sábado, janeiro 31, 2009

- back to black -

"If I could say it in words there would be no reason to paint." - Edward Hopper

sexta-feira, janeiro 30, 2009

- original soundtrack -

Baby did a bad bad thing, baby did a bad bad thing.
Baby did a bad bad thing, baby did a bad bad thing.
You ever love someone so much you thought your little heart was gonna break in two? I didnt think so.
You ever tried with all your heart and soul to get you lover back to you? I wanna hope so.
You ever pray with all your heart and soul just to watch her walk away?
Baby did a bad bad thing, baby did a bad bad thing.
Baby did a bad bad thing, feel like crying, feel like crying.
You ever toss and turn your llying awake and thinking about the one you love? I dont think so.
You ever close your eyes you making believe your holding the one your dreaming of? Well if you say so.
I hurts so bad when you finally know just how low, low, low, low, low, shell go.
Baby did a bad bad thing, baby did a bad bad thing.
Baby did a bad bad thing, feel like crying, feel like crying.
Ohh. feel like crying, feel like crying.
Ohh, feel like crying, feel like crying.
Baby did a bad bad thing, baby did a bad bad thing.

(Baby did a bad bad thing, Chris Isaak)
- não vai mais vinho para essa mesa -

- Então Francisca?! Não cumprimentas a Leonor?
- Não.
- Não? Porquê? Vocês não são amigas lá da escolinha?
- Não.
- Zangaram-se?
- Não.
- Não gostas dela?
- Não.
- Porquê? Pensava que eram amigas.
- Porque se eu gostar de uma menina sou "lésmica".
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou como "isto não é um “antes e depois”, ou como, "quer dizer, isto podia ser um “carteiro” porque as pinturas datam do mesmo ano, não se sabe qual delas foi realizada primeiro e porque são do mesmo pintor. Ora meus amigos, tudo isso já aconteceu no passado aqui no Belogue: autores que repetiam partes de quadros de sua autoria, quadros com pequenas alterações pintados no mesmo ano ou com diferença de poucos anos… Mas esta situação é inédita (eu sei, com o Belogue é só novidades e o “camandro”, só coisas bonitas e cheirinhos…). Fazendo de conta que o Peasant Wedding é o primeiro e o Peasant Dance se lhe seguiu (até podia ser porque primeiro come-se e bebe-se e só depois se dança e até porque os dois quadros têm dimensões semelhantes e pensa-se que tenham feito parte de uma série), e isolando uma das personagens como mostram as figuras aqui em baixo, dir-se-ia que Bruegel tem uma fixação por tocadores de gaitas-de-foles, que nos Países Baixos teria concerteza outro nome.

O primeiro quadro fala, como todos os quadros de Bruegel, da vida das pessoas comuns, das pessoas que constituíam o meio onde o artista se movia: eram pessoas simples e pobres, algumas com deficiências, muito ligadas às tradições, religiosas, mas ao mesmo tempo, de uma inocência inconsequente. Para além da (não óbvia) celebração de um casamento, a pintura supera a barreira demonstrativa e assume uma dimensão moral uma vez que no meio da confusão, a alegria do ócio de que os pobres e trabalhadores podiam gozar muito raramente anula o sagrado sacramento do matrimónio. Isto é o mesmo que dizer que o profano se ufana perante o sagrado. Nas suas alegorias Bruegel representa muitas vezes monstros para retratar, segundo o seu objectivo, vícios ou virtudes, ou pecados. Aqui optou por embrutecer as figuras humanas retratando-as como pessoas auto-indulgentes, ociosas, mas tudo isto com o humor que caracteriza as suas pinturas. A boda tem lugar num estábulo e a divisória que serve de pano de fundo (que não cobre a parede de alto a baixo) serviria para fazer a separação entre os convidados e uma zona para guardar lenha ou alimento e cama para os animais. Como se pode ver, alguns animais andam por ali, como por exemplo, a cabra debaixo da mesa. O local está cheio e todos parecem estar a passar um bom bocado. Prova disso é que os convidados não param de chamar os serventes à mesa, pedem vinho e comida e a azáfama é grande. A animação tanto deveria, naquele tempo, ficar a cargo do vinho como do tocador de gaita de foles que me confunde um pouco pois ainda não percebi se o homem está perdido ali no meio, se espera um pedido especial de algum dos convivas ou se se sente deslocado. Isolado tal como a figura o mostra, vê-se que o tocador de gaita-de-foles tanto poderia estar naquela festa como em qualquer outra.

O mesmo acontece com o tocador de gaita-de-foles do Peasant Dance. Caso o isolássemos da forma anterior, obteríamos a imagem de um homem sem contexto, que tanto poderia estar a tocar vertiginosamente para animar o casamento de uns pobres na aldeia, como poderia estar a fazê-lo na corte. O cenário à sua volta e as pessoas, isso não poderia fazer parte de uma cena de corte: nota-se a forma efusiva como as pessoas correm para a dança. Fazem-no sem ordem, sem esquema. O homem que toca gaita-de-foles, com outro traje poderia tocar numa festa mais grandiosa. Aliás, ele parece nem pertencer ao local onde está, uma vez que se notam alguns pares já a dançar quando aquele que está em primeiro plano avança, mas a música parece vir de mais longe, dos planos mais remotos da pintura. Obviamente, não há correspondência formal e directa entre os dois tocadores de gaita-de-foles, mas o facto de aparecerem desgarrados das pinturas onde estão inseridos não deverá ser facto de somenos importância:”

Pieter Bruegel, the Elder
Peasant Wedding
c. 1567
Kunsthistorisches Museum, Viena


Pieter Bruegel, the Elder
The Peasant Dance
c. 1567

Kunsthistorisches Museum, Viena
- o carteiro -

um post sobre arte abstracta, porque ninguém percebe e fica sempre bem a um blog ter coisas que ninguém percebe:


Jonathan Borofsky
Chattering man
1983

Diz-se que a arte abstracta surgiu como forma de reprimir a linguagem e a figuração que permitia a verbalização do que era visto. A arte abstracta, reduzida a elementos básicos, limitava assim o discurso humano perante a obra. No entanto, outras formas de arte como alguns signos visuais (hieróglifos, os pictogramas e os símbolos), comunicam e provocam a comunicação. Enquanto a arte modernista não necessitava de palavras para ser formulada, a arte abstracta pós-modernista necessitava porque não estava acessível a todos. Obviamente são duas visões diferentes: a que diz que é um saneamento da linguagem e a que diz que a linguagem lhe é necessária.

Embora hoje os movimentos pós-modernos e a arte abstracta em concreta (que antítese: “arte abstracta em concreto”!) já não estejam limitados à esfera da experimentação, já não sejam encaradas como experiências inter artísticas (não pertencendo nem ao domínio da arte nem ao domínio do teatro como para muitos é o caso da Performance e da Multimédia, ainda suscita a curiosidade e a necessidade das palavras. É que a arte abstracta marcou a ruptura com o discurso artístico e ao mesmo tempo deve ter sido aquela sobre que mais se falou.

