- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou “como eu tenho a sensação de que quando falo deste quadro digo sempre a mesma coisa” ou “como Fontainebleau está localizado a cerca de 60km a Sul de Paris, perto do vale do Sena. Era um destino popular dos reis de França: Luís VI construiu em Fontainebleau uma casa de caça e Francisco I da casa de Valois-Angoulème, reconstruiu o antigo palácio aí existente em 1528. Esta tornou-se a residência favorita do monarca que levou até ao palácio de Fontainebleau inúmeros artistas italianos que criaram a decoração e pinturas interiores pelas quais o palácio ficou conhecido. Este rei, não só convidou artistas italianos para trabalharem na sua corte, como fez alguma pressão para que os artistas franceses e flamengos que ali se encontravam produzissem trabalhos ao estilo dos grande4s mestres italianos. Foi daí que veio um estilo próprio chamado Escola de Fontainebleau de onde este quadro é proveniente.
A Segunda Escola de Fontainebleau , entre 1530 e 1590 é claramente influenciada pelo estilo Maneirista, com as suas cores vibrantes, corpos sensuais e as formas alongadas. Uma das pinturas que representa bem este estilo é esta, a de Gabrielle d'Estrées e a sua irmã Julienne duquesa de Villars. As duas mulheres aparecem num "meio-nu"; ou seja, apenas despidas da cintura para cima, o que já nem era considerado escandaloso para a época. Nisso, a sociedade retrocedeu: há algum tempo atrás, uma exposição de Cranach em Londres levantou polémica porque os cartazes da exposição espalhados pelo metro de Londres mostravam algumas pinturas de nus do artista e claro, houve quem se insurgisse! Durante o Renascimento as pinturas de nu tornaram-se relativamente banais, fossem elas retratos de Adão e Eva, de personagens mitológicas ou até, como neste caso, de personagens reais (reais nos dois sentidos). Claro que estas senhoras estavam mais ou menos habituadas a andar nestes trajes, ou com qualquer coisinha em cima apenas, uma vez que, segundo se sabe, Gabrielle era amante do rei Henrique IV, o primeiro monarca da dinastia de Bourbon, conhecido como "O Bom Rei". As duas senhoras estão numa banheira como se estivessem na boca de cena de um teatro: repare-se nas cortinas em vermelho vivo que as emolduram! Ao fundo, a única pessoa vestida do quadro, provavelmente uma serva, encontra-se a trabalhar, debruçada. A sua posição e o seu anonimato mostram-nos o quão longe ela está do contexto: é quase como se a senhora não fosse importante para o quadro ou como se a sua presença viesse colocar em evidência a nudez que grassa o quadro. Algo que corrobora este meu pensamento de que o até o inanimado colabora com a nudez, é a fogueira acesa e sobre ela, um quadro dentro do quadro que mostra as pernas de um homem nu quase como complemento ao tronco nu das senhoras.
Gabrielle e a sua irmã são muito magras, reflectindo em certa medida o ideal de beleza do Maneirismo. A pele também é muito pálida e totalmente uniforme, o que nos pode indicar a presença de algum tipo de cosmético, porque nisto da pintura e da fotografia não há milagres: as pessoas têm poros e sinais e imperfeições. Embora também fique inebriada por um rosto e um corpo imaculado, temos de destrinçar as coisas. A pele pálida, muito branca mesmo era um sinal de beleza e riqueza, uma vez que só ficava moreno quem trabalhava de sol a sol nos campos. Esses eram pobres, tinham a pele curtida pelo Sol. Os ricos não trabalhavam, viam trabalhar. Nota-se aqui que os cosméticos foram aplicados tantos nos mamilos destas duas mulheres (não têm aréola, a parte mais escura e redonda à volta do mamilo) como nos rostos (bocas pequenas e vermelhas, blush nas maçãs do rosto...). Embora segundo os padrões de hoje nada nos indique isso, Gabrielle era considerada uma das mulheres mais bonitas de França, graças à sua pele pálida, às feições delicadas, ao peito em forma de maçã e ao cabelo loiro, provavelmente artificial. Julienne segura o mamilo da irmã Gabrielle apenas com dois dedos: a intenção dela não é agarrar o mamilo, mas mostrá-lo utilizando para isso apenas dois dedos. Isto pode levar-nos a pensar numa relação lésbica e incestuosa entre as duas, mas para a maior parte das mulheres, a mesma cena não é muito estranha, uma vez que é sabido que as mulheres são muito mais físicas umas com as outras do que os homens uns com os outros. Neste caso, não é uma questão erótica nem de amizade: o quadro é uma provocação social! Julienne aperta o mamilo da irmã para ver se deste sai leite, indicando assim que a amante do rei estaria grávida dele. Esta insinuação poderia ficar por aqui, sem qualquer alusão ao rei, não fosse a própria Gabrielle segurar entre os seus dois dedos, num gesto semelhante ao da irmã, o anel de coroação do monarca. O seu ventre escondido nada indica, mas no mesmo ano da pintura, Gabrielle deu à luz e ao rei um filho de seu nome César. Para além de César, deu ao rei mais três filhos, mas morreu apenas com 25 anos.
