quinta-feira, junho 29, 2023

 - o carteiro -

"And I might be ok but i'm not fine at all"

segunda-feira, junho 26, 2023

- o carteiro -

[1]
drive and listen
(passeie pela sua cidade e ouça os sons da rua)

[2]
mercado imobiliário 1, 2, 3

[3]
(não, não... escusam de agradecer)

domingo, junho 25, 2023

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes de depois ou como "isto podia ser um "carteiro", mas não quis. sempre a mesma coisa cansa-me. desde já tenho de dizer aos meus inúúúúúmeros leitores que não sei quem foi o Gelati. Vi uma vez este quadro na contracapa de um livro (provavelmente de Fra Angelico) e apontei-o num dos meus cadernos. Um dia destes estava a ver um desses cadernos quando li o título e o autor. Pensei que era o Fra Angelico que estava a posar e não que o Fra Angelico fosse o autor do quadro dentro do quadro. Vá, podem dizer que sou tótó. Fui à net, quer dizer, vim à net, "googlei" Rafael, porque para mim era Rafael, mas não. Era Fra Angelico. (Como é que alguém confunde Fra Angelico com Rafael?). Esta pintura de Gelati é um pouco anacrónica, como se ele fosse um desses pintores que gostaria de ter vivido num outro tempo. Como os Pré-Rafaelitas. Como todos nós, de resto. A crucifixão de Fra Angelico lembra-me aquela de Masaccio, sem o trompe l'oeil". 

De resto, pequeninos, cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas.


















Fra Angelico
Crucifixion with St Dominic
1440-45
Musée du Louvre, Paris



















Lorenzo Gelati
Fra Angelico in the refectory of San Domenico
1879
Plazzo Pitti, Florença




segunda-feira, junho 19, 2023

domingo, junho 11, 2023

 - o carteiro -

lembram-se disto? pois é... antes do verso havia (há) uma versão em prosa:

Eram três horas da tarde. O Sol caía forte no charco da floresta, e na sombra das árvores os pássaros procuravam dormir a sesta. O Dr. Horácio, porém, não conseguia adormecer. Era um papagaio de asa vermelha, doutorado em Florestas e Savanas pela Universidade das Aves, que podia com frequência ser encontrado no seu ninho, a ler com os óculos na ponta do bico. Estava há alguns dias a observar o charco e depois de mais uma sessão de banhos dos hipopótamos, decidiu fazer o que há muito planeava: falar com o Rei. O Dr. Horácio bateu asas e voou até árvores mais longínquas onde se encontrava a descansar do calor da tarde, o Leão Ricardo, Rei da Selva. Ao vê-lo, o leão bocejou e agitou a cauda para afastar as moscas, mas teve, porém, de acordar porque o papagaio começou a papaguear:

 

- Dom Rei, Sr. Dr. Rei, Excelentíssimo Rei... Excelência...

- Que quer, Dr. Horácio? Para quê incomodar a esta hora? Não vê que a sesta é sagrada? Vá dormir... - Respondeu o Rei ainda com os olhos fechados.

- Excelência... tenho de lhe falar. Estive a observar os hipopótamos no charco. Calculo, pela velocidade a que se movem na lama, que muito em breve não haverá espaço para todos.

- Que se virem de lado, assim já cabem.

- Excelência, mesmo de lado os hipopótamos amontoam-se sem espaço para os seus banhos.

- Pufff... que façam dieta! - Disse o Rei virando-se para o outro lado.

- O problema não é dos hipopótamos, excelência, é do charco!

 

A conversa entre o Rei e o Dr. Horácio atraiu outros papagaios que papagueavam entre si impedindo definitivamente o rei de dormir. Este, notando a agitação compôs-se e perguntou:

- Então que vem a ser isto? O charco é pequeno? Mudem de charco.

 

“Mudem de charco, mudem de charco”, ouvia-se do coro de papagaios.

 

- O charco tem pouca água. - Respondeu o Dr. Horácio

- Eu mando vir mais água. - Disse o Rei.

 

“Mais água, o Rei manda vir mais água, o Rei manda vir mais água para o charco”

 

- Como? - Perguntou o Dr. Horácio

- Como? Boa pergunta...

O Rei acariciou a juba, pensou e repetiu:

- Como?... Sr. Gouveia, diga-me como é que mando vir mais água?

O Sr. Gouveia era o secretário do Rei. Era uma pantera elegante e astuta que preferia, no entanto, passar os dias a afiar as garras no tronco da bananeira a tratar das contas da floresta.

- Não manda vir. Ou chove ou não chove! - Disse o Sr. Gouveia

 

“Ou chove ou não chove. Não manda vir, o rei não manda vir água.”