Uma peça paradigma desta bifurcação é a peça de Jonathan Borofsky “Chattering Man”, que mais não mostra que um autómato em forma de figura humana estilizada que fala sem parar frente a uma tela abstracta. Todos os chattering men do artista são de grandes dimensões e possuem junto da boca um altifalante e roldanas monitorizadas e fazem abrir e fechar o maxilar. À medida que o maxilar inferior se move, ouve-se ao fundo um “blá-blá-blá-blá-blá-blá”. Isto para mim é importante ou pelo menos identificativo de um grupo de pessoas que procuram, quando vão a museus ou galerias, quando frequentam exposições, colocar em palavras o que vêem. É como se acreditassem transubstanciação do traço em palavra, mas não fossem defensores da consubstanciação dos mesmos. Esta obra é ao mesmo tempo crítica social e aviso pois mostra aos defensores da arte falada (e o que é que eu estou aqui a fazer?) que a arte abstracta pede silêncio para não se explicar. Nem tudo tem uma explicação lógica e não sendo a arte um domínio espiritual, divino ou metafísico, também não é dado que necessite de tanto ruído.

A arte abstracta coloca-se numa posição de ataque para se defender; ou seja, para não sei inviabilizada pela não produção de discurso, anula o discurso logo à partida, criando entre si e quem vê uma redoma que pode ser quebrada – e já foi – por uma atitude de aceitação da mesma, sem descrições desviantes. O quadrado branco sobre fundo branco de Malevitch é apenas isso e não uma enfatização pictórica de um momento social ou até económico. As duas descrições são válidas, mas para elaborarmos a segunda teríamos de saber mais sobre Malevitch, sobre a história do seu país, sobre o Marxismo, sobre Filosofia e Química, sobre as teorias de Einstein, sobre Matemática e Literatura. Ut pictura theoria.
- o carteiro -

novas, velhas e assim assim do mundo da arte:
Foi erigida uma escultura gigantesca em bronze, em forma de sapato, em homenagem ao jornalista iraquiano que se tornou famoso por atirar os sapatos a Bush no dia 14 de Dezembro de 2008 quando o presidente americano visitou o Iraque. Dentro do sapato que está três metros de altura acima do solo foi plantada uma árvore e o sapato foi colocado em Tikrit, a cidade natal do ditador já falecido Saddam Hussein. Um arbusto de rosas (arbusto=bush em inglês) foi ali plantado, junto ao sapato gigante que por seu turno foi colocado junto a uma fundação iraquiana que cuida de crianças cujos pais foram vítimas ou morreram durante a a invasão americana do Iraque. A fundação nega as acusações de que a escultura teria sido patrocinada por um partido político ou organização.
O trabalho do artista iraquiano Laith al-Ameri é ainda acompanhado por um poema "ao pé" (literalmente) do sapato, e tem como função louvar essa grande acção (para os iraquianos e para a Comunicação Social) levada a cabo pelo jornalista iraquiano.

[O Prémio- Irving Wallace]
Dois meses depois do prémio Kandisky para melhor projecto do ano ter sido atribuído a Alexey Beliayev-Guintovt, a controvérsia permanece. Tudo começou a 10 de Dezembro na cerimónia de entrega de prémios quando o vencedor de 2007 de seu nome Anatoli Osmolovsky, insurgiu-se quando anunciaram o vencedor de 2008. Nos dias que se seguiram, também o mundo da arte, pelo menos o russo, afirmou não concordar com a escolha tão conveniente de um artista assumidamente "ultra-nacionalista e fascista", que representa bem o estilo Estalista e a estética da era de Estaline. Poderia dizer-se apenas que o homem é um saudosista, mas de facto é um adepto da ala direita da política russa que, ao que parece, não se coibiu de mostrar a sua satisfação ao receber o prémio fazendo uso de um gesto fascista.
O problema deste prémio não é ser pró-Putin, mas ser pró Euroásia e por consequência, anti-Ocidente, virando a Rússia mais para si própria e menos para o exterior.
Enquanto isso, Alexey Beliayev-Guintovt viu as suas encomendas aumentarem 30%.

[The Truman Show, ou para os amigos, The Saatchi Show]
Charles Saatchi, o padrinho da arte inglesa vai patrocinar uma espécie de Factor X (Chuva de Estrelas para nós) do mundo da arte. Procura não o melhor cantor, mas o melhor artista plástico. Saatchi foi um dos promotores dos YBA nos anos 90 e vai presidir ao concurso de talentos que irá ser transmitido pela BBC2 no final deste ano e o vencedor terá o seu trabalho exposto no museu Hermitage de São Petersburgo em Outubro. Depois a exposição vai até Inglaterra ("quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro ou não tem arte"), mais concretamente até à nova galeria Saatchi em Chelsea, embora Charles Saatchi se tenha proibido, pelos regulamentos por ele aprovados, de comprar a colecção. Deixa estar Charles é a "arte pela arte". O mais curioso é que Saatchi, que raramente dá entrevistas ou aparece nas inaugurações por ele promovidas, vai dar a sua opinião como membro do júri, mas a mesma não pode ser ouvida ou vista.
Para concorrer basta ser inglês, aceder a http://www.submityourart.com,/ a partir do próximo mês e estar disposto para, se for um dos seis finalistas, passar 3 meses num acampamento artístico onde os seus talentos para a arte serão monitorizados.
Gordon Brown tinha um sonho: antes de se despedir de chefe do governo inglês queria deixar como legado um British History Museum. Mas uma última revisão do seu próprio gabinete desaconselhou-lhe o voo. A ideia de um museu que se debruçasse sobre a História Britânica remontava a 2007 e tinha sido formulada pelo antigo Secretário da Educação, Lord Baker e envolvia pessoas como Dame Vera Lynn, Sir Richard Branson, David Cameron (o líder conservador, não confundir com James Cameron), entre outros. Gordon Brown apoiava, desde essa altura, o museu que segundo ele se iria centralizar na narrativa da história britânica bem como mostrar como essa história moldou o povo britânico, lhe enraizou costumes e valores. Depois disso, o plano seguiu para o Departamento de Museus, Livrarias e Arquivos de Inglaterra que emitiu, no ano passado, um parecer desfavorável, parecer esse que nunca havia sido revelado. O parecer diz que um museu nos moldes tradicionais como pretendia Brown iria falhar no seu objectivo de atrair visitantes do próprio país. Ou seja, o museu de História Britânica seria, segundo este parecer, um museu não para os britânicos, mas para os turistas e isso iria subverter a ideia subjacente à criação do próprio museu cujas linhas de orientação Brown traçou. E cujas linhas de orientação foram rejeitadas pelo seu gabinete.
- não vai mais vinho para essa mesa -

- Então? Há muito tempo que não falamos da sua vida privada. Como vai isso?
- Normal…
- …
- Se eu chorar está autorizado a dar-me um estalo, porque eu já chorei esta semana. Não posso chorar outra vez.
- Por aquilo que estou a ver tenho que lhe dar uma grande tareia!
- Não me faça rir.
- Não preciso de fazê-la chorar!
- Vai bem, vai normal. Nada a acrescentar.
- Ainda pensa naquela pessoa?
- Sim, todos os dias.
- Não acha que isso já chega? Há quanto tempo dura isso?
- Não sei. Lembro-me que foi depois do Euro que Portugal organizou. Foi nesse ano. Terá sido em 2006?
- Portugal organizou o Europeu em 2004.
- Chiça! 5 anos?!
- Já lá vai um tempo…
- Pois…
- E que tal pensar em outras pessoas?
- Sabe que é difícil interessar-me por alguém.
- Ouça, mesmo que não se interesse por ninguém, também não pode obrigar ninguém a interessar-se por si.
- Eu não quero isso!
- Então?
- Queria ser a melhor parte do dia de alguém. Só para experimentar. Só um bocadinho.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
obrigada Ana.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

