segunda-feira, outubro 19, 2009

- o carteiro -

vamô dá um tempo, tá légau?

quinta-feira, outubro 15, 2009

- original soundtrack -

See these eyes so green
I can stare for a thousand years
Colder than the moon
It's been so long
And I've been putting out fire
With gasoline

Feel my blood enraged
It's just the fear of losing you
Don't you know my name
Well, you been so long

See these eyes so red
Red like jungle burning bright
Those who feel me near
Pull the blinds and change their minds
It's been so long

Still this pulsing night
A plague I call a heartbeat
Just be still with me
Ya wouldn't believe what I've been thru
You've been so long
Well it's been so long
And I've been putting out fire with gasoline
putting out fire
with gasoline

See these tears so blue
An ageless heart that can never mend
These tears can never dry
A judgement made
can never bend
See these eyes so green
I can stare for a thousand years
Just be still with me
You wouldn't believe what I've been thru

You've been so long
Well, it's been so long
And I've been putting out fire
with gasoline
putting out fire with gasoline

(Cat People (Putting out fire), David Bowie)
- não vai mais vinho para essa mesa -

Jornalista da SIC sobre o concurso “Miss Cirurgia Plástica” realizado na Hungria (Jornal da Noite de 10/10/09)
“A vencedora irá levar para casa um apartamento.”

[e onde é que ela o põe?]
- o carteiro -
Quando um não quer, dois não pecam – Procriação IV
Após os progenitores terem feito “aquilo que Deus mandou”, mesmo aqueles que fizeram de uma forma que Deus desconhecia ou antes do tempo ordenado por Ele, vinha a gravidez. Na Antiguidade a gravidez era vista como uma expressão da Natureza: tal como a Terra guardava a semente e expulsava-a em forma de flor ou de fruto chegada a altura, as mulheres incubavam o ser durante nove meses. Para os gregos e romanos a presença de deusas (como Artémis/Diana) ajudavam a proteger o embrião e a afastar os maus espíritos (Lembram-se de termos falado de Litith) embora com o tempo – por volta do século IV-V a.C. o racionalismo de Hipócrates tenha colocado freio ao delírio que rodeava os tempos de incubação. Mas apesar de a gravidez ser algo natural e que deveria seguir o seu curso normal, a gravidez podia ser diagnosticada. Hipócrates, que podia ter boas máximas, mas não me parecia ser grande médico, apoiava o teste do alho na vagina que consistia em introduzir um alho húmido na vagina de uma mulher e deixá-la com o “tempero” toda a noite. Se pela manhã o cheiro a alho for expelido do corpo da mulher pela boca ou pelo nariz, a mulher estava grávida. Se nada acontecesse, a mulher não estava grávida. Outro método prescrito pelo médico grego para conhecer o estado da paciente era dar a beber à mulher uma mistura de água e mel. Se a senhora tivesse qualquer reacção na zona do ventre, então estaria grávida.
Nos conturbados, mas não obscuros tempos da Idade Média, a gravidez dentro do âmbito marital, respondendo às predisposições divinas, e fruto do respeito conferido pelo lençol que intermediava os corpos com a sua concuspicênciazinha na pequena abertura estratégica, era até bem visto. Cumpria-se a vontade de Deus Nosso Senhor que nos havia pedido há muito que crescemos e nos multiplicássemos, mesmo que muitas das mães o fossem antes de terem largado a manietação das bonecas e a pequena carnatura que molda os cantos da boca na infância. Assim, era possível que aos 26 anos, mais para a frente ou mais para trás, e não obstante o número vasto de vulvas a soldo de que um marido se podia servir, o aparelho reprodutor feminino estivesse lasso, gasto, e de pouco prazer para esposa e esposo. As mezinhas e as benzeduras que botariam crescedura ao crianço não eram bem vistas pela Igreja, mas ninguém as dispensava e no fundo conviviam como comadres. Incompreensível era o dito das entidades eclesiásticas às futuras mães: a gravidez era algo natural, era o destino da mulher e por isso deveria ser evitada a interferência das curandeiras, mas ao mesmo tempo… a gravidez era o castigo celeste pela incontinência voluptuosa de Eva. Pensava-se nesta época que a gravidez podia ser adivinhada quase e que se consumava no acto sexual. Para tal era necessário que existisse por parte do corpo da mulher um frémito de prazer durante o coito (que não era visto como prazer, mas como prenúncio de felicidade futura), que o homem retraísse o seu membro e que este ficasse mirrado e por fim, que a mulher não tivesse mais desejo sexual pelo homem em questão durante o resto da noite, estando o seu corpo já a fechar-se para a preparação do ser que iria albergar. Lá dentro, e enquanto homem e mulher dormiam de costas voltadas, já tudo estava decidido. Eu acho bem, mas também acho que por esta ordem de ideias a nossa taxa de natalidade seria muito mais elevada. A observação da possível gravidez através da urina era coisa já antiga, mas não com as tecnologias actuais. Lançar a urina, durante três dias seguidos, três manhãs consecutivas, sobre uma malva. Se a planta não morresse, a mulher estaria grávida. Outra teoria defendia que a urina deveria ser deixada uma noite dentro de um pote metálico onde deveriam repousar igualmente alfaias de ferro. Se na manhã seguinte estas aparecessem manchadas de vermelho, a mulher estava grávida. Vemos isto nesta pintura de Rogier van der Wyden, “Virgin with the Child and Four Saints”. Do lado direito da pintura (esquerdo da virgem), dois santos acompanham esta cena. São eles são Cosme e São Damião, santos patronos dos médicos e farmacêuticos. São Cosme segura numa das mãos um pote de vidro com uma pequena amostra de um líquido que se pensa ser urina, como que a atestar cientificamente que a Virgem trouxe no seu ventre o menino. Os cultores de urina agitavam à luz do sol a urina para verem o cambiante das suas cores, podendo adivinhar logo se a mulher estava de esperanças, se a criança era do sexo feminino ou masculino e até, se teria outras doenças. Não que a gravidez seja uma doença (às vezes parece uma praga a avaliar pela quantidade de barrigas que nos atiram à cara), mas naquela altura era considerada uma doença. Mas a melhor teoria médica para executar um teste caseiro de gravidez é, na minha opinião, aquele que aconselha o repouso durante três dias e à sombra de um frasco de vidro contendo a urina da mulher. Quando coado através de um pano fino branco a gravidez fica assegurada se no mesmo ficarem alguns bichinhos. Lá está, o Preformismo.
Gerrit Dou
The Dropsical Woman
1663
Musée du Louvre, Paris


