quinta-feira, março 28, 2013















Van Gogh
Sunflowers (secos!)
1887
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

quarta-feira, março 27, 2013

- o carteiro -
para tapar o outro post e para dar aquela ideia "ela é muito intelectual! coça a patilha e cofia o bigode! Até sabe onde fica o esternocleidomastoideo". e também para mostrar esta obra (é obra. não há que ter pruidos porque se trata de um papel branco sobre uma parede branca, como o Malevich, mas sem moldura). eu cá gostei. mais do que gostar, pareceu-me relevante. não se trata de fazer um "malechivismo", mas antes de quase não separar o trabalho, da parede em que se encontra exposta. os milímetros de espessura e o tom diferente da parede já a mostram e essa objetivação irónica faz dela (da obra) arte. 














Richard Tuttle
8th paper octogonal
1970
Tate Modern, Londres

domingo, março 24, 2013

- não vai mais vinho para essa mesa -

um destes dias o paulo chegou junto de mim e disse: "toma. prá você!" (O paulo é brasileiro, convém ler com sotaque). pousou à minha frente três maços brancos identificados exteriormente por um cartão com o meu nome, email, número de telemóvel e endereço da revista online para a qual escrevo. Lá dentro estavam 300 cartões como este:





















e nesse instante senti uma alegria estúpida. senti-me talvez, importante ou reconhecida. 
e logo depois pus-me a pensar: "rapariga, tu não conheces 300 pessoas". ainda que conhecesse, não teria coragem para andar assim a publicitar-me. isso parece um bocado infantil como quando éramos novos e a nossa peça saía no jornal da escola. tínhamos de vender o jornal a toda a família que se mostrava muito interessada. ou parece que estamos a brincar às pessoas importantes. para além de ser ridículo: quando alguém que conheço me oferece um cartão só dá vontade de dizer "deixa-te de parvoíces! eu conheço-te." bem sei que para quem me lê isto pode parecer falsa modéstia, mas honestamente, aquilo que eu faço, às vezes nem a mim interessa quanto mais aos outros. pois então "de modos que" não sei o que fazer a 298 cartões (dei um ao pai e outro à mãe!)

quarta-feira, março 20, 2013

- não vai mais vinho para essa mesa -

terapia de choque

[no psiquiatra]
- então que tem para me contar hoje?
- nada. não tem acontecido nada.
- que falta de imaginação! você que faz arte devia ter mais criatividade!
- eu não faço arte.
- porquê?
- porquê, porquê... sei lá porquê! Nem toda a gente tem de fazer arte. E eu acho que não tenho nada a acrescentar ao mundo da arte, não tenho nada a dizer. O Sr. também não faz arte!
- Quem lhe disse?
- Ah, então também faço! Sendo que fazer arte não implica um pincel e uma tela, também faço arte!
- Agora já não vale!
- Quem diz? Faço arte, ou qualquer coisa parecida quando escrevo no meu blog.
- Ah pois é... o seu blog. Já não vou lá há algum tempo. O seu blog é muito melhor que você!

segunda-feira, março 18, 2013

mais 400grs

sábado, março 16, 2013

- o carteiro -

foi você que pediu?

caro antónio: já me tinha esquecido disso. ora nem de propósito hoje falou-se de magritte e de um pintor português de seu nome eduardo luiz que faz uma coisa que, vista pode dever muito ao bom gosto (falo por mim, há primeira vista detestei aquilo), mas que estudada, explicada... tem que se lhe diga. não sei muito sobre o pintor: sei que se interessa por vários assuntos, comme il fault. mas é, segundo o pouco que sei, a partir desses gostos distintos que ele elabora obra; ou seja, faz uma leitura independente das áreas pelas quais se interessa e forma, através de uma linguagem que é clássica (tem as gradações, as velaturas, as sombras...), um novo texto, um novo discurso. e vem isto a propósito e no seguimento de magritte porque neste quadro "c'est un oeuf", o autor trabalhou no mesmo sentido de magritte. 

















Eduardo Luiz
C'est un oeuf
1986

ao lermos o título da obra lembramo-nos de magritte. mas enquanto magritte diz "ceci n'est pas une pipe"; ou seja, diz que a imagem não é a realidade, eduardo luiz diz que a imagem é a realidade. mas a imagem que ele apresenta, e que é de um ovo, só é inteiramente compreendida se estivermos na posse do código, da chave que deslinda o signo, já que a sua pintura é de signos. é que só quem sabe ler francês e percebe numeração romana (um ocidental, provavelmente) - e por isso sabe ler o título do quadro (isto é um ovo) - pode ler a inscrição abaixo do ovo: VII.I.IX. Ou seja, lida a numeração romana em francês obtemos uma expressão homófona para c'est un oeuf. (seria então sept.un.neuf). E as risquinhas? ora uma vez inquirido, o autor disse que ao observar a ginástica ocidental percebeu que o uso das fitas era expressão de virtuosismo, enquanto que o uso das mesmas fitas (ou semelhantes) no ballet oriental era signo. o que ele faz é misturar o que é decoração com o que é interpretação.

sexta-feira, março 15, 2013

- o carteiro -

big in...

