domingo, agosto 30, 2015

- o carteiro -

ode à novela brasileira

entre os meus, corre uma história engraçada. um homem, cansado de ouvir a sua mulher dizer, erradamente "batoneira" diz-lhe um dia "ó mulher, se não sabes dizer "betoneira" diz "máquina de fazer cimento". pois é essa expressão que me ocorre face às telenovelas portuguesas: se as nossas estações não sabem fazer telenovelas, que façam filmes, séries do Max, teatro, mas não telenovelas. há uns tempos começou a ser moda dizer "ah, eu não vejo novelas". principalmente as brasileiras, por ser um produto que não tinha qualquer referência ao real, pelo menos o nacional e que os enredos eram fantasiosos. e o que é O Crime do Padre Amaro (padre de província apaixona-se por moça casadoira, ela engravida, morre e ele fica como se aquilo não tivesse acontecido), a Anna Karenina (mulher abandona o maridinho para viver paixão arrebatadora com oficial e depois dá em doida a pensar que está velha, feia e gorda. vai daí, mata-se) ou o Romeu e Julieta (jovens encontram-se às escondidas pois as famílias de ambos não se suportam e acabam os dois mortos por um erro)? pois eu apelo: soltem-se, desinibam-se, amem as novelas brasileiras. as novelas brasileiras mostraram-nos a "cidade maravilhosa", ensinaram-nos canções, fizeram-nos rir e chorar, libertaram-nos de preconceitos (o genérico da Tieta), colocaram ante nós o humor de uma "língua" plástica (com o "legal", "safadinha", "cajageste", "não quero nem saber", "Posso penetrar? Penetra professor, penetra"), trouxeram-nos os rostos fabulosos da Malu Mader, da Maria Casadelvall, da Cléo Pires, o rabiosque da Deborah Secco, o charme do Fagundes e do José Mayer, a versatilidade da Cássia Kis e o talento da Lília Cabral. As novelas brasileiras alertaram-nos para realidades que não conhecíamos ou que não queríamos conhecer como a vida nas favelas ou o tráfico de droga. Para aqueles que afirmam tratar-se de entretenimento, de circo portanto, pois venha ele! se é para sermos enganados, que seja em grande, em bom. que seja com personagens que nos fazem rir, com bons argumentos, com bons cenários, com bons figurinos e com cenas bem pensadas. exemplos:

1) Norma tenta provocar a morte do marido abrindo as janelas do quarto onde ele se encontra. isto é filmado com a câmara em ângulo (podem ver como o cenário está inclinado). à medida que se dá conta do que fez, a câmara endireita-se e o cenário volta ao normal.[aqui]
2) Félix, regenerado, toma para si a responsabilidade de tratar do velho e cego pai que nunca aceitou, entre outras coisas, a homossexualidade do filho. a banda sonora da cena é o Adagietto da Sinfonia nº 5 de Mahler, o mesmo usado na "Morte em Veneza", do Visconti. Os chapéus são como os do filme e pai e filho acabam a olhar o horizonte [aqui], como o maestro morre a olhar a figura de Tadzio no horizonte. [aqui]

por favor, não digam "batoneira", não nos impinjam actores que, quer façam de ermita na Idade Média ou chulo porto-riquenho têm sempre as mesmas expressões. não subam os sapateiros acima da chinela. tragam de volta a novela brasileira!

sexta-feira, agosto 28, 2015

quando penso no final das férias e, acto contínuo, final do Verão e início de Outono, sangro por dentro, o meu corpo elanguesce, o meu coração range a cada lembrança do frio e da chuva, a minha alma exaure em prantos e o meu pensamento ensombrece. no frio não há esperança.

segunda-feira, agosto 24, 2015

- original soundtrack -













(Bach Goldberg Variations (Aria 11), Glenn Goldberg)
- não vai mais vinho para essa mesa -

[na praia]
- porque é que pões essa t-shirt a tapar o rabo?
- por causa das estrias. se apanhar Sol fico como uma girafa.
- deixa ver
- ...
- não tens estrias!
- estás a ver como resulta!
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes de depois ou "como a gente está sempre a aprender". Vi "Os sonhadores" do Bertolucci há algum tempo, na RTP2, naquelas sessões de cinema que a RTP2 fazia aos Sábados à noite. Hoje para vermos o filme no youtube temos de assegurar que somos maiores de idade... Nessa altura houve uma cena que me ficou na cabeça - a mim como a toda a gente: a cena em que os três amigos correm por uma das galerias do Louvre. A cena é interrompida por uma outra a preto e branco com outros protagonistas, protagonistas esses do filme "Bande à Part" do Godard, realizado em 1964. As cenas do Louvre d'"Os Sonhadores" são retiradas, tal e qual, do filme do Godard, incluindo o guarda que tenta apanhar os jovens, a escadaria com a Vitória de Samotrácia e o quadro do David por onde os jovens passam. Nunca me lembrei de fazer um post deste "antes e depois", até hoje. Até fiz dois gifs, vejam lá! 
















