- o carteiro -
ode à novela brasileira
entre os meus, corre uma história engraçada. um homem, cansado de ouvir a sua mulher dizer, erradamente "batoneira" diz-lhe um dia "ó mulher, se não sabes dizer "betoneira" diz "máquina de fazer cimento". pois é essa expressão que me ocorre face às telenovelas portuguesas: se as nossas estações não sabem fazer telenovelas, que façam filmes, séries do Max, teatro, mas não telenovelas. há uns tempos começou a ser moda dizer "ah, eu não vejo novelas". principalmente as brasileiras, por ser um produto que não tinha qualquer referência ao real, pelo menos o nacional e que os enredos eram fantasiosos. e o que é O Crime do Padre Amaro (padre de província apaixona-se por moça casadoira, ela engravida, morre e ele fica como se aquilo não tivesse acontecido), a Anna Karenina (mulher abandona o maridinho para viver paixão arrebatadora com oficial e depois dá em doida a pensar que está velha, feia e gorda. vai daí, mata-se) ou o Romeu e Julieta (jovens encontram-se às escondidas pois as famílias de ambos não se suportam e acabam os dois mortos por um erro)? pois eu apelo: soltem-se, desinibam-se, amem as novelas brasileiras. as novelas brasileiras mostraram-nos a "cidade maravilhosa", ensinaram-nos canções, fizeram-nos rir e chorar, libertaram-nos de preconceitos (o genérico da Tieta), colocaram ante nós o humor de uma "língua" plástica (com o "legal", "safadinha", "cajageste", "não quero nem saber", "Posso penetrar? Penetra professor, penetra"), trouxeram-nos os rostos fabulosos da Malu Mader, da Maria Casadelvall, da Cléo Pires, o rabiosque da Deborah Secco, o charme do Fagundes e do José Mayer, a versatilidade da Cássia Kis e o talento da Lília Cabral. As novelas brasileiras alertaram-nos para realidades que não conhecíamos ou que não queríamos conhecer como a vida nas favelas ou o tráfico de droga. Para aqueles que afirmam tratar-se de entretenimento, de circo portanto, pois venha ele! se é para sermos enganados, que seja em grande, em bom. que seja com personagens que nos fazem rir, com bons argumentos, com bons cenários, com bons figurinos e com cenas bem pensadas. exemplos:
1) Norma tenta provocar a morte do marido abrindo as janelas do quarto onde ele se encontra. isto é filmado com a câmara em ângulo (podem ver como o cenário está inclinado). à medida que se dá conta do que fez, a câmara endireita-se e o cenário volta ao normal.[aqui]
2) Félix, regenerado, toma para si a responsabilidade de tratar do velho e cego pai que nunca aceitou, entre outras coisas, a homossexualidade do filho. a banda sonora da cena é o Adagietto da Sinfonia nº 5 de Mahler, o mesmo usado na "Morte em Veneza", do Visconti. Os chapéus são como os do filme e pai e filho acabam a olhar o horizonte [aqui], como o maestro morre a olhar a figura de Tadzio no horizonte. [aqui]
por favor, não digam "batoneira", não nos impinjam actores que, quer façam de ermita na Idade Média ou chulo porto-riquenho têm sempre as mesmas expressões. não subam os sapateiros acima da chinela. tragam de volta a novela brasileira!
6 Comments:
Já vi que ninguém concorda comigo. Não faz mal, eu concordo comigo.
beluga: eu nunca vejo telenovelas brasileiras, nem portuguesas (ainda tentei ver uma francesa, para praticar a língua, mas desisti). Por isso não posso concordar nem discordar.
Acho que a última telenovela que vi ainda foi durante os meus tempos de liceu. Ou seja, há mais de trinta anos. Meu deus!, como estou velho.
oh pá em termos etnoqualquercoisa, concordo muito e absolutamente! mas eu nunca vi novelas (a sério!!). ver, no sentido de seguir; só apanhei aqui e ali algum episódio solto. claro que, como todos os meninos e meninas, disse "tô certo ô tô errado", enquanto abanava o pulso, chocalhando uma pulseira imaginária, claro que cantei "sassaricando" no recreio aos berros, mas eu sabia lá de onde isso vinha... na altura nem televisão tinha... depois, em crescida, às vezes via um episódio duma novela da TVI que tinha uma rapariga que depois descobria que era irmã do rapaz, num remake dos maias, e todos tinham um ar muito infeliz, excepto os inocentes, e havia claramente três tipos de personagens, os muitos maus, os muito bons, e os do meio, e o grau de bondade parecia inversamente correlacionado com o nível económico.
Caro anónimo
A sério? Novelas francesas? Nunca ouvi falar em tal coisa, excepto as literárias. Mas faz sentido; certamente existirá o Projac de Nancy (era uma piada). Novelas francesas nunca vi, mas vi uma semana de uma novela inglesa que se chamava "Footbaler's wives"(não sei se está bem escrito). Era uma historieta sobre as mulheres e amantes dos jogadores de futebol de um clube inglês. Do pior...
A única ficção que sigo é o Borgen, uma série sobre os bastidores do parlamento dinamarquês. Muuuuuito bom!
Estamos todos velhos
Anita
Tu a cantares o Sassaricando, nos recreios (com uma camisola feita pela mãe ou pela tia, com uma raposa bordada, imagino eu), fez-me o dia. Não há fotografias disso?
Talvez não devesse. Certamente um pediatra qualquer, hoje em dia, desaconselharia uma criança a ver telenovelas. Mas eu via. As telenovelas trouxeram aventura à minha infância que foi - para dizer o mínimo - estranha. Eram um novo mundo onde aconteciam coisas que desafiavam a ordem instituída das meninas de saias às pregas e das canções da Machadinha. Nelas havia prostitutas que eram heroínas, homens que se transformavam em lobo, santos vivos, comunidades preconceituosas que aprendem a sua lição e claro, figurinos óptimos (eu queria ser estilista nos idos anos 80). Depois havia as músicas que eu e a Bárbara cantávamos no banho enquanto esfregávamos o Taihti (com monoi)!. Era um mundo novo e eu tinha necessidade de coisas que estimulassem a minha - fértil- imaginação, já que os livros "uma aventura" já não chegavam.Por isso agradeço ao Aguinaldo Silva!
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