quarta-feira, setembro 23, 2009

- original soundtrack -

A propósito das músicas com história, homenageamos uma que fez história. Sem letras, sem imagens. Peço toda a vossa atenção para o vídeo que mereceu um comentário de Nick Cave: "Rios de Sémen". (Ai Kylie se eu fosse mais nova, não me escapavas). E sim, I love Pop. So what?
(Spinning Around, Kylie Minogue)
- não vai mais vinho para essa mesa -

That's all folks? Belogue2? Shit, shit, shit, shit, shit, shit
- ars longa vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como os filmes do Hitchcock, vistos cinco vezes, ainda têm mais coisas para contar, ou como já não é a primeira vez que falo dos filmes dele (principalmente "A mulher que viveu duas vezes" e a "Chamada para a Morte") ou como isto não é tudo porque a obra continua actual e porque podemos analisá-la ao nível dos sapatos, da semelhança entre planos inovadores daquele tempo e os planos da Comunicação Social, ao nível das jóias, da influência sobre os pintores e dos pintores (principalmente Dali em "Spellbpound" - com quem Hitchcock se incompatibilizou - e Magritte) e muito mais. Já não é a primeira vez que a Mattel faz uma Barbie para coleccionador com uma temática como a Barbie Mary Poppins ou a Barbie Grease. A razão para ter postado este "antes e depois" e não outro (tenho um caderninho de anteses e depoiseses) prende-se com uma leitura que estava a fazer um dia destes. O livro falava de uma tríade na cinematografia de Alfred Hitchcock que contemplava por esta ordem os filmes "Intriga Internacional", "Psico" e "Os Pássaros". Neste último, o primeiro ataque de um pássaro dá-se quando Melanie, depois de ter vindo da pequena doca frente à casa do seu amante (depois de ter deixado lá dentro dois pássaros engaiolados para a filha deste), regressa a Bodega Bay no mesmo barco a motor. Ela contempla-o de cada vez mais perto e não se apercebe, assim como cada um de nós, devido ao plano em que a cena foi filmada (ver aqui aos 06m e 04s), da aproximação de um pássaro, do lado esquerdo do ecrã, que desce até à sua cabeça e a bica. Ora este plano lembra de imediato um outro, bem mais trágico e que corrobora a expressão "a vida imita a arte": o das primeira imagens do segundo avião a atingir o World Trade Centre a 11 de Setembro de 2001, imagens essas captadas quase do chão, como um quadro barroco cuja perspectiva se expressa "di sotto in su", "de baixo para cima". Vemos como a entrada no plano do avião vindo da esquerda, surpreende a pessoa que está cá em baixo e é tão rápido que quase só em câmara lenta (ver aqui) percebemos do que se trata.

Pois o livro referia que o embate dos aviões com as torres sujava completamente a paisagem de Nova Iorque e que a relação com estes três filmes de Hitchcock se explicava a nível iconográfico. Primeiro, em "Intriga Internacional" o avião (como um pássaro gigantesco) ataca Cary Grant numa estrada junto a um campo de milho em Midwest (05m e 43s). Depois, em Psycho vemos como o quarto de Norman Bates está cheio de pássaros embalsamados (02m e 56s), que representam o meio-termo entre o avião (o pássaro grande ou muitos pássaros) para o que se passa em "The Birds", o ataque de um pássaro ou de vários pássaros vivos.

Alfred Hitchcock
The Birds
1963


Mattel
Barbie, The Birds
2008
- o carteiro -

Tudo o que você nunca quis saber acerca da utilização do facebook:
Sombra real – a sombra do ponto, quando nele incide um raio luminoso qualquer, projectada de imediato no Plano Frontal de Projecção (PFP) ou no Plano Horizontal de Projecção (PHP), consoante a posição do ponto no espaço.
Sombra virtual – a sombra acessória de um ponto, cujo único propósito é servir de denominador comum entre duas sombras reais projectadas em planos de projecção diferentes. Uma sombra real projectada no PHP e uma sombra real projectada no PFP não podem ser unidas. Usa-se a sombra virtual para encontrar o ponto de charneira, a “plataforma de entendimento” entre duas sombras.

Estes dois conceitos do desenho e da Geometria Descritiva, embora difíceis de compreender sem recurso à folha, ao aristo e ao lápis são o paradigma daquilo que hoje constitui a forma como a maior parte das pessoas vive as aplicações ciberculturais.
Antes de avançar neste post devo dizer que:
- o Belogue, a Beluga e eu não temos nada a objectar em relação a quem tem Facebook ou em relação ao Facebook em si, mas à forma como a maior parte dos utilizadores faz uso da aplicação.

- Sou a pessoa mais suspeita para falar deste assunto pois vivo no medo constante de não ser fisicamente aquilo que esperam de mim.

A razão pela qual não concordo com o Facebook e porque o mesmo padece de vários “males”: é narcísico, viciante e ilusório. É narcísico porque necessita da aprovação do outro, do comentário alheio. Como os diálogos se fazem a dois, é sempre obrigatória a presença de outro. Quando esse outro não aparece experiencia-se a sensação de desilusão, de abandono, de ausência de um feed-back. Parte-se, com o objectivo de provocar esse feed-back, para as observações de cariz intimista e pessoal que criam quase sempre a piedade alheia. E embora não se procure a piedade, à falta de melhor, toma-se esta esmola como algo positivo (voluntário e sincero) criando-se assim um ciclo vicioso. Funciona esta auto-estima in vitro ao mesmo nível das endorfinas, só que tomada em doses para mamute.

A quem argumenta que o mesmo se passa, ou pode passar nos blogs (falo da minha experiência apenas. Nunca tive Hi5, Orkut ou conta de Messenger), a verdade é que isto se passa numa aplicação que supostamente serve para “fazer amigos” ou recuperar “amizades perdidas” pelo tempo. Que tipo de intimidade podemos estabelecer com amigos com quem não temos contacto desde a saída de circulação do escudo e, ainda mais, com amigos acabadinhos de fazer, daqueles que ainda estão quentinhos? E para os amigos que estão apenas distantes fisicamente? Onde está o postal, a carta, o telemóvel e, por muito que me custe chegar a este degrau na enumeração, a impessoalidade do mail? Há uma facilidade falaciosa em falar com aquele que não conhecemos, ou com o que acabamos de conhecer, em detrimento daquele que nos está no sangue ou na memória. É ou não verdade que preferimos a legitimação do desconhecido do que a do conhecido? A reprovação do desconhecido em detrimento da legitimação do conhecido? A coibição de qualquer um deles ao marcar do número de telemóvel de um amigo que mora a poucos quilómetros de nós?

O Facebook facilita um certo facticismo gestual que cria a ilusão de vida real ao fazer com que os intervenientes, com a esperança do elogio do outro, o elogiem de volta. Assim observa-se um diálogo óbvio que consiste na troca de encómios, como requer a falsa conversação. No dia-a-dia, quando um desconhecido que espera connosco pelo comboio nos vê tiritar de frio diz: “hoje está mais frio, não é?”, é óbvio que iremos responder qualquer coisa como “é, arrefeceu muito.” Há um código instituído desde tempos imemoriais que faz com que este diálogo vago e feito de factos do conhecimento geral subsista no tempo. Não cria amizades, mas permite fazer a manutenção das normas vigentes que sendo um aborrecimento ou não, dão-nos a possibilidade de viver em sociedade de uma forma saudável. Já no Facebook nota-se por parte de muitos utilizadores que na troca de palavras com os amigos antigos e reencontrados, ou com os amigos novos e desconhecidos, faz-se o percurso inverso. Há um grau de conhecimento mútuo (ou presume-se que esse grau exista e todo o diálogo é orientado nesse sentido) e por consequência a troca de confidências e elogios factuais, que podem ser dirigidos em específico àquela pessoa ou não, e levam à ilusão de cumplicidade. Assim é possível ter no Facebook 400 amigos absolutamente desconhecidos, só pelo prazer do acumular, pela necessidade de reconhecimento geral e por salvaguarda de possíveis candidatos a carpideiras caso se mostre necessário, e na gare do comboio nenhuma resposta à mini provocação “está mais frio”.

Aceito todas as críticas, caso exista alguma, e respondo pelas minhas palavras. Reconheço que a reserva em me mostrar, em me encontrar na vida real com alguns dos que aparecem aqui, se deve à minha insegurança e que por isso o meu exemplo pode não ser entendido como concordante com o acima escrito. Mas a razão para não ter 400 amigos e apenas 5 é porque só tenho capacidade para retribuir com o máximo de honestidade a estes cinco. Desculpem o tom duro.

