sexta-feira, setembro 04, 2009

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como... “qualquer-coisa-que-agora-não-me-lembro”, ou como “Henry Moore disse que uma das suas fontes de inspiração era a arte Maia e fez muito bem em dizer porque isso vende livros, mas fez muito mal porque com Belogue ou sem Belogue, a gente chegava lá. Henry Moore é o tipo de tipo que teve "mais sorte que juízo": ainda não tinha um grande número de trabalhos com as dimensões colossais que hoje conhecemos quando já todo o mundo da arte estava aos seus pés. É claro que a expressão “ter mais sorte que juízo” se aplica mais aos audazes que aos verdadeiramente sábios. Moore havia tido a preparação necessária para poder justificar sem embaraço as suas escolhas e a forma de concretizá-las. Talvez a monumentalidade das suas esculturas fosse um valor acrescido, não descarto essa hipótese tão válida quanto o uso visceral do corpo ou o ataque às instituições. No entanto a referida formação foi de muito uso uma vez que permitiu-lhe separar o modelo da Natureza e a arquitectura Maia e todas as formas de arte primitiva, que eram concebidas para a monumentalidade ajudaram essa libertação. Depois, mais do que sorte, foi a visão que ajudou Moore: ele viu na Natureza (galhos de árvore, pedras, folhas, conchas, ossos) as formas no seu estado puro, as formas concebidas pela divindade (digo eu), por mãos ancestrais e cuja fórmula é repetida dia após dia sem se esgotar, sem intervenção humana e sem necessidade de códigos, guias ou manuais. O que se torna verdadeiramente inovador na escultura de Moore é a sua fuga ao óbvio, uma vez que não obstante o uso e referência inequívoca à Natureza, o escultor usa essa mesma na Natureza com a intenção de construir esculturas antropomórficas. Abandona o modelo, mas não a nascente do modelo. Moore via também a possibilidade de encontrar alguma beleza não excêntrica nas assimetrias que até aí tinham sido tratadas com alguma leviandade. O busto e os joelhos são para o escultor as montanhas (já dizia a Shakira em resposta ao Moore: "Lucky that my breasts are small and humble/So you don't confuse them with mountains"), as partes separam-se como pedras, podemos andar à volta da escultura como se ela fosse uma paisagem e temos de contorná-la como se fosse um tronco. Isto permitiu-lhe igualmente ver a escultura, não apenas como a arte de preencher espaços, mas como a arte que podia criá-los e trabalhar o dualismo positivo/negativo, imiscuindo-se assim um pouco na função do arquitecto, embora essa não fosse obviamente a sua intenção última. A noção de movimento tão associada à escultura por oposição à sacralidade da arquitectura não se nota na obra de Moore, mas sente-se que está vai crescer, que tem a sua vida, que é táctil e orgânica.

Apesar de dizer que só há três formas de representar o corpo humano - sentado, de pé, ou deitado - Henry Moore prefere uma forma híbrida entre o sentado e o deitado: o reclinado, uma vez que tanto o sentado quanto o deitado necessitam de um elemento (cadeira ou cama), não natural que dá sentido à sua pose. O reclinado não. O reclinado é hermafrodita; nasce de si mesmo.

Quando Henry Moore fala da influência da arte Maia e das civilizações primitivas na sua escultura, fala no caso aqui apresentado das semelhanças entre o seu reclinado e o reclinado do deus Chac, deus Maia da chuva. O seu nome, que pode ser escrito de várias maneiras quer dizer: "aquele que alimenta os outros", "o que urina", "ele que ilumina o céu", etc. As várias representações de Chac mostram-no como um ser com bigodes de gato, uma boca de réptil e presas próprias de réptil, reclinado como quem está a pescar. Mais tarde esta representação mudou para um estilo menos reptante e mais humano de forma que os dentes desapareceram totalmente. Na lenda Maia diz-se que Chac abriu uma grande montanha e retirou de lá milho, o alimento principal das civilizações mesoamericanas:”

Mayan Rain God (Chac)
948-1204
Itzá, México

Henry Moore
Reclining Figure
1929
Leeds City Art Gallery and Temple Newsam House