 

Cansado dos papagaios o Rei, irado, rugiu:

- Vão-se embora ou mando cortar-vos as línguas e faço um ensopado com elas.

- Excelência, sei que os papagaios gostariam de ir para casa, mas tal como os hipopótamos não se podem banhar no charco porque não há água, os papagaios não podem fazer os ninhos nas arribas dos charcos porque estas estão secas e caem com facilidade. - Esclareceu o Dr. Horácio.

- E porque é que as arribas estão secas? - Perguntou o rei ao Sr. Gouveia

- Porque não chove. Chove cada vez menos, os dias são secos e muito quentes. - Observou o Sr. Gouveia.

- E de quem é a culpa, de quem é? Digam-me que eu mando cortar a língua ao culpado! - Exclamou o Rei

- A culpa Excelência, se é que me permite falar, é do Homem. - Atalhou o Dr. Horácio

- Do Homem? - Espantou-se o Rei

- Pufff.... Do Homem? Se ainda fosse dos pandas, ou dos rinocerontes... Mas do Homem?! É que eu conheço mal o Homem. Gouveia, eu conheço o Homem? - Perguntou o Rei

- Quem conhece bem o Homem é a minha prima Natércia que vive num Jardim Zoológico. A gente - que é como quem diz - vê-se quando vou lá ver a cidade e bicar nos caixotes do lixo. Às vezes apetece-me fast food, que querem?! - Confessou o Dr. Horácio

- E o que é que que a sua prima sabe do Homem? - Insistiu o Rei

- A minha prima está numa casinha pequena, com redes. Aquilo não é como aqui que não há limites para voar. Deixam-na estar lá e dão-lhe comida sem ela ter de caçar, mas não pode sair de lá. Nunca mais. - Respondeu o Dr. Horácio

 

Fez-se silêncio. O Rei andava de um lado para o outro enquanto o Dr. Horácio ajeitava os óculos na ponta do bico e o Sr. Gouveia comia uma baga para ajudar à digestão. Os papagaios curiosos não sabiam se deviam voar ou esperar pela deliberação do soberano.

 

- Está calor, vocês colocam-me questões difíceis e eu necessito de dormir a sesta, ler os meus papéis e aí sim, deliberar! Podem voltar para a sesta. É uma ordem, ouviram? - Disse o Rei

 

Os papagaios voaram sem grande alarido. Iam dar a notícia aos hipopótamos e procurar arribas menos secas. O Dr. Gouveia saiu às arrecuas a fazer vénias ao soberano e voltou para a sua observação do charco. Ficaram apenas o Sr. Gouveia e o Rei. Gouveia elucidou o Rei:

- Este ano o charco está com menos água do que no ano passado. Lembra-se quando era possível estarmos todos lá? Hipopótamos, jacarés, papagaios? Agora o espaço não chega para ninguém. E ninguém consegue ficar ali muito tempo com o calor que está. Chove quando devia estar calor, faz muito Sol quando devia chover. O Homem é que originou isto tudo porque planta poucas florestas e se não há plantas, a água que as plantas guardam não vai para cima, para as nuvens, logo não chove. Se não chove a terra fica seca e arde com mais facilidade e se há incêndios os animais não têm árvores para fazer ninhos.... É preciso pensar bem no que fazer. Fazer ver ao Homem que os animais têm direitos e não se vão calar. Não nos vamos calar! Vamos exigir o que é nosso! - E com isto Gouveia deu um murro num tronco que ali estava ao mesmo tempo que ergueu os bigodes espetando-os no ar.

 

A reunião ficou marcada para o dia seguinte. Toda a floresta estava em alvoroço: os pombos-correio levavam as notícias a todos os cantos, os hipopótamos tomavam banho um de cada vez e as serpentes perguntavam-se o que iria sair dali:

- O que ssssserá que o Rei quer de nóssssss?

À hora marcada todos estavam na clareira do mangal para ouvirem o que o Rei tinha a dizer

- Animais! Como sabem os hipopótamos não conseguem tomar banho no charco. O charco está mais pequeno. Também fui informado que os papagaios não conseguem fazer os ninhos nas arribas e os coalas tiveram de abandonar os seus ramos lá para os lados do Lago Azul porque os incêndios destruíram as árvores. Estamos a ser atacados pelo clima, por culpa do Homem. Após muito pensar concluí que é nosso dever fazer frente a isto. Proponho que falemos com o Homem! E quem vai falar com o Homem é o Horácio!

- Ahh.... Credo! Eu? - Perguntou o Dr. Horácio

O Sr. Gouveia explicou:

- Sim, estávamos a pensar em si. É um papagaio, logo fala e como é Dr., deve saber falar bem.

