sexta-feira, janeiro 09, 2009

- o carteiro -

Pode o crítico do Expresso deixar-se de excesso e tirar uma estrela na sua avaliação?
Suplemento Actual do Jornal Expresso de 3 de Janeiro de 2009, página 20: o Expresso dedica uma página à exposição de Vieira da Silva “A Intuição e a Estrutura de Torres Garcia a Vieira da Silva”, patente no CCB desde o dia 4 de Dezembro e que por ali ficará até 15 de Fevereiro. Tinha visto a exposição já há algum tempo e concordo que embora seja uma exposição relevante não mereça as cinco estrelas. Mas também não merece as quatro. Começa pela localização dentro do CCB: uma exposição com tal importância não pode ficar relegada para um vão-de-escada. Não é um vão-de-escada, bem sei, mas quando se descem as escadas quase nada indica a presença da exposição. Passa pela informação e este é um aspecto importante: quem entra no espaço não tem, nem à direita nem à esquerda qualquer obra, mas sim frente a si. Ora quando se dirige para lá, o visitante tem atrás de si os folhetos de informação da exposição que estavam colocados no suporte, na parede do lado direito, quem entra. Quer isto dizer que pode percorrer a exposição toda sem qualquer suporte. Como esta também não é paga, é natural que o visitante não se dirija ao balcão e por isso entra sem informação e só mesmo à saída a obtém. É um erro crasso, algo imperdoável em montagem de exposições.


Lá dentro podemos encontrar, a muito custo, dois folhetos: um (como referido), à saída, no suporte próprio, dobrado em 3 partes com texto em português e inglês e 8 imagens de obras presentes na exposição. O outro, já lá dentro (que por acaso tirei da cadeira vazia de um vigilante), dobrado em 2, formato A4, texto em português e 8 imagens de obras em exposição. Em comum os dois folhetos têm o conteúdo (o texto é igual cambiando apenas a ordem de alguns termos) e as imagens. Logo não se compreende o porquê dos dois folhetos. Num dos folhetos lemos: “A consonância entre 2 obras é, antes de mais nada, sensível e intuitiva”. E mais à frente: “Assim, procurar na jovem Vieira da Silva influências daquele que ela considera o seu mestre, seria tomar um caminho falso”. [Discordo, mas adiante]. Porém, somos em seguida confrontados com o seguinte: “Mas ambicionamos também tornar possível a cada um ler na pintura de Vieira da Silva a complexidade das influências e a transformação das influências na sua própria obra a um tempo tão secreta e tão determinada”. Este é o tipo de discurso que ficaria bem a Della Robbia: é “tondo”porque completa um círculo chegando ao mesmo sítio de onde partiu. Nos momentos em que se torna claro, quer pelo texto, quer pela exposição, que há de facto uma ligação entre Vieira da Silva e Torres-Garcia, é quando os dois se afastam pois as suas semelhanças (que não podemos procurar segundo o folheto), não estão suficientemente fundamentadas para nos converter.


Por maior boa vontade que qualquer um de nós tenha, por melhor informado que seja, por mais actualizado que se mostre ou por mais conhecedor de arte que se revele, é praticamente impossível deslindar a lógica por detrás da escolha de determinadas obras em detrimento de outras e porquê a confrontação de certas obras de Vieira da Silva com outras de Torres Garcia, sendo notório que não existe entre elas ligação cronológica, nem temática, nem técnica. Não há ligação entre as obras expostas: entre obras do mesmo artista, talvez exista, mas não é esse o objectivo da exposição. Encontrei-as na repetição de símbolos em Torres-Garcia e da mesma desconstrução figurativa em Vieira da Silva, mas não há relação entre as semelhanças de um e as semelhanças de outro. A excepção dá-se no primeiro “quarto”, onde a obra “Enigma” da pintora portuguesa fica frente-a-frente com uma obra de temática semelhante de Torres Garcia. (Já vi a exposição há algum tempo, não fixei o nome das obras). O próprio título da exposição peca por uma ambição inconsequente, ou na pior das hipóteses, por uma ingenuidade premeditada, uma vez que tudo fica por conta da nossa Intuição e o resto fica por conta da Estrutura mental de quem concebeu a exposição.


Como diria Pierre Francastel: “A conciliação é fácil no plano das ideias vagas”.