segunda-feira, abril 30, 2012

- original soundtrack -


vejam lá se se lembram disto:

Something's gotten hold of my heart
Keeping my soul and my senses apart
Something's gotten into my life
Cutting its way through my dreams like a knife
Turning me up, turning me down
Making me smile, making me frown

(Something's gotten hold of my heart, Marc Almond & Gene Pitney)
- não vai mais vinho para essa mesa -

quando esta música saiu, estava um dia na fnac na zona dos CD's e ouvi uma miúda (8 anos, mais ou menos), com os auscultadores a cantar muito alto o refrão um pouco alterado. na parte da "gasolina" a rapariga cantava "vaselina".
- o carteiro -




















Dürer
Auto-retrato
1505
Kunstsammlung, Weimar

hoje não há religião, nem iconografia, nem nada disso porque não tive tempo. estou a escrever porque acho que nunca contei esta história. quando a minha idade era outra que não esta, tive aulas de desenho de nu. 4 horas por dia com um homem, ou uma mulher, ou os dois nus, com mais pilosidade do que aquela com que vieram ao mundo, mas nus. em pelota, nuiinhos, no osso. lembro perfeitamente quando o turno da manhã veio dizer ao turno da tarde "estamos a ter aulas de desenho de nu", "com quem?", "com um homem. está um homem nu na sala". alguns rapazes saíram da sala e foram ver o homem nu, e nem disfarçaram o entusiasmo.
mas eis que chega a hora dos alunos do turno da tarde serem também presenteados com o Vítor (o nome dele era Vítor) nu, o que para a maior parte foi um presente envenenado. passo a explicar: para muitos e muitas era a primeira vez que viam alguém nu. nu assim sem ser a correr, no escuro, ou a espiar. nu de livre vontade e por tanto tempo: 4 horas de aula!
Dispusemos os estiradores em torno de um estrado onde o Vítor iria posar. Quando ele despiu o robe, as raparigas baixaram a cabeça, e começaram a limpar a folha branca incessantemente sem tirar os olhos dos lápis e do estirador. Os rapazes olhavam para elas a sorrir, para ver qual a que corava primeiro. outros rapazes já estavam a olhar para o Vítor. as primeiras aulas e os primeiros desenhos eram um atentado à arte: é que o Vítor, que até praticava desporto, era um rapaz com óptimo corpo para ser desenhado, porque tinha os músculos definidos e isso ajudava na expressão do desenho. e nisso eu até me safava. mas os genitais... se olhava para eles, fugia-me o pensamento. se não olhava estava a inventar e cheguei tanto a dotá-lo de um senhor pénis como no desenho seguinte, envergonhada por aquilo tudo, lhe diminuí drasticamente... o dom. o que me safou foi a fase do carvão: quando desenhámos o Vítor, durante umas duas aulas, a carvão, toda a sua zona erógena foi por mim furiosamente preenchida a preto, misturando assim a pilosidade com a coisa em si. Os comentários dos professores também não podiam ser mais desastrosos. quando, em vez do Vítor, foi a altura de posar uma modelo, chegámos a ouvir: "isto não é o peito que ela tem, é o peito que tu gostarias que ela tivesse". ou, perante a modelo de cócoras apoiada numa mão "não está bem. repara que ela tem a mão mais perto do... da... do... tu sabes."
depois das duas, três primeiras aulas, passou. o vítor, que saía às sete como nós, apanhava o nosso comboio e vínhamos todos na conversa, a mostrá-lo nu ao comboio, através dos desenhos. o Vítor começou a privar mais com a modelo e acabaram por ter um filho. ela chegou a posar grávida. mas o melhor mesmo foi um dia entrar num centro comercial por alturas do Natal e ver o Vítor vestido de pai natal, a entreter os miúdos. 