P.S. (salvo seja!) – Não considero o Twitter pois é um GPS para sub-16 com espelho incorporado.
- o carteiro -



- ars longa, vita brevis -
hipócrates

(isto hoje não está grande coisa. O que até já se está a tornar um hábito. Shame on me!)
Música
- Dionne Bromfield tem apenas 13 anos, mas canta assim e no próximo dia 12 de Outubro vai lançar o seu disco de estreia. Embora eu de vez em quando note um tom Sequim D'Ouro na voz dela, já se fala da sucessora de Amy Winehouse, e com a marca Lioness da cantora problemática que Dionne virá para o mundo dos crescidos.
- Kitty, Daisy and Lewis eh pá... porque sim.
- Já há muito tempo que não se (ou)(via) no Metropolitan de Nova Iorque uma ópera tão vaiada. Há que dizê-lo com frontalidade: pelo menos houve música do princípio ao fim! A Tosca de Puccini foi um tour de force, uma vez que mesmo vaiados, os artistas insistiram em vir ao palco agradecer os assobios enquanto o director tentava a todo o custo que a cortina descesse. As vaias deveram-se à forma como o director, Luc Bondy, tentou descolar-se da inesquecível encenação de Franco Zeffirelli. É que o homem inovou tanto nos cenários que não colocou a bota a dizer com a perdigota: no libreto Tosca ataca Scarpia com um punhal e ali não havia punhal e pior! Quando Tosca vê que ele está morto, diz o libreto que acende uma vela e lhe deixa um crucifixo no peito, mas no cenário não há crucifixos nem candelabros nem velas.
Publicidade
- em 2009 (como se apela ao sentimento e aos fundos de investimento)
- ... e em 1993 (como se pensava o futuro na At&T)
- e num tempo em que espero, nunca nenhum de nós viva (fotografias de Steven Klein para um editorial de moda da Vogue Hommes Internacional)
Moda
- From head
- to pocket
- to toe (os sapatos de vidro de Martin Margiela)
Livros
- A agonia do Cristianismo, Miguel de Unamuno
- Bartleby, o escrivão, Herman Melville
- Crime nos Estábulos, Agatha Christie

terça-feira, setembro 22, 2009

- o carteiro -

amanhã há posts.

sábado, setembro 19, 2009

- back to black -

"Facebook killed Web logs" - Beluga & Mim

quinta-feira, setembro 17, 2009

- original soundtrack -


I turn sideways to the sun
keep my thoughts from everyone
It's a jungle, I'm a freak
Hear me talk, but never speak


So I'm stepping out of time
because breaking is a crime
And it may all be too late
but I've no passion for this hate


That's the price of love (that's the price of love)
Can you feel it (can you feel it)
If we could buy it now (that's the price of love)
how long would it last (that's the price of love)


And when this building is on fire
these flames can't burn any higher
I turn sideways to the sun
and in a moment I am gone


That's the price of love (that's the price of love)
Can you feel it (can you feel it)
If we could buy it now (that's the price of love)
how long would it last (that's the price of love)
...

(World, New Order)
- não vai mais vinho para essa mesa -




Guta (1m:07s), Experimenta sérum para pontas secas.



- o carteiro -
quando um não quer, dois não pecam - procriação II
Apesar de os homens (e as mulheres) muito terem equacionado sobre a procriação, o seu raciocínio nem sempre foi nem é ainda racional. Algumas teorias sobre a concepção do embrião têm tanto de fantasista quanto de perturbador e só podem ser o resultado de épocas opressivas ou de sociedades que usam a ciência e a religião para esconder as suas faltas. Estas invenções e mitos encontram-se em qualquer religião e em qualquer tempo. Note-se que ainda hoje nas revistas da especialidade, os supostos sexólogos e ginecologistas, médicos dóótóres respondem a perguntas como "sentei-me na moto do meu namorado. Estarei grávida?" (depende... ele também estava lá sentado?). Desde a Antiguidade que como já dissemos, foi muito justa para o cidadão (homem com mais de vinte anos nascido na Grécia, tudo o resto eram metecos, mulheres ou escravos e por isso, não cidadãos), mas madrasta para a mulher, proliferaram lendas que estavam associadas à mitologia, mas também serviam o interesse grego em não justificar o papel social da mulher. Vejamos... não estou aqui a fazer um manifesto feminista porque isso é uma grande chatice e eu não tenho paciência. Mas a verdade é que histórias inicialmente narradas pelos grandes escritores como Virgílio, Homero, Hesíodo ou Platão, passaram a ser Verbo. No que diz respeito à procriação dos seres humanos, dos mortais (isto porque a dos deuses vem mais daqui a nada), as mulheres são "autorizadas" a procriar com inspiração divina. Digo "autorizadas" porque obviamente se desconhecia todo o mistério que estava à volta da concepção do embrião. Mesmo o próprio útero era um mistério, uma coisa que sangrava, provavelmente dissuasora nas autópsias, no estudo do corpo morto. É certo que os gregos sempre preferiram esculpir homens e só mais tarde, com Fídias as mulheres passaram a ser tema e corpo de escultura. Por isso esta noção de concepção divina ou sem intervenção do homem justificou para os gregos os fenómenos injustificáveis. Virgílio fez passar a ideia, segundo uma descrição no texto Geórgicas que as mulheres (aqui sob a forma de éguas) engravidavam porque inspiravam o vento Zéfiro. Ficavam grávidas do ar! Outros filósofos diziam que as galinhas eram fecundadas apenas pelo cantar do galo e as perdizes, pelo cheiro do macho.

Andreas Cellarius
Influência da Lua na procriação
Na mitologia hindu a gestação de Buda durou dez meses e foi concebido em sonhos através da entrada no corpo da mãe (rainha Maya), de um pequeno elefante com seis dentes. Quando, após os dez meses, a rainha tentou colher uma flor de uma árvore, Buda nasceu da sua anca. O mesmo aconteceu na mitologia grega. Veja-se o exemplo de Dionísio, filho de Sémele, uma mortal que morreu enquanto Zeus se exibia perante ela. Ficou durante três meses na coxa de Zeus depois deste o ter retirado da mãe já morta. A própria mitologia grega tem os nascimentos mais estranhos da História (uma prerrogativa da mitologia). Atena, nasceu de elmo posto e já formada da cabeça de Zeus. Este tinha literalmente, comido a mãe dela, Métis. Afrodite nasceu do mar, pelo menos é assim que é pintada. Era filha de Urano; ou seja, era filha dos órgãos genitais de Urano que foram atirados ao mar após cortados por Cronos. Herácles nasceu graças a uma distracção de Hera (a legítima de Zeus) que para se vingar do seu marido andar metido com Alcmena, cruzou as mãos e os pés para ela não dar à luz. Só que distraiu-se e Alcmena lá deu à luz ao fim de sete dias de agonia. Na mitologia egípcia a promiscuidade era maior e nota-se no caso do nascimento de Osíris e Ísis, dois deuses primordiais. Osíris e Ísis eram gémeos que no útero da mãe estavam tão unidos que quando nasceram, já Ísis estava grávida de Hórus. O pai era, como não podia deixar de ser o irmão e marido Osíris. Esta história fez com o médico cirurgião Cosme Viardel reconsiderasse a sua tese sobre os gémeos e a bolsa amniótica de cada um, pois segundo aquilo que se dizia na época era que os gémeos falsos tinham bolsas amnióticas separadas para manter as decências


Cosme Viardel



E assim como a religião criou, à sua medida, as regras para o "bom sexo" que estava relacionado com o casamento e com a procriação, a sabedoria popular também criou as suas normas que apesar de estranhas, estão muitas vezes correctas e vão onde nenhuma ciência vai. Claro que os fenómenos da sabedoria popular podem ser explicados cientificamente, mas o facto de existirem criam por si estranheza. Lembro-me de ouvir coisas que mais tarde vi serem verdade como: um bolo ou um pão feitos por uma mulher com o período menstrual nunca levedam, a premira vez que uma árvore dá fruto, o mesmo não pode ser colhido por uma mulher ou a árvore não dará mais fruto. Como as mulheres não podem, devido aos filhos, abandonar as terras e partir em busca de uma nova vida, têm que, em muitas sociedades, dedicar-se à terra. São por isso elas as guardiãs dos segredos telúricos e com a sabedoria feminina, os homens não brincam. A Terra (feminino) é fecundada pelo Sol (masculino) e está em constante produção; está permanentemente e procriar. Por isso, e por as mulheres estarem relacionadas com a sabedoria tectónica, em determinadas civilizações como as que professam crenças indianas os jovens esposos que desejem filhos devem passar a primeira noite numa caverna, numa gruta de nome “fona”; ou seja, vagina. Daí, do interior da Terra vai brotar uma criança. Dizem que os menires tinham esse significado: pedras que fecundam para sempre a Terra. para além disso tinham um poder afrodisíaco e médico, uma vez que curavam os homens que neles se sentassem de infertilidade e seriam benéficas para as mulheres que ali roçassem o sexo e pretendessem engravidar. Outras manifestações naturais como os rios, quedas de água e as respectivas nascentes possuem um significado e analogia óbvias. São os locais de onde as forças da Natureza emergem do interior da terra. Há populações que recomendam, aos casais desejosos de filhos, que tenham relações na água: se serve para os cardumes e para os patos, serve para os humanos. As mulheres que desejem ser fecundadas devem abrir as pernas frente ao mar ou a uma corrente de água, para que esta possa penetrar no seu sexo. Da mesma forma se diz que a água, que a rebentação das ondas do mar no ventre de uma mulher grávida provoca aborto. Para além desta água que brota do interior da Terra, existe uma outra forma de presença da água, à qual é atribuída um poder fecundante que na minha opinião faz mais sentido: a água das chuvas, especialmente amada nas regiões que sofrem com a seca. A devoção e interesse que certas populações mostram pela água das chuvas é fácil de compreender: não vem da própria Terra, mas do Céu, logo é uma forma de fecundação e é tão rara e preciosa, única no ano (na Primavera) que só pode ter um poder de fecundar os seres que por ela são atingidos. Voltando à mitologia, não esqueçamos que Danae foi fecundada por Zeus que se transformou numa chuva de ouro para chegar até ela. Desta união nasceu Perseu.

