sexta-feira, maio 06, 2022

- o carteiro - 

não ganhei, mas tentei


Num dia quente de Verão
o papagaio Dr. Simão
observava interessado
um hipopótamo de lado.

Tentava o pobre coitado
tomar banho apertado
com outros hipópotamos mais
num banho de lama sem sais.

A água dava para uma poça,
ou então para uma bossa.
O que antes era um rio
estava agora vazio.

Simão voou até ao rei,
que mandava, ditava a lei,
era o Rei da floresta
e estava a dormir a sesta.

“Que me quer, papagaio?”
perguntou o rei de soslaio,
“É a sesta, é sagrada,
ou isto é uma piada?”

“Excelência, majestade
perdoai-me a maldade,
mas a floresta vai mal
diz-vos este animal.

Falta água para o banho
e para dar a um rebanho
o tempo está muito quente
e há incêndios anualmente.”

Simão a voz da ciência,
esperou com paciência.
Mas o rei endoidecido,
rugiu doido varrido:

“O que está prá’í a dizer?
Pois que posso eu fazer?
Se o tempo está quente
e o incêndio é poluente?

“Há que ter uma ideia”
disse o Sr. Gouveia,
pantera assistente do trono,
a quem nunca dava sono.

“O tempo anda trocado,
só chove em dia feriado.
E se os incêndios destroem
É tudo culpa do Homem!

Temos que pensar em agir,
ficar na floresta, resistir.
Este é o nosso lar,
não nos podemos calar!”

Gouveia terminou a prosa
com uma pancada estrondosa,
num tronco de bananeira,
no meio da clareira.

Marcaram então reunião,
com Gouveia e o Dr. Simão,
com os animais da floresta,
que pensaram tratar-se de festa.

No dia seguinte acorreram todos,
girafas e macacos sem modos,
crocodilos, grilos, pardais
e muitos mais animais.

O Rei ergueu alto a voz:
“estamos aqui todos nós
para tratar do problema
que afecta o ecossistema.

O clima anda mudado,
falta água em todo lado,
afecta a savana e o pombal;
é o aquecimento global.

Vamos falar com o Homem.
E para que todos tomem,
esta atitude com atenção,
representa-nos o Simão.”

Para falar com alguém,
que não fosse animal também,
o Simão para o zoo voou
E por pouco lá não ficou.

Abriu o bico, mas o que disse
ía criando chatice.
Fez lindas acrobacias
de palavras vazias.

Balançou e deu a pata,
rodou a omoplata,
fez graças com as penas;
foi esta uma das cenas.

Na outra tentou piar,
dizer “temos de falar”.
Mas saiu-lhe o que tinha:
“Louro, dá a patinha.”

O Homem não percebeu
e quase que o meteu
numa gaiola de arame;
que situação infame!

Regressou esbaforido,
e com o bico torcido,
tal era a vergonha,
da sua verbe medonha.

O Rei convocou reunião
para acalmar a confusão.
Ficou para quarta-feira,
à esquerda da videira.

Tomou-se outra atitude,
comentada amiúde:
“Uma manifestação!”
Disseram o rato e o pavão.

Logo se fizeram cartazes,
com folhas de ananazes,
e tinta escura de amora;
participou toda a flora.

Reuniram-se crocodilos,
camelos, cobras, esquilos,
bisontes para ir à cidade,
espalhar a novidade.

Saíram pois da floresta,
em modo de quem protesta,
contra o Homem actual,
que andava a fazer mal.

Mas qual não foi o espanto,
Após andar assim tanto,
as ruas e outras vias,
estavam todas vazias.

O Homem, com medo,
fechou-se manhã cedo
dentro da habitação
a rezar a São João.

“São João nosso,
dizei-me como posso,
evitar os animais,
que vêm comer os demais.

Vêm todos à cidade,
com toda a naturalidade,
estão a rugir e a silvar,
Ainda nos vão matar!”

Por uma janela aberta,
Helena, a cobra esperta,
olhou, mas não viu viv’ alma
e retirou-se com calma.

“Eu acho que as pessoas
no fundo até são boas,
mas devem estar com medo
do crocodilo Figueiredo.”

Figueiredo disse depressa:
“que disparate, ora essa!
Nada disso, cobra Helena,
eu até tenho a boca pequena!

Mas ao fim de quase três dias,
e sem verem melhorias,
os animais voltaram pra casa
uns à pata, outros ‘ása.

Não se compondo a situação,
nem com manifestação,
o Rei propôs ao de leve:
“Vamos fazer uma greve.”

“Greve? Nós não trabalhamos!”
Disseram as preguiças nos ramos.
As formigas protestaram:
“De que raio se lembraram!?”