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como precisava de postar mesmo isto. às vezes torna-se difícil encontrar um "antes e depois" digno, porque muitos artistas fazem cópias de obras coetâneas e isso, na maior parte das vezes, não dá um bom "antes e depois". como não gosto de estar a postar só por postar, principalmente este tipo de coisa, esmerei-me para conseguir esta imagem. estava na biblioteca da faculdade e vi esta gravura (acho que vi em pintura, não tenho a certeza). mas não tinha caneta (a minha acabou na aula, e a outra que me emprestaram, também acabou na aula). resolvi apontar no telemóvel (ah, as novas tecnologias...) e quando cheguei a casa pus-me à procura. Só consegui esta imagem fazendo um print secreen de um ficheiro pdf que abri da net.  De resto, não havia quase nada do maestro das bandeirolas (Master of the banderoles) acerca desta fonte da juventude que surge depois em Bosch, no painel central do jardim das delícias (a tvi tem agora um programa que se chama o "jardim das notícias", com genérico com esta pintura e não poderia ser uma associação pior). Eu achei as imagens parecidas, mas vamos à fonte em si. A fonte da juventude é uma ideia da Antiguidade que diz que em algum lugar do mundo material existe um lugar onde a velhice é regenerada e se converte em juventude. Ora esta ideia chegou até aos nossos dias e foi/é transversal a muitas civilizações. Não é apanágio do Ocidente pois também no oriente se acredita neste lugar onde, mais do que recuperar a juventude exterior, se recupera a vivacidade, a ousadia, a inocência, a inconstância... Claro que isto influenciou a pintura e a escrita. No século XVI em Nuremberga um escritor deu a entender que a fonte da juventude existia em mais do que um lugar no mundo; ou seja, existia mais do que uma fonte da juventude, uma ideia nova pois até aí procurava-se "o" lugar e não os lugares, as fontes. esta exclusividade também torna a ideia de regeneração mais mítica, mais misteriosa ("quando a esmola é alta o pobre desconfia"). um dos locais onde existiria a fonte da juventude seria na Florida. Diz-se que quando Ponce de Leão descobriu a Florida em 1513, tinha descoberto da realidade uma das fontes da juventude. Ora isto até deve ter tido algum eco porque sabemos que muitas são as pessoas que escolhem a Florida para viver o final da sua vida. apesar de ser um tema caro à arte, só na segunda metade do século XV é que  foi passado e difundido através da gravura, o método mais barato e mais popular. A fonte encontra-se junto a um jardim, o jardim do amor (soa muito mal), que se tornou canonicamente o local onde os amantes se encontravam (amantes, amados). Na imagem o muro separa os novos dos velhos: os velhos estão fora da água e os novos, neste caso, as novas, dentro de água. Esta gravura do mestre da bandeirolas, enaltece uma visão erótica dos banhos e da água do banho, à qual não deve ter sido alheia a imagem de pecadora que a mulher possuía. Daí a aplicação de mulheres, e apenas um homem. É como se para a mulher ficasse o trabalho de sedutora e ao homem o de vítima. Note-se que ao centro uma mulher oferece um seio ao homem, mas depois com a outra mão afasta-o. Esta imagem tem eco numa outra também na gravura: quase ao meio, no topo, um homem e uma mulher abraçam-se e ele toca com a mão num dos seios dela. E há mais! No canto inferior direito um jovem levanta a saia da rapariga enquanto esta parece impedi-lo de avançar e no canto superior direito o tocador de gaita de foles, alude na realidade para os seus genitais. No quadro de Bosch vemos exclusivamente mulheres ruivas dentro da fonte da juventude e algo que se assemelha a uns diabos no feminino, de silhueta negra. Também há, na cabeça de algumas destas figuras, pássaros negros que podem estar relacionados com a ideia de morte (os corvos são negros e associados à morte por serem necrófagos). bem, e assim acontece:

Master of the banderoles
Fontain of the youth
1460-1470
Graphische Sammlung Albertina, Viena

Bosch
Garden of earthly delights
1500
Museu do Prado, Madrid

Bosch
Garden of earthly delights (pormenor)
1500
Museu do Prado, Madrid


às vezes acho que devia arranjar um namorado. só para ver como seria.

quinta-feira, abril 26, 2012

- não vai mais vinho para essa mesa -

talvez não tenha piada nenhuma, mas apeteceu-me.

