Jean Luc-Godard
Bande à Part
1964













Bernardo Bertolucci
The Dreamers
2003

Nunca fui ao Louvre. Como todos os outros grandes museus, o Louvre irá provavelmente criar em mim, quando lá for, sintomas do Síndrome de Stendhal, aquela sensação de não ser capaz de abarcar tanta beleza. A história do Louvre é a história de França, já que o Louvre é fruto, enquanto construção arquitectónica, da vontade dos seus soberanos que procuraram deixar a marca do seu poder nos edifícios. No interior, o Louvre conta muitas histórias. As suas alas foram mudando, foram recebendo colecções confiscadas aos nobres, colecções surripiadas por Napoleão nas campanhas no Egipto, obras mais ou menos queridas aos soberanos. É o caso deste "Juramento dos Horácios" na Salle Rouge, quadro para onde tanto a câmara de Godard como a de Bertolucci se dirigem após os jovens passarem. 















Jacques-Louis David
Juramento dos Horácios
1784
Museu do Louvre, Paris

O quadro, que veicula os ideais do Neoclassicismo, não me cai nada no goto. Aliás, o Neoclassicismo é um dos momentos da História da Arte de que me custa gostar. A obra conta-nos a história de três irmãos romanos que juraram defender Roma: vejamos as mãos que se esticam em direcção ao pai que por sua vez segura as espadas com que os três irão lutar por Roma, ou como a pintura se divide em dois lados, um masculino e um feminino. David pintou o quadro "para" Luís XVI; ou seja, o rei deixou David pintar no Louvre, um privilégio e talvez em troca dessa benesse, David tenha pintado para o rei esta história de lealdade para com a pátria, algo que fazia sentido ainda para mais estando próxima a Revolução Francesa. Alguns anos após David ter pintado o quadro, o seu patrono, o rei Luís XVI foi mandado para a guilhotina e morto na Place de la Concorde perante o delírio dos cidadãos da Primeira República. O mais curioso é que David estava metido, até ao pescoço, neste processo de assassinato, já que enquanto deputado eleito da Convenção Nacional, havia votado pela morte do rei... David foi também o Comissário Cultural de Robespierre e enquanto tal recomendou que a arte estivesse ao serviço do povo, incluindo-se também no rol dos artistas que cumpriam este requisito. Por isso, quando o Juramento dos Horácios foi novamente mostrado em contexto de Revolução, foi interpretado de forma diferente daquela que o rei Luís XVI tinha interpretado: o Juramento dos Horácios era agora um trabalho de grande virtude revolucionária, uma ode à pátria, à fraternidade e um apelo ao martírio por estes valores. Pinturas como esta necessitavam de um espaço público onde pudessem ser mostradas e desta forma, fossem úteis aos jovens cidadãos, educando-os. Seguindo uma ideia já divulgada por Diderot, a República virou-se para o Louvre e declarou-o, exactamente 12 anos após a queda do Antigo Regime, Museu da Nação.
- o carteiro -

e o Homem criou Deus... (IV)