- original soundtrack -


(Architecture & Morality, Orchestral Manoeuvres in the Dark)
- o carteiro -
and the winner is...
depois de ter ganho o prémio relativo à melhor fotografia do mês de Junho de 2008 no concurso promovido pela Joy of Giving Something, o nosso amigo Fernando Gonçalves venceu o prémio de melhor fotografia de 2008 atribuído pela mesma fundação. "Estou tão contente por si que até me apetece fazer xixi":
- ars longa, vita brevis -
hipócrates


Antes e depois ou como talvez não tenha nada a ver ou “como vou começar pelo fim”. A fotografia que Steven Meisel tirou a Carolyn Murphy no âmbito de uma campanha publicitária da casa Versace, isto corria o ano de 1998, deixou-me a pensar que seria parecido com qualquer coisa que já tinha visto antes. Tinha quase a certeza que existia já, algures, um quadro assim. Ou então, que uma das fotografias promocionais do filme Elizabeth era assim.
Paolo Veronese
Portrait of a Venetian Woman (La Belle Nani)
c. 1560
Musée du Louvre, Paris



Steven Meisel
Versace
Outono/Inverno 1998-1999

As restantes fotografias desta série corroboram este meu pensamento, embora seja difícil estabelecer a correspondência entre aquilo que vemos e o que achamos que o antecede. Por vezes, numa fotografia parecia ter visto 2 quadros diferentes, mas como estava certa da correspondência entre esta com Carolyn Murphy e uma outra, que na minha cabeça, existia, optei por esta. Não é que me arrependa, mas vamos elencar estes pontos: não existe correspondência directa (Ohhhhhh!), mas antes uma correspondência passiva. Identifico muito o vestido e a posição das mãos na fotografia de Meisel com a pintura de Veronese, mas nesta última não há espada, a espada não aparece e tenho quase a certeza que esta relação é casual. Por isso procurei por Lucrécia, a heroína romana que foi violada pelo patrão do marido e que por não conseguir viver com essa vergonha se suicidou (é a primeira imagem depois do texto). Como encontrei a espada, mas não o vestido ou a posição das mãos, procurei por Judite, a viúva judia que para libertar o seu povo degola o general Holofernes. No então também não há nada relativo ao vestido ou às mãos. Para mim a fotografia tem um pouco da imagem de Cranach e da de Giorgione, mas se alguém souber de uma única imagem que agregue todos estes elementos, por favor ligue para o número 808 300 702. (o 700 já existe e serve para votar no seu arguido casapiense preferido e o 701 é usado para angariar dinheiro para a manutenção do Belogue: passar umas escadas a pano, fazer uma receita de iscas de fígado, pôr uma roupa de molho….). O 702 era o único que estava vago porque a RTP já ficou com o 704, o 705 e o 706 para os próximos concursos de dança, música e misses.

Lucas Cranach, the Elder
Lucretia
1524
Alte Pinakothek, Munich



Giorgione
Judith
c. 1504
The Hermitage, São Petersburgo
- não vai mais vinho para essa mesa -


desculpem lá, mas não me ocorre nada com piada para vos dizer. acho que talvez eu tenha perdido a piada, ou a capacidade de ver a piada. ou talvez seja uma tristeza momentânea e depois tudo volta ao mesmo. é sempre aquela sensação estranha e desconfortável quando se apaga a luz ou se fecha a porta. acho que... não acho nada.

- o carteiro -

A antecipar o dia dos Namorados (que por acaso é um dia “esgromitante”), I will eat you alive.

É sabido que a comida e o amor desde sempre estiveram de mãos dadas. Ou de talos de couve dados, ou de sementes enxertadas… Mas e o canibalismo e o amor? Os antropófagos amavam as suas vítimas ou tinham apenas fome? Satisfaziam uma necessidade biológica sem atenderem a quem, ou prestavam atenção ao pneuzinho, ao peitozinho, à coxinha, à asa… que é como quem diz, à clavícula mais o braço? Tenho a certeza que escolhiam bem as vítimas. Talvez não fosse por amor, mas é sabido que no amor os termos culinários são escolhidos. Basta estar no comboio ou até em casa, no recesso do nosso lar, para ouvirmos um homem a chamar a mulher por “torrãozinho” e ela por “moranguinho”. Ou numa versão mais hard core, ele dizer-lhe que a quer comer, e ela que o quer devorar (estou a actualizar os papéis de género para não dizer que o homem come e a mulher é comida). Ou numa versão mais pragmática, uma mulher diz que gosta de ver carnes frescas e um homem que uma mulher atraente é um belo naco. E por fim, numa versão mais leve, diz-se que quando duas pessoas estão apaixonadas, andam “todas derretidas”. Para corroborar isto temos toda a concepção católica da remissão do pecado e do sacrifício de Cristo aceite pelo Homem que se baseia no momento da Comunhão na Eucaristia em que o sacerdote profere estas doutas palavras: “Tomai e comei, este é o meu corpo que será entregue por vós”. E depois: “Tomai e bebei, este é o meu sangue derramado por vós”. Neste caso, o canibalismo ainda que encapotado foi uma forma de prender fiéis. É de referir, em abono do Cristianismo, que o Canibalismo é mais antigo que o culto de Cristianismo, e que não penso que o “Canibalismo Eucarístico” se tenha inspirado no Canibalismo primitivo. Encontramos semelhanças óbvias: ambos são movidos pelo amor. Um pelo amor à carne humana, outro pelo amor a Cristo. Os povos primitivos são uma síntese entre os dois tipos de Canibalismo uma vez que acreditavam que podiam incorporar as características da vítima que devorassem, apenas por comê-la. Um exemplo disso é o caso Dr. Livingstone, o explorador que de Malária. Quando isso aconteceu, os seus servidores, nativos que o acompanhavam, trataram de comer os seus órgãos por acreditarem que a força e a coragem do explorador vinha deles.
O canibalismo mitológico também teve os seus exemplos e embora fosse sempre vista como mote para a tragédia (Shakespeare e Séneca), não deixa de ser, em alguns casos, desculpável. Quanto mais não seja porque eram deuses e não pessoas de carne e osso. Os exemplos mais prementes são o de Tiestes e Atreu. Triestes disputava o trono de Micenas tal como o seu irmão Atreu, mas mantinha um relacionamento amoroso com a mulher deste. Quando perdeu a luta pelo trono, Tiestes foi expulso de Micenas, mas Atreu descobriu a infidelidade da esposa. Com o pretexto de uma suposta reconciliação convidou Tiestes para um banquete em sua casa e no fim mostrou-lhe em que consistia o cardápio: Atreu tinha mandado matar, cozinhar e servir os filhos de Tiestes e deu-os a comer ao próprio pai.


Tântalo, de quem já falámos aqui no Belogue, era filho de Zeus e de uma humana. Um dia, com a intenção de testar a omnisciência dos deuses, roubou-lhes os seus manjares habituais e serviu num banquete a carne do seu próprio filho Pélope. Os deuses descobriram e lançaram-no ao Tártaro (numa pena muito semelhante à de Sísifo pois baseia-se na repetição de um trabalho infrutífero) e fizeram-no mergulhar em água com uma árvore a pender sobre ele, com frutos bem próximos. Sempre que erguia um braço para apanhar a fruta e comer, o vento afastava os ramos. E sempre que tentava beber água, esta descia.