Charles Joseph Natoire
Boreas and Orinthyia
1741
Indianapolis Museum of Art


Ticiano
Danaë
1553
Hermitage, São Petersburgo

Com efeito, com o passar dos tempos e até pelo menos ao século XVII, acreditava-se que era possível as mulheres engravidarem pelo ar ou pela água. Na Idade Média, esta justificação era muito útil para as senhoras de bem cujos maridos partiam para a guerra. Quando se viam "solteiras" e com mais uma criança a caminho, só uma boa mentira corroborada pela Igreja podia salvá-las das más-línguas. Desta forma virgens tinham filhos, viúvas tinham filhos, mulheres sem marido tinham filhos... tudo isto sem o toque sequer de um homem. O homem exilado ficava convencido e tudo acabava bem na harmonia do lar. Por outro lado, afastava as mulheres de lugares como os banhos públicos ou as termas. Fazia com que elas andassem mais cobertas, pois tal como se pensou em relação aos males do corpo, a culpa era do banho. Muitas mulheres eram aconselhadas a não ter as janelas abertas à noite, se não queriam engravidar; poderiam engravidar apenas pelo inspirar. (Não deixa de ser curioso que um dia destes numa conversa com um médico ele dizia que respirar era fatal, era o que levava à morte.) A lenda de que o sémen - ou qualquer coisa muito semelhante - poderia andar pelo ar ou pela água - vinha de uma crença inspirada em Anaxágoras e chamava-se Panspermia. É-me difícil explicar o que era, mas esta crença dizia mais ou menos isto: pan (total)+sperma (semente) queria dizer que a vida estava em todo o Universo, que era fruto de um caldo arcaico, onde se tinham formado, com a ajuda de forças da Natureza (relâmpagos, furacões, chuvas) moléculas, aminoácidos, proteínas, genes por fim os seres microscópicos com um grau de complexidade e aperfeiçoamento cada vez maior. Era a geração espontânea aqui ilustrado por uma parte de um quadro de Bosch onde do lago as espécies nascem por geração espontânea. Assim, tal como o pólen retirado às flores andava pelo ar, quem sabe se os espermatozóides voariam.
Hieronymus Bosch
Triptych of Garden of Earthly Delights
1500
Museo del Prado, Madrid

Na minha opinião, e tenho a certeza que na opinião de muita gente, tenho a certeza que estas aberrações, ou pior do que isso, a ausência de um interesse científico sobre a forma como a mulher pode engravidar e sobre o seu aparelho reprodutor em comparação com as teses sobre o aparelho reprodutor masculino, são sexistas e criadas como encapotamento de uma incapacidade para penetrar no mundo feminino. Este "penetrar" também quer dizer isso mesmo que estão a pensar! São sexistas porque os homens que não compreendiam bem o seu papel na reprodução (porque é que elas é que são incubadoras e eles não é uma pergunta capaz de incomodar muitos homens, perante a gravidez dos cavalos marinhos, mas é igualmente uma pergunta capaz de ajudar muitos clérigos. Afinal, Cristo disse que amaldiçoaria Eva com as dores do parto). São por outro lado infantis porque, sabendo nós que as mulheres vinham com "mais peças", os homens nunca tentaram perceber a razão para cada uma delas e atribuíram isso a algo diabólico. A mulher é a incubadora, o incubo, o demónio que dará uma vida. Não é por acaso que a mulher está associada à serpente. Vejamos este excerto do Timeu de Platão:
"Também nas mulheres e pelas mesmas razões, a chamada matriz ou o útero é um animal que vive nelas com o desejo de fazer filhos. Quando fica muito tempo estéril após o período da puberdade, tem dificuldades em suportá-lo, indigna-se, erra por todo o corpo, (...) até que, quando o desejo e o amor unem os dois sexos, eles podem colher um fruto, como numa árvore, e semear na matriz, como num sulco, animais invisíveis pela sua pequenez (...)"

O mistério da negação das mulheres face ao sexo, comparativamente às ereções masculinas (porque o útero tem erecções internas, ah pois é!) involuntárias e "indesejadas" durante o sono (causadas por Lilith segundo alguns crentes), é algo de intrigante. O homem e a mulher só poderiam pecar se os dois quisessem, mas para os homens naquela altura, o enigma que constituía o fascínio por esta porta do corpo feminino, porta esta cuja abertura estava dependente delas, apenas da vontade delas, era assustador. Entre o ar e a água e o homem, o homem via-se ameaçado pelos elementos naturais.

Entre estes elementos naturais encontramos a terra. Não estamos a falar na Terra como princípio feminino criador, mas como fonte de nascimento de crianças numa extensão daquilo que já acontece com as espécies vegetais. Vários deuses nasceram sob as árvores e na Alemanha acreditava-se que existiam criaturas semelhantes a duendes a viver dentro das árvores com nomes estranhos como "esposas-de-musgo". Existe um vocabulário que criou a tradição e corrobora o que aqui vamos falar: a vagina é associada à maçã cortada ao meio, ao morango e a alguns vegetais, o pénis é associado à cenoura, ao pepino e os testículos, a todos os frutos que sejam pequenos e redondos e por fim a fecundação é, nos termos mais infantis, a colocação de uma semente masculina na "barriguinha da mãe". Mesmo nas Escrituras, a mulher é vista como um campo fértil, a ser semeado pelo homem e segundo a sabedoria popular, o primeiro dia da Primavera é o dia do casamento dos pardais. Quando se fazem as colheitas, homens e mulheres participam em festas que não sendo propriamente orgíacas, são sempre vistas com muito entusiasmo estando os trabalhos divididos entre mulheres e homens: elas debulham o milho, eles malham-no. Diz-se que a romã dá ao homem a força viril, que o fruto da piteira, segundo a religião asteca foi utilizado para nutrir o primeiro homem e a primeira mulher, na Europa planta-se uma macieira sempre que nasce uma criança, o fruto da Oliveira era usado nos antigos rituais de fertilidade, no Japão o pessegueiro é símbolo da fertilidade, and so on, and so on...
A ideia que as crianças nascem das couves está relacionada com esta associação entre os frutos e os vegetais e a fertilidade, mas também com a falta de argumentos para explicar às pessoas - às crianças em especial - de onde é que elas nascem. Dizia-se que vêm de França transportadas pela cegonha. Aliás, os franceses utilizam muito os nomes dos vegetais como "mon chou" (minha couve) para se referirem a algo querido ou pequeno ou que amam. Por outro lado, embora essa seja uma realidade que nos é distante, para o paganismo a couve era utilizada para designar o órgão sexual feminino. Associam as duas coisas por causa do cheiro (eu nem sei o que dizer) e por causa do desenho da couve quando cortada.




Não era só a flora que tinha influência nos nascimentos; a fauna também tinha. Quer isto dizer que assim como era possível uma mulher engravidar de igual forma de um homem como de um elemento natural (um respiro, um gole de água, uma pedra, uma flor), também podia ficar grávida de um animal. A mitologia grega já nos diz isso, mas convém lembrar alguns exemplos. Não é que ninguém vá ler e ficar mais esclarecido, mas eu fico melhor com a minha consciência. A rã, por exemplo é um símbolo fetal no Egipto e tem para o Ocidente um significado evolutivo que muitas vezes não notamos. Quem não conhece a história dos irmãos Grimm em que o sapo (está certo que um sapo não é uma rã) é beijado pela princesa. O sapo é o estado intermédio entre o girino/espermatozóide e o humano (o sapo transforma-se em príncipe). A serpente, o ourobouros que já referi aqui é a serpente que morde a própria cauda. Como forma um círculo fechado, é estéril, mas como se fecunda a si própria pode ser vista como símbolo da fertilidade.

Paolo Porpora
Still-Life with a Snake, Frogs, Tortoise and a Lizard
National Museum of Wales, Cardiff

Antonio Carracci
The Rape of Europa
Pinacoteca, Bolonha

Bartolomeo Ammanati
Leda with the Swan
Museo Nazionale del Bargello, Florença
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois literário. Depois da lenda do Rei Salomão e da sua sabedoria que fez com que uma criança fosse poupada. Brecht repete a fórmula em "Círculo de Giz Caucasiano", cujo excerto apresento em inglês devido à impossibilidade de encontrá-lo em português. Esta peça para teatro de Brecht conta a história de uma mulher, servente, que fica a tomar conta de uma criança herdeira depois da mãe a ter abandonado. O papel de Salomão cabe aqui ao juíz Azdak. Mesmo que não leiam, sempre fica o post:

"Então vieram duas mulheres prostitutas ao rei, e se puseram perante ele. E disse-lhe uma das mulheres: Ah! senhor meu, eu e esta mulher moramos numa casa; e tive um filho, estando com ela naquela casa. E sucedeu que, ao terceiro dia, depois do meu parto, teve um filho também esta mulher; estávamos juntas; nenhum estranho estava conosco na casa; somente nós duas naquela casa. E de noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele. E levantou-se à meia noite, e tirou o meu filho do meu lado, enquanto dormia a tua serva, e o deitou no seu seio; e a seu filho morto deitou no meu seio. E, levantando-me eu pela manhã, para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas, atentando pela manhã para ele, eis que não era meu filho, que eu havia tido. Então disse à outra mulher: Não, mas o vivo é meu filho, e teu filho o morto. Porém esta disse: Não, por certo, o morto é teu filho, e meu filho o vivo. Assim falaram perante o rei. Então disse o rei: Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho o morto; e esta outra diz: Não, por certo, o morto é teu filho e meu filho o vivo. Disse mais o rei: Trazei-me uma espada. E trouxeram uma espada diante do rei. E disse o rei: Dividi em duas partes o menino vivo; e dai metade a uma, e metade a outra. Mas a mulher, cujo filho era o vivo, falou ao rei (porque as suas entranhas se lhe enterneceram por seu filho), e disse: Ah! senhor meu, dai-lhe o menino vivo, e de modo nenhum o mateis. Porém a outra dizia: Nem teu nem meu seja; dividi-o. Então respondeu o rei, e disse: Dai a esta o menino vivo, e de maneira nenhuma o mateis, porque esta é sua mãe."