“Vamos ficar quietos,
mamíferos e insectos,
e logo logo a Natureza,
mostra a sua grandeza.”

Começaram no dia seguinte,
por volta das nove e vinte,
a águia, a lontra, o puma,
a fazer coisa nenhuma.

As moscas fecharam a asa,
as abelhas voltaram pra casa,
os castores deixaram o dique
e fizeram um piquenique.

As hienas amarraram o burro,
aos elefantes cheirou a esturro.
Não podiam ficar de trombas
e deles riram-se as pombas.

As zebras tiraram uns dias.
Ficaram até mais sadias!
Os sapos saltaram menos
e em charcos mais pequenos.

Dormiram o ouriço e a lebre,
dormiram porque era greve,
o urso hibernou na toca,
a ele juntou-se a minhoca.

Assim passavam os dias
com temperaturas mais frias.
Aproximava-se o Outono
Que dava ainda mais sono

Um dia o Gouveia,
Reuniu a assembleia,
e iniciou a sessão
com esta elucidação:

“Chegou um telegrama
da nossa prima Elisama,
uma gata de bengala,
mais rápida q’uma impala.

“Ela diz que o seu humano,
que é bastante urbano,
preocupa-se com a floresta
e com o que se passa com esta.

Na cidade já se sente,
a mudança no ambiente,
e ninguém está satisfeito,
com o inesperado efeito.

Com os diques ao abandono,
e a floresta quase sem dono,
há risco de inundações,
para todas as populações.

Não há polinização,
as sementes ficam no chão,
não crescem plantas...
Começam a faltar tantas...

Por esta mesma razão,
e tal é a privação,
a situação é urgente,
em casa de muita gente.

O humano pede tréguas,
pois agora vê a léguas,
que quando o Homem erra,
afecta o planeta Terra.”

O Gouveia retomou,
a palavra onde ficou:
“acho que está na altura,
de acabar c’o esta loucura.

Vamos arrumar o habitat,
limpar aqui, ali, acolá,
ajudar o ambiente,
e ensinar a esta gente,

que sem a acção da Natureza,
e a palavra de sua Alteza,
o Mundo perde o rumo,
e esgota-se no consumo.”

Fez-se silêncio na assembleia.
E uma aranha numa teia
parou de imediato o tear
para melhor escutar.

Aos poucos os animais
voltaram para os locais
onde faziam a sua vida
entretanto interrompida.

O Sol veio no Verão,
mas no Inverno não.
A chuva chegou c’o frio,
daquele que dava arrepio.

Os charcos e os rios,
que antes estavam vazios,
ficaram com caudal
para o banho animal.

Rebolaram os hipopótamos,
na água e em bálsamos.
Os papagaios fizeram ninhos
em ramos mais vazios.

Havia árvores para todos
aves e macacos sem modos
Os incêndios cessaram
No Inverno e no Verão.

Esta é pois a história
que ficou na memória.
História dos Humanos,
que mesmo sendo urbanos,

passaram a respeitar
os animais e o seu lar,
e a história dos animais
que só q’riam vidas normais.

13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Maravilha!!!
Adorei!!!
Não sei o que é que a Beluga anda a fazer pela sua vida, mas não pode deixar isto na gaveta. Tem que publicar isto.
Este ""poemita"" faz mais pelos animais e pelo meio ambiente do que tudo o que está orçamentado no Programa de recuperação e resiliência.  TEM QUE PUBLICAR ISTO (desculpe as maiúsculas:)))
A sua poesia tem uma característica muito interessante: tem ideias, mas diverte-se mais com as palavras do que com as ideias.
Gostei muito de conhecer os seus amiguitos: o papagaio Simão, o rei Leão, a pantera Gouveia, a cobra Helena e todos os outros.As suas festas de aniversário devem ser muito divertidas:)))
Acho que merece isto:

https://youtu.be/i9RbBcDTRAI

Que belas quadras, comadre Pomadas!!!

6/5/22 2:11 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A Beluga diz também que perdeu...Enviou este poema para algum concurso? Pode saber-se qual foi? Obrigado.

6/5/22 2:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Contei 65 quadras. Um programa de recuperação e resiliência:)). Muito obrigado por ter partilhado o seu trabalho com os seus leitores:)))

6/5/22 2:46 da manhã  
Blogger Belogue said...

Caro anónimo

Obrigada. Publicar isto? já publiquei; no belogue! era um concurso de literatura infantil, mas para o ano vejo se me apetece concorrer.
boa noite!

6/5/22 10:22 da tarde  
Blogger Belogue said...