o Big in Japan dos Alphaville mete-me medo. é um bocado tétrico, principalmente com o rosto do vocalista. mas não posso dizer que detesto. é catchy. eles cantavam isto não sei se por uma questão de estética ou porque já eram tão big in nova iorque que o passo lógico seria ser big in japan. ou se calhar sou eu que acho que ser big in nova iorque é mais big do que ser no japão. esta expressão era também utilizada por um amigo que me dizia muitas vezes - quer dizer, algumas vezes - que queria ser big in japan. eu também quero, ou quis, nem sei bem. cheguei a uma idade - já cheguei há algum tempo, mas coincidências temporais fizeram-me sentir isso agora - que os amigos quando me encontram esperam sempre qualquer coisa. é a idade de dizermos o quão bem sucedidos somos. tento encontrar uma forma de explicar aquilo que faço e explicar que aquilo que faço, faço porque gosto, mas que não sou big in nada porque aquilo que faço não se vende, não se come, não serve para nada. na maior parte dos dias quando me levanto pergunto: "porque é que vais para lá aturar aqueles pedantes a citar Wittgenstein? Tu nem sabes o que é que ele fez!". não me levem a mal: sei que tenho muita sorte em fazer aquilo que gosto, mas pergunto-me onde é que uma coisa que não serve para nada, me leva. porque eu posso saber os nomes dos quadros todos e fazer mil associações entre as diferentes áreas artísticas (que é o que gosto de fazer, é o que sei que faço bem e quando faço, até fico bonita!), mas nunca vou poder ser bem sucedida aos olhos dos outros, nem colocar isso na panela para comer. e eu que nem como muito...

sábado, março 09, 2013

- o carteiro -

isto também podia ser um "antes e depois". ora bem... o que é que eu vos trago?... hoje trago literatura. só para dar um ar de inteligente. e trago dois livros de que gosto muito e que vocês também deviam gostar. um deles (o "antes") é do Flaubert: Madame Bovary que é de facto um monumento. E o filme do Claude Chabrol é muito bonito, muito bem apanhado: o baile, a cena em que ela morre, a parte em que corre pelo jardim, a forma como os figurinos mostram o estado em que ela se encontra... é muito bom. Há uma parte no livro em que o narrador descreve um relógio da seguinte forma: 
..."e na estreita consola da lareira resplandecia um relógio com uma cabeça de Hipócrates, entre dois castiçais de casquinha, com globos de forma oval." (FLAUBERT, Gustave - Madame Bovary. Amadora: Ediclube, 1995, pág. 34)
mais à frente: 
"De que tinham falado, enquanto ele se aquecera em chaminés de largo lintel, entre jarras de flores e relógios Pompadour?" (IDEM, ibidem, pág. 60)
O primeiro relógio é da casa de Carlos e Ema. O segundo é o que ela imagina que o seu amante está a ver enquanto ela naquela terriola espera que ele venha e que a leve dali. No fundo, como a Luísa d' "O Primo Basílio" de Eça.

Mas eis que surge Camilo, que é para mim um dos símbolos do romantismo português, ainda que Camilo não seja, não tenha sido exclusivamente romântico, já que escreveu alguns romances realistas no fim da sua vida. Os romances de Camilo e os contos são, como já deu para perceber, muito breves. Tão breves que não conseguimos aquela empatia com as personagens como sentimos com as do Eça. Isto acontecia porque Camilo preferia contar as suas histórias, assim a modos que in media res; ou seja, quando a ação já ia a meio. E isto acontecia em parte devido a uma certa estratégia do autor. É que ele foi dos primeiros autores a  viver da escrita. Aquilo que ele produz é para ser consumido logo: é para o burguês que lê o jornal todos os dias porque se quer manter informado acerca daquilo que se passa no mundo, e para a burguesa que lê os jornais do marido e que através deles aumenta a sua parca alfabetização para depois proceder à alfabetização dos filhos em casa. É que enquanto a mulher nobre apenas os paria, a mulher burguesa também os educava. Por isso Camilo não tinha mãos a medir. Mas nos últimos anos de vida Camilo aproxima-se do Realismo que estava na moda. Para ele foi de facto um desafio. Na dedicatória de um destes livros, "Eusébio Macário", Camilo diz que escreve um romance com "todos os tiques do estilo realista". E ao fazê-lo, neste romance, ele vai mesmo buscar determinados elementos e hiperboliza-os. Assim, o "Eusébio Macário" começa com o exagero de um recurso dos realistas - a descrição . Trata-se de uma descrição de um relógio que vai ser uma paródia à descrição dos dois relógios da Madame Bovary. Então cá vai:
"Havia na botica um relógio de parede, nacional, datado de 1781, feito de grandes toros de carvalho e muita ferraria. Os pesos, quando subiam, rangiam o estridor de um picar de amarras das velhas naus. Dava-se-lhe corda como quem tira um balde da cisterna. Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira, crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à Pompadour, com uma réstia de pedras brancas a enastrar-lhe as tranças. Cada olho era maior que a boca, de um vermelho de ginja. Ela tinha a mão esquerda escorrida no regaço, com os dedos engelhados e aduncos como um pé de perua morta; o braço direito estava no ar, hirto, com um ramalho de flores que parecia uma vassoura de hidrângeas. Este relógio badalara três horas, que soaram ríspidas como as pancadas vibrantes, cavas, das caldeiras da Hécate de Shakespeare." (BRANCO, Camilo Castelo - Eusébio Macário. [s.l.]: Ulisseia, s.d., pág. 43)

Durmam bem e não façam xixi na cama que o tempo não está para secar.