Santo Constantino, o Africano


Rogier van der Weyden

Virgin with the Child and Four Saints
1450-51
Städelsches Kunstinstitut, Frankfurt

Após conhecer o resultado do exame urológico e caso este tivesse resposta positiva, os casais desejavam saber o sexo da criança, coisa que se impunha e que podia fazer a diferença em certas uniões. Alguns casamentos só eram legitimados quando a esposa desse ao seu esposo um filho macho, um varão. Até aí, e caso o marido decidisse, esta seria repatriada para o seio paterno. Ora como os filhos do sexo masculino eram muito desejados, era natural as teorias e as práticas para adivinhar o sexo da criança beneficiassem mais na sua análise os homens que as mulheres. Hipócrates por exemplo dizia que o rapaz se mexia mais cedo que a rapariga e outros médicos, botânicos, farmacêuticos e espalha brasas diziam que sendo o feto masculino a mulher se sentia bem, com boa cara, bem disposta, com apetite e feliz. Há também uma teoria, que permanece até hoje que coloca o feto feminino a crescer para o lado esquerdo do corpo da mãe e o masculino a crescer para o lado direito. Obviamente isto tinha uma explicação muito cara aos homens: como a maior parte das pessoas era destra, dizia-se que o lado direito do corpo era mais hábil, e desenvolto, logo, um ser do sexo masculino teria de nascer nesse lado e herdar dele as características. Outro teste determina ainda o sexo e o número de filhos que a mulher vai ter. Ainda hoje se pratica e chama-se jogo do pêndulo e que consiste em fazer balançar sobre a barriga de uma grávida um pêndulo (há quem faça com uma simples agulha que balança no fio). Se este pêndulo se mover de forma circular, será uma rapariga (alusão unívoca!). Se pelo contrário o pêndulo tiver um movimento de vai-vem, é um rapaz.


gravura do século XIX

Se a mulher esperava uma menina a ordem cósmica fazia dela uma sofredora no parto e na gestação, coisa muito merecida por virtude do despautério de Eva, a prostituta do Éden. Tudo quanto fosse enjoo, desejo estranho e histerismos dos quais a grande parte das mulheres tirava grande proveito, excepto as menos aptas intelectualmente. Caberia à mulher o trabalho de durante esses nove meses munir-se de uma lista extensa de desejos e desenrolá-la como uma língua na pastelaria, no chapeleiro, na modista, na luvaria, ou frente ao marido à noitinha e com a alça da camisa a fugir virginalmente do ombro macio e em gancho. As que o Senhor tinha dotado de outros atributos que não a inteligência (e digamos, neste caso da camisa, de beleza), teriam que se haver com alguns “nãos”, raros, quase inexistentes face à crença universal que quem falava não era a mãe, mas a criança e que esta, se privada de algo, nasceria com defeito impresso na pele como um selo ou como a marca de um ferro quente. E os desejos poderiam ser muitos, sendo que aqueles que mais facilmente se aceitavam eram os de ordem alimentar, embora nem tudo aquilo que as mulheres colocavam à boca fosse propriamente comestível como aranhas, urina, areia, cabelos, ferro, etc… segundo o retrato da época. Havia também desejos de roubar, de vandalizar ou de maltratar, desejos esses que deveriam ser satisfeitos sob pena de a mulher transmitir aos filhos a carência. Acredito que muitas grávidas terão exagerado nesta parte como forma de vingançazinha.
Já no século XVIII e com a ascensão de uma consciência médica e consequente aprofundamento, a gravidez foi sendo desmistificada aos poucos e poucos. No entanto prevaleciam algumas teorias – que quase sempre conferiam à mulher, fosse qual fosse o mal, o mesmo diagnóstico - de sofredora militante de histerismo crónico e milenar. A ciência havia descoberto muito quanto ao nascimento em si, mas pouco quanto aos desejos femininos, aos seus anseios e às necessidades do feto dentro da incubadora. Ora foi também por esta altura que o Homem – que cria a doença e acha a cura – inventou um torturante e dissuasor aparelho de nome fórceps que no entender da mãe iria ajudar ao nascimento, mas que no entender do médico, cada vez mais chamado para ver a vagina em dilatação em detrimento das carcaças sabidas, mas caciqueiras das parteiras de serviço que ordenavam mais ou menos dores à parturiente quanto os seus ouvidos fossem capazes de aguentar ou quanto a condição do nascido a isso obrigasse, era apenas uma forma de fazer do nascimento um negócio.

