 2007, página 250: "- Margaret pergunta o que está a fazer?". Ora se é a Margaret que pergunta, porque é que és tu, que na tua fala tens um ponto de interrogação?
Quando um livro custa 20 euros não pode ter este tipo de erros, assim como não admitiríamos que um DVD não fosse visível e um CD não fosse audível.
- o carteiro -



Let's look at a trailer. O trailer de "Alice no país das maravilhas" de Tim Burton.


Let's look at another trailer: "Break Up" the Pete Yorn e Scarlett Johansson.



A Global Call to Action against Poverty (GCAP) criou uma campanha muito divertida para pressionar os governos do G8 a intervir de facto no que à pobreza diz respeito. Já em Abril a Piazza del Popolo ficou num "pandamónio" quando foi invadida por vários pandas em papier-maché numa iniciativa da World Wildlife Fund com vista a chamar a atenção para os Ministros do Ambiente do G8 que se reuniram na cidade de Siracusa. Desta vez a GCAP criou estes cartazes e este web site.



Imagem do filme "Kill Bill" (e outros filmes) para promover campanha de doação de sangue que a Santa Casa da Misericórdia de Curitiba levou a cabo. A agência Bronx remata com os seguintes dizeres em baixo: "É cada vez mais fácil ver sangue na televisão, mas cada vez mais difícil nos bancos".
- não vai mais vinho para essa mesa -

A Sinfonia Incompleta de Schubert:

« Uma brigada especializada em métodos de organização e administração visitou a Universidade de Liverpool para inquirir sobre a eficácia ou falta dela no gabinete do vice-cancelário. A visita coincidiu com um dos concertos da Real Orquestra Filarmónica de Liverpool a que sempre assistia o vice-cancelário. Nesta ocasião, contudo, ele não podia assistir ao concerto e, com a sua habitual generosidade, ofereceu o bilhete ao chefe da brigada, que nunca tinha assistido a um concerto ainda que tivesse recebido na escola educação musical. A obra principal do programa dessa noite era a Sinfonia Incompleta de Schubert. Na manhã seguinte, quando o vice-cancelário perguntou à sua visita se tinha gostado do concerto, com grande espanto viu que esta lhe entregava um relatório com duas páginas dactilografadas onde se lia:
1- Durante períodos consideráveis, os 4 tocadores de oboé não tinham nada que fazer. O seu número deveria ser reduzido e o trabalho distribuído mais convenientemente pelo concerto todo, eliminando assim as pausas de actividade.
2- Todos os 12 violinos tocavam as mesmas notas. Isto parece uma duplicação desnecessária. O pessoal desta secção deve ser drasticamente reduzido e se, realmente se deseja um volume de som maior, isto pode ser obtido por meio de um amplificador electrónico.
3- Gastou-se grande esforço em tocar semifusas. Isto parece um refinamento excessivo e recomenda-se que se reduza o valor das notas a fusas. Se isto se fizer, será possível usar estagiários e, até, trabalhadores menos especializados.
4- Parece haver muitas repetições de passagens musicais. Nenhum objectivo se consegue repetindo com os metais uma passagem que já tinha sido tocada nas cordas. Se todas estas passagens redundantes forem eliminadas, a duração total do concerto que foi de 2 horas, seria reduzida a 20 minutos e não haveria necessidade de um intervalo.Além disso, se o compositor tivesse considerado estes pontos, possivelmente teria podido acabar a sua sinfonia.»" (Diário de Lisboa de 21.10.1073)

sábado, julho 18, 2009

- back to black -

"Post coitum omne animal triste" - Ovídio (Ars Amatoria)

quinta-feira, julho 16, 2009

- original soundtrack -

Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça
É ela a menina que vem e que passa
Num doce balanço, caminho do mar

Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amor

(Garota de Ipanema, Tom Jobim e Vinicius de Moraes)
- não vai mais vinho para essa mesa -
há quem diga: "eu não me interessa o que os outros pensam de mim". a mim interessa; temo sempre ficar aquém das expectativas
- não vai mais vinho para essa mesa -

"(...) Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. (...)"