Tereu, filho de Marte e marido de Procne, teve com ele um filho chamado Ítis. Mas Tereu acabou por se apaixonar pela cunhada Filomela e violou-a. Para que esta não pudesse manifestar-se e dizer o que aconteceu, cortou-lhe a língua, mas ela, que estava muda, mas não estava morta, comunicou à irmã, através de uma tapeçaria em que trabalhava, o sucedido. Procne resolveu matar o próprio filho, o filho dos dois e serviu a Tereu as carnes de Ítis. No fim mostrou-lhe a cabeça do filho e confrontou-o com o crime cometido por ela e com aquele cometido por ele contra a sua irmã.

Pieter Pauwel Rubens
Tereus confronted with the head of his son Itylus
1636-1638
Museo del Prado, Madrid

De Saturno já se sabe que comeu os seus filhos de forma a evitar que qualquer um deles o pudesse matar e substituí-lo. Talvez seja por essa grande tragédia que Saturno seja relacionado com o humor melancólico e triste.

Rubens
Saturn Devouring His Son
1636
Museu do Prado, Madrid

[Há alias um certo pudor em falar de Canibalismo (embora hoje o post seja dedicado ao Canibalismo amoroso). Há um antropólogo que defende que o século XX foi hipócrita em relação a isso pois não se coibiu de produzir um número gigantesco de cadáveres, mas nunca, admitiu que muitas pessoas foram devoradas em momentos de crise, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, na Tragédia da Medusa e em certos pontos da Ásia e da Ucrânia.]

A literatura foi quem melhor mostrou o canibalismo amoroso. No Decameron de Boccaccio notamos por diversas vezes a ânsia do canibalismo ou até, podemos dizer, o canibalismo passional. Numa das passagens é servido num banquete um coração humano. Trata-se do coração de messer Guglielmo Guardastagno que o ciumento messer Guglielmo Rossiglione dá a comer à sua esposa depois de ter assassinado o rival que ela amava com todo o seu corpo e alma. E amava tanto o outro homem que não era seu marido, que comeu o coração com prazer a pensar que se tratava de coração de javali. O marido pergunta-lhe, com sadismo o que acha do prato e os dois trocam opiniões sobre os temperos do pitéu.

Na Lolita de Vladimir Nabokov o amante disserta sobre a jovem nos seguintes termos: “Um só agravo contra a Natureza me inquietava: a impossibilidade de virar a minha Lolita do avesso e de aplicar a minha boca voraz ao seu jovem ventre, ao seu insondável coração, ao seu fígado de nácar, aos cachos de espuma marinha dos seus pulmões, aos pequenos rins geminados”.
Mas um dos melhores exemplos da relação entre a comida e o acto de comer o outro e as fantasias sexuais foi Ítalo Calvino no livro “Sob o Sol-Jaguar” que está dividido em três narrativas. Numa delas um jovem casal aventura-se numa viagem ao México e pelo caminho vai descobrindo o prazer e o prazer de comer. Logo no início do conto, Olívia e o marido, o narrador, notam, no local onde estão hospedados um quadro que retrata uma freira e um padre, de pé, com os braços ao longo do corpo, mas um pouco afastados do mesmo e com uma distância entre eles que incomoda as duas personagens. E logo Olívia diz: “Gostaria de comer chiles en nogada…”. O narrador, como podemos ver, não se limita a dar asas à velha fantasia do homem que come a amante, mas permite-se dizer que também gostaria de ser comido por ela: “Imaginava-me a sentir os seus dentes na minha carne, a sua língua a erguer-se contra o palato envolvendo-me em saliva, para logo me impelir para a ponta dos caninos…” De facto, e apesar de todos os contratempos na relação (ela acusa-o de ser monótono o que só atiça nele a tendência antropofágica), culmina num canibalismo simultâneo mesmo no fim do livro.


Assim, o canibalismo não tem sempre de ser conotado com algo negativo. Claro que há uma distinção entre o canibalismo propriamente dito, como satisfação de uma necessidade básica ou continuidade de rituais tribais, do canibalismo amoroso que aqui abordámos. O canibalismo amoroso é uma conclusão natural das relações humanas; é uma tradução verbal daquilo que um corpo quer fazer ao outro corpo em termos sexuais. Não sei se este tipo de ensejo sexual foi sempre referido assim, ou até se o paradigma mudou (há quem se refira ao sexo como um acto homicida), mas seja como for, e venham quais os paradigmas que vierem, a lei da barriga (gastronomia = gastrer (estômago em grego)+nomos (leis em grego)) vai estar sempre ligada à lei do sexo (que apelidei de erosnomia = eros (amor sexual em grego)+nomos (leis em grego)). Dura lex, sed lex!


sábado, janeiro 10, 2009

- back to black -

"A line is a dot that went for a walk." - Paul Klee

sexta-feira, janeiro 09, 2009

- original soundtrack -

Ai Agostinho!
Ai Agostinha!
Que rico vinho
Vai uma pinguinha?
Este país perdeu o tino
A armar ao fino!
A armar ao fino!
Este país é um colosso
Está tudo grosso!
Está tudo grosso!
Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

Falam prá aí que há demissões e admissões
Que nos partidos andam todos à tapona
O Zé pagante já se ri das revoluções
Mas sabe prá aí que há muita malta não (...)

Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

Pra revisão Constitucional é o que eu digo
A liberdade não se pode deitar fora
Discutem muito, mas depois ficam amigos
E o Zé Povinho é que fica sempre à nora

Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

Ai Agostinho!
Ai Agostinha!
Que rico vinho
Vai uma pinguinha?
Este país perdeu o tino
A armar ao fino!
A armar ao fino!
Este país é um colosso
Está tudo grosso!
Está tudo grosso!
Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

Isto em política há pra aí muitos teóricos
Mas em teoria é só paleio e pouca prova
E só se fala dos tais chefes históricos
Quando afinal a gente quer é malta nova

Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

E olha que muito que se leia e que se ouça
Chegamos todos sempre à mesma conclusão
Ele há menino que não diz coisa com coisa
E no final toda a gente lhe dá razão

Anda tudo a fazer pouco
Da gente
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

Ai Agostinho!
Ai Agostinha!
Que rico vinho
Vai uma pinguinha?
Este país perdeu o tino
A armar ao fino!
A armar ao fino!
Este país é um colosso
Está tudo grosso!
Está tudo grosso!
Anda tudo a fazer pouco
Da esquerda
Anda tudo a fazer pouco
Da direita
Anda tudo a fazer pouco
Da gente

(Ai Agostinho, Ivone Silva e Camilo de Oliveira, 1981)
- não vai mais vinho para essa mesa -