Eish!!! eu era mais isto:
https://www.youtube.com/watch?v=Pia8EBfzhF8&t=79s

6/5/22 10:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Lastimo que tenha perdido Beluga.
A sua poesia é notável.
Este seu poema tem minudências que o tornam absolutamente extraordinário.
Recordo-me que já tinha perdido no concurso do pingo doce.
Publique. Publique!

8/5/22 8:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Boa tarde Beluga
Quanto aos seus comentários das 10:
22 e das 10:24, com tiques de vedeta, tipo P-U -B -L -I -C -A -R I-S-T-O-?, só tenho a dizer-lhe que lamento ter esperado outra coisa de gente que se dá com a cobra Helena.
Muito obrigado e não volto a passar por este blog.

9/5/22 12:36 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Prontos , o tiques de vedeta foi um pouco exagerado. Uma brincadeira que não correu bem. Desculpe. :)))

9/5/22 1:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vamossss verre sssse dessssculpamossss. Vou falar com a amiga Beluga. Vamossss ver...

9/5/22 4:03 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Muito obrigado Sra. Cobra Helena. Muito obrigado

9/5/22 4:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

  Olá Beluga.
Fiquei a pensar no seu poema. Acho que merecia  ter ganho. Mas quero falar-lhe de duas ou três coisas, sobre as quais aliás, eu não tenho certezas, mas que talvez  possam ajudá-la a reflectir sobre o que escreve, que é muito bom.
Advirto-a que  não sou escritor, nem  sou ilustrador. A única coisa que sou é um mau leitor.
Ora cá vai: acha, que o seu poema ganhava se houvesse uma ""personagem principal"" do princípio ao fim? Há o Dr. Simão, o Gervásio, o rei Leão, a cobra Helena etc...mas vão entrando e saindo, não tendo um protagonismo claro. Pode dizer-se que a personagem principal é uma personagem colectiva, os animais. Mas tomemos um exemplo clássico da literatura infantil, o Capuchinho vermelho, que por acaso também decorre numa floresta: a personagem principal está bem definida, a atenção da criança foca-se nela e empatiza com ela, mais ainda por ter aquela característica cor no Capuchinho, escolhida para  proteger a criança leitora ao atravessar o perigo que é a floresta. O perigo, por seu lado,  no seu poema também não chega a estar bem ""personalizado"". São as alterações climáticas e as suas consequências ambientais e o Homem fica muito difuso. Não tem olhos grandes, não tem boca grande, nem tem orelhas grandes.  Só a referência a S.João o  caracteriza um pouco, dá-lhe um nome, mas não sei se será suficiente para estimular que um pequeno leitor ""veja"" o perigo. Porque no meu pouco entendimento, o segredo estará talvez em fazer o pequeno leitor ver, nem que seja por um cano vazio
Oxalá que não ache isto um pouco pretensioso, sem sentido e sobretudo extemporâneo numa altura em que acabou de saber que o seu esforço não mereceu o primeiro prémio.  Pode também dizer com razão, que o seu poema é este e não outro e que a moral mais profunda da sua história é justamente deixar os animais serem animais e não personagens humanizadas. Peço-lhe que me desculpe se for assim. Acontece porém que eu gosto muito sinceramente do que escreve.
Queira, por favor, apresentar os meus cumprimentos a sua amiga Helena:)))



11/5/22 8:13 da manhã  
Blogger Belogue said...

Olá anónimo

Tudo começou com uma grande "telha". Estava aborrecida, a sentir que nunca conseguiria escrever (nunca mais). Quando assim é, o melhor é dormir. Foi o que fiz. Quando acordei surgiu-me a ideia de renovar o gato das botas: passaria a ser o gato das botas de cânhamo, que comia tofu e curcuma com laranja. Daí passou para as alterações climáticas: como explicar isto à crianças. Comecei a escrever em prosa, não em verso; a versão em verso vem depois de muitas versões em prosa que não conseguia concluir porque não encontrava um final. Aliás, não estou satisfeita com o final: a greve acaba por surtir efeito, mas também tem consequências para os animais... Não fiquei contente. Mas lá concorri com as duas versões. O Sr. Gouveia é aqui uma pantera, mas na realidade é um gato grande, castanho e branco, que anda pelos telhados lá de casa.
Se calhar não ganhei porque havia coisas melhores. A vida é assim!

Ufa, escrevi muito.

11/5/22 10:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois eu gosto do final. Anti-climax, mas a única rima que parece uma onomatopeia, muito próxima da voz dos animais. E para terminar , pedia-lhe que dissesse se deu um título ao poema e qual foi. Muito obrigado e boas escritas.

12/5/22 12:44 da manhã  

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