(FMI, José Mário Branco)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou um "tu én one" que é como quem diz, "dois em um" (este post dará o mote a um pequeno "carteiro"). O retrato pintado por Gainsborough em 1748 é o de Mr and Mrs Andrews que tinham casado nesse mesmo ano. Os nubentes e a paisagem formam um conjunto de antíteses relacionadas mais com o estilo do pintor que não era considerado, à altura, um dos preferidos (era um pintor de recurso para mecenas que não tinham muito poder económico), do que com o gosto dos mecenas em si. Estes apenas pagavam para ver uma bonita cena em cima da lareira. Ainda no que concerne ao estilo devemos recordar que este tipo de retrato a longa distância com a inclusão de elementos paisagísticos era comum nos primeiros trabalhos de Gainsborough, enquanto o pintor habitava Suffolk ( a sua cidade natal), depois do seu regresso de Londres.

O cenário é Auberies, a quinta do casal em Sudbury, mas eles provavelmente nunca estiveram lá, naquela posição a posar durante horas e horas para o pintor, com o mesmo semblante ameno e corpo gentil, posição esta que era recomendada nos manuais de boas maneiras da época. É igualmente provável que a paisagem não seja a original, mas que tudo junto seja uma composição fruto da imaginação do pintor. Passo a explicar: Gainsborough utilizava manequins artificiais (de madeira) vestidos com os trajes, pelo menos aparentes, dos retratados e estudava estes e a paisagem separadamente. Mr Andrews tem um mosquete debaixo do braço, mas não tem caça pendurada no cinto. Mrs Andrews tem as mãos pousadas sobre o colo, mas (e até parece que Gainsborough se esqueceu de pintar aquela zona) nem lê um livro nem segura a caça do marido.
É como se esta falha espelhasse a distância entre os dois não obstante as recentes núpcias. Mas há outras relações que podemos estabelecer: a satisfação de proprietário expressa no rosto de Mr Andrews é também a do pintor em poder contrabalançá-la com os dourados da paisagem; as curvas sinuosas da terra fazem pendant com as curvas sinuosas das nuvens, as figuras à esquerda parecem observar aquela ordem natural impenetrável. As mesmas figuras mostram um ritmo e comunhão com os restantes elementos da sua ordem que é quase poético: vejam como a curva do vestido é paralela à curva do braço do banco onde se encontra sentada Mrs Andrews. E como os seus sapatinhos bicudos acompanham o mesmo movimento e encontram terra da mesma forma que o pé do banco. E vejam como o calçado robusto de Mr Andrews combina com as raízes da árvore que vêm à superfície na zona onde ele se encontra.

Há ainda linhas de força que não podemos ignorar: o focinho do cão, a arma, as calças e o braço de Mr Andrews fazem uma diagonal que concorre com outra diagonal que passa pela cauda do casaco, pelo braço, ombro e vai ter ao ponto mais alto do seu chapéu tricórnio. Esta ponta toca na outra ponta do chapéu - a que se encontra à direita - e as duas são pontos de uma linha que termina no olho oblíquo de Mrs Andrews.

Tomar estas e outras pinturas e recontá-las segundo a fotografia e novos materiais foi um dos objectivos de Shonibare, o artista nigeriano que vingou em Londres. Não é a primeira vez que Shonibare coloca em outro contexto imagens icónicas da cultura da época vitoriana ou mesmo de algum país colonialista. Já uma vez se deixou fotografar para "Diary of a Victorian Dandy" a interpretar cenas totalmente teatralizadas que pretendiam mostrar o ponto de vista do colonizado. Um dia o artista deu com ele a pensar que era nigeriano, mas residia em Londres. Que era um negro influenciado por uma cultura para brancos e que tal como os dândis, era uma "curiosidade social". Note-se que Shonibare tem no fim do seu nome as iniciais M.B.E. o que quer dizer que foi feito Member of the British Empire pela Rainha de Inglaterra. Irónico, não é?Neste trabalho em que procurou dar uma roupagem (sem cabeça!) a cenas importantes da nossa cultura visual, o artista tinha em mente outra pergunta: "o que era na realidade a Arte Africana?" E isso será outro post.

