- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (IV)
Em 303 Diocleciano inicia a perseguição aos cristãos. Diocleciano divide o Império em duas partes e reorganiza-o através de princípios militares o que não resultou bem, já que esta divisão criou mais problemas que soluções. Diocleciano define que cada uma das partes do Império terá um representante (Imperador/Augusto) e cada um terá um César sob a sua tutela. Em 312 esta estrutura colapsa e sobe ao trono imperial Constantino que governa a partir de York. É com Constantino que o curso da história do Cristianismo muda. Um dia Constantino tem uma visão... Até ter esta visão, o Imperador era pagão, mas a partir daqui (um dia antes da Batalha de Monte Mílvio sonhou com uma cruz com a inscrição "Sob este símbolo vencerás") torna-se cristão. É isto que inicia todo o processo aceitação, a um nível superior, do Cristianismo. Há quem defenda que Constantino não teve uma visão com Deus, mas uma visão com o Deus do Sol, Apolo. Isso explicaria a passagem do dia de descanso passar do Sábado, segundo a tradição hebraica, para o Domingo. De facto, Domingo é o Dia do Sol: Sunday=Sun+Day. E, na verdade, é só no seu leito de morte que Constantino é baptizado passando a fazer parte da família de Deus. Mesmo que Constantino não tenha tido esta visão, ela dá uma justificação para a viragem de Constantino, que muito provavelmente se apercebeu que seria favorável para o Império ter uma religião unificadora do mesmo.
Através do Édito de Milão, que declara o Cristianismo religião oficial do Império, Constantino alcança a legitimidade para marchar, em 323, sobre a parte oriental do Império e desta forma destronar o imperador desse lado. Ao conseguir isto, Constantino começa a reinar sobre o Ocidente e o Oriente; ou seja, sobre todo o Império cristão. É também nesta altura que a composição da Bíblia fica completa, com os textos escolhidos para dela fazerem parte. Ora bem, uma escolha implica que algo seja preterido; ou seja, os textos existentes na altura não eram apenas os textos que hoje compõem a Bíblia. Os textos que não integraram a Bíblia apresentavam, em alguns casos, visões que não complementavam a ideia pretendida e que foi, obviamente, uma construção. Isto mostra a variedade daquilo que era o cristianismo dos primeiros tempos. Vejamos os gnósticos. Os gnósticos eram cristãos que acreditavam que o crente necessitava de se submeter a rituais de iniciação para chegar a um conhecimento mais aprofundado de Deus. E isto não era novo, uma vez que este tipo de crença vinha de religiões de regiões próximas como o zoroastrismo, por exemplo. Dou um exemplo: Basílides de Alexandria, um dos primeiros gnósticos, defendia que o mundo havia sido criado por um anjo louco e cego que acreditava ser Deus. Segundo Basílides, Jesus teve de vir à Terra para livrá-la deste espírito tirânico e fê-lo de facto ao libertar-se da cruz. Obviamente, (esta história surge mais tarde no Corão), estas histórias que misturavam ficção com muita filosofia da Antiguidade e aspectos das religiões da Pérsia, da Assíria e do Egipto, resultavam em mal entendidos. Eram efectivamente uma ameaça ao ideal do Constantino de uma Igreja, um Deus, um Imperador, um Império. Houve por isso necessidade de definir tudo: o que é Cristianismo, qual a natureza do Deus, qual a Natureza de Cristo... enfim, questões que hoje nos parecem de resposta simples, geraram conflitos sérios entre os teólogos e coube a eles definir e tornar praticável o que apenas estava escrito de forma alegórica.
Foi em 325 que se deu o Concílio de Niceia, em Niceia. Neste concílio definiu-se a natureza de Deus. Deus deveria ser então 3: Pai, Filho e Espírito Santo. Claro que esta noção, bastante complexa, levou a discussões intestinas. Por um lado tivemos Arius a dizer que se Cristo era filho de Deus não podia ser o próprio Deus, nem igual a Deus. O opositor de Arius, Atanásio de Alexandria defendia que Deus-Pai era idêntico ao Deus-Filho: 2 seres com substâncias semelhantes ("homoousious" - substância idêntica). Arius contrapõe com o termo "homoiousios"; ou seja "como a substância de Deus". Quando votada, ganhou a ideia de Atanásio de Alexandria; ou seja, a ideia que Jesus era da mesma substância de Deus. Foi a partir daqui que os bispos de Niceia criaram o credo ainda hoje repetido nos celebrações eucarísticas: "Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, criador do Céu e da Terra (...) Creio em um só Senhor, Jesus Cristo (...) gerado, não criado, consubstancial ao Pai (...) Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado (...)".
