quinta-feira, julho 31, 2014

- o carteiro -

















esta é uma das imagens do calendário Pirelli de 2015 fotografado pelo Steven Meisel com orientação estilística da Carine Roitfeld ("a Carine Roitfeld"... como se ela tivesse andado comigo na escola). É a minha preferida. Para verem as restantes imagens basta clicar aqui

preparo um post sobre Brueghel. Logo que possa dou notícias. beijinhos às famílias 

terça-feira, julho 22, 2014

- o carteiro -

ora então boa tarde. tudo bem com vocês? eu vou tendo dias. estou como diana ross: in a middle of a chain reaction. bom, hoje trago-vos um post incompleto que não sei se algum dia vou ser capaz de completar. então cá vai: 
estava a falar com um professor (agora ex) que me disse que o Carlo Crivelli tinha uma pintura de São Pedro onde na dalmática era possível observar uns arabescos. Esses arabescos tinham sido identificados por um estudioso que disse corresponderem às palavras da shahada ("Alá é o único Deus e Maomé o seu profeta"). Ora andei ali às voltas, à procura dos arabescos na dalmática, mas não encontrei nada. A dalmática é impecável, lindíssima, como é toda a pintura. Algumas das partes da pintura são escultura/modelação, como as chaves de São Pedro que são feitas em madeira e o rebordo em corda em torno das figuras da dalmática. Note-se que a pintura pertence ao altar Demidoff que está na National Gallery, em Londres, embora nem mesmo na página da instituição seja feita qualquer referência à shahada. 





















Carlo Crivelli
The Demidoff Altarpiece
1476
National Gallery, Londres


De facto não é na dalmática que se encontram os arabescos, mas no livro que São Pedro tem na mão, debaixo da dalmática. Parecem só rabsicos, sem nenhuma ordem, mas acho que pode ser a shahada. Vejamos a comparação:
































Carlo Crivelli
The Demidoff Altarpiece - São Pedro
1476
National Gallery, Londres


















Carlo Crivelli
The Demidoff Altarpiece - São Pedro (pormenor)
1476
National Gallery, Londres


Vamos rodar e aproximar para comparar































Como Crivelli pinta isto, não sei. Sei que ele era veneziano e viveu na Dalmácia (parecido com dalmática, bem sei), perto do Oriente. Veneza tinha comércio com o Oriente e por isso não seria impossível estes livros circularem. Uma destas três hipóteses pode justificar a presença da shahada numa pintura relativa a um santo católico: ou o Crivelli sabia o que estava escrito e desafiou a norma instituída; ou sabia o que estava escrever e não desafiou a norma instituída porque já às portas do Renascimento havia uma boa convivência entre culturas e essas questões não se colocavam; ou então (e eu inclino-me mais para isso), o pintor não sabia o que estava a pintar e apenas copiou algo que viu e que achou interessante. E assim acaba a história, pelo menos para hoje. Espero ter, em breve, mais para vos contar acerca disto. Entretanto, vou ver se acalmo a chain reaction...

terça-feira, julho 15, 2014



- original soundtrack -

regresso da Vitória de Samotrácia ao Louvre. Um "carro de corrida" ...
































































(aqui)
18, 06

segunda-feira, julho 14, 2014

- o carteiro -
a terceira parte daquele trabalho sobre a esteticização da violência na fotografia de moda. sem as referências bibliográficas e sem as legendas que é para ninguém vir aqui meter o bedelho. 