Louis Léopold Boily
The Second Month
1825

Durante a época vitoriana a moda espartilhada e ataviada atrapalhou, se não a concepção, pelo menos a gestação. As mulheres, muito deformadas pelos ditames da moda, eram como pombas de coração acelerado e por isso, muito pouco úteis na nobre e animalesca tarefa de parir um saudável varão. Apesar dos conselhos médicos de algum exercício físico, as pobres almas não primavam pela sensatez e muitas vezes, as mais afoitas que se aventuravam a fazer um pequeno movimento, por ausência do mesmo durante toda a vida, acabavam por sofrer abortos. Daí que a questão do exercício físico e do papel activo da mulher durante o tempo de gestação tenha sido sempre desconsiderado. E quem engravidada, privada que era de uma vida social cheia do rumorejar de saiotes, rendas e dos bordões dos homens nas crinolinas, tinha que se recolher no recesso do lar, onde o que a esperava eram somente os bibes e um tricot canónico esquecido entre os livros e os suspiros de que o diz chegasse rapidamente. Isto acontecia porque as mulheres se viam desposadas do uso da sua bonita roupagem, dos seus trajes elegantes, até porque ainda não existia uma moda para grávidas, não existia a roupa propositadamente feita para mulheres grávidas e elas escondiam sob um corpete, e até aos limites do aceitável, a barriga que crescia. Havia uma vergonha declarada em estar grávida, assim como existia uma conduta protocolar de distanciamento entre mãe e filho. A panaceia de mulher grávida era um aro ou um cinto de couro que passava pela nuca e por baixo da barriga, para segurá-la.

gravura do século XVI
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Antes e depois ou na continuidade do post sobre a futilidade. Obviamente que ser fútil não é gostar de moda. Na minha opinião a futilidade implica sempre comparação e nessa comparação há uma impossibilidade de resolução. Uma vez que a possibilidade insiste nos nossos gostos, apenas se pode dizer que gostar de X ou de Y é absolutamente fútil quando comparado com Z. Ora, como os gostos se devem discutir, ao mostrar os meus gostos vou ser avaliada pelos outros que farão com eles a comparação acima descrita. Mas como cada um ajuíza de forma diferente (excepto nos casos extremos e mesmo assim, tenho vista muita coisa), não há solução de gosto. O gosto e a premência nem sempre combinam e dentro do gosto, assim como dentro da premência, há várias ordens de importância.
Apresento um post sobre a moda e sobre Dali. Da primeira gosto, do segundo não. Mas era coisa que se impunha. Depois de ver o livro “Moda e Surrealismo” e de me deparar com a obra de Elsa Schiaparelli, uma estilista italiana muito influenciada pelo Surrealismo, notei a semelhança entre muitos dos seus modelos e alguns quadros, principalmente de Dali. Um deles é este casaco com bolsos estrategicamente posicionados. Digo “estrategicamente” porque é muito semelhante à Vénus de Dali e ao pormenor da mulher que se encontra em primeiro plano no quadro “Girafa em chamas”. Como já disse, não gosto nada de Dali, mas estive a ler que Dali interessava-se por moda e atribuía-lhe um sentido paradigmático: a moda condicionava as acções dos homens ou antecedia-as. Quando na Segunda Guerra Mundial os tecidos escassearam, Chanel teve de fazer vestuário com os tecidos usados na roupa interior e usados nas fardas dos soldados (Lagerfeld reviveu isso nos anos 90 ao fazer desfilar modelos vestidas com tailleurs feitos de turco). Quando a Alemanha mostrou ao mundo o seu poder, um dos principais veículos da sua mensagem foi o uniforme da polícia alemã que contrastava com a pobreza dos uniformes dos aliados. Era algo intimidatório, que merecia respeito e medo, mesmo que não se concordasse com o regime. Mas a moda e principalmente a roupa está associada ao seu receptáculo, ao seu contentor (uma vez que moda é muitas vezes desprovida de conteúdo, tem pelo menos um contentor): a gaveta. A gaveta é uma alegoria da Psicanálise, do segredo e, na minha opinião, da Caixa de Pandora. Na Vénus com gavetas, a gaveta representa o interior podre da beleza, mesmo da beleza imaculada. A estilista Elsa Schiaparelli, que também estudou filosofia e era coetânea de Dali, deverá, como ele ter conhecido as teorias de Freud. Desconheço se as aplica com o mesmo sentido de Dali, mas constrói o seu casaco colocando as gavetas praticamente no mesmo local do corpo que Dali coloca, e as suas peças são tão extravagantes quanto as dele. Ela confirma esta relação com Dali, não apenas na colocação das gavetas nos mesmos locais, mas porque, se virmos os modelos que concebe, Elsa é tão desconcertante com a análise da moda e do outro quanto Dali.