(1 Reis 3, 16-27)


Azdak: Plaintiff and defendant! The court has listened to your case, and as come to no decision as to who the real mother of the child is. I as Judge have the duty of choosing a mother for the child. I'll make a test. Shauva, get a piece of chalk and draw a circle on the floor. Now place the child in the centre (criança sorri para a mãe adoptiva). Paintiff and defendant, stand near the circle, both of you. Now each of you take the child by a hand. The true mother is she who has the strenght to pull the child out of the circle towards herself.
Advogado: High Court of Justice, I protest! I object the fate of the great Abashvili states, which are bound up with the child as the heir, should be made dependent on such a doubtfull wrestling match. Moreover, my client does not command the same physical strenght as this person, who is accustomed to physical work.
Azdak: She looks pretty well fed to me. Pull!
[a falsa mãe puxa, a mãe adoptiva larga a mão da criança]
Advogado: Congratulations! What did I say! The bonds of blood!
Azdak (para a mãe adoptiva): What's the matter with you? You didn't pull!
Grusha: I didn't hold on to him. Your Worship, I take back everything I said against you. I ask for forgiveness. If I could just keep him until he can speak properly. He knows only a few words.
Azdak: Don't influence the Court. I bet you know only twenty yourself. All right, I'll do the test once more, to make certain. Pull!
[a falsa mãe puxa e a mãe adoptiva volta a largar a criança]
Grusha: I've brought him up! Am I to tear him to pieces? I can't do it!
Azdak: And in this manner the Court has established the true mother. (Para Gruska) Take your child and be off with it.


Brecht
1944-1945
página 94
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
[1]
A Single Man the Tom Ford (sim, o ex da Gucci), conta a história de um professor que após a morte do seu amante tenta levar uma vida normal contando para isso com a ajuda de uma amiga. Com Colin Firth e Julianne Moore (que já antes tinha feito de esposa de um homossexual em "Longe do Paraíso" e em 2010 fará dupla lésbica com Annette Bening). O filme já ganhou o Queer Lion para melhor filme gay. Let´s look at a trailer...

[2]
O semanário NME chega às bancas com treze capas diferentes, todas elas com fotografias dos Beatles. São 13zinhas, para coleccionador ver e para comemorar a chegada de mais um disco de homenagem à banda. Apressem-se porque só há 100o cópias.
Houston, tenho a informação de que já não há nenhuma...
A indústria da música põe a render a sua eterna galinha dos ovos de ouro. "Mailo" Elvis e o Jackson.

[3]
Não era bem isto que eu queria postar, mas cá vai o "poder do marketing"

[4]
Depois da "asfixia democrática" (MFL dixit) e da "eutanásia social" (Portas dixit), aconselho o BE a apropriar-se dos possíveis temas fracturantes que podem dar mais do que soundbytes na campanha. Podem dar, quando agrupados, maus bitaites:
- a pedofilia partidária comunicada pela CNE a propósito do caso do MMS
- aborto cultural ou procriação cultural presidencialmente assistida
- homicídio agrícola em primeiro grau
- agilização do divórcio entre o trabalho e o emprego
- violação educativa ("ya, estivestes a ver?)

- não vai mais vinho para essa mesa -

Uma vez um portuguez à vez
tinha medo de ser alegre
e um portuguez de vez
vergonha de ser diferente

Ambos tinham inveja
de um terceiro portuguez
que era burguez

Ora o facto levou o primeiro
portuguez à loucura
e o segundo à estupidez

Ao saber disto um quarto
portuguez que ia a passar
mandou dizer que se sentia
imensamente feliz.

(Joaquim Castro Caldas, Parábola da pequenez)

quarta-feira, setembro 16, 2009

- post para tapar post -

Quero agradecer a todos:
Ana, ainda bem que vens e que gostas. Quando não gostares, telefona que eu coloco um "CENSURADO" a vermelho, só para ti. Como estás? Não fica muito bem mandar beijos por post, mas, beijos.
Jimi, desde há um bocadinho via gmail! Don't make me blush! Só coloquei os lábios porque não gosto de ver fotografias com cabeças cortadas pelo pescoço. Quanto às outras, às da exposição, tu devias ser punido com uma anemia por publicares isso. Não é que eu seja gira ao vivo e a cores, mas em fotografias fico com cara de prostituta drogada. Diz aos teus amigos que é photoshop. Do mau!
AM, é um pássaro? É um avião? Não, afinal é o Belogue. O fotógrafo devia estar com pressa para tirar as fotografias de toda a classe e nem me deixou construir de raiz. As sombras estão sempre, mas quando há luz, caramba... É preciso uns óculos de Sol!
Cara Alma (isto é uma antítese porque quem "vê caras não vê corações"), obrigada!
João Barbosa, imprima essas que eu vou imprimir umas a dizer "skinny bitch", para quando me for pesar. Não percebi as bolinhas, mas tenho a certeza que me vai explicar!
Rita, como ouvi um dia destes, tens de dizer "Eu curto o Belogue da Beluga porque manda bué de cenários". Não perguntei o que queria dizer, mas acho que as miúdas que disseram "manda bué de cenários" também não fazem ideia. Beijos
O que seria mesmo irónico era se este post tivesse mais comentários que o anterior.

domingo, setembro 13, 2009

- 4 anos de Belogue -

Há quatro anos a construir o Belogue (humm... ou seria um pinhal com rodas?). Obrigada aos que vêm, aos que vêem e a mim. Faltam-me as palavras para dizer tudo aquilo que fizeram por nós.

sexta-feira, setembro 11, 2009

- original soundtrack -

Compare the best of their days
With the worst of your days
You won't win
With your standards so high
And your spirits so low
At least remember ...
This is you on a bad day, you on a pale day

Just do your best and don't ...
Don't worry, oh
The way you hang yourself is oh, so unfair

See the best of how they look
Against the worst of how you are
And again, you won't win
With your standards so high
And your spirits so low
At least remember ...
This is you on a drab day, you in a drab dress


Just do your best and don't ...
Don't worry, oh
The way you hang yourself is oh, so unfair
Just do your best and don't ...
Don't worry, oh
The way you watch yourself is oh, so unfair


Just do your best and don't ...
Don't worry, oh
The way you hang yourself is oh, so unfair
Just do your best and don't ...
Don't worry, oh
Do your best and don't ...



(Do your best and dont worry, Morrissey)
- não vai mais vinho para essa mesa -


pior do que estar bêbada, é estar trêbada.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou “como eu tenho a sensação de que quando falo deste quadro digo sempre a mesma coisa” ou “como Fontainebleau está localizado a cerca de 60km a Sul de Paris, perto do vale do Sena. Era um destino popular dos reis de França: Luís VI construiu em Fontainebleau uma casa de caça e Francisco I da casa de Valois-Angoulème, reconstruiu o antigo palácio aí existente em 1528. Esta tornou-se a residência favorita do monarca que levou até ao palácio de Fontainebleau inúmeros artistas italianos que criaram a decoração e pinturas interiores pelas quais o palácio ficou conhecido. Este rei, não só convidou artistas italianos para trabalharem na sua corte, como fez alguma pressão para que os artistas franceses e flamengos que ali se encontravam produzissem trabalhos ao estilo dos grande4s mestres italianos. Foi daí que veio um estilo próprio chamado Escola de Fontainebleau de onde este quadro é proveniente.

A Segunda Escola de Fontainebleau , entre 1530 e 1590 é claramente influenciada pelo estilo Maneirista, com as suas cores vibrantes, corpos sensuais e as formas alongadas. Uma das pinturas que representa bem este estilo é esta, a de Gabrielle d'Estrées e a sua irmã Julienne duquesa de Villars. As duas mulheres aparecem num "meio-nu"; ou seja, apenas despidas da cintura para cima, o que já nem era considerado escandaloso para a época. Nisso, a sociedade retrocedeu: há algum tempo atrás, uma exposição de Cranach em Londres levantou polémica porque os cartazes da exposição espalhados pelo metro de Londres mostravam algumas pinturas de nus do artista e claro, houve quem se insurgisse! Durante o Renascimento as pinturas de nu tornaram-se relativamente banais, fossem elas retratos de Adão e Eva, de personagens mitológicas ou até, como neste caso, de personagens reais (reais nos dois sentidos). Claro que estas senhoras estavam mais ou menos habituadas a andar nestes trajes, ou com qualquer coisinha em cima apenas, uma vez que, segundo se sabe, Gabrielle era amante do rei Henrique IV, o primeiro monarca da dinastia de Bourbon, conhecido como "O Bom Rei". As duas senhoras estão numa banheira como se estivessem na boca de cena de um teatro: repare-se nas cortinas em vermelho vivo que as emolduram! Ao fundo, a única pessoa vestida do quadro, provavelmente uma serva, encontra-se a trabalhar, debruçada. A sua posição e o seu anonimato mostram-nos o quão longe ela está do contexto: é quase como se a senhora não fosse importante para o quadro ou como se a sua presença viesse colocar em evidência a nudez que grassa o quadro. Algo que corrobora este meu pensamento de que o até o inanimado colabora com a nudez, é a fogueira acesa e sobre ela, um quadro dentro do quadro que mostra as pernas de um homem nu quase como complemento ao tronco nu das senhoras.