Entretanto…
Entretanto o conceito de beleza voltou a mudar. Estes são tempos de mulheres novamente altas, mas com medidas mais modestas que as supermodelos dos anos 90. No entanto, este modelo de beleza é igualmente inacessível para a maior parte das mulheres e é mostrado com crueldade através de anúncios incisivos que nos perturbam, mas que são tão sedutores que não deixamos de desejar viver aquelas experiências. Os fotógrafos de moda são agora e cada vez mais, autores e artistas. Entre eles contam-se Peter Lindbergh, Tim Walker, Juergen Teller, Bruce Weber, Steven Meisel, Steven Klein, Terry Richardson, Inez and Vinoodh e Nick Knight. Obviamente nem todos escolhem a violência como mote: Tim Walker parece influenciado pelos contos de fadas e Terry Richardson particularmente interessado em cenas muito sexualizadas. Mas o nome mais alto é sem dúvida o de Steven Klein (1961-) que consegue tornar apelativo mesmo o que pode ser considerado feio e repugnante num mundo geralmente pautado pela beleza. O mote destes tempos passa pelo belo-horrível, por hospitais, matadouros, ringues de boxe, próteses, mulheres biónicas, homens misóginos e grávidos, cegueira, velhice, tortura e terror. Ao contrário dos seus antecessores que usavam luz para obter brilhos, Klein usa sobretudo a luz para provocar sombras e ambientes sulfurosos. Também ao contrário de Bourdin e de Newton, Klein não divide estritamente os comportamentos sexuais. Por isso joga com os papéis sexuais e com a homossexualidade que apesar de tudo, não é uma parte tão visível do repertório temático da fotografia de moda como a heterossexualidade. Klein também inovou ao dar cada vez menos importância ao que anuncia. A roupa e os acessórios tornam-se o pretexto para o fotógrafo desenvolver uma história de contornos geralmente macabros, tanto que muitas vezes a roupa é quase inexistente ou então pouco mostrada. 

É difícil escolher apenas uma fotografia de Klein pois todas elas abordam os temas referidos e de forma irrepreensível, embora Steven Meisel (1954-) seja mais literal.[1] Destacaríamos então a foto da figura 16 para a Interview de Março de 2012. Nela vemos Karolina Kurkova (loira) a conduzir Crystal Renn por um corredor de um espaço abandonado, semelhante a uma prisão ou a uma instituição de reabilitação mental. É o pormenor das chaves à cintura que corrobora esta ideia. O ascetismo de uma contrasta com a descompostura da outra; a maquilhagem perfeitamente colocada a mostrar Kurkova quase martirizada, por oposição a Renn sem sobrancelhas; uma muito esguia e a outra mais polpuda (Renn ainda é conhecida por ser uma modelo de tamanhos grandes). O espaço é asmático já que o tecto é muito baixo. Não obstante Klein mostrar um grande corredor, que nos indica a existência de mais espaços, as duas figuras femininas parecem enclausuradas, com Kurkova a exercer claramente poder sobre Renn. A luz é frontal e crua, exaltando esse poder e a lividez quase beatífica do rosto e do traje de uma e a ossatura da outra.[2] As duas modelos vestem roupa aparentemente simples que não se destaca na imagem. As duas de branco: uma ascética como uma enfermeira ou uma freira e a outra, como uma louca, enverga roupas complexas com atilhos. Como vemos, os trajes são apenas um pretexto para o fotógrafo mostrar o seu universo criativo. O que isto nos mostra é que a fotografia de moda supera mesmo aquilo que lhe dá nome e torna-se fotografia artística e quase autónoma.



