Em 303 Diocleciano inicia a perseguição aos cristãos. Diocleciano divide o Império em duas partes e reorganiza-o através de princípios militares o que não resultou bem, já que esta divisão criou mais problemas que soluções. Diocleciano define que cada uma das partes do Império terá um representante (Imperador/Augusto) e cada um terá um César sob a sua tutela. Em 312 esta estrutura colapsa e sobe ao trono imperial Constantino que governa a partir de York. É com Constantino que o curso da história do Cristianismo muda. Um dia Constantino tem uma visão... Até ter esta visão, o Imperador era pagão, mas a partir daqui (um dia antes da Batalha de Monte Mílvio sonhou com uma cruz com a inscrição "Sob este símbolo vencerás") torna-se cristão. É isto que inicia todo o processo aceitação, a um nível superior, do Cristianismo. Há quem defenda que Constantino não teve uma visão com Deus, mas uma visão com o Deus do Sol, Apolo. Isso explicaria a passagem do dia de descanso passar do Sábado, segundo a tradição hebraica, para o Domingo. De facto, Domingo é o Dia do Sol: Sunday=Sun+Day. E, na verdade, é só no seu leito de morte que Constantino é baptizado passando a fazer parte da família de Deus. Mesmo que Constantino não tenha tido esta visão, ela dá uma justificação para a viragem de Constantino, que muito provavelmente se apercebeu que seria favorável para o Império ter uma religião unificadora do mesmo.
Através do Édito de Milão, que declara o Cristianismo religião oficial do Império, Constantino alcança a legitimidade para marchar, em 323, sobre a parte oriental do Império e desta forma destronar o imperador desse lado. Ao conseguir isto, Constantino começa a reinar sobre o Ocidente e o Oriente; ou seja, sobre todo o Império cristão. É também nesta altura que a composição da Bíblia fica completa, com os textos escolhidos para dela fazerem parte. Ora bem, uma escolha implica que algo seja preterido; ou seja, os textos existentes na altura não eram apenas os textos que hoje compõem a Bíblia. Os textos que não integraram a Bíblia apresentavam, em alguns casos, visões que não complementavam a ideia pretendida e que foi, obviamente, uma construção. Isto mostra a variedade daquilo que era o cristianismo dos primeiros tempos. Vejamos os gnósticos. Os gnósticos eram cristãos que acreditavam que o crente necessitava de se submeter a rituais de iniciação para chegar a um conhecimento mais aprofundado de Deus. E isto não era novo, uma vez que este tipo de crença vinha de religiões de regiões próximas como o zoroastrismo, por exemplo. Dou um exemplo: Basílides de Alexandria, um dos primeiros gnósticos, defendia que o mundo havia sido criado por um anjo louco e cego que acreditava ser Deus. Segundo Basílides, Jesus teve de vir à Terra para livrá-la deste espírito tirânico e fê-lo de facto ao libertar-se da cruz. Obviamente, (esta história surge mais tarde no Corão), estas histórias que misturavam ficção com muita filosofia da Antiguidade e aspectos das religiões da Pérsia, da Assíria e do Egipto, resultavam em mal entendidos. Eram efectivamente uma ameaça ao ideal do Constantino de uma Igreja, um Deus, um Imperador, um Império. Houve por isso necessidade de definir tudo: o que é Cristianismo, qual a natureza do Deus, qual a Natureza de Cristo... enfim, questões que hoje nos parecem de resposta simples, geraram conflitos sérios entre os teólogos e coube a eles definir e tornar praticável o que apenas estava escrito de forma alegórica.
Foi em 325 que se deu o Concílio de Niceia, em Niceia. Neste concílio definiu-se a natureza de Deus. Deus deveria ser então 3: Pai, Filho e Espírito Santo. Claro que esta noção, bastante complexa, levou a discussões intestinas. Por um lado tivemos Arius a dizer que se Cristo era filho de Deus não podia ser o próprio Deus, nem igual a Deus. O opositor de Arius, Atanásio de Alexandria defendia que Deus-Pai era idêntico ao Deus-Filho: 2 seres com substâncias semelhantes ("homoousious" - substância idêntica). Arius contrapõe com o termo "homoiousios"; ou seja "como a substância de Deus". Quando votada, ganhou a ideia de Atanásio de Alexandria; ou seja, a ideia que Jesus era da mesma substância de Deus. Foi a partir daqui que os bispos de Niceia criaram o credo ainda hoje repetido nos celebrações eucarísticas: "Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, criador do Céu e da Terra (...) Creio em um só Senhor, Jesus Cristo (...) gerado, não criado, consubstancial ao Pai (...) Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado (...)".
Três séculos após a morte de Cristo, o Cristianismo tem um livro, um credo e a aceitação oficial de todo um Império.


- não vai mais vinho para essa mesa -




























































sexta-feira, agosto 21, 2015

- o carteiro -




















quinta-feira, agosto 20, 2015

- original soundtrack -

não foi em França, mas fica a nota

(Voltei, Voltei, Dino Meira)
- não vai mais vinho para essa mesa -

estou feita ao bife: perdi peso
- o carteiro -

um destes dias tive a possibilidade de ver um quadro do artista Frans van Mieris, the Elder. Chamava-se "The Doctor's visit" e dele a legenda dizia que retratava uma mulher muito pálida, a desfalecer, que, segundo o médico, sofria de "lovesickness" por demasiada leitura do Antigo Testamento!acho que não há uma tradução oficial para esta palavra. o que de melhor me ocorre é "mal de amor". 





