- olá, estão bons?
- sim
- vamos lá tirar um envelope. Muito bem. Ora vamos lá ver… humm, por 100 euros digam fátimapombismos como por exemplo “Vocês põe-me mal disposta logo de manhã”. 1, 2, 3 diga lá outra vez:
- “Vocês põe-me mal disposta logo de manhã”.
- Passo
- Passo
- “Já agora façam sexo em cima das mesas.”
- Passo
- “Porque é que estão a olhar lá para fora? Está alguém a fazer sexo?”
- Passo
- Passo
- Passo
- “Olhe-me nos olhos. Está a olhar-me nos olhos?”
- Passo
- “Depois fechem a portinha”
- “Eu bem pedi para não me darem primeiros anos. Vamos lá ver como isto corre.”
- Passo
- “Você é alemã? Então é indiana.”
- Passo
- Passo
- Passo
- …
- Acabou o tempo. Oh… Faltou a célebre frase “’Biblioteca visual’… Essa expressão é sua? Muito boa”
- Eh pá, pois foi.
- Não nos lembrámos. E havia muitas mais.
- Exactamente! E porque havia muitas mais você aí em casa pode escrever para cá e dizer-nos quais são os fátimapombismos que faltam. Os dez primeiros telefonemas serão presenteados com um casaco azul-turquesa com mangas ¾, um eyeliner preto e um bilhete para o Festival de Bayreuth. Vamos ver os resultados:
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Antes e depois ou “como diria o outro “Eh pá, por aí não que bai dar uma ganda bolta”. Isto hoje não tem nada de artístico nem literário. Não há comparações entre escritos religiosos nem escritos pagãos, não há comparação entre pintura, escultura, desenho, fotografia ou arquitectura de um período e performances e instalações de outro. Não há semelhança visual. Há é uma “ganda bolta”; ou seja, o antes e depois de hoje é quase uma private joke que depois de exposta deixará de ser piada privada para passar a ser constatação pública. Peço desde já desculpa se frustrei as vossas expectativas, mas às vezes uma pessoa tem de dar lustro ao neurónio, colocá-lo cá fora para arejar e ver como é que o rapaz capta os estímulos. E este captou bem. Pelo menos é o que eu digo. E como é ele que diz por mim, ele fará dele as minhas palavras ou vice-versa. Mostro-vos em primeiro lugar um quadro de Tiepolo que se intitula “A Glorificação de São Luís Gonzaga”. Não conhecia o santo e fui “inbestigáááár” aqui nos livrinhos. Eis senão quando, vi o seu nome no dicionário de santos de Georges Daix (que por acaso, deixa que te diga George, é muito incompleto, rapaz. Falta muito santo e outro tem que nem duas linhas ocupa. “Santa Maria Gorete”? Valha-nos Deus!). São Luís Gonzaga pertenceu à família dos duques de Mântua (aqueles para quem Mantegna pintou). Era o primogénito e estava destinado a continuar o legado marcado pela violência. Naquela altura os diferentes ducados de Itália lutavam pela sua independência e sobrevivência face aos ataques constantes de que eram alvo. Por isso os seus governantes eram geralmente tiranos, pérfidos, assassinos e devassos. Os Mântua não constituíam excepção. Saber lutar era por isso uma condição obrigatória para se ser um bom condottieri e um bom governante. Luís Gonzaga foi vestido de soldado quando tinha apenas quatro anos e ensinado a manejar um canhão quando tinha sete. Mas o rapaz não queria aquele tipo de vida: e fez voto de castidade aos onze anos e abdicou a favor do seu irmão aos dezassete. E quando se preparava, aos 23 anos para tomar os votos, morreu vítima da peste. Por ter morrido tão jovem e por ter sempre estado à frente em tudo o que fazia, é hoje o padroeiro dos jovens e protector da juventude.

Mas isso é para quem acredita em milagres. A Madonna por exemplo, tem nome estratégico, mas sabe que a lei da gravidade é incompatível com a crença religiosa. Por isso, em vez de rezar a São Luís Gonzaga, lhe fazer muitas vias-sacras, missas cantadas, terços e jaculatórias, prefere um novo método que é, segundo li, o “Oxygen Crystal Clear”. (Não sei se a ordem dos termos é arbitrária, mas não interessa porque seja qual for a ordem dos mesmos, vamos ficar sempre a pensar que se trata de uma pastilha de detergente para a máquina de lavar louça.) Não usa botox nem injecções nem bisturi e é feito, como o nome indica, à base de oxigénio. Pelo que li (e vamos lá ver se me lembro o que li), o método consiste em aplicar um sérum com perfluorodecalin que através de jactos de oxigénio molecular entra na epiderme, uma vez que é um bom condutor de oxigénio. O sérum que é um humidificante deixando a pele sempre hidratada, actua nas camadas mais profundas da pele onde esta começa a degenerar. Depois disto aplica-se ácido hialurónico e extracto de maçã e depois sela-se o rosto com uma película feita através de um tónico revitalizador. Ou whatever…

Para quem não gosta do cheiro a cera nem a naftalina, pode fazer sessões de Crystal Clear que custam entre oitenta a cento e vinte euros. Já quem gosta de Nosso Senhor e dos santos, on your knees!”:

Giovanni Battista Tiepolo
Saint Aloysius Gonzaga in Glory
The Courtauld Institute Gallery

- o carteiro -
A vomitar convites de casamento pelos olhos. “Ai, não gosto dessa cor”, “Ai, queria assim… tipo… as iniciais num brasão”, “Ai, ainda não temos tema. O que é que dizes?”. Digo que é um casamento e não a festa dos Saviotti em 87. O dia é para vocês, para estarem com os amigos e para se divertirem. Esse é que é o tema, chiça. Não tenho paciência para estas coisas e às vezes penso que isto a fecta a minha prestação no Belogue. Já pensei em mudar de poiso: um nome novo, um layout novo (ou antigo, era indiferente), mas o mal é que não me surge nome nenhum; não consigo encontrar nada melhor que isto. O que diz muito sobre a minha falta de imaginação. Parece que já não é a mesma coisa. E disse isso. Disse que achava que me faltava qualquer coisa. "O quê", perguntou ele, "Ser a melhor parte do dia de alguém.", respondi, "Isso não é impossível, mas acho que está a queimar etapas para lá chegar", "Não estou a tentar chegar lá. Estou a constatar. Mas as pessoas podem ser felizes sozinhas.", "Sim", "Às vezes sou. Outras não", "Não sei o que posso dizer para minimizar o que sente", "Nada".
- o carteiro -

Pode o crítico do Expresso deixar-se de excesso e tirar uma estrela na sua avaliação?
Suplemento Actual do Jornal Expresso de 3 de Janeiro de 2009, página 20: o Expresso dedica uma página à exposição de Vieira da Silva “A Intuição e a Estrutura de Torres Garcia a Vieira da Silva”, patente no CCB desde o dia 4 de Dezembro e que por ali ficará até 15 de Fevereiro. Tinha visto a exposição já há algum tempo e concordo que embora seja uma exposição relevante não mereça as cinco estrelas. Mas também não merece as quatro. Começa pela localização dentro do CCB: uma exposição com tal importância não pode ficar relegada para um vão-de-escada. Não é um vão-de-escada, bem sei, mas quando se descem as escadas quase nada indica a presença da exposição. Passa pela informação e este é um aspecto importante: quem entra no espaço não tem, nem à direita nem à esquerda qualquer obra, mas sim frente a si. Ora quando se dirige para lá, o visitante tem atrás de si os folhetos de informação da exposição que estavam colocados no suporte, na parede do lado direito, quem entra. Quer isto dizer que pode percorrer a exposição toda sem qualquer suporte. Como esta também não é paga, é natural que o visitante não se dirija ao balcão e por isso entra sem informação e só mesmo à saída a obtém. É um erro crasso, algo imperdoável em montagem de exposições.