Thomas Gainsborough
Mr. and Mrs. Andrews

1748-1750
National Galery, Londres


Yinka Shonibare
Mr and Mrs Andrews Without Their Heads
1998
National Gallery of Canada, Ottawa
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Como estava a dizer, há uma história muito boa e coerente (coerente porque geralmente parece que se procura uma justificação à posteriori no campo da arte por parte de quem aprecia e por parte de quem cria) sobre o uso de batik em algumas obras de Shonibare, como estas que aqui vemos e que integram uma série dedicada à instalação e ao uso de modelos para retratar a três dimensões personagens de pinturas conhecidas (aqui).
Não vou escrever a história da vida dele, mas adianto duas ou três coisas que são úteis. Yinka Shonibare é de origem nigeriana, mas aos 16 anos foi morar para Londres para concluir os seus estudos. O pai, advogado, preferia que não tivesse seguido artes, mas Shonibare tornou-se não só artista, como artista no reino de Sua Majestade (a Nigéria foi colonizada por Inglaterra) e Membro do Império Britânico, como já foi dito no post acima. Quando tinha 19 foi acometido por uma doença viral rara que lhe afectou a coluna e o deixou temporariamente paralisado. Hoje, e após fisioterapia, continua paralisado de um dos lados do corpo, a partir da cintura, mas consegue. Shonibare não faz por mostrar nem por ocultar: nas fotografias da série "Diary of a Victorian Dandy" aparece sempre em posições que disfarçam a sua condição física, mas afirma-se, no seu C.V. como incapacitado físico. O seu método de trabalho, apesar das dimensões e posições grandiosas daquilo que vemos dele, é também realizado por fases, à medida das suas capacidades. Trabalha geralmente em pequenas dimensões e depois, com a ajuda de outras pessoas, amplia e monta o que tem na sua mente. Este trabalho minucioso também nos leva a uma constatação no trabalho que aqui mostramos: Shonibare está atento aos pormenores e ao pensamento lateral.

Enquanto na série Diary of a victorian Dandy" ele se colocou na pele de um Dorian Gray negro, subvertendo a noção que temos da raça e do poder (nas pinturas vitorianas o negro é aquele que serve e não o que é servido), neste conjunto de paródias individuais à arte vitoriana ou de países que foram abertamente colonialistas Shonibare procurou dar resposta à pergunta: o que é a Arte Africana? Claro que chegamos ao fim sem uma resposta, mas ficamos pelo menos com a noção de que a arte, mesmo a de origens mais remotas é fruto da globalização. Shonibare percebeu que era um nigeriano com fortes raízes em Londres, praticamente um londrino, membro do império britânico segundo Isabel II. No entanto não deixava de ser um nigeriano, colonizado. Para além disso, recordava com nitidez a rigidez de Tatcher ao querer recuperar os valores vitorianos. Mas a sociedade já não era a mesma, já não podia pensar como um "escravo". Um dia, numa visita às lojas de batik de Londres, viu que os tecidos que utilizada para algumas das suas criações eram de origem holandesa e tinham como destino a Indonésia (a Holanda colonizou a Indonésia). No entanto, os padrões feitos industrialmente pelos holandeses não foram aceites pelos indonésios que não se reviam nem nas cores nem nas formas. Os holandeses aproveitaram o produto e começaram a vendê-lo aos países da África Ocidental que os aceitaram muito bem. A Inglaterra, vendo o sucesso destes produtos em terras suas começou também a produzir em Manchester estes produtos "identificativos" da cultura africana. Os batik não são um produto feito por e para africanos, mas uma forma de escoar produto. Shonibare gostou desta viagem do produto, desta sensação de autenticidade e respeito que as pessoas tinham perante os batik e utilizou isso nas suas obras.