Jan Steen
Love Sickness
1660
Alte Pinakothek, Munique

Ao que parece, o mal de amor era mesmo considerado uma doença, como o provam as primeiras referências a esses casos. dou aqui duas: 
- Plutarco escreveu nas "Vidas" que no século IV a.C. o físico romano Erasístrato de Chio foi chamado à cabeceira do príncipe Antíoco. Quando lá chegou viu o jovem fraco e pálido, como que a morrer sem razão aparente. Entra entretanto no quarto a madrasta do jovem, Estratonice (que é um lindo nome!) e o jovem recupera as cores, o batimento cardíaco acelera. Erasístrato percebe então que o príncipe tem um mal de amor e está apaixonado pela própria madrasta. aconselha então o rei Seleucus a entregar a esposa ao filho.
- Galeno descobriu de que doença padecia a mulher de Justo, um romano abastado, quando lhe tomou o pulso e sentiu as pulsações a aumentarem de ritmo sempre que ouvia o nome de Pílades, um esbelto bailarino.
A explicação médica é/era simples: o amor pode não ser correspondido e quando isso acontece a pessoa que o sente desenvolve uma tristeza e melancolia que levam à produção da bílis negra, um dos quatro humores do corpo humano. Convém porém distinguir o mal de amor da erotomania
Até aqui, e face a estes dois exemplos, estamos empatados; ou seja, tanto homens como mulheres podem padecer de lovesickness, de um "mal de amor". hoje achamos que homens e mulheres sofrem da mesma forma. Melhor: achamos que o sentimento é o mesmo para os dois géneros, embora a forma de ultrapassá-lo e de lidar com ele possa ser diferente. Mas altura houve em que os sintomas de "mal de amor" (falta de apetite, ruborizar, passividade, distracção, ritmo cardíaco acelerado - sintoma só considerado pelos médicos no século XIII -, mudanças de humor, etc...) indicavam doenças diferentes em mulheres e homens. Nas mulheres os sintomas do "mal de amor" eram quase sempre uma expressão do seu histerismo latente. Dependentes dos maridos, educadas para procriar, obedecer, cozinhar, sem rendimentos próprios, a maior parte delas sonhava com os heróis dos romances de cavalaria e, mais tarde, da literatura de cordel. Por isso, o seu "mal de amor" era desconsiderado e elas, infantilizadas. Ou isso, ou sofriam de lovesickness devido à leitura excessiva do Antigo Testamento. De facto, no Cântico dos Cânticos encontramos isto:
"Sustentem-me com bolos de pas­sas,/fortaleçam-me com maçãs,/porque eu desfaleço de amor." (Cap. 1, Ver. 5)
e isto:
"Eu vos conjuro, mulheres de Jeru­salém:/se encontrardes o meu amado,/sabeis o que dizer-lhe?/Que eu desfaleço de amor." (Cap. 5, Ver. 8)
Claro que, tanto numa passagem como na outra o "desfalecer de amor" se dá em referência à alma que espera Deus. Isto lembra-me algo, não sei se terá razão de ser, mas "bós" ajuizareis: as Madalenas penitentes que se olham ao espelho. Será que elas não têm aquele ar tristonho e melancólico porque leram os escritos de Margarida de Oingt? Ao que parece, no século XIII, XIV que foi quando viveu, Margarida de Oingt escreveu o seguinte:
''The inside of this book was like a beautiful mirror, [ ... ] In this book appeared a delightful place, so large that the entire world seems small by comparison". Para além disso este livro mostrava o corpo de Cristo, um corpo "so noble that one could see oneself reflected in it, more clearly than in a mirror". Será que uma coisa e outra estão ligadas. Será que este livro circulava, primeiro entre religiosas e depois entre o mais comum dos homens, no século XVI. Estive a ver e de facto não há - tanto quanto sei, atenção! - Madalenas penitentes de espelho à frente, antes do século XIII.


