Lá dentro podemos encontrar, a muito custo, dois folhetos: um (como referido), à saída, no suporte próprio, dobrado em 3 partes com texto em português e inglês e 8 imagens de obras presentes na exposição. O outro, já lá dentro (que por acaso tirei da cadeira vazia de um vigilante), dobrado em 2, formato A4, texto em português e 8 imagens de obras em exposição. Em comum os dois folhetos têm o conteúdo (o texto é igual cambiando apenas a ordem de alguns termos) e as imagens. Logo não se compreende o porquê dos dois folhetos. Num dos folhetos lemos: “A consonância entre 2 obras é, antes de mais nada, sensível e intuitiva”. E mais à frente: “Assim, procurar na jovem Vieira da Silva influências daquele que ela considera o seu mestre, seria tomar um caminho falso”. [Discordo, mas adiante]. Porém, somos em seguida confrontados com o seguinte: “Mas ambicionamos também tornar possível a cada um ler na pintura de Vieira da Silva a complexidade das influências e a transformação das influências na sua própria obra a um tempo tão secreta e tão determinada”. Este é o tipo de discurso que ficaria bem a Della Robbia: é “tondo”porque completa um círculo chegando ao mesmo sítio de onde partiu. Nos momentos em que se torna claro, quer pelo texto, quer pela exposição, que há de facto uma ligação entre Vieira da Silva e Torres-Garcia, é quando os dois se afastam pois as suas semelhanças (que não podemos procurar segundo o folheto), não estão suficientemente fundamentadas para nos converter.


Por maior boa vontade que qualquer um de nós tenha, por melhor informado que seja, por mais actualizado que se mostre ou por mais conhecedor de arte que se revele, é praticamente impossível deslindar a lógica por detrás da escolha de determinadas obras em detrimento de outras e porquê a confrontação de certas obras de Vieira da Silva com outras de Torres Garcia, sendo notório que não existe entre elas ligação cronológica, nem temática, nem técnica. Não há ligação entre as obras expostas: entre obras do mesmo artista, talvez exista, mas não é esse o objectivo da exposição. Encontrei-as na repetição de símbolos em Torres-Garcia e da mesma desconstrução figurativa em Vieira da Silva, mas não há relação entre as semelhanças de um e as semelhanças de outro. A excepção dá-se no primeiro “quarto”, onde a obra “Enigma” da pintora portuguesa fica frente-a-frente com uma obra de temática semelhante de Torres Garcia. (Já vi a exposição há algum tempo, não fixei o nome das obras). O próprio título da exposição peca por uma ambição inconsequente, ou na pior das hipóteses, por uma ingenuidade premeditada, uma vez que tudo fica por conta da nossa Intuição e o resto fica por conta da Estrutura mental de quem concebeu a exposição.


Como diria Pierre Francastel: “A conciliação é fácil no plano das ideias vagas”.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
A taça que se bebe vazia:
Prince Hercule-François, Duc d'Alençon
1572
National Gallery of Art, Washington
Este senhor que aqui vemos chama-se Hercule François e era duque de Anjou e de Aleçon. Como podem ver, não era um exemplo nem de beleza nem de força, graças a algumas deformações que lhe vieram da varíola e devido ao cruzamento sanguíneo (fiquem sabendo que existe menor risco de deformação no fruto de uma cópula entre dois primos judeus, que ainda hoje casam entre si do que entre uma asiática e um ocidental. Ah pois é!). Logo o seu nome – Hércules - não lhe assentava muito bem. Mudou-o para François, mas nem as deformações o impediram de ser um a mistura perfeita entre a sedução dos Médicis e o poder dos Valois. Para quem viu e quem se lembra, ele era um dos pretendentes da mão de Elizabeth I, mas não foi aceite nem por ela nem pela sua corte por ser católico, pertencer a um país católico e obedecer às ordens do Papado Romano, com quem a Inglaterra Protestante de Elizabeth tinha cortado relações. François não foi uma figura muito falada na história dos governantes franceses, mas se pudéssemos perguntar às senhoras da época, por certo nos diriam que seria para sempre lembrado entre lençóis. Pelo menos se não ficou com o proveito, ficou com a fama.

François tinha uma taça especial que me fartei de procurar e não encontrei. Até enviei um mail para um dos descendentes da Casa de Anjou que é casado com uma portuguesinha um pouco afectada (gente das revistas), mas não devia estar ninguém em Casa porque nunca responderam. Bom, a taça era especial porque apenas as senhoras bebiam por ela. Qualquer convidada do duque bebia por aquela taça em especial. Umas faziam-no de olhos abertos, extasiadas, outras perdidas com o riso e já sabendo o que as esperava, fechavam-nos, mas de pouco lhes valia pois a memória do interior da taça era escandalosamente inesquecível. A taça era cinzelada no interior e as cenas retratavam as posições sexuais descritas por Arentino e ilustradas por Giulio Romano que circulavam como pornografia entre os meios sociais mais elevados. Enquanto dava de beber às suas convidadas, o duque ia rodando o cálice e as senhoras podiam admirar no seu interior as sugestivas imagens. Era proibido servir de beber em outro recipiente e quem se negasse a beber pela dita taça corria o risco de passar a noite sem beber nada porque o duque era muito ciente destas coisas das taças e das ilustrações e das posições sexuais. Ao fundo, os homens zombavam das que bebiam com os olhos abertos e das que bebiam com os olhos fechados: umas gulosas e outras fazendo-se esquisitas.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

- original soundtrack -

Some expression in your eyes
overtook me by surprise



where was I
how was I to know ?
How we can drive to a movie show
when the music is here in my car ?
There's a band playing on the radio
with a rhythm of rhyming guitars



they're playing
oh yeah
on the radio.



And so it came to be our song
and so on through all summer long
day and night drifting on into love.

Driving you home from a movie show
so in tune to the sounds in my car.
There's a band playing on the radio
...



It's some time since we said goodbye
and now we lead our seperate lives.
But where am I
where can I go ?
Driving alone to a movie show
so I turn to the sounds in my car.
There's a band playing on the radio
and it's drowing the
sound of my tears.
They're playing
oh yeah
on the radio.



(Oh Yeah, Roxy Music)

quinta-feira, janeiro 01, 2009

- original soundtrack -

(nunca vos aconselhei tanto a abrir um link e a vê-lo até ao fim como hoje)
(...)
És pra mim um santo, és prá gente um pai
Aqui ninguém duvida do teu grande amor
Mas o que tu nos dás, do corpo bem nos sai
Meu benfeitor

Tu dás poucochinho, mas não pode ser
Mas este novo aumento é prá nós de cruz
Agora não sabemos é quem vai gemer
Meu “ai Jesus”
(...)
- não vai mais vinho para essa mesa –

[num café, o empregado que está ao balcão chama-me com o dedo. Olho à volta e não vejo muita gente a olhar naquela direcção. Aponto para mim e pergunto “eu?”. Ele acena com a cabeça que sim. Vou até ao balcão. Diz-me:]
- Fiz-te vir só com um dedo, imagina com os cinco.
[hesito um bocado, "o que é que lhe vou dizer?", "não vou dizer nada, ele tem a sua razão", "mas isso não são coisas que se digam", faço um riso parvo, coro e respondo:]
- Com os cinco fazes vir o livro de reclamações ou o teu superior. Conforme desejares.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Antes e depois ou como podia dizer que já não gosto mais do Caravaggio por ele ser um “depois”, mas gosto na mesma e cada vez mais. O que é que se pode fazer. É que acho que ele pegou numa parte do fresco de Miguel Ângelo relativo ao martírio de São Pedro que foi crucificado de pernas para cima, e deu-lhe mais dramatismo bem como ironia, o que era próprio de Caravaggio.