Salvador Dalí
Venus de Milo with Drawers
1936
Colecção Privada


Elsa Schiaparelli


E para concluir a futilidade, eis uma sugestão, um bocadinho tardia, mas quem dá o que tem, a mais não é obrigado. Em Dusseldorf, no NRW Fórum, até 1 de Novembro é possível ver os vídeos e as instalações relativas aos desfiles de moda mais fantásticos dos últimos tempos: Thierry Mugler em 1997, Dries van Noten em 2004, Yves Saint Laurent no Grand Palais em 2008, Yohji Yamamoto em 1998, Rodarte na Gagosian Gallery em 2008, Maison Martin Margiela em 2009-10-10, Dior em 2005, Alexander MsQueen em 1999, e John Galliano em 2009.
- o carteiro -
Deverá existir em alemão uma palavra para falar desta ponte temporal entre o passado e o presente na arte, uma vez que em alemão há palavras para tudo. Sugiro Brückedazwischenpräteritumpräsens (brucke=ponte, dazwischen=entre, präteritum=passado, präsens=presente), mas como tem muitas letras, deixo antes Vergangenheitsbewältigung que significa “reconciliar-se com o passado”. E eis que o presente representado aqui pelo Turner Prize se encontra com o passado datado de 1987. Em 1987 o artista Tim Head pintou o retrato de várias vacas inspiradas nas vacas de Liz Leyh em Milton Keynes. Ao longe parece um lindo padrão de papel de parede, mas ao perto são vacas ou melhor, a imagem vaga de vacas inspiradas nas ilustrações de pacotes de leite da cadeia de lojas Sainsbury's, que por sua vez se inspiraram nas vacas de Liz Leyh. Quem vê a imagem percebe que por trás destas vacas está uma recordação de infância, vinda dos referidos pacotes de leite. A pintura dá-lhes um ar abstracto, dá-lhes nova forma e retira-lhes o aspecto familiar. E este quadro tem uma vantagem face à Pop Arte, para quem alegar que é apenas Pop Arte: ela aproxima-se de algo nobre que poderia cobrir as paredes de residências respeitáveis.

Tim Head
Cow Mutations
1987

Presentemente pode ser comparado ao Turner Prize. Antes dos galardoados, a Tate Britain organiza uma exposição com os finalistas e convida o público a falar das suas diferenças e semelhanças. Este ano o quatro finalistas são Roger Hiorns, Enrico David, Lucy Skaer and Richard Wright (onde é que estão as mulheres?). Entre eles há semelhanças: trabalham com marcas de água, ou stencil ou mesmo padrões. Aliás, diz-se que não há vários trabalhos nesta exposição, mas apenas um grande e longo trabalho que é a soma das propostas destes artistas que se assemelham tanto. Richard Wright, o último da lista é aquele que terá menos probabilidades de ganhar o Turner Prize uma vez que o seu trabalho é lacónico: ele pega numa grande sala e tacitamente enche a parede de folha dourada (a mesma que se usa para a talha) de forma a criar padrões e por consequência um oneroso papel de parede em que o elemento base do padrão é gigantesco face à ideia de padrão.

Richard Wright
Wall markings
2009
- o carteiro -

notícias do mundo da arte:
- Os Spandau Ballet vão regressar com uma tourné que irá incluir êxitos antigos e canções do novo album "Once More".
[link]

- Damien Hirst, que mudou o paradigma de obra de arte ao conservar em formol a carcaças de animais e vendê-las a preços escandalosos, originou o regresso ao passado. Esta semana, quando Hirst resolveu expôr algumas pinturas na Wallace Collection aos mesmos preços que os leilões pedem hoje por quadros de Ticiano e Rembrandt, ouviu um coro de críticas de toda a imprensa, de todos aqueles que desde os YBA o veneravam. O problema está em Hirst ter dessacralizado a intocável expressão artística que é a pintura ao aproximar-se muito dos Mestres Antigos (no preço) e dos mais recentes como Picasso ou Freud. Ele pressupõe com isto uma possível comparação com a pintura, que ninguém consegue achar legítimo.
- A ala direita da política e cultura americana (isto parece uma antítese), profundamente conservadora, referiu-se com desdém à colecção de arte dos Obama, alegando que a maior parte dos quadros são cópias de autores conhecidos. Em concreto o quadro Hard Edge é uma cópia de l’Escargot de Matisse. Argumenta-se que as cópias até teriam piada se Obama não estivesse tão desorientado. E o reparo até seria pertinente se tivesse vindo de alguém que não achasse que a Branca de Neve era uma depravada porque vivia com 7 homens anões.
- não vai mais vinho para essa mesa -