(George Michael)


















(Queen)


















(Lionel Richie)

segunda-feira, abril 23, 2012

- o carteiro -


sei que é grande e que ninguém vai ler, mas para quem tem facebook e para quem se interessa por este tipo de questões, cá vai o link

domingo, abril 22, 2012

estou aqui a escrever um post só para adiar a hora de dormir. que seca

sábado, abril 21, 2012

mas o que é que está a fazer aqui o túmulo de Sinan (arquiteto da Süleymaniye em Istambul) a ilustrar esta notícia?










segunda-feira, abril 16, 2012

- original soundtrack -

I'm up in the woods
I'm down on my mind
I'm building a still
to slow down the time

(Woods, Bon Iver)
- não vai mais vinho para essa mesa -

(a ditar) - quadrado ABCD entre parentisis recto, assente em pi*
(a escrever) - quadrado ABCD (recto) assente em pi...

* quadrado [ABCD] assente em π
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "foi você que pediu um Renoir". não sei se foi, mas porque o anónimo gostou, cá vai mais outro Renoir. antes de mais gostaria de dizer que não sou entendida em nada, mas nas minhas "inbestigações" descobri que o Renoir filho, por vezes, colocava nos filmes cenas que pareciam retiradas de quadros do Renoir pai e dos impressionistas em geral. até já tínhamos falado aqui de uma delas. Mas desta vez, alertada por um artigo do Guardian, resolvi ir em busca do "Boudu salvo de se afogar", traduzido por "Boudu querido"; ou seja, um filme do Renoir pai que conta a história de um vagabundo que é salvo por um burguês, casado e com a criada por amante. Após ter recuperado do Sena o vagabundo, o burguês sente-se na obrigação de lhe dar abrigo, enquanto Boudu que se opõe às regras e convenções sociais vai-lhe dando a volta. este personagem meio apalhaçado, tanto é submetido à regra social, como subjuga os outros às suas regras. estava então a ver o filme quando me deparei com esta cena, a cena do casamento junto ao Sena. Nela vemos um conjunto de pessoas a comer junto ao rio, numa varanda, muito semelhante ao que havia feito o Renoir pai. Ainda que pensem: "ah e tal, isso é muito rebuscado", vejam então esta cena do piquenique de um outro filme (Déjeuner sur l'herbe) e a referência óbvia não só ao quadro homónimo de Manet, como também ao Picnic na relva de Monet ou a Reunião familiar de Frederic Bazille.

Pierre Auguste Renoir
Luncheon of the boating party
1880-1881
The Phillips Collection, Washington

Jean Renoir
Boudu salvo das águas
1932
- o carteiro -

Van Gogh
Fifteen sunflowers in a vase
1888
National Gallery, Londres

Quando a minha idade era outra que não esta - talvez esta menos um mês - olhei para os meus pais, um de cada lado da mesa. O meu pai tinha as sobrancelhas como o Álvaro Cunhal, que Deus o tenha lá em cima a desafiar a lei da gravidade, embora não saiba se o Cunhal gostaria muito de se ver junto de Deus ou este de o ter lá. Tinha também pêlos a sair das orelhas, uma veia roxa no nariz e cada vez mais dificuldade em cortar as unhas dos pés. A minha mãe falava de um cansaço crónico enquanto eu reparava nos olhos cada vez mais cobertos pelas pálpebras flácidas. Notava mais a velhice nele do que nela. E ao reparar aquele quadro, entre o degradante e o pio, pensei que a morte estava próxima. a deles e a minha, pois é impossível a deles aproximar-se sem a minha se fazer chegar mais à frente. não senti incómodo com a ideia de morte, mas de repente... senti uma enorme saudade deles. sei que nunca mais vou vê-los e para quem não acredita numa redenção, independentemente desta se encontrar ou não em Deus, esta é a maior despedida. cada dia é uma despedida. Cada dia lhes imagino as maleitas da idade: as aparadeiras, as quedas na casa de banho, os ossos fracos, a vista cansada. imagino que lhes seguro a mão com muita força no dia em que eles me deixarem para sempre, no dia em que ficarem num caixão fechados, sem espaço para respirar ou virar de costas. Imagino também que eles morrem bem porque a nossa vida foi sempre muito divertida, mesmo quando era dramática, porque hoje estou a escrever isto e eles poderão ler. Porque sei que nunca vou levá-los a dar uma volta de carro junto ao mar devido à minha incapacidade para conduzir e que mais tarde, aborrecidos de mais um fim-de-semana em casa, irão dizer com ironia que eu sou uma desnaturada. morrem bem porque já começámos as despedidas entre nós. sabemos que há um fim; apenas um fim. a vida não tem ensaio geral, embora tenha pensado isso até ao dia que comecei a vê-los assim.
- o carteiro -

pelos caminhos de Portugal, eu vi tanta coisa linda vi um mundo sem igual...