A dimensão tétrica da fotografia de moda pode ser sedutora e captar a atenção do observador por dar resposta a uma estética actual que como vimos não se limita à moda. Mas existe um outro lado deste tipo de fotografia: o lado atraente, o lado brilhante que mesmo fazendo uso da violência não deixa de seduzir quem a vê por fazer a apologia, ao contrário do exemplo anterior, de um estilo de vida que faz sonhar o consumidor comum. São imagens como a da figura 20 que nos mostram um ambiente luxuoso pelo uso dos espelhos, vidros, mármores, veludos e peles de animais. Este tipo de decoração do espaço é mais eloquente do que parece, já que tantos os espelhos, como os mármores e os veludos permitem obter brilhos e reflexos que contribuem ainda mais para a noção de estarmos perante um ambiente privilegiado. Por outro lado as peles remetem-nos para os anos 70, algo que é acentuado pelas cores pouco saturadas da fotografia. As mesmas peles servem de mote para o comportamento das modelos que se atacam como se fossem animais. Neste caso, e tratando-se de uma campanha publicitária para uma marca (Lanvin), o papel da roupa tem de assumir maior protagonismo, ao contrário do que acontecia nos editoriais de moda para revistas em que a fotografia tinha um carácter mais artístico. Na figura 21 podemos observar que as roupas são fluídas, originando, juntamente com a decoração, algum barroquismo, assim como contribuem para a ideia de movimento que é justamente o que se pretende numa fotografia que tenta transmitir um instante de um combate corporal. Também por isso as modelos são captadas com o cabelo no ar, como se no meio da liça. As roupas são igualmente, num dos casos, fortemente estampadas e por isso corroboram a ideia de excesso decorativo, de barroquização da cena. Na referida figura 20 as modelos dinamizam a cena com os corpos em diagonal, algo que não é displicente já que propositado. Forma-se entre elas uma linha que dinamiza a fotografia e coloca algum caos na imagem aparentemente bem comportada. Os acessórios são trazidos em primeiro plano para incentivarem a fidelidade à marca.











Fig. 20














Fig. 21


Esta não é, notoriamente a mais violenta fotografia de moda do nosso tempo. Recentemente a revista búlgara 12 publicou numa das suas edições um ensaio denominado “Victims of Beauty” onde mulheres bonitas eram apresentadas com cortes no pescoço e hematomas no rosto que ultrapassam em violência as fotografias que temos referido. Mas estas, e principalmente aquelas que são apresentadas em anexo mostram um lado belo, nada repulsivo dessa violência, sendo que no último caso se trata até de uma violência que a nossa sociedade considera aceitável por ser de uma briga entre mulheres, geralmente encarada com jocosidade. Relativamente à violência perpetrada contra homens, ela quase não existe na fotografia de moda e quando existe é exercida por mulheres, mas sempre numa vertente sádica, fetichista e que por isso não expressa a realidade. Apercebemo-nos por isso que a fotografia de moda é muito sensível a estereótipos, sendo até sexista e machista.[3]


Carapau de cauda na boca
Há quem defenda que a beleza é uma forma de violência porque chega até nós através dos nossos sentidos, sem pedir licença. E há várias explicações para sermos presenteadas com ela. As marcas e os fotógrafos podem optar pela violência como forma de publicidade com o propósito de nos chocar e assim lembrarmo-nos constantemente do nome representado por aquelas imagens. Por outro lado há a confusão entre arte e publicidade: as duas são diferentes e levam a que as marcas sejam reconhecidas e compradas, mais do que lembradas.[4] Mas mais interessante é porém a possibilidade desta ser uma reflexão que algumas marcas e fotógrafos fazem acerca do que se passa no mundo.[5] Custa-nos porém pensar que o façam com especial incidência na violência. Segundo o jornal Guardian[6], há um motivo para estas imagens proliferarem: se os estereótipos sexualizados da mulher, na nossa cultura, são passivos e vulneráveis, a indústria da publicidade percebeu que, pela lógica, não existe nada mais belo que uma mulher morta. Ao mesmo tempo têm a capacidade de criar narrativas acerca dessas ideias e com elas construir imagens mentais que materializam de forma vívida em fotografias de cores saturadas, impressas em papel brilhante, que nos atraem não só por essas características, mas também porque nos resgatam da imutabilidade e do ennui do quotidiano. 