Cortou-lhes a cabeça por duas razões: uma para brincar com a Revolução Francesa (razão que não me parece ter muita piada), e outra, para que a questão da raça não fosse relevante. Como não vemos o rosto, nem a cor da pele, não julgamos. Cobriu em seguida os modelos, nas posições referidas, com os mesmos modelos, mas estes com padrões diferentes; ou seja, cobriu-os com batik. Ele dá assim a dupla sensação de falsificação e questiona também duplamente a arte africana. Por um lado falsifica quando coloca em três dimensões o que só conhecemos em duas, por outro, quando cobre com tecidos africanos as roupas destas personagens. Questiona a arte africana porque mostra que ela é produto da globalização e porque mostra que cultura africana se baseia numa falsa identidade africana.
- o carteiro -

quem semeia batatas colhe processos ou a lógica da batata
Na Frutaria Morenos, não se vende apenas fruta. Trata-se de um grande armazém na zona industrial que vende também legumes e vegetais. Um dia a ASAE entrou por ali dentro e pediu para falar com o dono. O problema poderia ser qualquer um, mas a ASAE, certeira e matreira, preocupada com os frutos, os caules e as raízes, o bem estar dos humanos e a saúde dos caracóis albinos, o cumprimento da lei dos homens e da lei de Deus, Buda, Jeová, Alá, Odin e de Murphy, incansável na busca de responsáveis, bodes expiatórios e pandas pecadores dirigiu-se às batatas. Eis que o inspector da ASAE, protegido com todos os artefactos a que tem direito saca... de um aparelho de medir batatas. O sofisticado aparelho tem um orifício e funciona da seguinte forma: se a batata passar por esse orifício tem de ser excluída, isto porque o orifício calibra o tamanho da batata. Ou seja, se a batata for mais pequena que o tamanho determinado, das duas uma: ou terá que ser vendido a preço inferior e com a designação por parte do vendedor de que é "batata para porcos" (chiça, antes alimentar um burro a pão-de-ló!), ou terá que ser cedida à Santa Casa da Misericórdia para a confecção de refeições.

Para falar com toda a noção da realidade, nenhuma das duas opções é uma boa e justa opção. Talvez por isso a ASAE não se possa imiscuir nos assuntos da justiça. É que muitas pessoas, com muito ou pouco poder de compra adquirem a suposta "batata para porcos" para comerem: uns porque é mais barata e não deixa de ser batata, outros porque gostam de batata noisette. Quanto à cedência da batata reprovada à Santa Casa da Misericórdia, também não soa bem a quem conhece como funciona a instituição - as refeições na SCM são pagas - e quem conhece os meandros através dos quais se movem as hierarquias da instituição fora das grandes cidades: os maiores rapinam a batata. Enfim, é tudo fauna.

sábado, julho 11, 2009

- back to black -

"Bad artists always admire each other's work. They call it being large-minded and free from prejudice." - Oscar Wilde
esquece isso rapariga

quarta-feira, julho 08, 2009

- original soundtrack -


Since you're gone, I sat at home
Wonder why no I'll never be free
But the thought of you
Goin with another guy
No, it could never be me
You took a ring and pawned our love away
What can I say, I am left behind
So I take a drink, another cigarette
I can't forget that you once were mine


What can I say
I guess it wasn't meant to be
Now you're gone
It's just, your love is like a drug


It's been so long
Your folks have bet you gone
I know that you're alive inside
So I hope and pray you won't throw this love away
I just wish that you still were mine

(Like a Drug, Desert Sessions)
- não vai mais vinho para essa mesa -


- Estás a gostar Leonor?
- Sim!!!
- Sim o quê?
- Sim, gosto!
- O que é que gostas mais e o que é que gostas menos?
- Tudo!
- Vá lá. Dá-me feed back. Não posso ser eu a “do all the talking”! Gostas dos patos no lago?
- Gosto! Os patos sabem nadá?
- Sabem. Mas não vês que ali “têm pé”?
- Como é que sabes?
- Porque a água dá-lhes pelo peito.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates


Antes e depois como eu bem sei que vou atrasada. É coisa de 2007, mas é provável que muitos não saibam. No “antes de depois” temos fugido às comparações entre obras de arte, sejam elas de que área for. Ultimamente tem sido mais Madonna e cinema, ou fotografia de moda e cinema, ou então não tem sido nada (by the way, é só para dizer que acho muito boa a comparação entre o Bedtime Story e o Paradjanov, mas ninguém quis comentar e eu tenho de respeitar). Mas hoje trago publicidade e fotografia: penso que pelo menos quanto à fotografia me estou a aproximar mais do trilho inicial.