Georges de La Tour
The Penitent Magdalen
1638-43
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque


Já nos homens a causa para todos estes sintomas é o amor heróico, muito diferente do amor erótico. O amor heróico só era sentido por homens nobres e ricos. Quase nunca por homens de baixa condição e nunca por mulheres. Estas podiam ser, quando muito, prescritas aos homens apaixonados. Vejamos o conselho médico de Pedro de Espanha, nascido, por caso em Portugal:
"Sed in cura amoris hereos applicantur emplastra vel mulieres ad testiculos" (isto é qualquer coisa como "para curar o amor heróico, aplicar emplastros e mulheres nos testículos). vemos que a mulher é comparada a uma panaceia o que denuncia um pensamento androcentrado. Vemos também que o amor, ou a cura para o mal de amor, deve ser feita no sexo. e de facto, onde se sente o mal de amor? é na cabeça, no coração ou no sexo (neste caso, nos testículos)? Os médicos e filósofos tendiam a localizar esta "doença" no cérebro dos homens ricos e poderosos (claro), já que o cérebro estava no topo deste trio, ficando por isso acima do coração e do sexo. Os homens menos abastados sentiam a sua doença no pénis e testículos e as mulheres, no útero. Ora como o útero é interno, a ideia de que tudo não passava de histerismo no caso feminino, ganhava força, já que aquilo que não se vê, não se compreende e por isso não se explica.

Para além do coito com mulheres (mais o menos o mesmo que hoje dizemos de substituir a sarna de cão pelo pêlo de outro cão), eram aconselhados os banhos, vinho, boa comida, música, poesia, desporto, viagens. Para as mulheres que sofriam de mal de amor, é criado mais tarde, penso que no século XVII, três curas: o clister, o vrouwenspuit (pulverização da vagina com uma seringa, também entendido como uma forma de massagem masturbatória), ou o coito em contexto de casamento. 

Acho que era Platão que dizia (ele não diz nada, os outros é que dizem) que nós procuramos a outra metade porque de facto nascemos redondos como laranjas: com duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, quatro pés... E existíamos em versão: homem-homem, homem-mulher e mulher-mulher. Quando os deuses nos dividiram, devido à nossa ambição de os suplantarmos, nós ficámos pelo mundo, perdidos, à procura da nossa metade. e quando achamos que a encontramos e ela não corresponde aos nossos anseios, ficamos "lovesicknesses". mas como o amor não se prende com aquilo que queremos receber do ser que amamos, mas com aquilo que queremos dar, esta doença não faz, aparentemente, sentido. é que apesar da nossa necessidade de encontrarmos o amor vir, em grande parte, da Revolução Francesa e da importância do indivíduo que ela promove, a verdade é que tem muito pouco de racional

coisas...






















































- o carteiro -

caro professor:
olá, como vai? este post serve para responder ao seu último comentário acerca da "saga" Arnolfini. queria ter-lhe trazido um outro "recuerdo" destas férias, mas a verdade é que a sala em questão estava fechada, razão pela qual lhe envio, via correio, o postal. havia também um livro só sobre os arnolfini, mas achei que era "muita parra e pouca uva"; ou seja, muitos assuntos laterais e pouca reflexão sobre o quadro. nestas férias, fui dar a minha volta, porque também tenho direito. numa dessas igrejas recôndita de um país nada recôndito, cujo nome não vou revelar aqui, encontrei esta preciosidade:












(fotografia retirada da internet)

o espaço é lindo, místico, mas não por ser religioso. é uma construção do século XIX em estilo românico com incongruências, claro está. localiza-se acima da linha de comboio e esta, na margem de um lado. tudo à volta é vegetação e musgo. quando estava lá dentro, sozinha, junto aos túmulos, desejei que um deles falasse comigo e me dissesse qualquer coisa como "olá, tudo bem com a menina?". mas nada. espero quase sempre isso de dentro das igrejas, principalmente as mais antigas. e até agora ainda ninguém me dirigiu palavra. dentro da igreja encontra-se um órgão de tubos que contém no seu interior, um espelho para que quem nele opera possa ver o decorrer da cerimónia religiosa e por consequência, tocar no momento certo. o espelho fez-me mesmo lembrar o dos Arnolfini (convém já agora dizer que o Arnolfini me lembra muito o Vladimir Putin).






