Guta, Experimenta não enviar. Por favor.

sábado, outubro 10, 2009

- back to black -

"Pode o deus que em mim vive mover profundamente todo o meu ser; mas nem mesmo ele, que comanda todas as minhas forças, pode mudar o que quer que seja à minha volta." - Goethe - Fausto
(estive a olhar para os arquivos e antes isto tinha muito mais piada. "no meu tempo é que era...")

quinta-feira, outubro 08, 2009

- o carteiro -

uma pessoa tem os seus dias
- original soundtrack -

Não consigo encontrar a letra desta música, nem o nome do album. Mas é viciante

(Wonderful Life, Hurts)
- o carteiro -
cenas dos últimos episódios:

“vou lá, faço o meu papel, sou agradável, sorrio, rio, participo e depois venho embora” , “inexperiente e inocente. E as pessoas aproveitam-se disso”, “eh pá, não me prepares o pequeno-almoço. Destesto que me preparem o pequeno almoço”, “you can’t handle this”, “vou apagar-te dos ‘favoritos?”, "pára de te preocupares com o bem estar dos outros", “a vida custa-me muito mais sem ti, mas não posso fazer isso”, “não é assim tão mau ser imperfeito”, “já a vi pior”, “fim de semana no chiuaua”, “não é possível a vida ser isto", “talvez não seja aquilo que desejavas que eu fosse”, “o que tu pensas que é bom para ti não é”, “pensas demais”, “põe a mão aqui, põe cabra!”, “e a esperança? Eu não consigo viver assim!”, “ele está a fazer chantagem”, “há qualquer coisa de errado”, “gosta de tudo? Coma de tudo”, “muito cansada, muito triste, sem esperança, em branco”, “és a minha enguia arisca”, “tenho a sensação constante que não gostam de mim, toleram-me”, “mostra as mamas na internet! Expõe-te!”, “anda lá pedir-lhe um autógrafo!”, “looser”, “tens-te na pior conta”, “mach icho não tem muitach vitaminach”, “ridícula”, “amas como quem se vinga”, “diz-me onde estão as garrafas. Eu escondo-as melhor”, “dividimos o mesmo tecto, mas nunca mais fales comigo por favor”, “não tenho paciência”, “vai ser o nosso pequeno segredo”, “para mim, 90% de perfeição”, “não tenho de ser o balde do lixo dos teus desejos sexuais”, “és tímida?”, “ó chiquitita, aqui quem decide sou eu”, “amô, faiz um fávô prá mim? Liga o forno e passa SBT ná caisa”, “desculpa. Desculpa por pedir desculpa”, “as pessoas são simpáticas porque estás magra”, “às vezes a aluna inventa”, “está no banho? Tem de sair, falta uma faca no refeitório”, “Orlando, o que é que eu faço?”, “tens de tomar Ómega 3”, “fuma, droga-te!”, “18 valores em Antero de Quental? Que seca!”, “as tuas calças são tão feias”, “bebes dia sim, dia não”, “não era para ficar mais magra. Era para desaparecer”, “deixa-me em paz com as minhas guerras”, “não, parte-se do geral para o particular!”, “pois, pois, isso é muito bonito, mas não serve de nada”, “já para a coluna jónica já”, "se querias mesmo saber porque é que não perguntaste?", “porque é que não ficas?”.
- não vai mais vinho para essa mesa -


- Tens aí o endereço electrónico dela?
- Mostra. Humm, não conheço este servidor... Deixa cá procurar no google "rottlemeio".
- ...
- ... Só tem rottweiler. Deixa procurar antes com um "t" apenas. Ela soletrou o nome pelo telefone?
- Não, ela disse e eu escrevi...
- ...
- ...
- Não aparece!... Espera aí! Diz-me exactamente aquilo que ela disse, com sotaque brasileiro e tudo!
- Ela disse "tátjivintchiméia, étchi rottlemeio, ponto comi".
- Sabes... isso traduzido é "tativinteeseis@hotmail.com"
- ars longa, vita brevis -
Hipócrates