Pois como estava a dizer, em 2007 John Galliano fez uma campanha publicitária para a marca com o seu nome, relativa à estação de Primavera/Verão desse ano. No entanto, quanto a publicidade saiu houve tem tivesse feito a associação que eu não fiz (Salvattore Stupido) e acusasse Galliano de plágio. O anúncio de Galliano era uma fotografia de William Klein, “cuspida e escarrada” (desculpem). Geralmente nestas coisas fica tudo debaixo da denominação: “homenagem” ou “inspiração”, mas o facto de nunca se ter justificado com isso, obrigou Galliano e a sua firma a pagar, segundo a ordem de um tribunal de Paris, cerca de 200 000 euros ao fotógrafo que imortalizou a moda controversa dos anos 60 que ainda se fazia para a Vogue. Mas também teve pinturas muito controversas e trabalhou com pessoas especiais como Fellini. Diz-se que Klein é o inventor do contacto pintado; ou seja, Klein juntou a tradicional folha de provas dos fotógrafos, que eram muito úteis no caso das câmaras não digitais e a pintura propriamente dita. O fotógrafo marcava a cores fortes como o amarelo e o vermelho, partes que lhe interessavam e ampliava centenas de vezes a fotografia. As suas fotografias sofreram assim a influência dos trabalhos gráficos, da Bauhaus, de Mondrian e do Neoplasticismo, dos murais, e da grande pintura de rua. A campanha de Galliano que aqui vemos não usa as fotografias de Klein, mas o mesmo de método de torná-las obras de arte. Klein que foi o inventor da técnica classificou o uso da mesma como “um plágio lastimoso”. O advogado de Galliano prometeu retirar a publicidade acrescentando que o seu cliente só pretendia homenagear o mestre, mas o advogado de Klein que não vai aceitar o acordo por 200 000 euros.

William Klein
1992




John Galliano
2007
- não vai mais vinho para essa mesa -

(...)
Ninguém profundamente me conhece
nem talvez isso interesse a alguém
e aos íntimos menos que a ninguém
(...)
- o carteiro -

Esqueça a Playboy; Eis a Idade Média!

O românico foi talvez o movimento artístico, e com consequências políticas e sociais, mais longo da História da Arte. Há quem balize o românico no século XII, mas desde o início do milénio que uma nova ordem medieval se estava a preparar, movida essencialmente pelo medo do juízo final, pelas mudanças climáticas e pelo enriquecimento da população. No século IX e X assistiu-se ao aumento da temperatura o que permitiu o cultivo de mais espécies e melhores condições de consumo das mesmas, bem como melhores condições de vida. Quando no século XIV a temperatura global voltou a descer, foi quando a Peste Negra se fez sentir. Pessoas com mais e melhor alimento eram pessoas mais realizadas, menos preocupadas com a sobrevivência e até, em certos casos, pessoas com capacidade para escoar aquilo que produziam. O Clero era o beneficiado uma vez que para além de produzir muitos dos alimentos que consumia, vendia-os e ainda era o centro de receitas pois recebia o dinheiro gerado à volta das peregrinações. As grandes rotas de peregrinos que no final do século X chegaram invadiram a Europa, movimentou uma indústria a eles dedicada, uma indústria turística, bem como indústrias alternativas constituídas por prostitutas, taberneiros, saltimbancos e alguns charlatães que conseguiam à custa da expiação do pecado dos outros, fazer algum negócio.

A Igreja no entanto não pode ser desresponsabilizada do seu papel económico, uma vez que durante grande tempo os centros de decisão estavam nos mosteiros: o medo da morte impelia as pessoas a patrocinarem obras e a construção de raiz de igrejas e ermidas, e contribuírem para a edificação de mosteiros, como pagamento de um lugar no Céu. Estas pessoas não eram apenas nobres, mas também os novos-ricos que graças às já referidas condições climáticas tinham conseguido melhorar a sua fortuna. A mesma indústria turística que criou as aberrações e os pecados para os peregrinos, criou o grande movimento de trabalhadores de pedra e artesãos que ajudaram a melhorar a rota de peregrinação – a torná-la mais comercial – e alertaram aqueles que podiam investir nas igrejas.