Já Miguel Villalobos é um daqueles fotógrafos que consegue que mesmo os mais cépticos e avessos à fotografia, cedam perante o convite dele ou até, peçam para o fotógrafo os imortalizar. Acho que ele faz muito bem aquilo que faz (sigam o link e vejam). Aqui, num conjunto de fotografias para a revista Slurp, foi possível "apanhar" Ugo Rondinone e Maurizio Cattelan a reproduzir num estilo Cindy Sherman (uso dos postiços no corpo) a pintura da escola de Fontainebleau. Os dois artistas são provocadores por natureza. Cattelan cujas obras nos fazem rir, mas não sabemos se esse é o seu único propósito, tem como objectivo fazer-nos rir... de nós próprios. O que ele faz é não endeusar nenhum regime ou área: cultural, social, religiosa, política, e fazer piadas com a nossa capacidade de piedade ou a forma como nos levamos tão a sério (substituindo animais por pessoas). Já Ugo Rondinone trabalha com vários meios: pintura, vídeo, instalação, fotografia, desenho, e em várias direcções; ou seja, tanto pode trabalhar em grande como em pequena escala, a partir da natureza ou da sua imaginação. O que importa no seu trabalho é que tudo o que existe no mundo, quando recontextualizado pode provocar emoções ou sensações físicas em quem observa.
Master of the Fontainebleau School
Gabrielle d'Estrées and one of her Sisters
1595
Musée du Louvre, Paris
A Segunda Escola de Fontainebleau , entre 1530 e 1590 é claramente influenciada pelo estilo Maneirista, com as suas cores vibrantes, corpos sensuais e as formas alongadas. Uma das pinturas que representa bem este estilo é esta, a de Gabrielle d'Estrées e a sua irmã Julienne duquesa de Villars. As duas mulheres aparecem num "meio-nu"; ou seja, apenas despidas da cintura para cima, o que já nem era considerado escandaloso para a época. Nisso, a sociedade retrocedeu: há algum tempo atrás, uma exposição de Cranach em Londres levantou polémica porque os cartazes da exposição espalhados pelo metro de Londres mostravam algumas pinturas de nus do artista e claro, houve quem se insurgisse! Durante o Renascimento as pinturas de nu tornaram-se relativamente banais, fossem elas retratos de Adão e Eva, de personagens mitológicas ou até, como neste caso, de personagens reais (reais nos dois sentidos). Claro que estas senhoras estavam mais ou menos habituadas a andar nestes trajes, ou com qualquer coisinha em cima apenas, uma vez que, segundo se sabe, Gabrielle era amante do rei Henrique IV, o primeiro monarca da dinastia de Bourbon, conhecido como "O Bom Rei". As duas senhoras estão numa banheira como se estivessem na boca de cena de um teatro: repare-se nas cortinas em vermelho vivo que as emolduram! Ao fundo, a única pessoa vestida do quadro, provavelmente uma serva, encontra-se a trabalhar, debruçada. A sua posição e o seu anonimato mostram-nos o quão longe ela está do contexto: é quase como se a senhora não fosse importante para o quadro ou como se a sua presença viesse colocar em evidência a nudez que grassa o quadro. Algo que corrobora este meu pensamento de que o até o inanimado colabora com a nudez, é a fogueira acesa e sobre ela, um quadro dentro do quadro que mostra as pernas de um homem nu quase como complemento ao tronco nu das senhoras.
