- o carteiro -
post escatológico*
Estava a reler a História do Pudor de Jean Bologne quando descobri uma curiosidade sob a forma como os antigos encaravam os se4us escrementos, o lixo que produziam e que vinha dos prórorios, isto tendo em conta a forma como se livravam dele. Era comum comer frente aos outros, mas seria comum defecar e urinar frente aos outros? Os Gregos achavam bizarros os costumes egípcios: comiam na rua, mas satisfaziam as suas necessidades fisiológicas em casa, o que quer dizer que para estes o que era vergonhoso ao corpo tinha de ser privado do olhar alheio, mas as necessidades de outra ordem podem ficar à vista de todos. Os Gregos, como podemos depreender, faziam exactamente o contrário: defecavam e urinavam no exterior, fora de casa, mas comiam em casa. A Cloaca Maxima, ou rede de esgotos construída em Roma em parte devido aos hábitos vindos dos Gregos, era o espelho de uma sociedade que se preocupava com a limpeza do corpo, mas que o fazia em comunidade, tanto como fazia em comunidade a limpeza da alma (corpo sano, mente sana). Assim era possível ver homens a conviver nas piscinas públicas que funcionavam por três fases de banho (frigidarium, caldarium e tepidarium), bem como nas latrinas públicas. Nos banhos faziam negócios, nas latrinas públicas fazia-se conversa e esperava-se ser convidado para o serão em casa de X ou Z. Além disso a urina tinha outro papel: como continha amoníaco (em contacto com o ar liberta amoníaco), era utilizada para lavar peças de roupa o que fazia com que as pessoas, por mais que se lavassem, nunca cheirassem bem. Mais tarde os celtas inventaram os sabão feito de gordura animal e cinzas e já na Idade Méda alguém teve o bom senso de adicionar essências e pétalas de flores.
O costume de partilhar com desconhecidos o espaço físico para fazer as necessidades fisiológicas durou até à Revolução Francesa, pelo menos em França. Mas até aí, muito foi o que se passou na História da Escatologia que passo a referir brevemente se tal não vos enojar para primeiro dia do ano. Pelo menos fica dito já, para depois uma pessoa não andar com m*****. Na Idade Média, por exemplo, a questão dos excermenteos era muito ambígua. Até se costuma dizer que a atribuição da denominação "Idade das Trevas" está desactualizada pois nessa altura muitos foram os mecanismos criados para dar mais conforto à vida das pessoas. Em termos de higiene era comum, entre a classe mais elevada, os senhores lavarem sempre as mãos, frente aos convivas e já à mesa, antes das refeições. Nas latrinas medievais existentes nos mosteiros existia sempre um certo pudor devido à latente promiscuidade. As latrinas eram comun, mas só era possível entrar lá com a cabeça coberta (excepto os mais novos que só a cobriam quando já sentados) e digamos que as latrinas eram locais de convívio nocturno. Mas voltando ao domínio palaciano, podemos dizer que por volta do século XVI as latrinas comuns desaparecem dos palácios dando vez às cadeiras furadas. As cadeiras furadas eram, para os monarcas, o trono alternativo, o trono de "quando a vontade apertava". Eram cadeiras normais que estavam furadas no assento e em baixo, posicionado na direcção do furo, encontrava-se aquilo que os romanos designavam por dolia curta; ou seja, um pote, um penico para a urina e para as fezes. Mas os reis não estavam sozinhos quando defecavam: recebiam na cadeira furada e olhem que era uma honra para qualquer pessoa ser recebido pelo rei quando este estava na cadeira furada a fazer as suas necessidades fisiológicas. Muitos monarcas foram mesmo assassinados assim pois estavm impotentes perante o assassino. Nenhum rei iria erguer-se da sua cadeira furada, com os calções bufantes a arrastar pelos tornozelos, com o rabiosque sabe-se lá em que estado, e defrontar o inimigo vestido, armado e sem vontade de urinar! E cabia aos aios limpar o rabiosque real com folhas de árvores, musgo, algodão ou flanela para os mais afortunados. Não se aconselhava folhas de eucalipto que deixava o "respectivo" em brasa. Ah pois é!