antes e depois ou "como este post é, na minha modesta opinião, muito bom. O antes e depois de hoje não é bem um antes e um depois porque não se sabe aqui quem nasceu primeiro, a história de Jonas ou o útero feminino. Consideremos, para facilitar as coisas, que foi o útero feminino que nasceu primeiro da Mão de Deus. Logo o depois deste post é a saga de Jonas. O livro de Jonas pertence ao Antigo Testamento, mas como para existir Jonas era necessário existir uma mãe de Jonas com um útero, assim fica; primeiro o útero e depois o Jonas. Ora o Livro de Jonas, quase desconhecido, conta a história de Jonas. Esta história, muito resumidamente, diz que um dia, Deus envia à cidade de Nínive, cidade que era tradicionalmente, inimiga de Israel. A cidade, segundo Deus, tinha desobedecido às suas ordens. Jonas vai então pregar a palavra divina, mas uma vez em Nínive, foge à sua responsabilidade, metendo-se num barco com direcção a Társis (Espanha. Ou o barco era o Paquete Funchal, ou não sei…). O Senhor vendo isto criou uma tempestade no mar disposta a acabar com a insurreição de Jonas. Os marinheiros aflitos começaram a perguntar a Jonas quem lhes enviava a tempestade e Jonas disse que era o seu Deus. Zangados com atitude de Jonas que provocou a ira de Deus, lançaram-no ao mar e o mar cessou a sua fúria. Os homens recuperaram o amor a Deus, Nínive aproximou-se das leis de Cristo, mas Jonas ficou perdido no mar. Os homens de Nínive, do rei ao mais pequeno súbdito humilharam-se vestindo-se com panos de aniagem e cobriram-se de cinzas. Para castigar Jonas Deus fez com que o profeta fosse engolido por um grande peixe (erroneamente chamado de baleia) e lá permaneceu durante três dias. Jonas rezou durante esse tempo todo e Deus permitiu que o peixe soltasse Jonas.

Esta história tem uma importante mensagem teológica: Jonas representa a mentalidade estreita e vingativa com que se classifica muitas vezes os judeus. Como os judeus eram o povo escolhido, tornaram-se aos poucos impermeáveis à acção de Deus. Esta é uma parábola da misericórdia de Deus. Ora este relevo que aqui mostramos mais não é que a imagem de Jonas a ser expulso do interior do peixe, existente como decoração de uma misericórdia (apoio na parte de baixo de um banco de coro) na igreja of Saints Peter and Wilfrid em Inglaterra.

O útero… é um útero e tem aqui uma relação formal com a baleia. Não vejo outro tipo de analogia que possa ser feita entre a baleia e o útero humano, a não ser que na Idade Média o útero, por ser feminino, era visto como a fonte de todos os males, uma toca, uma boca insaciável, mais do que o berço das nações.



Church of Saints Peter and Wilfrid
1489
- o carteiro -
quando um não quer, dois não pecam - procriação III ou a mulheró-poedeira

Um dia, Jan Swammerdam levou até um convívio com os amigos onde se discutia embriologia um bicho-da-seda. Ninguém acreditava que daquele casulo pudesse sair uma borboleta, mas Jan começou a retirar as camadas que envolviam a borboleta e pôs a descoberto todas as partes que constituem esse insecto. O que se concluiu no convívio? Que cada uma das criaturas que existe ou virá a existir no mundo já está preformada dentro das criaturas mãe da mesma espécie. È este o princípio da Pré-formação que fala de um homúnculo, igual ao que virá sair, com todas as características que lhe iremos conhecer e completamente formado que apenas fermenta na barriga da progenitora. É uma outra abordagem à Teoria do Homúnculo em que o ventre materno mais não é que um suporte a algo que se desenvolve independentemente do exterior. Isto dizia que o ser humano era limitado apenas por factores genéticos e que nada de exterior poderia ter influência sobre o seu nascimento nem sobre o resultado final dessa incubação, pois toda a parte ideológica do ser já estava formada. Diz-se que esta teoria foi muito apoiada pela Igreja como forma de combater o Ateísmo. Ao dar a Deus o papel de criador matemático de tudo (as crianças com deficiência eram um aviso da fúria divina e confirmavam a regra), não se podia colocá-lo em causa, problematizá-lo. As crianças que nasceram na altura em que os paizinhos acreditavam nisto sofreram portanto um tratamento muito frio e desmaiado adulto pois todos partiam do princípio que a criança tinha as mesmas faculdades que o adulto, apenas não tinha tamanho. O contrário da Pré-Formação é a Epigénese que diz algo diferente. Diz que no interior do ventre materno se encontra um ser em desenvolvimento, tanto físico como genético e que nada nele é definitivo. O resultado final é fruto da genética, mas também das condições a que foi sujeito durante o seu desenvolvimento. Assim, a genética é apenas uma indicação de que o indivíduo poderá vir a gostar de comer x ou y, mas no fundo, só a experiência é que pode dizer que ele vai comer um em detrimento do outro.
Obviamente, entre a Epigénese e o Pré-formismo, ganha a Epigénese, uma vez que até por comparação com os animais, os seres humanos nascem em estados ainda pouco avançados. Os animais quando nascem começam a andar no próprio, o que não acontece com os humanos. Somos, desde o início, inacabados.
Dentro do Pré-formismo, que é o que me interessa mais porque a Epigénese é o que já sabemos e sobre o que já sabemos, embora não seja conhecimento estanque, alguém se encarregará de nos dizer mais temos duas teorias: a teoria do Ovismo e do Animalculismo. A teoria do Ovismo defende que o embrião está dentro do óvulo, dentro do gâmeta feminino, e a missão do espermatozóide é estimular o desenvolvimento do mesmo. Isto até nem é de todo mentira, pois numa última análise, todos nós existimos dentro do óvulo até nos formarmos com cromossomas XX ou XY. No início somos todos informes. Claro que não é o espermatozóide que nos dá o género com que nascemos, mas esta teoria faz justiça ao sexo feminino quando o sexo masculino se assume como predominante.
O Animalculismo ou Espermismo apoia quase o contrário: quem detém o embrião é o espermatozóide e quando este chega ao óvulo e o deposita, o óvulo mais não é que um receptáculo, um cacifo a 35º, mais coisa menos coisa. Os espermistas não sabiam se o sémen era suor leite, saliva, sangue ou até um bicho ou vários bichos. Daí o nome de Animaculismo, uma ideia que era muito atraente para os mais imaginativos. Para os espermistas, que defendiam que o esperma era um pan-líquido, que produzia maravilhas, os homens dentro do esperma teriam de lutar entre si para conquistar o seu direito ao óvulo. Sabia-se se a luta tinha sido renhida ou não quando o pequeno-homem vencedor dava origem a uma criança com deformidades ou alguma coisa fora do normal. O processo era inverso: olhava-se para a criança e o seu estado requeria explicação ou não. Esta não era a teoria apoiada pela Igreja, como vimos, mas o Preformismo tinha sido totalmente colocado de parte em 1775 graças às descobertas de Spallanzani e era necessário estar atento às novas teorias. Obviamente o espermismo foi recusado pela Igreja: como era possível desperdiçarem-se tantas vidas? E a masturbação? Que acto ignóbil! (Génesis 38, 4-10). Acabou de imediato o Espermismo!