Stendhal escreveu “A beleza não é mais que promessa de felicidade”[7], assim como um Prozac. O Belo, tal como o Amor é uma escada que subimos para contemplar a verdade e esta verdade é uma verdade una. O tal to kalon referido na introdução que rejeita o que é sedimento como as unhas ou o cabelo. Mas apesar da operação asséptica a que Platão submeteu a República expulsando dela os poetas que apelavam ao sensível (aestesis) por oposição ao inteligível (noesis), houve sempre algo que sub-repticiamente fermentava. No século XVIII nasce a perspectiva do sujeito. Através dela o Belo não tem só um tipo, não é apenas Belo Ideal. Tem vários tipos, assim como o feio. O Belo Ideal Clássico era objectivo, independente do sujeito, proporcional, harmónico e simétrico. Mas surgia aqui a dissonância: um cisne por exemplo é belo, mas desproporcional com o pescoço muito comprido para o resto do corpo. Conclui-se então que pode então existir beleza no desproporcional, no desarmónico, no assimétrico. Pode existir beleza na excitação, na desordem, no exagero. Pode existir beleza nos anjos que são figuras antropomórficas com asas, ou no Minotauro (metade homem, metade touro). Pode existir beleza na sapa, segundo o sapo, como dizia Voltaire referindo-se à vaidade da espécie.[8] E neste sentido o feio é aceitável. Ele é aliás dialético do Belo pois o Belo está para o Bem e para a Felicidade, como o Feio está – e significa – Ferida. O Feio é a Ferida disfarçada de Belo.



[1] É talvez o autor com referências mais facilmente identificáveis: a morte (figura 12), a guerra (figura 13), a poluição (figura 14) o estado de emergência pós 11 de Setembro (figura 15)… 
















Fig. 12

















Fig. 13
















Fig. 14

















Fig. 15


[2] O ensaio (figura 17) recria um dos assuntos acima referidos: as instituições de saúde, neste caso, mental. O mesmo tema foi tratado por Steven Meisel em Julho de 2005 para a Vogue Itália (figura 18), e em Julho de 2007 também para a Vogue Itália (figura 19). 


















Fig. 17
















Fig. 18
















Fig. 19

[3] Espera-se que em 2014 a indústria de moda feminina valha 621 biliões de dólares enquanto a masculina não deverá ultrapassar os 402 biliões de dólares. Além disso os modelos masculinos auferem um décimo daquilo que recebem as modelos.
[4] Tanto num caso como no outro a iniciativa pode ser contraproducente. Em 1991 Toscani escolheu para uma campanha publicitária da Benetton a fotografia de um jovem doente de SIDA, moribundo a agonizar rodeado dos seus familiares. Naquela altura a SIDA era uma doença completamente estigmatizada e o uso da fotografia, e aparente desprezo pela dignidade do doente, a sua dor e a dor da sua família significou uma profunda quebra na confiança que os consumidores tinham na marca, bem como uma quebra nas vendas; ou seja, exactamente o contrário do que pretendia a campanha publicitária.
[5] Exemplo de Jeremy Scott que em 2013 apresentou uma coleção intitulada Arab Spring (Primavera Árabe).
[6]
[7]
[8] «Demandez à un crapaud ce que c’est que la beauté, le grand beau, le to kalon? Il vous répondra que c’est la femme avec deux gros yeux ronds, fortans de la petite tête, une guelle large & plate, un ventre jaune, un dos brun.» 

quarta-feira, julho 09, 2014

- ars longa, vita brevis -
hipócrates


















Frederick Sandys
Love's Shadow (pormenor)
1867

segunda-feira, julho 07, 2014

- original soundtrack -

Vayorken, Capicua

sexta-feira, julho 04, 2014

- o carteiro -

agora outra coisa completamente diferente: a estetização da violência na fotografia de moda - II (parte I aqui) (retirei as referência bibliográficas e as legendas das imagens que é para ninguém vir aqui copiar)