as fotografias não estão grande coisa, mas "a cavalo dado não se olha o dente". um abraço, b.
- não vai mais vinho para essa mesa -

uma das minhas actividades preferidas é o people watching. gosto de ficar na rua, nos transportes públicos, num restaurante,... a ver as pessoas. num destes dias de férias, observava um casal que ía à minha frente: a mão dada, a cabeça no ombrinho, os beijos roubados à socapa, os risinhos. todos eles eram mel. mas eis que surge, vinda do nosso lado direito, uma moça de sapato alto e um vestido do género bandage dress Hervé Leger (é ir ver ao Google Images), preto e branco às riscas horizontais que lhe salientava tanto a cintura fina como o rabiosque redondo. pensei "caramba, se eu fosse daqueles homens que gostam de mulheres, largava a minha e ía ter com esta". alguma coisa me disse: "não sejas ridícula. depois ias largar a moça de vestido às riscas para ires ter com algo mais perfeito e assim sucessivamente". com a oferta que hoje há - mesmo que alguma seja, manifestamente, publicidade enganosa - as relações amorosas parecem cada vez mais voláteis e minadas por exemplos como aquele da rapariga de vestido às riscas. não que eu seja contra raparigas de vestidos às riscas, muito pelo contrário. mas poderá um homem resistir a uma moça de rabiosque redondo e cintura fina? poderá dizer que não? às vezes, como parte do meu passatempo de people watching, entro em lojas para ver as moças jeitosas que nelas trabalham. depois saio de lá desfeita, a sentir-me horrível e a martirizar-me "ah vida injusta, mundo cão, sorte malvada! mas porque é que eu não sou assim?".

sábado, agosto 08, 2015

- o carteiro -

o belogue (et moi aussi) vai de férias. vai ver coisas lindas e fazer um upgrade (sou mesmo kinky, lembrei-me logo disto!) para depois dar-vos conta das maravilhavas que o Senhor opera no mundo. entretanto, "aprobeitainde, bende os arquibos, aí no lado dreito, e dibertinde-bos". beijinhos às famílias. 

sexta-feira, agosto 07, 2015

- original soundtrack -

vocês vão dizer: "esta tipa, volta e meia, repete músicas". e é verdade, repito. se repito é porque gosto mesmo muito delas. e esta música... esta música apela mesmo ao sentimento (é o melhor que consigo dizer sem me esticar muito)



















I'll protect you from the hooded claw
Keep the vampires from your door

Feels like fire
I'm so in love with you
Dreams are like angels
They keep bad at bay-bad at bay
Love is the light
Scaring darkness away-yeah

I'm so in love with you
Purge the soul
Make love your goal

The power of love
A force from above
Cleaning my soul
Flame on burn desire
Love with tongues of fire
Purge the soul
Make love your goal

I'll protect you from the hooded claw
Keep the vampires from your door
When the chips are down I'll be around
With my undying, death-defying
Love for you

Envy will hurt itself
Let yourself be beautiful
Sparkling love, flowers
And pearls and pretty girls
Love is like an energy
Rushin' rushin' inside of me

This time we go sublime
Lovers entwine-divine divine
Love is danger, love is pleasure
Love is pure-the only treasure

I'm so in love with you
Purge the soul
Make love your goal

The power of love
A force from above
Cleaning my soul
The power of love
A force from above
A sky-scraping dove

Flame on burn desire
Love with tongues of fire
Purge the soul
Make love your goal

I'll protect you from the hooded claw
Keep the vampires from your door
(The power of love, Frankie Goes to Hollywood)
- o carteiro -

este carteiro deveria chamar-se "não vai mais vinho para essa mesa" porque o conteúdo é realmente... de m****. Ou seja, é quase disso e sobre isso. não sei porquê, mas desde pequena tenho um grande interesse por isso. e ainda hoje as piadas sobre cócó fazem-me rir a sério. se na silly season os telejornais podem ocupar horário nobre com selfies dos "famosos", eu também posso escrever sobre estas coisas. Não, não vou falar sobre cócó, mas sobre arte que no fundo é a única coisa sobre a qual acho que percebo um "vocadinho" pequenino. Pois é, venho falar da arte do flato: a fl'Art. Nunca pensaram, principalmente com a pseudo-irreverente arte contemporânea, não é joanica? - que de irreverente tem muito pouco já que se submete até a modelos políticos - que a arte pudesse ir por aí. mas foi. entre 1600 e 1800, mais coisa menos coisa, no Japão (ah, esses ganda malucos!) vivia-se o período Edo período esse marcado pela forte oposição à abertura do país ao Ocidente. Não só por causa disso, por causa da imagem negativa que os japoneses tinham dos ocidentais, mas também por causa dessa imagem negativa, começaram a ser produzidos pergaminhos ilustrados com o He-Gassen ou "Guerra de Flatos". Nestas ilustrações, disponibilizadas pelo Waseda University digital archive, podemos ver a que ponto chegava o humor dos japoneses quando se tratava de troçar dos ocidentais. as guerras de puns podiam mandar um gato pelos ares:











um cavalo:













uma árvore:













e, quer-me parecer, deixava o ambiente irrespirável. mas eles lá estão todos satisfeitos. basta tapar o nariz, munir-se de um abanico e claro, ter propensão para a flatulência.