Três séculos após a morte de Cristo, o Cristianismo tem um livro, um credo e a aceitação oficial de todo um Império.
Foi em 325 que se deu o Concílio de Niceia, em Niceia. Neste concílio definiu-se a natureza de Deus. Deus deveria ser então 3: Pai, Filho e Espírito Santo. Claro que esta noção, bastante complexa, levou a discussões intestinas. Por um lado tivemos Arius a dizer que se Cristo era filho de Deus não podia ser o próprio Deus, nem igual a Deus. O opositor de Arius, Atanásio de Alexandria defendia que Deus-Pai era idêntico ao Deus-Filho: 2 seres com substâncias semelhantes ("homoousious" - substância idêntica). Arius contrapõe com o termo "homoiousios"; ou seja "como a substância de Deus". Quando votada, ganhou a ideia de Atanásio de Alexandria; ou seja, a ideia que Jesus era da mesma substância de Deus. Foi a partir daqui que os bispos de Niceia criaram o credo ainda hoje repetido nos celebrações eucarísticas: "Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, criador do Céu e da Terra (...) Creio em um só Senhor, Jesus Cristo (...) gerado, não criado, consubstancial ao Pai (...) Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado (...)".
Três séculos após a morte de Cristo, o Cristianismo tem um livro, um credo e a aceitação oficial de todo um Império.
4 Comments:
A crença de que o Édito de Milão (313 d.C.) tornou o cristianismo “religião oficial” do império romano é corrente, mas não corresponde à verdade. De facto, o Édito de Milão apenas declarava a liberdade de culto dos cristãos e o fim das perseguições a que tinham sido sujeitos no passado. Devolvia também à Igreja as propriedades que lhe tinham sido confiscadas. Contudo, protegia de perseguição por motivos religiosos não apenas os cristãos mas todas as confissões religiosas.
Aliás, a relação de Constantino com o cristianismo foi sempre algo ambígua. Consta que se converteu em 312, mas a verdade é que só foi baptizado em 337, pouco antes de morrer. Além disso escolheu para o efeito um bispo herético, i.e. ariano, Eusébio de Nicomédia.
Como político, Constantino estava sobretudo interessado na estabilidade do Império. Convocou o Concílio de Niceia (onde a doutrina do Arianismo foi condenada) numa tentativa de acabar com as discussões religiosas entre cristãos. Porém, a controvérsia não terminou aí e alguns autores consideram que Constantino pode ter-se arrependido e começado a pensar que tomou a decisão errada (o lado errado), e que os de Niceia, perseguidores ferozes do arianismo, eram quem de facto causava problemas dentro da Igreja e do Império.
O cristianismo apenas se tornou religião oficial uns 70 anos mais tarde e quatro imperadores depois. O filho e sucessor de Constantino, Constâncio II simpatizava com o partido ariano e chegou a exilar alguns bispos de Niceia. Mais tarde, Juliano o Apóstata rejeitou o cristianismo e protegeu as religiões tradicionais (pagãs), mas também o judaísmo e todas as formas/seitas cristãs sendo porém menos tolerante com os nicenos. Valente (364-378), que foi imperador romano do oriente era um ariano fanático e perseguiu os cristãos nicenos.
Quando Valente morreu e Teodósio I assumiu o seu lugar, o arianismo estava espalhado por todo o Império romano do oriente. Apenas o ocidente se mantinha fiel a Niceia. O imperador do ocidente, Graciano (375-383) promoveu a perseguição dos heréticos e Teodósio, que era natural da Hispânia e niceno devoto, fez o mesmo no oriente.