Gabrielle e a sua irmã são muito magras, reflectindo em certa medida o ideal de beleza do Maneirismo. A pele também é muito pálida e totalmente uniforme, o que nos pode indicar a presença de algum tipo de cosmético, porque nisto da pintura e da fotografia não há milagres: as pessoas têm poros e sinais e imperfeições. Embora também fique inebriada por um rosto e um corpo imaculado, temos de destrinçar as coisas. A pele pálida, muito branca mesmo era um sinal de beleza e riqueza, uma vez que só ficava moreno quem trabalhava de sol a sol nos campos. Esses eram pobres, tinham a pele curtida pelo Sol. Os ricos não trabalhavam, viam trabalhar. Nota-se aqui que os cosméticos foram aplicados tantos nos mamilos destas duas mulheres (não têm aréola, a parte mais escura e redonda à volta do mamilo) como nos rostos (bocas pequenas e vermelhas, blush nas maçãs do rosto...). Embora segundo os padrões de hoje nada nos indique isso, Gabrielle era considerada uma das mulheres mais bonitas de França, graças à sua pele pálida, às feições delicadas, ao peito em forma de maçã e ao cabelo loiro, provavelmente artificial. Julienne segura o mamilo da irmã Gabrielle apenas com dois dedos: a intenção dela não é agarrar o mamilo, mas mostrá-lo utilizando para isso apenas dois dedos. Isto pode levar-nos a pensar numa relação lésbica e incestuosa entre as duas, mas para a maior parte das mulheres, a mesma cena não é muito estranha, uma vez que é sabido que as mulheres são muito mais físicas umas com as outras do que os homens uns com os outros. Neste caso, não é uma questão erótica nem de amizade: o quadro é uma provocação social! Julienne aperta o mamilo da irmã para ver se deste sai leite, indicando assim que a amante do rei estaria grávida dele. Esta insinuação poderia ficar por aqui, sem qualquer alusão ao rei, não fosse a própria Gabrielle segurar entre os seus dois dedos, num gesto semelhante ao da irmã, o anel de coroação do monarca. O seu ventre escondido nada indica, mas no mesmo ano da pintura, Gabrielle deu à luz e ao rei um filho de seu nome César. Para além de César, deu ao rei mais três filhos, mas morreu apenas com 25 anos.
Já Miguel Villalobos é um daqueles fotógrafos que consegue que mesmo os mais cépticos e avessos à fotografia, cedam perante o convite dele ou até, peçam para o fotógrafo os imortalizar. Acho que ele faz muito bem aquilo que faz (sigam o link e vejam). Aqui, num conjunto de fotografias para a revista Slurp, foi possível "apanhar" Ugo Rondinone e Maurizio Cattelan a reproduzir num estilo Cindy Sherman (uso dos postiços no corpo) a pintura da escola de Fontainebleau. Os dois artistas são provocadores por natureza. Cattelan cujas obras nos fazem rir, mas não sabemos se esse é o seu único propósito, tem como objectivo fazer-nos rir... de nós próprios. O que ele faz é não endeusar nenhum regime ou área: cultural, social, religiosa, política, e fazer piadas com a nossa capacidade de piedade ou a forma como nos levamos tão a sério (substituindo animais por pessoas). Já Ugo Rondinone trabalha com vários meios: pintura, vídeo, instalação, fotografia, desenho, e em várias direcções; ou seja, tanto pode trabalhar em grande como em pequena escala, a partir da natureza ou da sua imaginação. O que importa no seu trabalho é que tudo o que existe no mundo, quando recontextualizado pode provocar emoções ou sensações físicas em quem observa.
Master of the Fontainebleau School
Gabrielle d'Estrées and one of her Sisters
1595
Musée du Louvre, Paris
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