Quando os centros de decisão deixaram de estar nos mosteiros para se concentrarem nas cidades, essas sim, grandes geradoras de dinheiro (os Mosteiros geravam o seu dinheiro através da troca directa) devido à forma como exportavam produtos ao gosto dos peregrinos e importavam o que tinham em excesso, a Igreja mostrou o seu desagrado por esta exploração. Através disto as monarquias faziam as pessoas acreditar que religião e capitalismo estavam de mãos dadas, o que não era verdade. Os cristãos viam o capitalismo como uma forma de Judaísmo uma vez que foram eles, os Judeus que emprestavam dinheiro, que acusaram Jesus. Esta foi uma das razões para a Igreja tentar afastar-se na iconografia românica das imagens de luxo e foi também uma das razões, quando subvertida uns séculos mais tarde, pela qual a Reforma protestante teve início. O poder de cisão passou das mãos das grandes e ricas Ordens religiosas para as mãos do Clero urbano e burguês, principalmente os Dominicanos que implementaram a Inquisição e que usavam essa forma de poder como razão para verterem sangue.

Ao contrário do que se pensa, a Idade Média não foi a época das trevas, mas pequenos momentos como do aparecimento da Peste Negra ou a Inquisição fizeram dela uma parte inesquecível da História pelas piores razões. Parecia haver uma sede de sangue. Outro exemplo dá-se com as Cruzadas: aparentemente com um bom propósito, o de cristianizar ou pelo menos levar a “Palavra de Deus” a todos os que não a conheciam, começou a ser um acto de obrigatoriedade, forçado e nada de acordo com as Leis de Cristo. A Igreja militante praticou crimes como o genocídio, o assassínio, a tortura e a mentira em nome da Inquisição. Os principais visados foram os Judeus e os descendentes do Islão, Islão esse que demorou cerca de 1000 anos para responder na mesma moeda.

A iconografia românica que vigorava nas igrejas, era, como já sabemos, didáctica. Tinha uma visão muito dual, entre o Céu e a Terra. Mas por volta do século XII novas directivas chegaram. Se até aí Cristo era representado, na escultura, dentro da Mandorla, como um ser triunfante, a adoração de Nossa Senhora e a ascensão das ordens mendicantes fez com que a representação de Cristo fosse muito mais sofrida, ensanguentada: já não era o Cristo que venceu a morte, mas o Cristo de cedeu a vida por nós. A partir daí toda a arte, principalmente a escultura, tornou-se muito sofrida e este sofrimento estendeu-se à vida: o sofrimento auto-infligido ou natural era meritório.
Para além dos tradicionais temas bíblicos a escultura românica adoptou uma temática pouco conhecida, mas muito discutível que englobava duas categorias: as dos monstros e seres mitológicos e a dos pecadores, directamente ligados à indústria turística das peregrinações, como as já abordadas actividades de contorcionista, acrobata, prostituta, proxeneta e até músico. Estas últimas figuras ficavam geralmente retratadas fora dos templos, em mísulas, a suportar mísulas ou a fazer a vez das decorações das mesmas, mas quase nunca no interior. Se no interior, nunca em portais ou capitéis de relevo. Antes do aviso de São Bernardo era comum vê-las no interior das igrejas, o que, segundo o santo, distraía os fiéis. No século XIII os conjuntos de mísulas deixaram o exterior da igreja, onde eram muito vistos devido ao facto de toda a actividade económica e mesmo social se realizar no exterior dos locais de culto e passaram para lugares mais discretos do interior. Mesmo as gárgulas e todo o vocabulário grotesco começou a ser tido como uma forma de diversão para elites e por isso aplicado em lugares muito específicos como as misericórdias (parte interna do banco do coro onde as religiosas se apoiavam durante os ofícios).