Gabrielle e a sua irmã são muito magras, reflectindo em certa medida o ideal de beleza do Maneirismo. A pele também é muito pálida e totalmente uniforme, o que nos pode indicar a presença de algum tipo de cosmético, porque nisto da pintura e da fotografia não há milagres: as pessoas têm poros e sinais e imperfeições. Embora também fique inebriada por um rosto e um corpo imaculado, temos de destrinçar as coisas. A pele pálida, muito branca mesmo era um sinal de beleza e riqueza, uma vez que só ficava moreno quem trabalhava de sol a sol nos campos. Esses eram pobres, tinham a pele curtida pelo Sol. Os ricos não trabalhavam, viam trabalhar. Nota-se aqui que os cosméticos foram aplicados tantos nos mamilos destas duas mulheres (não têm aréola, a parte mais escura e redonda à volta do mamilo) como nos rostos (bocas pequenas e vermelhas, blush nas maçãs do rosto...). Embora segundo os padrões de hoje nada nos indique isso, Gabrielle era considerada uma das mulheres mais bonitas de França, graças à sua pele pálida, às feições delicadas, ao peito em forma de maçã e ao cabelo loiro, provavelmente artificial. Julienne segura o mamilo da irmã Gabrielle apenas com dois dedos: a intenção dela não é agarrar o mamilo, mas mostrá-lo utilizando para isso apenas dois dedos. Isto pode levar-nos a pensar numa relação lésbica e incestuosa entre as duas, mas para a maior parte das mulheres, a mesma cena não é muito estranha, uma vez que é sabido que as mulheres são muito mais físicas umas com as outras do que os homens uns com os outros. Neste caso, não é uma questão erótica nem de amizade: o quadro é uma provocação social! Julienne aperta o mamilo da irmã para ver se deste sai leite, indicando assim que a amante do rei estaria grávida dele. Esta insinuação poderia ficar por aqui, sem qualquer alusão ao rei, não fosse a própria Gabrielle segurar entre os seus dois dedos, num gesto semelhante ao da irmã, o anel de coroação do monarca. O seu ventre escondido nada indica, mas no mesmo ano da pintura, Gabrielle deu à luz e ao rei um filho de seu nome César. Para além de César, deu ao rei mais três filhos, mas morreu apenas com 25 anos.

Já Miguel Villalobos é um daqueles fotógrafos que consegue que mesmo os mais cépticos e avessos à fotografia, cedam perante o convite dele ou até, peçam para o fotógrafo os imortalizar. Acho que ele faz muito bem aquilo que faz (sigam o link e vejam). Aqui, num conjunto de fotografias para a revista Slurp, foi possível "apanhar" Ugo Rondinone e Maurizio Cattelan a reproduzir num estilo Cindy Sherman (uso dos postiços no corpo) a pintura da escola de Fontainebleau. Os dois artistas são provocadores por natureza. Cattelan cujas obras nos fazem rir, mas não sabemos se esse é o seu único propósito, tem como objectivo fazer-nos rir... de nós próprios. O que ele faz é não endeusar nenhum regime ou área: cultural, social, religiosa, política, e fazer piadas com a nossa capacidade de piedade ou a forma como nos levamos tão a sério (substituindo animais por pessoas). Já Ugo Rondinone trabalha com vários meios: pintura, vídeo, instalação, fotografia, desenho, e em várias direcções; ou seja, tanto pode trabalhar em grande como em pequena escala, a partir da natureza ou da sua imaginação. O que importa no seu trabalho é que tudo o que existe no mundo, quando recontextualizado pode provocar emoções ou sensações físicas em quem observa.

Master of the Fontainebleau School
Gabrielle d'Estrées and one of her Sisters
1595
Musée du Louvre, Paris


Miguel Villalobos
Ugo Rondinone e Maurizio Cattelan
- o carteiro -
Quando um não quer, dois não pecam - Procriação I
Vamos dar aqui início a uma história, breve e provavelmente incompleta, sobre o nascimento: como era visto no início dos tempos, como era explicado, as tradições e as crenças, o papel de mãe e de pai e tudo o resto que me for possível investigar. E já há muito tempo que estava para falar disto, mas por uma resistência minha a tudo o que me lembre crianças, nunca o fiz. Agora que essa ferida vai ficando sarada, torna-se indiferente os filhos dos outros.

Se hoje para ter um filho é necessário haver apenas um espermatozóide e um óvulo, estando implícita a ideia de que tem de existir uma vagina e um pénis e por conseguinte, penetração, quando não havia estas modernices, a geração de uma criança passava obrigatoriamente pelo coito, ou como se dizia, coitu penis et cunni. Existia então a necessidade de contacto físico, de coexistência espacial, enquanto hoje sabemos que basta os fluidos se envolverem, não implicando essa envolvência a presença dos respectivos donos. Ainda hoje porém o nascimento é um mistério: o número de coisas e a variedade delas que pode existir na concepção de uma criança é tão grande que certos médicos dizem que um nascimento é um milagre. Se houve coisa que sempre me intrigou, para além do gira-discos, foi o parto natural. E se hoje associamos o coito à satisfação física de duas pessoas (na melhor das hipóteses) e/ou à fecundação, demorou muito ao Homem relacionar uma coisa com a outra. O Homem tinha relações sexuais porque via outro ser igual a ele, com as costas arqueadas que se encaixavam perfeitamente no seu tronco arqueado, a lavar num rio, acocorado, ou a catar outro ser. Mas o Homem não percebia que o seu acto é que era o responsável pela saída, após nove meses, de uma criança do útero da sua mãe. Atribuía por isso um papel mágico à mulher, pois era esta que transportava dentro de si o pequeno ser, e era dela que ele saía a rastejar.

Templo de Kandariya Mahadeva
1050 a.C.
Índia
Porque os mecanismos que regulam a relação entre o acasalamento e a concepção não estavam definidos, a Igreja principiou opor tomar o monopólio da educação dos seus crentes. E dos crentes dos outros também. Com vista a que o acto sexual não fosse banalizado por pudicícia do clero, mas sempre a dar resposta ao "Crescei e multiplicai-vos" dos Génesis, a Igreja apropriou-se da questão. Era no entanto difícil perceber se estavam a cometer uma blasfémia ao refrear os ânimos dos crentes ou se estavam apenas a assegurar a ordem do Mundo através da colocação de cada coisa no seu tempo: o conhecimento mútuo, o crescimento em Deus, a virgindade até ao casamento, a concepção para maior glória de Deus, etc. Por um lado havia a Sagrada Escritura, por outro era também necessário dar ouvidos aos padres da Igreja como São Tomás de Aquino que defendia que os órgãos sexuais do homem e da mulher tinham sido dados por Deus, não para o prazer dos próprios, mas para a conservação e perpetuação da espécie humana, para povoar assim a Cidade de Deus e apressar o Juízo Final! O prazer teria de ficar de fora, uma vez que era associado à animalidade e que estava fora dos contornos da lei de Cristo. Nada nas Escrituras falava aos padres da Igreja de prazer, à excepção do prazer de amar a Cristo e esse era muito platónico. Não é por acaso que, sendo portadora da semente, a mulher era vista como a tentadora, a culpada pelo prazer, pelo divertimento a que também podia estar associado o sexo.
Assim filósofos, padres, fisiólogos, doutores e sábios apressaram-se a encontrar uma norma que regulamentasse as relações sexuais. Nessa norma estava escrito o tamanho que o pénis deveria ter, o número de vezes em que era aceitável ter relações sexuais (não sei se por semana, se por mês ou por ano), a continência que se devia ter no sexo (sexo, mas pouco), quais as posições amorosas que devem ser banidas e quais as que são mais dignas, quais as consequências do sexo para o marido e para a mulher, qual a estação do ano mais propícia para procriar, qual o momento do dia (se de barriga cheia ou em jejum). De lado, vistas como acessórias e por isso prejudiciais ficaram as carícias, a masturbação a dois, as posições menos dignas, a relação sexual durante a menstruação (razão pela qual nasceriam crianças com lepra ou ruivas) e que já existia no Antigo Testamento, o sexo desenfreado e o desejo ardente. Quem não obedecesse a estas regras, principalmente as mulheres pois eram tidas como incitadoras de tudo o que era negativo, como se o seu útero fosse a casa do Diabo, era ameaçado com o fantasma da esterilidade, o aborto espontâneo e o nascimento de crianças com todos os tipos de deficiências.

O casamento era assim a única forma de ter relações sexuais com o aval divino, desde que não constituísse fonte de prazer para que as praticava e para além disso, fosse a origem de uma nova vida. Por isso, problemas como a frigidez ou a impotência eram, até há pouco tempo, causa de anulação de um casamento. Segundo a Igreja de hoje, um casamento pode ser anulado se o homem for impotente, mas não se for estéril. É que mesmo não podendo ter filhos, o homem estéril consegue ter uma erecção, logo consegue consumar o casamento. Já o homem impotente não consegue ter a erecção, logo não pode consumar. Como vemos, para a Igreja a questão do casamento entre pessoas de sexos diferentes não está na procriação, não é esse o seu propósito, mas na capacidade de ambos os membros poderem ter sexo, dê lá por onde der.