beijinhos à famílias e boua noitinha.

terça-feira, agosto 04, 2015

- original soundtrack -

porque tristezas não pagam dívidas (e alegrias também não) e esta música é um portento













The gold road's sure a long road
Winds on through the hills for fifteen days
The pack on my back is aching
The straps seem to cut me like a knife

The gold road's sure a long road
Winds on through the hills for fifteen days
The pack on my back is aching
The straps seem to cut me like a knife

I'm no clown I won't back down
I don't need you to tell me what's going down
Down down down down da down down down
Down down down down da down down down

I'm standing alone
I'm watching you all
I'm seeing you sinking
I'm standing alone
You're weighing the gold
I'm watching you sinking
Fool's gold

These boots were made for walking
The Marquis de Sade don't wear no boots like these
Gold's just around the corner
Breakdown's coming up round the bend

Sometimes you have to try to get along dear
I know the truth and I know what you're thinking

Down down down down da down down down

I'm standing alone
I'm watching you all
I'm seeing you sinking
I'm standing alone
You're weighing the gold
I'm watching you sinking
Fool's gold

Fool's gold

I'm standing alone
I'm watching you all
I'm seeing you sinking
I'm standing alone
You're weighing the gold
I'm watching you sinking
Fool's gold

(Fool's Gold, The Stone Roses)
- não vai mais vinho para essa mesa -

estou gorda.
- não vai mais vinho para essa mesa -

ou é cócó.
- não vai mais vinho para essa mesa -

não, é mesmo gordura. 
- o carteiro -

olá professor, boa noite. ora bem, convém antes de mais dizer que isto não é uma resposta: contra factos não há argumentos. aquilo que escreveu - e que tive de ler várias vezes (!) - não tem o que se lhe possa apontar. posso apenas trazer mais elementos para discussão.
Estive a fazer, no Google, uma pesquisa por "similar images", mas só obtive resultados parvos. Vi um site onde relacionava de facto as duas imagens (de van Eyck e de Loyset Liédet), mas mais nada. Li no entnato, neste artigo (que é bastante complexo, misturando óptica com filosofia e Deleuze com Nicolau de Cusa) que o artista, Van Eyck, redimensionou várias vezes o espelho, algo que pode ser visto pelas análises de infravermelhos. 

















O objectivo era criar um espelho que fosse mais pequeno que o inicial, de forma a reflectir apenas o que interessava e assim criar, reflectido no espelho, um efeito de perspectiva mais marcada. por outro lado, não haveria razão para o espelho ser maior já que não iria reflectir mais. ou seja (vamos lá ver se me consigo explicar), se o espelho fosse maior, poderia revelar mais do espaço em todas as direcções, mas não para a frente. além disso, com um espaço interior tão apertado, a obra beneficiava muito mais do efeito de túnel dado por um espelho pequeno. o artigo referido diz também, logo no início, o seguinte:

"For example, although there appears to be but one mirror in the painting, a closer inspection reveals that this single mirror has both a painted and an "underdrawn" dimension to it (what holographers would call a real and a virtual dimension). The first (or "painted") mirror lies on the surface plane of the painting (its material plane). If this mirror were strictly confined to the surface plane of the painting, it would only reflect what was in front of the painting and not what lies behind the two figures, the virtual dimension."

Não percebo a última frase desta citação.

De qualquer forma, esta pintura lembra em determinadas coisas "Las Meninas" do Velazquez. O problema neste caso é... tudo. Vamos lá: as princesas e o pintor estão voltados para a frente ao contrário do quadro de Van Eyck, em que pintor e os retratados se encontram frente a frente. Como pode então Velazquez pintar as princesas se elas estão de costas para ele? só se estivesse a pintar as costas delas. para além disso, as princesas estão entre o pintor e o quadro, o que impossibilita que ele chegue ao quadro e logo, que as pinte! há quem diga que no quadro todos foram surpreendidos com a chegada do casal real, reflectido no espelho e há quem diga que o casal é real é o objecto do interesse do pintor. mas então porque é que o quadro se chama "Las Meninas"? No quadro de Van Eyck a estrutura é: espelho, espaço, objecto (casal), espaço, pintor, espaço. No quadro de Velazquez a estrutura muda: espelho, espaço, pintor, espaço, objecto (princesas), espaço, tela, espaço. 



