Finalmente, em 380 d.C., Teodósio I, Graciano e Valentiniano II (irmão do anterior e co-imperador do Ocidente) decretaram em conjunto o Édito de Tessalónica, estabelecendo o cristianismo como religião oficial do Estado. Um triste dia para a civilização ocidental e para a humanidade – as religiões oficiais, sejam elas quais forem (ateísmo na ex-URSS) são sempre um empobrecimento do espírito e, ao contrário do que disse Tertuliano, o sangue dos mártires nunca foi semente de cristãos mas de fanatismo.
Respondo logo à noite.
Olá professor:
Contra factos não há argumentos!
Esta época é a mais complicada de perceber de toda a História (pelo menos para mim): há muitas doutrinas, muitos imperadores, bispos, as coisas acontecem a bom ritmo e há constantes "avanços e recuos". Li o primeiro volume do Gibbon e fiquei sem perceber nada. Quer dizer, claro que percebi, mas não me lembro de quem é quem e quando é que as diferentes personagens aparecem e o que defendem. Outro livro bom - muito difícil de encontrar, mas à disposição aqui na Biblioteca - é "As Grandes datas do Cristianismo". Quando Constantino "abre o flanco", já o Cristianismo era a religião dos grandes representantes do Estado. Era também mais fácil aplicá-la como religião oficial e assim estabelecer relação com povos vizinhos do que manter o paganismo e por isso, as diferenças e os diferendos.
Entre as ideias pré-concebidas relativamente a essa época, destaca-se uma outra que se prende com o objectivo da imagem religiosa. Falo deste assunto porque não estou de forma nenhuma convencida. Os primeiros cristãos eram / deveriam ser iconoclastas. O Antigo Testamento aconselha que não sejam adoradas imagens. Como para se adorar imagens é necessário que alguém as faça, era também desaconselhado fazê-las. No entanto, elas continuaram a ser feitas: na parte oriental do império de forma esquemática, estereotipada, na parte ocidental, de forma mais livre.
Aqui está a questão:
Apesar de algumas pessoas defenderem a existência da imagem, principalmente na escultura românica, enquanto bíblia dos pobres, conheço também quem me garanta a pés juntos que isso é uma ilusão. Que a ideia da bíblia dos pobres saiu de uma carta de São Gregório Magno ao bispo Serenus, bispo iconoclasta. Gregório tenta convencê-lo do papel educativo das imagens, mas segundo os entendidos, a arte deste tempo enquanto coisa ao serviço do povo é uma ilusão pois o povo não compreendia o que via e muitas vezes, o que era feito estava em locais tão inacessíveis que não era para ser visto pelos iletrados, mas antes para satisfazer o gostinho dos criadores (não propriamente artistas).
Outra achega ao seu último parágrafo. Com este Papa, não sei em que estado está a Dominus Iesus, essa sim, o exemplo do retrocesso em matéria religiosa até tempos anteriores ao Vaticano II.
Sim, o ‘Dominus Iesus’ é realmente um bocadinho ambíguo e confuso (bem mais confuso, na minha opinião, do que a divisão entre arianos e nicenos).
É curioso, porque um dos pontos a esclarecer (e que já vinha do Vaticano II) era saber como é que aqueles que nunca ouviram falar de Cristo poderiam ser salvos. Claro que existe o trabalho das missões para levar a palavra do Senhor aos pretinhos do Ultramar, mas mesmo assim há sempre uma ou duas aldeias perdidas lá no meio da selva, que nunca viram um homem branco, muito menos um missionário. Ou que, quando viram o primeiro missionário, por incompreensão mútua da língua, lhe deram uma pancada forte na cabeça e o lançaram dentro da panela.
O Novo Testamento, no livro dos Actos dos Apóstolos, chamava já atenção para este problema (i.e. dos povos que nunca conheceram Cristo, não dos seus respectivos dotes culinários): Actos 17: 22-23
“Então Paulo levantou-se na reunião do Areópago e disse: "Atenienses! Vejo que sois muito religiosos em todos os aspectos. Pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente os vossos objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que adorais, apesar de não o conhecerdes, é o que eu vos anuncio.
---mas também a Epístola aos Romanos. Rom 10: 13-14
“Porque: ‘Todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo!’
No entanto, como invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram falar? E como ouvirão, se não há quem pregue?”
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