Antes que a Epigénese acabasse com a festa, o Ovismo ainda fez correr muita tinta. Literalmente! É que eram inúmeras as ilustrações dos naturalistas acerca da possibilidade de um ser humano nascer de um ovo. Temos que ver que o ovo sempre teve muita importância em todas as culturas. Sem contar com as variações que cada crença depois lhe associa, elas têm em comum o facto de verem o ovo como o princípio da vida. Não nos interessa dizer o que egípcios, budistas, persas pensam sobre o ovo pois para isso temos o dicionário dos Símbolos. Mas para fazermos uma relação breve com o que mais próximo temos da nossa cultura ocidental, já desde o Estoicismo, o universo era comparável ao ovo: a casca era a lógica, a clara comparável à ética, e a gema, no centro, seria a física; ou seja, os princípios da relação dos Estóicos com a Natureza. Esta ideia é tão antiga que se impõe as perguntas:
- Se o Mundo é um ovo, e se este ovo é a morada dos humanos, quem foi a mulheró-poedeira que o pôs? Eva não foi, pois Eva é posterior ao Mundo.
- E se os vivíparos desenvolvem-se no interior da mãe, como conciliar o Ovismo com a Viviparidade?

William Harvey
Ex ovo omnia
1651


William Harvey
Ex ovo omnia (pormenor)
1651

E para esta última questão é importante ver que as duas coexistiam: acreditava-se que um ser vivíparo (uma mulher) podia dar luz um ser à sua imagem e semelhança (amén!) e que esse ser era gerado dentro de um ovo que estava dentro dos ovários da mãe. E não foi uma ideia tão mal encarada como parece à primeira vista: Leonardo da Vinci – bom, mas este não conta – produziu alguns esboços e uma pintura onde mostra a criança a nascer de um ovo. O que me parece um bocado tonto para um homem que inventou o primeiro escafandro e o primeiro guardanapo. Mesmo mais tarde, havia quem dissesse que a razão para as mulheres terem os ovários na zona baixa do abdómen se devia à sua posição próxima do local onde o útero recebia o “grande fogo”. Reinier de Graaf, um naturalista holandês escreveu que as mulheres conservavam nos maiores folículos dos ovários (chamados folículos de Graaf), o ovo, o que, segundo a ilustração me parece improvável. O embrião já está formado e é bem grandinho para depois descer o útero na altura do parto.

Leonardo da Vinci
Studies of embryos
1509-14
Royal Library, Windsor


Leonardo da Vinci
Leda
1508-15
Galleria degli Uffizi, Florença


Reinier de Graaf
1672


Reinier de Graaf
1672

O ovo é no fundo uma alegoria humana da Caixa de Pandora, bem como o útero que o expulsa: todo o bem pode estar ali contido, mas o mal também. E é também uma forma de celebrar a morte, embora aqui só nos interesse falar dele enquanto veículo para a vida. Ainda que de uma forma um bocadinho excêntrica. E o Ovismo estende-se de tal forma à arte que podemos vê-lo tanto no quadro de Piero della Francesca “Madonna and Child with Saints”, como no livro “Admirável Mundo Novo de Adous Huxley. No primeiro exemplo, Piero della Francesca pintou um ovo de avestruz mesmo em cima da cabeça da Virgem e se fizermos uma análise da perspectiva do quadro e do seu Ponto de Fuga auxiliado pelas construções arquitectónicas, vemos que tudo na pintura se centra na cabeça da Virgem. È por isso impossível ignorar o ovo, embora seja comum em muitos altares dedicados à Virgem. A razão da relação entre a Virgem e o ovo de avestruz pode ser desdobrada: por um lado a analogia entre o Nascimento de Cristo (vindo do interior da Virgem Maria) e o ovo que incuba à luz do Sol e por isso, eclode sem intervenção humana (quase, porque na prática o nascimento de Cristo é uma forma de Ovismo – Ele nasce do interior da Virgem mas vem já numa redoma mística). Ainda nesta linha de pensamento, foi dito que o ovo era uma pérola e que por isso representava a Imaculada Concepção uma vez que tal como Cristo, a pérola sai sem intervenção qualquer do interior da concha. Por outro lado, há a relação entre o ovo e o nascimento e o ovo e a morte, pois é símbolo da renovação cíclica (daí o ovo da Páscoa que é a vitória da vida sobre a morte). Logo, diz-se que o ovo de avestruz (sendo a avestruz um dos símbolos heráldicos da família Montefeltro que encomendou o painel e que se vê pintada nele) remete para a morte de Battista Sforza (que faz de Virgem Maria) e o nascimento de Guidbaldo Montefeltro (que faz de Menino Jesus), como se tal como uma avestruz, ela tivesse enterrado o ovo na areia, tivesse morrido e deixasse cá apenas a sua imagem e o ovo a chocar.

