- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes de depois ou "como a gente está sempre a aprender". Vi "Os sonhadores" do Bertolucci há algum tempo, na RTP2, naquelas sessões de cinema que a RTP2 fazia aos Sábados à noite. Hoje para vermos o filme no youtube temos de assegurar que somos maiores de idade... Nessa altura houve uma cena que me ficou na cabeça - a mim como a toda a gente: a cena em que os três amigos correm por uma das galerias do Louvre. A cena é interrompida por uma outra a preto e branco com outros protagonistas, protagonistas esses do filme "Bande à Part" do Godard, realizado em 1964. As cenas do Louvre d'"Os Sonhadores" são retiradas, tal e qual, do filme do Godard, incluindo o guarda que tenta apanhar os jovens, a escadaria com a Vitória de Samotrácia e o quadro do David por onde os jovens passam. Nunca me lembrei de fazer um post deste "antes e depois", até hoje. Até fiz dois gifs, vejam lá!
Jean Luc-Godard
Bande à Part
1964
Bernardo Bertolucci
The Dreamers
2003
Nunca fui ao Louvre. Como todos os outros grandes museus, o Louvre irá provavelmente criar em mim, quando lá for, sintomas do Síndrome de Stendhal, aquela sensação de não ser capaz de abarcar tanta beleza. A história do Louvre é a história de França, já que o Louvre é fruto, enquanto construção arquitectónica, da vontade dos seus soberanos que procuraram deixar a marca do seu poder nos edifícios. No interior, o Louvre conta muitas histórias. As suas alas foram mudando, foram recebendo colecções confiscadas aos nobres, colecções surripiadas por Napoleão nas campanhas no Egipto, obras mais ou menos queridas aos soberanos. É o caso deste "Juramento dos Horácios" na Salle Rouge, quadro para onde tanto a câmara de Godard como a de Bertolucci se dirigem após os jovens passarem.
Jacques-Louis David
Juramento dos Horácios
1784
Museu do Louvre, Paris
O quadro, que veicula os ideais do Neoclassicismo, não me cai nada no goto. Aliás, o Neoclassicismo é um dos momentos da História da Arte de que me custa gostar. A obra conta-nos a história de três irmãos romanos que juraram defender Roma: vejamos as mãos que se esticam em direcção ao pai que por sua vez segura as espadas com que os três irão lutar por Roma, ou como a pintura se divide em dois lados, um masculino e um feminino. David pintou o quadro "para" Luís XVI; ou seja, o rei deixou David pintar no Louvre, um privilégio e talvez em troca dessa benesse, David tenha pintado para o rei esta história de lealdade para com a pátria, algo que fazia sentido ainda para mais estando próxima a Revolução Francesa. Alguns anos após David ter pintado o quadro, o seu patrono, o rei Luís XVI foi mandado para a guilhotina e morto na Place de la Concorde perante o delírio dos cidadãos da Primeira República. O mais curioso é que David estava metido, até ao pescoço, neste processo de assassinato, já que enquanto deputado eleito da Convenção Nacional, havia votado pela morte do rei... David foi também o Comissário Cultural de Robespierre e enquanto tal recomendou que a arte estivesse ao serviço do povo, incluindo-se também no rol dos artistas que cumpriam este requisito. Por isso, quando o Juramento dos Horácios foi novamente mostrado em contexto de Revolução, foi interpretado de forma diferente daquela que o rei Luís XVI tinha interpretado: o Juramento dos Horácios era agora um trabalho de grande virtude revolucionária, uma ode à pátria, à fraternidade e um apelo ao martírio por estes valores. Pinturas como esta necessitavam de um espaço público onde pudessem ser mostradas e desta forma, fossem úteis aos jovens cidadãos, educando-os. Seguindo uma ideia já divulgada por Diderot, a República virou-se para o Louvre e declarou-o, exactamente 12 anos após a queda do Antigo Regime, Museu da Nação.
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