- Eu... bem... sim, claro - Disse, pouco convencido das suas palavras, o Dr. Horácio.

 

Partiu no próprio dia para a cidade, decidido a visitar a prima e falar com o Homem lá do Zoo. Mas quando chegou e se dirigiu para o tratador das araras, só lhe saiu:

“Louro”, “Olá”, “Beijinho”, “Louro”, “Dá a patinha”, “Beijinho”...

O Homem pareceu não ter ficado impressionado e preparava-se para o meter numa gaiola branca quando o Dr. Horácio bateu as asas e fugiu até ficar sem fôlego, parando somente na floresta. Contou o sucedido ao rei e ao Sr. Gouveia que agendaram nova reunião para o dia seguinte.

 

O dia amanheceu glorioso, mas não havia tempo para ficar deitado ao Sol, já que a reunião com todos os animais da floresta estava marcada para bem cedo. O Rei Ricardo dirigiu-se aos animais:

- Camelos, elefantes, rinocerontes e outros! Animais pequenos e grandes! Quem vos fala é o vosso rei! Sabem que a conversa do Dr. Horácio com o Homem não correu da melhor forma. Vamos, pois, tomar uma atitude mais radical: vamos fazer uma manifestação. Os nossos cartazes serão feitos com folhas de bananeira e sumo de amora. Caminharemos até à cidade para mostrar ao Homem que estamos revoltados. Se o Homem não ouve as nossas palavras, lê as nossas queixas.

Os animais, que gostavam de trabalhos manuais, prontificaram-se de imediato a fazer os cartazes para a manifestação. E com os cartazes prontos, e uma boa marmita, lá partiram numa caravana formada por tigres, elefantes, girafas, macacos e crocodilos. O seu entusiasmo era tal que não puderam deixar de ficar admirados com a ausência de pessoas. As ruas estavam quase desertas e as poucas pessoas que nelas se encontravam fugiam à passagem da caravana. Os elefantes ainda espreitaram pela janela de uma casa, mas não viram ninguém. Esperaram: afinal, tinham comida para algum tempo. Mas a comida foi acabando e os crocodilos, com fome, queriam comer o Homem. Os tigres acharam que era boa ideia voltar e contar ao rei o que acontecera. As girafas e os macacos concordaram. E os elefantes também já estavam cansados daquela brincadeira.

O Rei desta vez demorou um pouco mais a marcar a reunião, mas daí a dois dias havia nova deliberação:

- Animais da floresta! Como sabem o Homem não quis ver a nossa manifestação. Por isso vamos ter de tomar outra medida. Desta vez vamos fazer greve!

- Greve? Mas nós não trabalhamos! - Disse a preguiça.

- Eu já trabalhei... num jardim zoológico. Mas fugi de lá quando estavam a fazer a limpeza - Disse a flaminga Rosinha

- Calma, calma. Estas resoluções nunca agradam a todos. Deixem-me explicar. - Interveio o Sr. Gouveia

O Sr. Gouveia falou aos animais:

- O que vos pedimos é que não façam o que costumam fazer. O Dr. Horácio vai enviar um pombo-correio à sua prima Natércia que está no Zoo, com algumas instruções. O primeiro milho, claro, vai ser para os pardais, mas mais cedo ou mais tarde vão render-se à nossa greve. Nem que a vaca tussa!

- Isso é muito ambicioso e para além disso o charco ainda não secou. - Fez notar o urso - Ainda é cedo, podemos hibernar...

- Aí é que está a questão -, respondeu o Sr. Gouveia. - Não há tempo. Cada dia que ficamos a dormir é um dia em que cortam árvores, um dia com incêndios, um dia em que não chove... Ainda há cinco Verões havia mais água no charco e cada Verão que passa há menos. E não é só no Verão; as estações estão mais quentes. Ou então faz tanto frio que os animais mais pequenos não aguentam e mudam-se. Ou morrem.

 

Este último dito estabeleceu o silêncio na assembleia de animais. Todos conheciam um amigo ou tinham um familiar que tinha morrido pelo calor extremo, pelo frio de rachar, pelos incêndios, pela seca... O Sr. Gouveia prosseguiu:

 - Não pensem que isto vai ser fácil.

- Eu bem disse. - Referiu o urso.

- É preciso que pensem bem antes de alinharem com esta greve.

Os animais ficaram pensativos...alguns teriam de abdicar das suas rotinas e sabe-se lá mais o quê. Mas entre começar a greve, mesmo sem garantias de sucesso, e ficar de patas cruzadas, os animais preferiram a greve.