Outro nome desta década é o de Helmut Newton (1920-2004). Newton nasceu em Berlim, mas em 1938, devido à iminência da guerra, fugiu para Singapura. Um mês depois, as comunidades judaicas em Berlim foram atacadas pelas forças nazis. A experiência teve um profundo efeito nas suas fotografias. Newton criou um mundo de forte carga erótica, cheio de presas e predadores sexuais e até a sugestão de algum sadismo. As imagens de Newton para a Vogue americana na sessão “Story of Ohh”, colocaram em representação uma luxúria aberta e convincente e também por isso causaram escândalo quando surgiram. O título refere-se ao romance erótico francês “L’Histoire d’O”, de Pauline Reage, no qual a heroína masoquista é uma fotógrafa de moda.[1] Uma pesquisa pelo trabalho de Newton permite-nos tirar algumas conclusões: Newton fotografou quase exclusivamente em preto e branco (“The Story of Ohh” foi uma excepção); transporta para a fotografia o tabaco como forma de sedução e sugestão do pénis (nas suas fotografias só as mulheres fumam) e faz uso da violência através das armas de fogo (figuras 5 e 6). A violência em Newton é diferente da violência sugerida por Bourdin já que Newton assume completamente o rosto da modelo. Parece aliás ser a sua beleza o motivo da violência. Por outro lado as suas cenas não são locais de crime, não são casos de polícia, mas antes luxuosos e decadentes quartos de hotéis, ruas e apartamentos parisienses ou piscinas. O que há na fotografia de Newton é sobretudo fetichismo: mulheres apanhadas em poses provocantes de poder erótico. Os cenários, os ambientes, evocam a personagem de Catherine Deneuve em “Belle de Jour” de 1967.[2] Vejamos o caso da figura 7 em que a modelo se encontra de costas, nua e amarrada junto a uma cama de ferro. Ele retira, nesta imagem em particular a individualidade à modelo, mas dá-lhe alguns benefícios: concede-lhe um penteado especial que por lhe permitir obter brilhos coloca a cabeça em evidência, fazendo contraponto com uma outra imagem de uma mulher no canto superior esquerdo. Esta mulher que Newton fotografa não parece estar sozinha: a mesma pessoa que a fotografou deverá tê-la agrilhoado, sendo a fotografia uma parte do fetiche. Por outro lado, ao fotografar o espelho Newton aumenta a cena e mostra-nos um quarto que embora ascético, tinha telefone. O telefone por seu turno corrobora a sugestão de presença de outra pessoa – já que a mulher não parece poder mover-se - e assim Newton cria uma história que é mais de submissão, de conotação sexual do que de crime.[3] 
















Figura 5


















Figura 6


















Figura 7


Os anos 90 e o heroin-chic
No início dos anos 80 Ronald Reagan e a sua agenda conservadora ganham a presidência dos EUA, a Sida aparece e os dias loucos do disco morrem. A moda feminina reflecte a responsabilidade da mulher ao mesmo tempo que uma nova sociedade baseada na riqueza da Bolsa emerge. No final dos anos 80 no entanto, as supermodelos ganham o estatuto de ícones de perfeição e de sucesso material. Ao mesmo tempo as imagens de moda falam mais de uma atitude do que de roupas através de imagens de lesbianismo, prostituição e travestismo, mas não de violência. Nos anos 90, com o aparecimento da modelo Kate Moss, é descoberto um novo tipo de beleza que torna os produtos de moda mais acessíveis pois a modelo era uma jovem mais baixa que as modelos da geração anterior, não cumpria os requisitos de beleza e era bastante mais magra que a maioria das mulheres. Proliferou então, e acima de tudo devido aos anúncios de estilistas americanos, o heroin-chic, com jovens magras, muitas vezes com ossos salientes e visíveis nas fotografias (até evidenciados), marcas no corpo, de olhos vazios, negros e poses de abandono. Aproximavam-se assim das jovens consumidoras dessa época, capazes de influenciar as mães na compra de jeans de marca, mas incapazes de consumir alta-costura. O heroin-chic revelou uma nova tendência dentro da fotografia de moda e que se traduz na referida pose de abandono, com modelos deitadas no chão, de olhos fixos e às vezes até alguns sinais de violência. Foi aquilo que Rebecca Arnold categorizou como “fashion noire” e o crítico D. A. Miller apelidou de “morbidity culture”.[4] Corpos humanos moribundos e brutalizados começaram a encher as páginas de revistas como a The Face e a Dazed and Confused, da mesma forma que as imagens violentas prevalecem nos média actuais. Uma dessas fotografias é a que vemos na figura 10. Captada num claro-escuro dramático, a figura de uma jovem apresenta-se semelhante a uma marioneta com um tutu e collants, olhos fixos, abertos, deitada no chão repleto de folhas de árvores, num café ao ar livre, abandonado. Não sabemos se está morta, inconsciente ou se é louca, se se encontra ali há muito tempo nem em que circunstâncias foi lá parar. Conhecemos o ambiente, mas não os factos pertinentes; sentimos a luxúria e a sensualidade, mas o enredo da mesma não nos é revelado. A pose permanece congelada e livre de especificidades e pertence por isso a um mundo de sonho e de promessa. Tanto a violência como a morte são sugeridas nesta fotografia, mas esta continua a ser sedutora, na sua beleza escura e triste. Já antes, no final do século XIX Edgar Allan Poe escreveu que “a morte de uma mulher bonita é, inquestionavelmente, o tema mais poético do mundo.”[5] Mas o corpse chic é um fenómeno que está presente em ambos os sexos e está relacionado em parte com uma convergência mediática na morte, como mostram as séries CSI ou Investigação Criminal.[6]

