O fresco de Miguel Ângelo cujo pormenor aqui apresentamos faz parte de um conjunto relativo ao martírio do santo, como foi dito, e está presente na Capela Paulina no Vaticano. (Capela Paulina foi encomendada pelo Papa Paulo III, enquanto a Sixtina, anterior, tinha sido encomendada pelo Papa Júlio II). Segundo a tradição divulgada pelos escritos apócrifos e históricos, o apóstolo Pedro foi crucificado de pernas para o ar, numa cruz invertida relativamente à de Cristo, cruz esta que ficou colocada ou na colina de Janículo ou na arena de um circo que se situava entre duas metae; ou seja, o par de postes cónicos ou colunas cónicas que podiam ser encontradas à saída de cada caminho. A referência Bíblica à crucificação de Pedro encontra-se em João 21; 18-19: “Na verdade, na verdade te digo que, quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias; mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras./ E disse isto, significando com que morte havia ele de glorificar a Deus. E, dito isto, disse-lhe: Segue-me.” (nesta ocasião Jesus falava com os três apóstolos, aqui com Pedro, que estavam a pescar). Já antes e segundo a Bíblia e o mesmo evangelho, Pedro teria perguntado a Cristo em oração: “Domine, quo vadis? (“Senhor, onde vais?”) (João 16, 5). Este teria respondido: “A Roma para ser crucificado de novo”. Esta resposta tem uma relação muito especial com a crucificação de São Pedro, uma vez que ao ouvir isto e depois de ter fugido de Roma esteve encarcerado, o santo decide voltar pois sabia que tinha de enfrentar o seu destino. Os textos não canónicos é que referem que Pedro, condenado à morte pelo Imperador Nero, solicita ser crucificado de pernas para o ar, com a cruz invertida, por não se considerar um indivíduo digno de sofrer a mesma morte que Cristo.

Na representação artística do tema os responsáveis têm utilizado ambos os cenários, mas sempre no momento em que a cruz de Pedro está a ser levantada pelos soldados, talvez para dar a perceber a quem vê como o santo foi crucificado e geralmente com um pequeno grupo de mulheres à volta numa alusão à presença de mulheres na representação da crucificação de Cristo, embora apenas um Evangelho refira a presença de Maria. Não sei, mas duvido que as mulheres pudessem andar assim por lá. No fresco de Miguel Ângelo toda a composição está voltada para a cena central: a cena da crucificação, do triunfo do sofrimento e da dor. O carácter de São Pedro, mesmo neste momento não é colocado em causa: ele é inflexível, não cede e não mostra a sua dor. Há um alongamento propositado da cruz através das personagens que a seguram, e que faz com que a cruz pareça ter um corpo vertical muito alto em comparação com o horizontal onde ficaram os braços, mas que também ajuda na composição, uma vez que a dinamiza pois cria um “X” no centro do fresco e prolonga-o. Para além de dinamismo, as linhas diagonais dão a sensação de força e de esforço em tempo directo. As personagens à volta, as que estão mais afastadas do centro, permanecem na vertical, enquanto as que estão próximas do santo, as que lhe seguram o lenho e tentam elevá-lo, sofrem uma pequena rotação para acompanhar a sua posição. Todas as pessoas à volta de São Pedro parecem tremer de terror. Só queria deixar mais uma nota que julgo ser muito importante: no chão, de frente para nós, mas agachado, um homem abre um buraco com as mãos para nele enterrar parte da cruz e desta forma assegurar a sua elevação.

Porém, em Caravaggio, esse homem, assim como todo o quadro sofrem um efeito de photoshop, talvez um “transform, mirror”, porque a composição, se a virmos como num espelho é igual. Não estou a dizer que as imagens são iguais, nem que a paleta de cores é semelhante… Não é nada disso. Estou a dizer que das muitas representações possíveis, Caravaggio escolheu a mesma de Miguel Ângelo mas de um ponto diferente. A crucificação de São Pedro que se encontra na igreja de Santa Maria del Popolo, é uma das duas pinturas do autor, presentes na Capela Cerasi. Enquanto em Miguel Ângelo tudo é cor e claridade, em Caravaggio é penumbra embora o efeito seja o mesmo. Vejam que as linhas de força do quadro são também diagonais. Claro que estas serviam melhor os propósitos do Barroco do que os do Renascimento, mas ambos os artistas parecem saber que as diagonais são uma mais valia quando se pretende que um quadro tenha força expressiva. Em Miguel Ângelo, todos os rostos eram visíveis, embora na minha opinião o rosto de São Pedro pintado assim, fica distorcido e até parece ser, de todos, o rosto menos evidente. Já em Caravaggio é ao contrário: todos os rostos estão na penumbra à excepção de São Pedro que, por ter sido escolhido aquele ponto, se mostra de frente para nós. Ambos retrataram São Pedro em agonia, mas o São Pedro de Caravaggio é um homem que ainda tem forças para pedir aos seus carraços “prendam-me com mais força! Isso, vejam se eu me ralo!”. O São Pedro de Miguel Ângelo já parece mais preocupado a olhar de esguelha, uma vez que naquela posição não tem um ponto de vista muito bom, ao contrário da pintura de Caravaggio. Outro pormenor que não me parece inocente, é a posição do carrasco que abre o buraco para assentar a cruz. Na obra de Miguel Ângelo, segue as outras personagens e está de frente para nós, mas na obra de Caravaggio, muito mais concentrada e com um efeito de luz que acentua o dramatismo, o mesmo carrasco está em primeiro plano e com o seu grande rabiosque voltado para nóse com os pés muito amarelos. Caravaggio quer com isto dizer que ao contrário de Miguel Ângelo, ele não vê o martírio do santo como um acto heróico, mas como uma humilhação.
Miguel Ângelo
Martyrdom of St Peter (pormenor)
1546-50
Cappella Paolina, Palazzi Pontifici, Vaticano


Caravaggio
The Crucifixion of Saint Peter
1600
Cerasi Chapel, Santa Maria del Popolo, Roma
- o carteiro -

post escatológico*
Estava a reler a História do Pudor de Jean Bologne quando descobri uma curiosidade sob a forma como os antigos encaravam os se4us escrementos, o lixo que produziam e que vinha dos prórorios, isto tendo em conta a forma como se livravam dele. Era comum comer frente aos outros, mas seria comum defecar e urinar frente aos outros? Os Gregos achavam bizarros os costumes egípcios: comiam na rua, mas satisfaziam as suas necessidades fisiológicas em casa, o que quer dizer que para estes o que era vergonhoso ao corpo tinha de ser privado do olhar alheio, mas as necessidades de outra ordem podem ficar à vista de todos. Os Gregos, como podemos depreender, faziam exactamente o contrário: defecavam e urinavam no exterior, fora de casa, mas comiam em casa. A Cloaca Maxima, ou rede de esgotos construída em Roma em parte devido aos hábitos vindos dos Gregos, era o espelho de uma sociedade que se preocupava com a limpeza do corpo, mas que o fazia em comunidade, tanto como fazia em comunidade a limpeza da alma (corpo sano, mente sana). Assim era possível ver homens a conviver nas piscinas públicas que funcionavam por três fases de banho (frigidarium, caldarium e tepidarium), bem como nas latrinas públicas. Nos banhos faziam negócios, nas latrinas públicas fazia-se conversa e esperava-se ser convidado para o serão em casa de X ou Z. Além disso a urina tinha outro papel: como continha amoníaco (em contacto com o ar liberta amoníaco), era utilizada para lavar peças de roupa o que fazia com que as pessoas, por mais que se lavassem, nunca cheirassem bem. Mais tarde os celtas inventaram os sabão feito de gordura animal e cinzas e já na Idade Méda alguém teve o bom senso de adicionar essências e pétalas de flores. 
  