Diego Velazquez
Las Meninas
1656
Museu do Prado, Madrid

caro professor, deixo-o aqui com outro "espelho". esta pintura é "tão bonitinha", como diria o Caetano... Para além de todos os pormenores (vidro partido, trompe l'oeil, papelinho pendurado), há, na prateleira de cima, um espelho. espelho este que reflecte o espaço onde o "gabinete de curiosidades" se encontra. mas neste caso, não há pintor.















Domenico Remps
Cabinet of Curiosities
1689
Museo dell'Opificio delle Pietre Dure, Florença

















Domenico Remps
Cabinet of Curiosities (pormenor)
1689
Museo dell'Opificio delle Pietre Dure, Florença
- não vai mais vinho para essa mesa -


- o carteiro -

e o Homem criou Deus... (III)

como vimos na última vez, os primeiros cristãos eram olhados com desconfiança por parte daqueles que os rodeavam , principalmente os judeus e os romanos, pois os cristãos colocavam-se propositadamente à margem do politeísmo, mas eram mais abertos quanto a determinadas questões para as quais os judeus tinham uma ortodoxia inabalável. esta abertura dos cristãos a não circuncidados e não judeus (para se ser judeu era necessário nascer judeu. para ser cristão era necessário ter vontade e fé) podia prender-se com a necessidade de angariar membros num mundo hostil, mas extremamente carente. o comportamento singular dos primeiros cristãos começou a levantar suspeitas - por fugir à norma instituída na qual todas as variantes pareciam já calculadas - e, como sabemos, estes foram perseguidos. refugiaram-se em catacumbas, local onde eram enterrados os membros das famílias romanas que morriam no espírito pagão. foi portanto necessário a estes primeiros cristãos adaptar as suas práticas ao espaço romano e pagão. e isto aliviou um pouco a pressão exercida sobre estes primeiros cristãos, permitindo que emergissem novos cultos, cada um a insistir na sua ortodoxia.
200 anos após a morte de Jesus, o cristianismo já se tinha espalhado a todo o império sendo que, como vimos, cada uma das partes do império tinha a sua própria interpretação. tinham no entanto um ritual em comum: a refeição comunitária. A refeição comunitária assume importância vital neste tempo e espaço pois estávamos perante um tempo e um espaço de carência. o céu devia de facto assemelhar-se a um lugar repleto de comida grátis. as refeições comunitárias eram feitas em casa, e como em casa reinavam as mulheres, eram elas quem, na maior parte das vezes, presidiam às cerimónias. Ideia bastante diferente de hoje...
Não obstante a adaptação do culto cristão ao espaço romano e politeísta, o cristianismo continua a ser perseguido. Começa então a surgir a ideia - e a necessidade - de homogeneizar todas as dissidências e ortodoxias do cristianismo, que vigoravam nas diferentes partes do império, através de uma teorização do próprio cristianismo. É Inácio de Antioquia que propõe organizar e agregar todas as pequenas igrejas domésticas numa só, com um representante único e uma autoridade única. Propõe assim que a Igreja cristã se baseie no modelo organizativo do governo romano. é assim que as mulheres perdem o poder que inicialmente tinham, já que na estrutura do governo romano não eram admitidas mulheres...
Cria-se também, para além de um modelo, uma filosofia para compreender Deus; ou seja, a Teologia. Como tudo estava em construção, as pessoas (os potenciais cristãos) sentiam-se parte do que estava a acontecer, sentiam que finalmente pertenciam a algo. é aqui que o cristianismo chega às classes mais elevadas que querem estar na vanguarda, querem poder reclamar para si uma parte da autoria. autoria leva a autoridade e quem tem autoridade pode ocupar os cargos mais altos da hierarquia eclesiástica que, após passar por um processo de sistematização e organização, acabou por adquirir muitos dos vícios que estavam presentes no modelo adoptado. por esta altura, já os princípios dos primeiros cristãos estavam possivelmente comprometidos. 

segunda-feira, agosto 03, 2015

professor, a resposta segue dentro de momentos