Na Grécia Antiga e até ao século XVIII a fecundação era explicada segundo os princípios de Hipócrates e de um seguidor seu, Galeno. Para Hipócrates o embrião resultava da união de duas sementes, a semente masculina e a semente feminina, ambas colocadas no interior do útero. Para Galeno havia uma emissão de esperma tanto por parte do homem como por parte da mulher, mas neste encontro de esperma, a semente feminina era mais fria com vista a aquecer a semente masculina. Havia no entanto questões às quais os médicos gregos respondiam com menos clareza no raciocínio. No que diz respeito à produção de esperma, por exemplo, os médicos gregos, Platão e os pitagóricos acreditavam que era feita no cérebro, descia pela espinal-medula e alojava-se nos testículos que serviam apenas de simples reservatórios. Por razões como esta as ramificações auriculares da artéria temporal chamam-se ainda hoje canais espermáticos. Já para outros médicos como Anaxágoras e Demócrito, a semente é produzida um pouco por todo o corpo teoria esta muito útil pois pode explicar a hereditariedade a todos os níveis. Em 1563 continuava a acreditar-se nisto, se tivermos em conta o que o professor italiano Niccolò Massa defende: que todas as partes do corpo contribuem para a produção da semente, sendo que uma delas produz uma parte muito importante do todo, parte essa chamada "licor". Para este professor os licores juntam-se nos testículos sem se misturarem. E esse todo é que constitui a semente. Mas no útero os licores dispersam-se para formarem os diferentes órgãos. Engenhoso, não?

Cerâmica grega
480 and 460 a.C.
Pompeia
Isto mostra que se os gregos são os precursores da Democracia, das artes e do pensamento filosófico não são dos conhecimentos médicos. Ressalve-se as limitações técnicas, não se pode ignorar que havia muito de imaginação nas teorias gregas. Aristóteles achava que o feto resultava da união do esperma masculino - segundo ele um resíduo da digestão em grau último - com a menstruação da mulher. A maior parte dos filósofos e médicos gregos era omissa em relação ao papel da mulher na procriação. Seguindo uma teoria falocrática, para estes homens a mulher e o seu útero era apenas o receptáculo de um embrião que já estava formado no esperma masculino. Daí a Teoria do Homúnculo. A excepção, mais tarde, é Descartes que defende que tanto o licor masculino como o feminino são contributo importante para a construção do todo. Ele referia que tal como na fermentação do pão, às tantas já não havia massa velha (fermento, hoje conhecido por fermento de padeiro) e massa nova. Assim, na relação sexual nenhum dos fluidos era privilegiado face ao outro.

Antoine van Leeuwenhoek
Foi em 1677 que Antoine van Leeuwenhoek descobriu ao microscópio os espermatozóides. A descoberta logo originou uma produção gigantesca de material sobre a mesma, sobre esses girinos (pequenos vermes e pequenos animais eram outras das denominações) que habitavam o corpo do homem. Para além do epítetos já referidos as pessoas referiam-se aos espermatozóides como sendo os “animaizinhos íntimos”, “os parasitas comensais”, os “infusórios”, os “vermículos” e outros mimos todos eles concebidos para designar esses pequenos animais que viviam dentro dos fluidos corporais masculinos, de cérebro pequeno e cauda comprida. Acredita-se neste tempo que cada “animal” destes tem uma alma própria (Leibniz aquiesceu, mas apenas na alma em sentido lato) e uma vontade também própria que faz com que o mais forte entre eles seja o vencedor e atinja, como prémio, a entrada no óvulo. Mais uma vez as deficiências do feto entram aqui justificadas pelo estado em que o espermatozóide atinge o óvulo: se a batalha foi dura, então é provável que a criança nasça com alguma deficiência.

Antoine van Leeuwenhoek
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

[mas isso agora não interessa nada]
No Chile e na Argentina, países por onde passou o Rally Dakar (outra coisa que eu não entendo uma vez que Dakar é em África. Não obstante as ameaças terroristas, poderia conseguir-se outro percurso. O que não falta é terra!) pela primeira vez em Janeiro deste ano, e apesar dos avisos de arqueólogos e ambientalistas, foram causados danos irremediáveis e vários sítios arqueológicos. Em Julho, o Conselho nacional de Monumentos do Chile entregou ao governo chileno um documento que referia a extensão dos danos causados pelo rally e a repetição, daquilo que já havia sido dito antes do rally, pelo Conselho, em 2008, que bastaria mudar um pouco a rota do mesmo para que seis sítios arqueológicos fossem poupados.

Tanto o governo chileno como a ASO (Amaury Sport Organisation) e mesmo os ambientalistas e os arqueólogos estão de acordo num ponto: o rally foi muito lucrativo para o Chile e para a Argentina. E aqueles que defendem a preservação de locais de interesse arqueológico já se mentalizaram que muito provavelmente o rally veio para ficar. No entanto não podem deixar de defender que os danos podem ser minimizados que existir uma cooperação entre o governo, a organização do rally e eles próprios, com vista à alteração da rota. Por mais benevolentes que tentem ser, os arqueólogos fizeram notar que quatro dos locais assinalados como sendo de interesse arqueológico se encontram na região de Atacama e outros dois na região de Coquimbo. E que nesses mesmos locais tinham sido descobertos vestígios importantes de arte pré-columbiana que ficaram destruídos após a passagem da corrida. Os veículos destruíram objectos como facas, fragmentos cerâmicos e conchas, ossos humanos e cabeças de seta, datados de 9000 a.C. e 1500 d.C. No entanto, isto é apenas uma parte dos danos, uma vez que até agora apenas 10% do percurso foi analisado. Do outro lado, a organização e os concorrentes defendem-se dizendo que não obstante as regras apertadas para que os carros não passem perto das áreas assinaladas, as mesmas não estão sinalizadas. O que é certo é que nem para pedras nem plantas os gases emitidos pelos veículos são propriamente um Creme de la Mer.
[um Velázquez é um Velázquez, é um Velázquez. malgré moi!]
Durante anos esteve exposto no Met uma pintura atribuída a Velázquez. Era o retrato de um homem de bigode com cerca de trinta anos e datava do século XVII, século de produção do autor. Só que não, quando obtida em 1949, a pintura foi dada como pertencendo à oficina de Velázquez (aquela coisa da produção em série que os pintores utilizavam muito para dar resposta às encomendas). Agora, um curador do Met vem confirmar que a pintura em questão é mesmo um Velázquez-Velázquez.

As razões para os peritos desconfiarem da autoria do quadro baseavam-se na patine deixada pelo tempo sobre a tela, o que fez com que a mesma ficasse sem cor e a palete de cores utilizada parecesse muito mais sombria do que as habitualmente utilizadas pelo pintor espanhol. Recentemente, quando o museu começou a catalogar as obras espanholas que tinha em sua posse, o conservador do museu olhou para a obra novamente e com outros olhos e descobriu que depois de anos de pó e sob camadas sucessivas de verniz e retoques com produtos que hoje não são os mais adequados, se encontrava um verdadeiro Velázquez. O retratado ainda é desconhecido, até porque a pintura é um estudo, não está acabada: a face e traje do homem estão terminados, mas a paisagem em pano de fundo não. Por outro lado, nada há na pintura que possa dizer que é Velázquez, embora exista no pintor uma tradição de pintar este mesmo rosto: vemo-lo n'"As Meninas" a vestir a pele do próprio pintor e no quadro “The Surrender of Breda” que comemora a vitória da Espanha frente à Alemanha, na margem direita da pintura.

Esta descoberta parece ser de extrema importância para quem se interessa por isto (eu!), uma vez que a produção artística do pintor, pelo menos aquela que se conhece e que pode ainda ser recuperada é muito pequena: só se conhecem cerca de 110 a 120 quadros de Velázquez. Esta descoberta – não a descoberta em si, mas o facto de se falar nela – é relevante para qualquer visitante. Por mim falo: se visitasse o Met e visse a tela ao lado de outras de Velázquez (talvez eu nunca fosse ver a sala dedicada ao Velázquez), nunca pensaria que poderia não ser da sua autoria. Isto é um abre-olhos. Quantas telas e bustos e livros e peças e peças estão mal atribuídas ou não têm valor, ou tal como as relíquias, são produzidas industrialmente. Não há possibilidade para o visitante questionar. Tal como no livro "Todos os Nomes" de Saramago, um morto não fala. Como posso eu saber que por baixo daquela lápide rezo ao meu morto e não ao morto de outra pessoa. Segundo a ética cristã, deveria ser a mesma coisa pois o bem que fazemos a um é como se fizéssemos ao Pai e "what goes around, comes around", mas segundo a nossa ética, mesmo após a morte, o morto continua a ser nosso.
[o plano director municipal ou let's look at a trailer]
O arquitecto Jean Nouvel recebeu um puxão de orelhas, que nunca é uma coisa boa de receber, mas no caso dele, é pior que mau. É que o "puxão de orelhas" foi dado pela Câmara de Nova Iorque, cidade para a qual o arquitecto tinha projectado uma torre um pouco maior do que aquilo seu seria desejado. Estamos a falar de cerca de 61 metros numa torre perto do Museu de Arte Moderna. Inicialmente o projecto de Nouvel dizia que a torre deveria ter o tamanho do Empire State Building (381 metros), sendo que este edifício é, após o 11 de Setembro de 2001 o mais alto da cidade de Nova Iorque. Na semana passada o Departamento de Planeamento urbano da cidade decidiu cortar os tais 61 metros pois, segundo Amanda Burden do mesmo departamento, a forma do edifício, que acaba em três picos não estava de acordo com a estética do edifício com o qual iria competir em altura. Para além disso, a torre de Nouvel eclipsava o Museu por completo. Mas há quem defenda a Torre de Nouvel tal como está uma vez que acompanha o espírito da Midtown para onde está projectada. O facto de Nouvel, assim como outros, desejar a sua torre tal como está, lembra a necessidade dos arquitectos deixarem a sua marca. E se há uma cidade propícia a isso é Nova Iorque. Se há uma zona propícia a isso, essa zona é a Midtown.
- o carteiro -