Piero della Francesca
Madonna and Child with Saints (Altar dos Montefeltro)
1472-74
Pinacoteca di Brera, Milão

No livro “Admirável Mundo Novo” Huxley referia-se com mordacidade ao Processo Bokanovsky descrevendo-o como a forma asséptica para criar vários seres humanos concebidos a partir de um só ovo. Estes ovos não têm mãe, não há partos neste “Mundo Novo”, mas fica aqui patente a ideia de um útero materno que é substituído por uma fábrica, conservando-se apenas a ideia de ovo. Por mais que nossa imaginação avance, por melhor que seja a tecnologia, ainda concebemos um futuro em que homens e mulheres não serão necessários na reprodução, mas em que o ovo, a incubadora continua a existir, como são exemplo disso os embriões criados em laboratório no filme Matrix ou Relatório Minoritário.
- o carteiro -


um destes dias disseram, de uma forma subtil, que era fútil. Tomei como uma afronta, não sei bem porquê. Depois pensei: "bem, antes a futilidade que a falsa modéstia". Como diria o Wilde: "The makeup tells us more than the face".

- Roisin Murphy canta (e canta) no desfile de Viktor and Rolf (pode uma pessoa pedir mais do que isto);

- Dita von "Teases" para a Wonderbra (uma linha ao seu dispôr)

- Alexander McQueen a trabalhar para o Serviço Nacional de Saúde. Em especial para os ortopedistas.

- Um questionário que nos reduz a três ou quatro perfis. Vaidades!

- o carteiro -

Parábola do Bom Eleitor
Um dia, uma cidade de Portugal inventou um desfile de Carnaval com grupos carnavalescos, piadas, grupos de passerelle e Escolas de Samba. Ao princípio e como a cidade era pequena, só existiam duas escolas de samba assim como pouco mais de 10 grupos carnavalescos e de passerelle. A sua função era simplesmente entreter as pessoas prometendo-lhes três dias de folia e a sensação de que no futuro a performance seria melhor. Entre os rigores climáticos do Natal e os rigores espirituais da Páscoa, o povo assistia com manifesta alegria à passagem das cores das escolas, da euforia dos grupos e da mascarada que aproximava quem divertia de quem era divertido. Todos eram amigos nesses três dias e mesmo quem não se conhecia passava a conhecer sem qualquer vergonha ou medo: médico e paciente bebiam do mesmo gargalo, patroa e empregada balançavam a perna ao som do chorinho. Mas com o tempo as Escolas de Samba, instigadas pelo que se passava além-mar, tornaram-se mais, e mais sofisticadas. A Comissão do Carnaval inventou o concurso para Escolas de Samba onde eram avaliadas as passistas, o mestre-sala, a porta-bandeira, o enredo, a música, os fatos e a coreografia. Os atrasos entre as alas que compunham a Escola e as falhas técnicas eram penalizadas por espectadores dissimulados entre a multidão, que numa folha avaliavam estes parâmetros. No fim, o júri contava os votos e declarava-se, na varanda do Município o vencedor e no dia seguinte empregada e patroa voltavam as costas e médico e paciente não se cumprimentavam. Havia "choro e ranger de dentes" chegando muita gente a "vias de facto". A votação beneficiava sempre as duas grandes: a Costa Dourada que se apresentava de vermelho e branco ( a primeira vez que uma escola de samba se apresentou apenas de branco as passistas pareciam umas cegonhas com a pena a mudar. A partir sempre que uma Escola de Samba se apresentava de branco, perdia) e a Bandinha que desfilava de rosa, branco e lilás.

Apesar de hoje as Escolas de Samba serem mais, o poder de reinar como vencedora durante um ano (e usufruir de um subsídio para as representações externas do nosso Carnaval), continua a claudicar, ao ritmo anual de uma cor por ano entre os vermelhos e os rosas. Para o povo que vota resta a folia com tempo limite e o vomitado da praxe à porta de cada casa, como que anunciar a passagem do compasso e o início de épocas em que todas as promessas serão esquecidas.