Igreja de Rathcline, Longford


Igreja de Fontaines d'Ozillac

Com o aumento da força e influência do papado a Igreja tornou-se ainda mais rica e ávida de bens e dinheiro. Era talvez o sector de actividade onde a corrupção era mais visível. Se as imagens mais grotescas foram perdendo força, a força do sexo foi sendo cada vez mais temida e calculada. Há portanto duas classes de representação de imagens sexuais dentro das igrejas. Uma, muito variável até ao século XII, XIII, primeiramente colocada no exterior dos edifícios e depois no interior, em locais mais recônditos e de acesso condicionado (como forma de divertimento dos mais poderosos e instruídos) e outra directamente relacionada com as Sheela-na-gigs, imagens de origem irlandesa de mulheres esculpidas em edifícios religiosos ou castelos, com uma vulva exageradamente grande e sempre aberta, mostrando por vezes o clítoris ou exibindo até esgares faciais de origem oriental. Estas imagens espalharam-se ao resto da Europa (principalmente a França, a Espanha e um pouco à Alemanha) e eram consideradas uma subclasse das figuras exibicionistas apesar da sua aparência crua e séria.
Igreja de Saint-Forte-Sur-Gironde


Piacenza, Itália
Há quem defenda que a sua colocação no interior das igrejas tenha servido para paganizar as igrejas, exercendo uma espécie de magia que dissuadia os maus espíritos ou os invocava para exorcizá-los. Por isso foram mais tarde colocadas junto de janelas ou portas para impedir a entrada de espíritos. Há quem defenda que eram apenas uma forma de adquirir estatuto dentro da representação religiosa da escultura. Há também quem pense que eram uma representação da Igreja e da Religião como nomes femininos. Algo ajuda nesta teoria: o símbolo de Cristo, o peixe e a Sua representação dentro da Mandorla, assemelham-se muito à forma de uma vulva. Na arte oriental este símbolo é usado para representar os genitais femininos.

Yonic, símbolo oriental


Cristo na Mandorla

Símbolo de Cristo (em grego é ICHTHUS, o acrónimo de Iesus Christus Theou Yicus Soter; ou seja, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador)

E há ainda quem diga que as Sheela-na-gigs presentes nas igrejas românicas eram já caricaturas do grotesco e por isso não tinham nem a graça nem a capacidade para perturbar fosse quem fosse. Exerciam apenas uma alguma insensatez momentânea em quem as observava. Seja como for, parece-me muito estranha a presença destas imagens no interior das igrejas numa altura em o sexo era, mesmo dentro do casamento, uma necessidade de continuação da espécie, segundo a explicação oficial. Por isso toda a manifestação amorosa fora desse contexto marital era punida. Interessa também referir que foi nesta altura que a Igreja aceitou a realização de casamentos heterossexuais dentro do edifício religioso e por isso era frequente em capitéis e peanhas a presença de cenas de fornicação entre homem e mulher em várias posições e às vezes em práticas mais ousadas como a zoofilia. Mas talvez pela crescente perda de interesse pela Avareza e Luxúria (pecados a que a própria Igreja se converteu), estas imagens às vezes surgiam em locais menos escondidos e mais próximos do altar, como é o caso desta representação de uma mulher nua num dos quatro pendentes que segura a cúpula, abrindo a vulva para o altar.

Igreja de Civray, Vienne, França
A representação masculina nestes preparos não era muito rara nesta época (e sobre ela iremos falar na segunda parte do post), mas só durante o século XI e XII. Depois disso deixou quase de se ver a exibição em mísulas de homens com genitais protuberantes.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