Onde é que estavas no 11 de Setembro?
Eu estava no departamento a fazer um trabalho. Lembro-me de alguém ter dito que o WTC tinha sido atacado por dois aviões e que as torres tinham desabado. Pensei: "claro que desabaram! a construção na América é do pior, fazem tudo em pré-fabricado!". Isto não deixa de ser verdade hoje, mas já ninguém passará pela vida como se o mundo fosse o mesmo. Mesmo para aqueles para quem essa realidade parece longínqua, ela afectou toda a nossa vida. Tenho para mim que o fenómeno 11 de Setembro se tornou mais do que uma questão de justiça. É sem dúvida uma questão de dimensão da notícia. A forma como nos identificamos com a data, não tem só a ver com o facto de a termos vivido, de estarmos vivos no dia 11 de Setembro de 2001, mas por aquilo que nos foi mostrado. Porque é que é condenável o que alguns terroristas fizeram e não é condenável o que Kissinger fez ao ordenar o bombardeamento do Cambodja originando assim a morte de milhares de pessoas? Simone Weil dizia: "Há sempre um sentido ilimitado do desejo e estes, ao contrário dos limitados, não estão em harmonia com o mundo; pior, o nosso contacto com o bem, ao contrário das atitudes anti-éticas egoístas, sendo impulsionado por desejos de infinitude, visa o absoluto. A origem do bem tem um poder destrutivo tal que, para a nossa estabilidade pessoal, tem de parecer como mal. Por isso Cristo teve de morrer." O nosso desejo de encontrar a culpa apenas nos outros colide com a nossa culpa, pois embora nada possa justificar os ataques, eles tiveram uma dimensão mais simbólica do que numérica. Milhares de pessoas morreram, num só dia. E quantos milhares morreram num só dia na Europa ocupada? E quantos milhares morreram num só dia de conflito nos balcãs? E quantos milhares morreram num só dia na luta israelo-árabe? Quando um dia, ao ver Guernica um oficial alemão disse a Picasso: "Meu Deus, foi você que fez isto?", ele respondeu "Não, foram vocês que fizeram isto".

Há uns tempos, nuns subúrbios de Paris, um grupo de jovens emigrantes insurgiu-se, queimou carros e contentores do lixo, partir lojas e confrontou-se com a polícia após terem sido apelidados de escumalha pelo presidente francês Sarkozy. Mas porquê esta violência? E ainda por cima, porquê esta violência cujo alvo não é o governo francês, não é o presidente da república, não são as instituições, mas os bens de outros emigrantes. Porquê a violência terrorista oriental contra alvos ocidentais? Bom, facciosa a pergunta! A ser possível responder primeiro à questão bizantina de quem nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha, podemos dizer que até quando os turcos ocuparam a Terra Santa, a violência dos Templários foi tal (respondendo a um apelo do Papa) que os próprios ficaram escandalizados e envergonhados com o que foi feito. Talvez durante séculos, as nações muçulmanas tenham aguentado, tal como os povos judeus, para exercerem a sua vingança. Quanto mais esperam, mais ostracizados eram e maior se tornava a sua raiva. Podemos também dizer que o caso não pode remontar até os primórdios, mas a verdade é que as relações entre o Oriente e o Ocidente eram relativamente pacíficas até aí. A pergunta continua a ser dúbia porque fala de orientais e ocidentais. Foi sempre possível dizer que alguém (um ocidental) era um "orientalista", sem qualquer dano para o mesmo. Os ocidentais aceitam como uma excentricidade o que vem do Oriente e a denominação continuava a ser uma forma de subjugar o Oriente. Não é possível porém a um oriental dizer que é um Ocidentalista. Isso seria ir contra as suas regras: quem não é pelo Oriente, é contra o Oriente. Porém, quando olhamos para as manifestações de rua acerca do caso das caricaturas de Maomé publicadas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten notamos que esta civilização que supostamente traz a alteridade ao nosso quotidiano, é profundamente liberal e global. Passo a explicar. A maior parte dos muçulmanos que se manifestaram não tinham visto as caricaturas. O que isto quer dizer é que um fenómeno que acontece na Dinamarca une sob o mesmo pretexto nações tão díspares como a Dinamarca, o Líbano, a Indonésia, o Paquistão, etc. Todos eles estiveram juntos, ainda que de lados opostos da barricada, por causa de uma caricatura. Note-se também que quando os muçulmanos pedem, exigem respeito pela sua diferença, estão a protestar, a exigir direitos iguais na diferença, estão a pedir, no fundo e sem se darem conta, para serem tratados segundo os princípios básicos ocidentais. Acho que o desprezo a que os povos orientais votam os ocidentais é uma camuflagem, uma vez que é absolutamente normal que duas culturas se olhem de forma curiosa. Não há um fundamentalismo autêntico porque não há um desprezo autêntico, não há a ausência de ressentimento ou de inveja. O fundamentalismo islâmico está preocupado e intrigado com a vida, os usos e modos dos não-crentes. Não estão, de forma nenhuma afastados do outro que dizem desprezar.

Mas a vida não é fácil para eles. Quando as caricaturas saíram, a via do diálogo não foi facilitada isto porque o ocidente continua a sacralizar o Holocausto nazi e a não permitir que nenhum tipo de violência tenha uma importância superior a esse período histórico. O fenómeno contra o Oriente é de tal forma global e atinge as nações de forma tão encadeada que França, que se opôs à entrada dos EUA no Iraque viu as suas batatas fritas (french fries) simbolicamente sancionadas. O nome mudou para freedom fries. Ora os apoiantes da França e da sua decisão que se encontravam nos Estados Unidos tinham de trabalhar duplamente para encontrar uma solução que agradasse a "gregos e a troianos". E um ocidental que entrasse num restaurante ou pastelaria iraniana em qualquer parte do mundo saberia que os outrora bolinhos conhecidos por "bolos dinamarqueses" tinham sido substituídos, no nome e como sinal de protesto pela publicação das caricaturas por "rosas de Maomé". Os extremos tocam-se!
- o carteiro -

era só para dizer, no caso de me esquecer e esta tipa ganhar, que se apanho a Lady Gaga arranco-lhe os olhos com uma colher, compro-lhe um espartilho para a boca, jogo ao burro em pé com a cara de poker dela e aplico-lhe um clister de canto gregoriano. razão tinha a Roisin Murphy!

antes e depois

Roisin Murphy
You know me better
2007



Lady Gaga
Eh, Eh (Nothing Else I Can Say)
2009


Moloko
Sing it back
1999



Lady Gaga
Poker Face
2009

quarta-feira, setembro 09, 2009

anemia

sexta-feira, setembro 04, 2009

- o carteiro -

isto hoje não está nada de especial
- original soundtrack -

Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Prá mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva...

Ainda tem o seu perfume
Pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara?
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz...

(Vambora, Adriana Calcanhoto)
- não vai mais vinho para essa mesa -


- Eh pá, tipa bem feita!
- Gira!!!
- Que gira que quê? Bem feita. Pelo menos no que dá para ver da saia. Para cima, não sei.
- Lá estás tu a desdenhar. É boa!
- Do que se vê! Do que se vê é boa, mas não é gira. Tira-lhe a maquiagem, o cabelo pintado e os acessórios e é uma pessoa como as outras! Sabes que mais, tu emprenhas pelos olhos!
- E tu, as mulheres todas, pelos ouvidos!
- Hã? Não ouvi.
- o carteiro -

