- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (III)
como vimos na última vez, os primeiros cristãos eram olhados com desconfiança por parte daqueles que os rodeavam , principalmente os judeus e os romanos, pois os cristãos colocavam-se propositadamente à margem do politeísmo, mas eram mais abertos quanto a determinadas questões para as quais os judeus tinham uma ortodoxia inabalável. esta abertura dos cristãos a não circuncidados e não judeus (para se ser judeu era necessário nascer judeu. para ser cristão era necessário ter vontade e fé) podia prender-se com a necessidade de angariar membros num mundo hostil, mas extremamente carente. o comportamento singular dos primeiros cristãos começou a levantar suspeitas - por fugir à norma instituída na qual todas as variantes pareciam já calculadas - e, como sabemos, estes foram perseguidos. refugiaram-se em catacumbas, local onde eram enterrados os membros das famílias romanas que morriam no espírito pagão. foi portanto necessário a estes primeiros cristãos adaptar as suas práticas ao espaço romano e pagão. e isto aliviou um pouco a pressão exercida sobre estes primeiros cristãos, permitindo que emergissem novos cultos, cada um a insistir na sua ortodoxia.
200 anos após a morte de Jesus, o cristianismo já se tinha espalhado a todo o império sendo que, como vimos, cada uma das partes do império tinha a sua própria interpretação. tinham no entanto um ritual em comum: a refeição comunitária. A refeição comunitária assume importância vital neste tempo e espaço pois estávamos perante um tempo e um espaço de carência. o céu devia de facto assemelhar-se a um lugar repleto de comida grátis. as refeições comunitárias eram feitas em casa, e como em casa reinavam as mulheres, eram elas quem, na maior parte das vezes, presidiam às cerimónias. Ideia bastante diferente de hoje...
Não obstante a adaptação do culto cristão ao espaço romano e politeísta, o cristianismo continua a ser perseguido. Começa então a surgir a ideia - e a necessidade - de homogeneizar todas as dissidências e ortodoxias do cristianismo, que vigoravam nas diferentes partes do império, através de uma teorização do próprio cristianismo. É Inácio de Antioquia que propõe organizar e agregar todas as pequenas igrejas domésticas numa só, com um representante único e uma autoridade única. Propõe assim que a Igreja cristã se baseie no modelo organizativo do governo romano. é assim que as mulheres perdem o poder que inicialmente tinham, já que na estrutura do governo romano não eram admitidas mulheres...
Cria-se também, para além de um modelo, uma filosofia para compreender Deus; ou seja, a Teologia. Como tudo estava em construção, as pessoas (os potenciais cristãos) sentiam-se parte do que estava a acontecer, sentiam que finalmente pertenciam a algo. é aqui que o cristianismo chega às classes mais elevadas que querem estar na vanguarda, querem poder reclamar para si uma parte da autoria. autoria leva a autoridade e quem tem autoridade pode ocupar os cargos mais altos da hierarquia eclesiástica que, após passar por um processo de sistematização e organização, acabou por adquirir muitos dos vícios que estavam presentes no modelo adoptado. por esta altura, já os princípios dos primeiros cristãos estavam possivelmente comprometidos.
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