No Renascimento este pudor aumenta de uma forma muito evidente primcipalmente no que concerne à pintura. Vejamos que nem a Idade Média cobre as partes pudibundas dos seus frescos e estátuas como o Renascimento. Os portais de muitas catedrais europeias têm mais cenas eróticas e de nu que muitas piunturas do Renascimento que cobriu o sexo com panos e achava indecente que uma mulher mostrasse mais que os seios. A nudez não é aplicada a pessoas de carne e osso, mas a seres mitológicos e bíblicos. Leonardo da Vinci que serviu a corte de Ludovico alertou o seu amo para a necessidade dos convivas não urinarem nos cantos da sala onde ía ser servida a refeição. Sim, essa era uma prática comum: Nos jantares os criados bem passavam com os bacios, mas era de mau tom pedir para usá-los ates de ir para mesa para não atrasar a refeição. Quando havia poucos bacios e criados e muitos convidados com vontade de urinar, urinava-se onde era possível: atrás dos cortinados, na lareira, nas varandas... Henrique III de França ordena aos seus criados para limparem o castelo todos os dias antes do monarca acordar, tal é a porcaria. Henrique IV proíbe que se defeque ou urine nos quartos do palácio, ordem que não tem efeitos imediatos. Luís XIV mudava frequentemente de palácio para fugir ao cheiro nauseabundo das suas habitações. Era costume a corte defecar e urinar em qualquer local dentro do palácio e não obsatante o grande número de quartos, chegava a uma determinada altura que era impossível fazer as necessidades num sítio que não estivesse já "ocupado". Por isso era necessário mudar ir para outro palácio enquanto Versailhes era limpo.
Quanto ao cidadão comum, fazia a mesma coisa. Um homem ou mulher a quem desse vontade de fazer as suas necessidade, fazia-as (o ratochino manda um beijinho) em qualquer lugar: na rua, frente a uma igreja, à porta de uma casa. E as senhoras apanhadas desprevenidas também se aliviavam no meio da rua, onde desse, sem xaile a proteger ou guardas a fazer uma cerca. Havia quem se queixasse e havia quem achasse uma grande liberdade poder fazer as suas necessidades no meio da rua, onde lhe aprouvesse. As senhoras que íam à igreja já começavam a ficar um pouco agastadas por não poderem, como os homens, urinar de pé e por isso levavam, quando saiam para a missa o seu próprio bacio. Como a roupa interior era escassa e muitas pessoas das classes mais baixas nem a usavam, muitas mulheres urinavam de pé. Essa era alías uma prática comum até há pouco tempo e diz-se que as mulheres ciganas ainda urinam de pé, no meio da rua graças às suas saias compridas às quais depois podem limpar-se. Quanto aos flatos, era de bom tom tossir para disfarçar o barulho. (É por isso que fico muito desconfiada quando vou à ópera!)
Com a entrada na Modernidade as classes com mais dinheiro começaram a associar o acto de defecar e urinar ao de tomar banho ou arranjar-se e por isso, mas também por uma questão de comodidade, as latrinas passam a fazer parte da casa-de-banho que é interior. O senhor e a senhora podem agora estar no mesmo espaço físico enquanto um deles se alivia numa linda imagem de promiscuidade. Ou intimidade, depende. Na rua a alternativa ao fazer de pé ou agachado em qualquer sítio é o sanitário público que logo caiu em desgraça por ser sinónimo de promiscuidade.
"Inter facces et urinam nascimur", disse Santo Agostinho. Pois, mas quando a escrevemos, pelo menos não cheira, como dizia Roland Barthes. E para este novo ano, muita m**** que é como quem diz: bom ano novo e com muita sorte.
3 Comments:
belo!
.
.
.
mas se for ao Bairro Alto, em muitas ruas, verá que há coisa que não mudaram...
é como diz o joão barbosa
no último domingo vi um a mijar na berma do auto-estrada
achei que tinha qualquer coisa de choque urinário... muito mais moderno que faze-lo na berma da estrada (IP)
também vi certa vez, mas isso foi na televisão, como é que era feita a higiene diária dos soldados romanos...
e é por isso e por estar para aqui no seu blogue, que eu agradeço ao senhor, do fundo meu coração, ter nascido neste cú da europa à porta do último quartel do sec. XX
Caro João Barbosa:
não sei se será assim muito belo. já vi coisas mais bonitas! e na ribeira e restantes ruas estreitinhas? se aquilo fosse só amoníaco, eram as ruas mais limpas do país!
Caro AM:
o que gosto mesmo é quando dizem às criancinhas para fazer chichi num cantinho, entre dois caros, encostados a um muro, em plena cidade.
Enviar um comentário
<< Home