a mulher de bigode ninguém o... *

Quem não teve a tia da aldeia com o seu pelinho na "benta", daqueles pêlos grossos que elas cortavam com a tesoura por amolar, bem aparadinho ao Domingo para receber a família da cidade que ía lá comer rojões. Para além do homem da casa e do próprio porco (que post-mortem tem grande tratamento estético com o chamuscamento dos pêlos), a tia Rosinha, Maria ou Ainhas do Aido era a mulher mais peluda que conhecíamos. Por vezes, quando íamos ao mercado - para nós era a feira - na parte dos legumes deparávamo-nos sempre com uma senhora de buço pronunciado que vendia ovos ou umas pencas para o Natal a preços mais apetecíveis que qualquer rebuçado em troca de um beijo. As mulheres de buço (e penugens semelhantes em partes do corpo mais escondidas) são quase uma espécie em extinção. Isto porque a indústria do sexo, as revistas, os novos tratamentos, aquilo que comemos, as condições atmosféricas e todos os medicamentos que tomámos para curar uma simples gripe têm moldado os nossos gostos e as nossas hormonas. Há quem não possa alegar nenhum destes factos pois ter pelo na venta é o menos que se pode dizer. O que estas pessoas têm, não era, já no tempo em que nos ríamos delas, um problema que se resolva com tratamento estético. Chama-se hirsutismo e pode fazer de pessoas normais verdadeiras aberrações quando expostas ao ridículo. Há casos e casos e o que este post vai tentar fazer é abordá-los do ponto de vista da arte.
Antes que alguém soubesse que o hirsutismo é uma doença, era visto como uma extravagância, uma partida da Natureza para divertir as cortes, a par do nanismo, bócio, hipertireoidismo, cretinismo ou de algumas mutações genéticas. A hipertricose universal ou localizada, também conhecida por síndrome do homem lobo, ou mesmo hirsutismo é uma doença de natureza endócrina. É uma doença extremamente rara que consiste na constante produção do folículo capilar. Isto origina pessoas com crescimento anormal e contínuo de pelo em áreas onde por norma ele existe porque... temos pêlo no corpo todo, como no rosto, as palmas das mãos ou a planta dos pés. Os investigadores acreditam que esta doença é causada pelo acordar de um gene adormecido (ou a evolução do mesmo) que guardamos dos nossos tempos mais peludos. Nas crianças, as zonas afectadas começam por ter apenas o aspecto de um modesto revestimento capilar. mas ao contrário das outras crianças, rapidamente o pêlo cobre o rosto e as outras áreas já referidas. Este tipo de doença, deste tipo de natureza causa grandes modificações na fisionomia da pessoa e numa sociedade que se queria normal originava tanto a curiosidade de físicos, como das cortes (as famílias reais eram dadas ao seu momento mórbido), das feiras e dos pintores. Eles eram os homens selvagens, os Waldmenschen e as femmes sauvages dos primeiros viajantes, os hommes primitifs e os homo-hirsutus dos taxonomistas e os homens-cão-urso-leão-macaco dos feirantes. As pessoas que padeciam desse mal em estados extremos da doença (no fundo, todos nós temos hirsutismo, mas o crescimento está restringido a zonas comuns. E mesmo aquelas pessoas que têm pêlos no rosto ou nos ombros, não o têm na dimensão que aqui vamos mostrar) eram ostracizadas pela família e pela comunidade: permaneciam dentro de portas durante o dia e saíam apenas à noite para serem pouco vistas. Penso que daí também decorre a denominação que associa a doença com os lobos. É uma doença extremamente rara, mas suficientemente mórbida para atrair a sociedade da Idade Média para quem tudo o que fugisse ao cânone era obra demoníaca e castigo celestial. Nesta altura foram documentados apenas 50 casos. Um dos primeiros casos foi encontrado na corte do rei francês Henrique II. Este monarca gostava muito de bizarrias, coisas, objectos que fossem estranhos, excêntricos e originais. Em 1547 foi-lhe oferecido, como presente, um rapaz de 10 anos com uma aparência estranha: parecia meio humano e meio animal. Um pelo loiro comprido cobria-lhe o corpo por inteiro, excepto no que diz respeito aos lábios e aos olhos. O nome do rapaz era Petrus Gonsalvus (eu bem sabia que havia aqui gene nacional, carágo!). Pedro surge nesta obra de Agostino Carracci cujo título pode ser traduzido por Arrigo Peludo, Pedro louco e Amon Anão, um título que tem mais de inventário de Jardim Zoológico do que de nome de obra que pretende descrever uma alegoria da Natureza.
A obra de Carracci foi uma encomenda do Cardeal Ordoardo Farnese para o Palazzo Farnese. É um edifício anexo à embaixada francesa e ao um jardim botânico com animais ferozes enjaulados. Talvez daí tenha vindo a inspiração para o estranho título. Nota-se que Agostino Carracci não dominava este tema e tinha especial curiosidade pelos "homens peludos" uma vez que fez coexistir na pintura macacos e cães. O homem que se encontra no centro da pintura tem uma capa grosseira, identificada com a capa de um tamarco, traje dos Guanches, povo das Ilhas Canárias que acabou exterminado pelos espanhóis (Jimi, vê lá se encontras uma relíquia). Arrigo Gonsalvus, o homem selvagem não era mesmo um guanche. O pai de Arrigo, Petrus, que tinha sido escravo em Tenerife, já tinha hirsutismo. Casou com uma jovem holandesa muito bela que lhe deu quatro filhos, todos eles hirsutos, especialmente Arrigo. Foi o suficiente para os Habsburgo e os Farnese se interessarem por estes "prodígios da Natureza" e fazerem deles a companhia, leia-se "divertimento", ideal para os dias passados na corte. Outro membro bastante conhecido da família era Tognina Gonsalvus, a irmã de Arrigo que tal como ele foi oferecida de presente pelo duque de Parma ao seu irmão o Cardeal Odoardo Farnese.
Agostino Carracci
Hairy Harry, Mad Peter and Tiny Amon
1598-1600
Museo Nazionale di Capodimonte, Nápoles

Outro membro da família, e aquele de quem primeiro se falou é Petrus Gonsalvus cuja vida está bem documentada. Gonsalvus, pai de Arrigo e Tognina, nasceu em 1556 em Tenerife, mas acabou na corte de Henrique II como já foi dito. Este foi um dos primeiros casos de hipertricose universal congénita. Apesar de ser visto pela corte como uma mascote, uma aberração aceitável, Petrus era extremamente inteligente e tinha uma presença marcante que chamou a atenção do monarca. Henrique II acabou por fazer dele um dos seus mais importantes embaixadores. Como este retrato de Petrus, de autoria desconhecida se encontra no Castelo de Ambras na Áustria a doença tornou-se conhecida também por síndrome de Ambras.

Anónimo
Petrus Gosalvus Hirsute Man
1580

Em 1585 Lavinia Fontana pintou o retrato de Tognina, filha de Petrus e irmã de Arrigo. Não a pintou como uma aberração pois há no retrato algo de muito solene, pelo menos na minha opinião. O rosto coberto de pelo é o que salta à vista, mas os olhos da rapariga são de um negro profundo, os lábios e o nariz apresentam-se muito delicados, bem como as mãos que não mostram qualquer sinal de hirsutismo. A cabeça tem também um ornamento sumptuoso e o vestido está detalhadamente pintado indicando algum luxo. Tognina Gonsalvus nasceu em 1572 e herdou do pai a doença de que temos vindo a falar. Ela era, à semelhança do seu pai e do irmão, requisitada como espécime para aulas em alguns gabinetes de curiosidades de nobres e monarcas em vários países da Europa. Eram também exibidos em festas promovidas pela corte como exemplos de algo negativo; ou seja, não eram tidos como excepções, mas como fruto, a face visível e corpórea de uma natureza intrinsecamente má. A prova de que há esperança neste mundo (ou que há gente com pouquíssima sorte, depende da perspectiva), é que Tognina se casou e deu à luz um filho peludo. Não nos enganemos: em muitos casos os homens que casavam com mulheres hirsutas faziam-no a troco de algo muito desejado como um título ou dinheiro ou fama. Em 1592 o caso de Tognina foi estudado pelo professor Ulisses Aldrovandi da Universidade de Bolonha que juntou o caso dos Gansalvus a muitos outros que tinha conhecido. Compilou estas histórias em livros ilustradas com desenhos e xilogravuras e, não obstante tratar-se de um médico deu ao livro o título de "História dos Monstros". Eu estou para aqui a falar, mas não sei como reagiria se visse um hirsuto. Hoje esta doença é muito frequente em países como a Índia, o Paquistão ou o México, onde o número de casos tem vindo a crescer.

Lavinia Fontana
Tognina Gonsalvus
1590


Outro caso documentado pelos pintores é o de Magdalena Ventura de los Abruzos, aqui pintada por Ribera, o que para mim foi uma surpresa porque pensava que o Ribera era um "pintor de santos". Reconheço em Ribera a influência de Caravaggio, mas nunca o tive em muito boa conta. O duque de Alacalá, vice-rei de Nápoles encarregou Ribera de pintar esta mulher que aqui aparece junto ao seu segundo marido Felix e com uma criança nos braços. A intenção do duque era documentar o caso e dá-lo a conhecer ao rei Filipe III. Ao que parece Magdalena não nasceu com hirsutismo como nos casos anteriormente documentos, tendo sido apenas aos 37 anos que começou a crescer o pelo na cara desta mulher como nos indica uma inscrição em pedra, situada à direita da pintura. Magdalena nasceu na região de Abruzzi, Nápoles e teve sete filhos: três antes de lhe surgir a barba e quatro depois do hisutismo localizado (este não era um caso de hirsutismo generalizado, logo não deve ter existido qualquer problema com a amamentação das crianças que podiam sempre ficar com pelos na boca... Como se vê, Magdalena tem o seio farto e sem pelo.) e quatro depois do hirsutismo e neste caso, consequente virilização. Atente-se na sua fisionomia masculina: Magdalena mudou não só a produção de pelos no rosto, como a de estrogéneo de tal forma que as suas feições alteraram-se: tem rugas na fronte e os sulcos nasolabiais. Isto não impediu que a senhora se casasse e, tcharan... por DUAS VEZES!!

José de Ribera
La mujer barbuda
1631
Museo Tavera, Toledo


Juan Sánchez Cotán
Brígida del Río, la Barbuda de Peñaranda
1590
Museo del Prado, Madrid

A fugir já um pouco à temática do hirsutismo e já mais no voyeurismo, confesso, encontrei esta pintura de Juan Carreño de Miranda que mostra "a Monstra" ou "a Gorda". Há duas versões, uma com a criança nua e outra a que aqui apresentamos. Eugenia Martínez Vallejo é um caso típico de uma endocrinopatia chamada síndrome de Prader-Willi que se caracteriza pela obesidade, pelas dificuldades de aprendizagem, pelo atraso no desenvolvimento motor e sexual, flacidez genital, etc. Aqui Eugénia foi pintada aos seis anos de idade por Juan Carreño de Miranda. E apesar de desconhecer se esta foi alguma encomenda para algum monarca - apesar de Eugénia viver de facto na corte do rei -, a verdade é que o pintor era um reputado artista da mesma corte. Aqui, aos seis anos pesava 75 quilos e tem em ambas as mãos maçãs. Isto não é mais do que a analogia feita pelo pintor entre a forma corporal de Eugénia, o seu apetite voraz e a modorra em que vivia e o pecado da gula e da luxúria.

Juan Carreño de Miranda
Eugenia Martinez Valleji, La Monstrua
Museo del Prado, Madrid

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