Figura 10

A natureza introspetiva da fotografia de moda está bem patente num anúncio da marca Diesel do início dos anos 90 que parodia tanto o excesso americano como o seu fascínio pela morte (figura 11). O anúncio mostra um choque automóvel em grupo, com modelos mortas espalhadas pela rua, mas também sobre os carros brilhantes. Num canto da foto vemos homens de fato, presumivelmente jornalistas a documentar a cena enquanto num outro canto, um vendedor vende refrescos ao grupo de pessoas que observa toda a cena sentadas em cadeiras de jardim. As pipocas espalhadas no chão indicam-nos que estamos perante um grupo de observadores americanos. Isto é corroborado pela inscrição numa mala negra, em baixo, ao centro. Nela podemos ler: “1-800-SUE THEM”. A perspectiva aérea mostra o cenário de um acidente com tanto cuidado que esta cena se declara manifestamente ensaiada e parodia a morbidez do público e o interesse voyeur em acidentes e crimes. A imagem sugere o interesse dos média no caricato, sendo que o imaginário de violência se tornou uma espécie de espectáculo de entretenimento em si, que permite às pessoas explorar as vítimas e fazer ainda algum dinheiro.











Figura 11


[1] 
[2] Vestida num luxuoso guarda-roupa Yves Saint Laurent, Deneuve faz o papel de uma esposa da alta burguesia que fantasia com rituais sexuais brutais ao mesmo tempo que brinca às acompanhantes de luxo na tentativa de escapar da estagnação e claustrofobia respeitosa da sua vida. De certa forma, é o que fazem as revistas de moda que providenciam um ambiente seguro e sensual para estas fantasias sexuais que não estão acessíveis de outra forma à maior parte das mulheres.  
[3] É um ambiente que se relaciona, na mesma altura, com alguns vídeos de Madonna onde as práticas sado-masoquistas são abordadas, como é o caso de “Justify my Love”, que por sua vez se inspirou em “Il Portiere di Notte” de Liliana Cavani (figuras 8 e 9).
















Figura 8

















Figura 9

[4] 
[5] E o que é, no extremo, a morte de Ofélia afogada, que não uma valorização da beleza que existe na morte dos belos e jovens? 
[6] Ver BRIGHT, Brittain - The Transforming Aesthetic of the Crime Scene Photograph: Evidence, News, Fashion and Art. Concentric: Literary and Cultural Studies 38.1 [Em linha] (2012) 79-102 [Consult. 14 Abril 2014]  

quinta-feira, julho 03, 2014

não como dizer isto sem parecer pedante, mas preciso de dizê-lo: terminei o curso (outro)

quarta-feira, julho 02, 2014

like a piece of shit