O costume de partilhar com desconhecidos o espaço físico para fazer as necessidades fisiológicas durou até à Revolução Francesa, pelo menos em França. Mas até aí, muito foi o que se passou na História da Escatologia que passo a referir brevemente se tal não vos enojar para primeiro dia do ano. Pelo menos fica dito já, para depois uma pessoa não andar com m*****. Na Idade Média, por exemplo, a questão dos excermenteos era muito ambígua. Até se costuma dizer que a atribuição da denominação "Idade das Trevas" está desactualizada pois nessa altura muitos foram os mecanismos criados para dar mais conforto à vida das pessoas. Em termos de higiene era comum, entre a classe mais elevada, os senhores lavarem sempre as mãos, frente aos convivas e já à mesa, antes das refeições. Nas latrinas medievais existentes nos mosteiros existia sempre um certo pudor devido à latente promiscuidade. As latrinas eram comun, mas só era possível entrar lá com a cabeça coberta (excepto os mais novos que só a cobriam quando já sentados) e digamos que as latrinas eram locais de convívio nocturno. Mas voltando ao domínio palaciano, podemos dizer que por volta do século XVI as latrinas comuns desaparecem dos palácios dando vez às cadeiras furadas. As cadeiras furadas eram, para os monarcas, o trono alternativo, o trono de "quando a vontade apertava". Eram cadeiras normais que estavam furadas no assento e em baixo, posicionado na direcção do furo, encontrava-se aquilo que os romanos designavam por dolia curta; ou seja, um pote, um penico para a urina e para as fezes. Mas os reis não estavam sozinhos quando defecavam: recebiam na cadeira furada e olhem que era uma honra para qualquer pessoa ser recebido pelo rei quando este estava na cadeira furada a fazer as suas necessidades fisiológicas. Muitos monarcas foram mesmo assassinados assim pois estavm impotentes perante o assassino. Nenhum rei iria erguer-se da sua cadeira furada, com os calções bufantes a arrastar pelos tornozelos, com o rabiosque sabe-se lá em que estado, e defrontar o inimigo vestido, armado e sem vontade de urinar! E cabia aos aios limpar o rabiosque real com folhas de árvores, musgo, algodão ou flanela para os mais afortunados. Não se aconselhava folhas de eucalipto que deixava o "respectivo" em brasa. Ah pois é! 
No Renascimento este pudor aumenta de uma forma muito evidente primcipalmente no que concerne à pintura. Vejamos que nem a Idade Média cobre as partes pudibundas dos seus frescos e estátuas como o Renascimento. Os portais de muitas catedrais europeias têm mais cenas eróticas e de nu que muitas piunturas do Renascimento que cobriu o sexo com panos e achava indecente que uma mulher mostrasse mais que os seios. A nudez não é aplicada a pessoas de carne e osso, mas a seres mitológicos e bíblicos. Leonardo da Vinci que serviu a corte de Ludovico alertou o seu amo para a necessidade dos convivas não urinarem nos cantos da sala onde ía ser servida a refeição. Sim, essa era uma prática comum: Nos jantares os criados bem passavam com os bacios, mas era de mau tom pedir para usá-los ates de ir para mesa para não atrasar a refeição. Quando havia poucos bacios e criados e muitos convidados com vontade de urinar, urinava-se onde era possível: atrás dos cortinados, na lareira, nas varandas... Henrique III de França ordena aos seus criados para limparem o castelo todos os dias antes do monarca acordar, tal é a porcaria. Henrique IV proíbe que se defeque ou urine nos quartos do palácio, ordem que não tem efeitos imediatos. Luís XIV mudava frequentemente de palácio para fugir ao cheiro nauseabundo das suas habitações. Era costume a corte defecar e urinar em qualquer local dentro do palácio e não obsatante o grande número de quartos, chegava a uma determinada altura que era impossível fazer as necessidades num sítio que não estivesse já "ocupado". Por isso era necessário mudar ir para outro palácio enquanto Versailhes era limpo. 

Quanto ao cidadão comum, fazia a mesma coisa. Um homem ou mulher a quem desse vontade de fazer as suas necessidade, fazia-as (o ratochino manda um beijinho) em qualquer lugar: na rua, frente a uma igreja, à porta de uma casa. E as senhoras apanhadas desprevenidas também se aliviavam no meio da rua, onde desse, sem xaile a proteger ou guardas a fazer uma cerca. Havia quem se queixasse e havia quem achasse uma grande liberdade poder fazer as suas necessidades no meio da rua, onde lhe aprouvesse. As senhoras que íam à igreja já começavam a ficar um pouco agastadas por não poderem, como os homens, urinar de pé e por isso levavam, quando saiam para a missa o seu próprio bacio. Como a roupa interior era escassa e muitas pessoas das classes mais baixas nem a usavam, muitas mulheres urinavam de pé. Essa era alías uma prática comum até há pouco tempo e diz-se que as mulheres ciganas ainda urinam de pé, no meio da rua graças às suas saias compridas às quais depois podem limpar-se. Quanto aos flatos, era de bom tom tossir para disfarçar o barulho. (É por isso que fico muito desconfiada quando vou à ópera!)
Com a entrada na Modernidade as classes com mais dinheiro começaram a associar o acto de defecar e urinar ao de tomar banho ou arranjar-se e por isso, mas também por uma questão de comodidade, as latrinas passam a fazer parte da casa-de-banho que é interior. O senhor e a senhora podem agora estar no mesmo espaço físico enquanto um deles se alivia numa linda imagem de promiscuidade. Ou intimidade, depende. Na rua a alternativa ao fazer de pé ou agachado em qualquer sítio é o sanitário público que logo caiu em desgraça por ser sinónimo de promiscuidade.

"Inter facces et urinam nascimur", disse Santo Agostinho. Pois, mas quando a escrevemos, pelo menos não cheira, como dizia Roland Barthes. E para este novo ano, muita m**** que é como quem diz: bom ano novo e com muita sorte.     
  
*embora a Escatologia possa ser uma coisa completamente diferente.
eh pá, sinto-me tão triste, que tinha de o escrever
- o carteiro -


Honoré Daumier
Caricaturana "Les
Robert- Macaire"
1839


“- Você é banqueiro Sr?
- Sim Senhor, eu faço um banco, e que famoso! Ouso dizer-lhe que faço o Banco do Comércio de Beaucaire, com capital de 4 milhões, a minha alta capacidade, a minha honestidade, os meus conhecimentos financeiros, são uma garantia do maior sucesso, assim as acções são disputadas, há quem se bata para ter algumas, mas não há mais, estão todas vendidas…
- Melhor assim! Senhor, ser-lhe-á mais fácil pagar esta carta de câmbio de cem Écus pela qual posso prendê-lo…
- (estupefacto) Pulha! É diferente… Então, Senhor, a verdade verdadeira, é que não tenho dinheiro, não tenho a primeira moeda… Mas espere um pouco, a primeira acção a ser vendida é para você.”