sexta-feira, janeiro 30, 2009

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou como "isto não é um “antes e depois”, ou como, "quer dizer, isto podia ser um “carteiro” porque as pinturas datam do mesmo ano, não se sabe qual delas foi realizada primeiro e porque são do mesmo pintor. Ora meus amigos, tudo isso já aconteceu no passado aqui no Belogue: autores que repetiam partes de quadros de sua autoria, quadros com pequenas alterações pintados no mesmo ano ou com diferença de poucos anos… Mas esta situação é inédita (eu sei, com o Belogue é só novidades e o “camandro”, só coisas bonitas e cheirinhos…). Fazendo de conta que o Peasant Wedding é o primeiro e o Peasant Dance se lhe seguiu (até podia ser porque primeiro come-se e bebe-se e só depois se dança e até porque os dois quadros têm dimensões semelhantes e pensa-se que tenham feito parte de uma série), e isolando uma das personagens como mostram as figuras aqui em baixo, dir-se-ia que Bruegel tem uma fixação por tocadores de gaitas-de-foles, que nos Países Baixos teria concerteza outro nome.

O primeiro quadro fala, como todos os quadros de Bruegel, da vida das pessoas comuns, das pessoas que constituíam o meio onde o artista se movia: eram pessoas simples e pobres, algumas com deficiências, muito ligadas às tradições, religiosas, mas ao mesmo tempo, de uma inocência inconsequente. Para além da (não óbvia) celebração de um casamento, a pintura supera a barreira demonstrativa e assume uma dimensão moral uma vez que no meio da confusão, a alegria do ócio de que os pobres e trabalhadores podiam gozar muito raramente anula o sagrado sacramento do matrimónio. Isto é o mesmo que dizer que o profano se ufana perante o sagrado. Nas suas alegorias Bruegel representa muitas vezes monstros para retratar, segundo o seu objectivo, vícios ou virtudes, ou pecados. Aqui optou por embrutecer as figuras humanas retratando-as como pessoas auto-indulgentes, ociosas, mas tudo isto com o humor que caracteriza as suas pinturas. A boda tem lugar num estábulo e a divisória que serve de pano de fundo (que não cobre a parede de alto a baixo) serviria para fazer a separação entre os convidados e uma zona para guardar lenha ou alimento e cama para os animais. Como se pode ver, alguns animais andam por ali, como por exemplo, a cabra debaixo da mesa. O local está cheio e todos parecem estar a passar um bom bocado. Prova disso é que os convidados não param de chamar os serventes à mesa, pedem vinho e comida e a azáfama é grande. A animação tanto deveria, naquele tempo, ficar a cargo do vinho como do tocador de gaita de foles que me confunde um pouco pois ainda não percebi se o homem está perdido ali no meio, se espera um pedido especial de algum dos convivas ou se se sente deslocado. Isolado tal como a figura o mostra, vê-se que o tocador de gaita-de-foles tanto poderia estar naquela festa como em qualquer outra.

O mesmo acontece com o tocador de gaita-de-foles do Peasant Dance. Caso o isolássemos da forma anterior, obteríamos a imagem de um homem sem contexto, que tanto poderia estar a tocar vertiginosamente para animar o casamento de uns pobres na aldeia, como poderia estar a fazê-lo na corte. O cenário à sua volta e as pessoas, isso não poderia fazer parte de uma cena de corte: nota-se a forma efusiva como as pessoas correm para a dança. Fazem-no sem ordem, sem esquema. O homem que toca gaita-de-foles, com outro traje poderia tocar numa festa mais grandiosa. Aliás, ele parece nem pertencer ao local onde está, uma vez que se notam alguns pares já a dançar quando aquele que está em primeiro plano avança, mas a música parece vir de mais longe, dos planos mais remotos da pintura. Obviamente, não há correspondência formal e directa entre os dois tocadores de gaita-de-foles, mas o facto de aparecerem desgarrados das pinturas onde estão inseridos não deverá ser facto de somenos importância:”

Pieter Bruegel, the Elder
Peasant Wedding
c. 1567
Kunsthistorisches Museum, Viena


Pieter Bruegel, the Elder
The Peasant Dance
c. 1567

Kunsthistorisches Museum, Viena

3 Comments:

Blogger João Barbosa said...

desculpem lá, oh srª draª Beluga, mas este vou ler amanhã de manhã... tombo de sono... isto da idade!...
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Darei notícias assim que possível

30/1/09 12:31 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

um tocador de gaita-de-foles, ou gaiteiro, se assim o preferir, é sempre a estrela da festa e do baile. imprescindível e
indispensável. sozinho faz uma festa.
a gaita sempre foi um instrumento mais ou menos endemoninhado, curiosamente presente em meio mundo, e sempre com um grande protagonismo em todas as ocasiões em que é tocado. eu associaria o carácter indomável e animal da gaita àqueles aspectos que referes acerca do povo.

no casamento, estão dois gaiteiros - vê-se a extremidade superior de outra gaita, tocada pelo sujeitinho de verde que está ao lado. o principal está efectivamente a olhar perdido no infinito, mas o coleguinha aparentemente toca com afinco!
diz a sabedoria popular que um gaiteiro e a sua gaita só tocam bem quando bem "molhados" com pinga. daí a proximidade à mesa? e no baile da aldeia, a oferta do cântaro?
não me parecem desgarrados os músicos. parecem-me quase as figuras centrais das pinturas.

30/1/09 11:18 da manhã  
Blogger Belogue said...

CAro João Barbosa.
então, já dormiu tudo? Eu sei que o post não era uma maravilha, but you got to work it!

Cara Ana.
não desminto uma vírgula, a especialista com as gaitas e com restantes instrumentos musicais és tu. Aliás, devíamos conversar para me contares o que andas a fazer.(podia enviar-te um mail, mas não é a mesma coisa)
Mas só tenho a dizer, em minha defesa e em defesa do pintor que estar no centro da pintura não significa ser a pintura central da pintura. Assim isoladas, com um filtro do photoshop parecem mais no centro, mas podem não ser centrais. E acrescento que em ambas, os dois músicos não estão com o resto da banda. Se tocam melhor com a "pinga", isso é com eles, mas não estão no sítio certo. Ora isso poderia fazer deles figuras centrais, mas a verdade é que tanto num caso como no outro se dá mais atenção à noiva e ao homem que conversa com o noivo do que ao gaiteiro. No segundo caso dá-se importãncia ao noivo que vai a correr e pisa uma cruz que está desenhada no chão como se estivesse desde logo a quebrar os votos matrimoniais que tinha feito.
É só uma opinião. Depois do teu comentário acho que os tocadores de gaita de foles do país merecem um post.

3/2/09 12:44 da manhã  

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