[1] And the 200 winners are:
A revista ArtNews elaborou a sua lista anual dos duzentos maiores coleccionadores de arte do mundo. No lugar cimeiro Juan Abelló um espanhol com ligações às finanças e à indústria, depois vem o oligarca russo Roman Abramovich e em seguida Barbara and Ted Alfond de Nova Iorque. A lista conta com nomes como Debra e Leon Black, Eli Broad e Edythe L., Ella Fontanals Cisneros ou nomes mais conhecidos como os dos príncipes do Liechtenstein, Damien Hirst e Alicia Koplowitz. Da lista dos duzentos, 106 são dos Estados Unidos, 14 da Alemanha, 13 ingleses, 12 suíços, 9 franceses, 4 de Espanha, 4 de Itália, 4 do Canadá e 4 da Holanda, mas também há bastantes de vários países da América do Sul. A maior parte dos coleccionadores tem preferência por arte contemporânea ou moderna, mas muitos deles adquiriram no último ano arte Impressionista, Pós Impressionista, fotografia, antiguidades, arte chinesa e claro, os grandes mestres.
[2] A opinião e a crítica:
A exposição "Corot to Monet: a fresh look at landscape from the collection" abriu ontem na National Gallery e permanecerá do museu da capital inglesa até 20 de Setembro. Embora o Times não se decida sobre o número de estrelas a dar (avaliação quantitativa), decidiu-se pelo mesmo texto independentemente das estrelinhas (avaliação qualitativa. Será?). O jornal descreve-a como uma exposição agradável, para ver de espírito livre e leve, própria para umas férias. Como tem por objectivo mostrar a forma de pintura en plein aire que os impressionistas praticavam, aproxima muito os visitantes da paisagem fazendo quase como se estes fizessem parte das praias, dos lagos, dos caminhos pelo meio do mato, das conversas junto ao rio, etc... O visitante faz mesmo o papel de turista que tanto viaja no espaço como no tempo, uma vez que as obras presentes recuam um pouco até Itália. Depois de 1830, quando alguns artistas se opunham à pintura ao ar livre, a Escola de Barbizon incrementou de novo o gosto pelo estilo que criou as bases para realistas como Corot e Courbet, e destes para Monet e Renoir. É também o que se chama "fazer mais com menos", pois esta é uma de várias exposições que a National Gallery vai levar a cabo este ano apenas com "prata da casa"; ou seja, o material desde sempre esteve lá, só nunca foi pensado e associado de formas diferentes. E eu gosto disso.
[3] Então!? Madonna, Madonna! Em que outro dia podia ser?:
Eh pá! Eu cá acho que era matá-la. Já, sem piedade. Então não é que a Madonna resolveu dar o seu concerto na Polónia no dia 15 de Agosto, dia da Assunção de Nossa Senhora, que Deus a tenha. Lech Walesa, ex-presidente polaco e ex-líder do Sindicato polaco Solidariedade, ficou de repente pouco solidário e manifestou-se contra o dia escolhido para o concerto tudo porque Madonna já tinha dado provas de gostar de provocar satanicamente os cristãos (isso é tão 80's, Lech!). E segundo Lech Walesa, está a fazê-lo agora, num dia que os polacos dedicam a Nossa Senhora. Mas vamos lá ver: um dia tem 24 horas. Fora aqueles que tiramos para comer, dormir e fazer um xixi, não sobram duas para ver um concerto sem ficar conspurcado com a verve da Madonna terrestre?
[4] Vai tarde, mas vai:
A notícia não é nova, mas também não a li em jornal nem site nacional nenhum e por isso resolvi postá-la. Depois de um perito ter descoberto um retrato de Miguel Ângelo na Capela Sistina, o historiador americano da National Gallery of Art de Washington, Arthur Wheelock, diz achar ter descoberto o primeiro retrato de Rembrandt no quadro de um colega do pintor de nome Jan Lievens. O historiador diz que a figura central do quadro "The Cardplayers" de 1623 é Rembrandt com cerca de 16 anos. A justificação para esta suposição é que a figura supostamente representada por Rembrandt tem semelhanças com um retrato do pintor também da autoria de Lievens (1629) Não é estranho que Rembrandt apareça num quadro de um colega de profissão, mas também um amigo, já que os dois estudaram juntos em Amesterdão na oficina de Pieter Lastman. A ver vamos!
- o carteiro -

Se o Pacheco pode, eu também posso:
[1] Não sei quantos anos tem em média um arquitecto sénior, mas acho que é caso para perguntar: "Além de tudo, és tótó?"
[2] Não sei quantas "doxas paradoxas" formam um festival, mas acho que é caso para perguntar: "Mas o que é que o c* tem a ver com as calças?"

terça-feira, julho 07, 2009

- o carteiro -
Ontem a SIC brindou-nos, no horário nobre e no Jornal da Noite com 50 minutos de apresentação de Cristiano Ronaldo no Real Madrid, Espanha. Entre comentários alguém disse que Portugal só tinha a ganhar. Acho que perdemos todos: 50 minutos.
Ontem a RTP2 brindou-nos, no horário nobre na sua emissão corrente com 50 minutos de jogo entre Portugal-Chile para o Mundial de hóquei em patins a decorrer em Vigo, Espanha. Ganhámos todos: 4-2