 

Nos dias seguintes os comportamentos foram mudando. Cada animal contribuía individualmente para a greve de todos. Agora na floresta era possível ver os elefantes a rirem, com a tromba para o alto, já que tinham decidido que não iam mais ficar de trombas enquanto durasse a greve. Os crocodilos por vezes faziam companhia aos elefantes. Tinham-se deixado de lágrimas de crocodilo e andavam satisfeitos da vida. A hiena Hilária, pelo contrário, deixou de rir e amarrou mesmo o burrinho. Ninguém lhe ouvia uma gargalhada e chegava a ser até muito indelicada. Ora os macacos eram os mais desorientados pois tomaram a decisão de não ficar cada um no seu galho. Andavam pelos galhos uns dos outros e esqueciam-se do casaco num, do gorro noutro...

 

Ao princípio tudo corria bem, mas o tempo passou e quando começaram os amanheceres outonais o Sr. Gouveia notou que a floresta estava diferente: como as abelhas não recolhiam mel das flores os ursos começaram a comer plantas que faziam falta às borboletas. Ora as borboletas foram queixar-se aos melros que se decidiram a aborrecer as abelhas piando muito alto na hora da sesta. As abelhas estavam de greve e por isso não podiam picar os melros, o que os irritou muito e levou a que fossem queixar-se aos camaleões e pedissem que estes caçassem as abelhas. As abelhas souberam do sucedido e sentaram-se nas patas traseiras dos camaleões - onde eles não chegavam com a língua - e começaram a zumbir, o que fez com que os camaleões chorassem e alertassem os crocodilos, seus primos afastados. Os crocodilos juntaram-se aos camaleões e como se não bastasse chegaram os rinocerontes a dizer que este problema só existia porque os hipopótamos queriam tomar banho no charco. Todos estes animais juntos acordaram o Rei. Preparava-se este para ir ver de que se tratava quando o Sr. Gouveia chegou esbaforido acenando um papel que trazia na pata. Era um telegrama da prima Elisama, uma gata de Bengala que vivia na cidade em casa do seu humano. O bilhete dizia o seguinte:

 

“Amigos:

Espero que todos se encontrem bem. Aqui na cidade o humano está desorientado. Queixa-se que esta greve lhe está a trazer problemas: sem os diques há inundações, sem as abelhas faltam plantas, sem os elefantes falta água... O Homem pede tréguas e pede que a Natureza funcione como antes. O que acham?  Miaus, Elisama”.

 

O Sr. Gouveia acabou de ler o telegrama e olhou para o Rei.

- Que devemos fazer, Gouveia? - Perguntou o Rei com os olhos esbugalhados

O Sr. Gouveia pensou. Desde o início da greve a floresta tinha mudado. Era verdade que os incêndios tinham acabado, que havia espaço no charco para todos os hipopótamos e que as arribas eram tão sólidas quanto antes. Mas a floresta estava a desarrumada, os animais desavindos e de nada servia esta luta se o Homem não sentisse os seus efeitos. E pelos vistos, sentia.

- Acabar com a greve - Respondeu o Sr. Gouveia - Os troncos dos castores andam pelo chão, os ursos foram à despensa da floresta e comeram todo o mel que lá havia. Os elefantes zangaram-se com as hienas porque estas pararam de rir e agora estão de trombas. As moscas - sim, as moscas - andam quietinhas, mas já não fazem voos rasantes sobre os cocós para ajudarem na decomposição. Agora que há água no charco os hipopótamos não falam com os rinocerontes porque dizem que a água é toda para eles. Temos de acabar com isto. Começa a ser mau para nós e parece que já serviu de exemplo ao Homem.

“Acabar com a greve, o Gouveia quer acabar com a greve. O Gouveia quer, o Gouveia vai acabar com a greve”.

Retomaram, pois, atividade, os banhos no charco e os ninhos nas arribas. O Sol voltou no tempo dele e os incêndios cessaram.


domingo, junho 04, 2023

 - o carteiro -

um casaquinho amarelo, cinco "Vermeeres":













Johannes Vermeer
A Lady Writing a Letter
1665-66
Óleo sobre tela, 45 x 40 cm
National Gallery of Art, Washington













Johannes Vermeer
Lady with Her Maidservant Holding a Letter
c. 1667
Óleo sobre tela, 89,5 x 78,1 cm
Frick Collection, New York













Johannes Vermeer
The Guitar Player
c. 1672
Óleo sobre tela, 53 x 46,3 cm
Iveagh Bequest, Kenwood House, Londres













Johannes Vermeer
The Love Letter (pormenor)
1667-68
Óleo sobre tela
Rijksmuseum, Amsterdão













Johannes Vermeer
Woman with a Pearl Necklace (pormenor)
1662-64
Óleo sobre tela
Staatliche Museen, Berlim