também.... não foi assim muita coisa linda que vi, mas por acaso vi uma igrejinhas, daqui (estou a tocar na orelha). ali na zona da régua é possível ver meia dúzia de capelas (algumas são igrejas) que para além de nos deverem orgulhar muito (algumas pertencem à rota do românico), mostram quão rico é o Portugal fora das grandes cidades. confesso que não sou muito dessas coisas, de andar a viajar pelo país a achar piada a cada casa caiada de branco, mas gostei particularmente destas ermidas que têm em comum o facto de serem de pequenas dimensões e de terem elementos românicos. para além disso lembram as construções em baldaquino estilo que tem referências em todo o mundo, embora possua um núcleo muito curioso na Península Ibérica. vamos então ao que interessa. Perto de Tabuaço encontramos, ladeira abaixo, uma indicação para o caminho que leva a São Pedro das Águias.
São Pedro das Águias, Tabuaço

O que torna esta ermida tão especial é a entrada, encostada à escarpa, quase sem espaço para o visitante entrar. do outro lado ergue-se a capela mor. o caminho que nos leva até a igreja é longo, íngreme, com descidas acentuadas (e que nos fazem pensar no quão penosa será a subida) e pavimento em cascalho solto. Ali, e depois de breve observação do santuário, ainda podemos ir ter ao rio através de um caminho pouco seguro de pedras que ultrapassamos como se estivéssemos na praia a passar o paredão. no dia seguinte seguiu-se São João de Tarouca - cujas portas fecham para visitas impreterivelmente ao meio dia, abrindo depois às 13:30h (é assim!) e que, na impossibilidade de se deixar visitar, nos deixa espaço para dar uma vista de olhos por aquilo que foi o antigo mosteiro, hoje destruído (não percebi se aquilo era abandono ou eternas obras de recuperação).

Seguiu-se a igreja de São Pedro de Balsemão. Porque estas ermidas não estão assinaladas, foi necessário pedir indicações. Disseram: "é por aqui, cerca de três quilómetros mais à frente". Mas quantos três quilómetros foi necessário andar! e o pior era que quanto mais se avançava, mais estreita ia ficando a estrada, quase sem espaço para um carro nem muito estreito nem muito largo. O caminho tornou-se lama e já fora da povoação, após breve inquérito a uns trabalhadores muito solícitos (e que deviam ser a única alma ali do burgo porque não se via ninguém) lá chegou o veredito: "São Pedro de Balsemão? Era ali atrás, junto ao fontanário". Só que o que para uns é um fontanário, para outros é apenas um par de torneiras pintadas de verde escuro, frente a uma igreja. Ninguém imaginaria que tal tesouro nacional ficasse por ali, numa povoação cujo o único acesso é quase um caminho de cabras.
São Pedro de Balsemão, Lamego

Faz-me pensar no quanto temos e do tão pouco que precisamos para viver. embora eu confesse que ache sempre que para ser feliz é preciso isto e mais aquilo e mais aqueloutro. Estas igrejas lembraram-me pela localização e pelo tamanho diminuto, a arquitectura irlandesa dos mosteiros aquando do monaquismo irlandês. E lembram-me também como a igreja de São Frutuoso de Montélios em Braga.
São Frutuoso de Montélios, Braga

Esta pequena igreja tem em comum com as suas colegas nacionais uma particularidade de onde vêm o termo "arquitecturas em baldaquino", já que em todas a forma exterior faz adivinhar o interior. Olhem por exemplo para são miguel de hildesheim, que não é um edifício português, mas cuja imagem do exterior é suficiente para traçar a sua planta sem haver lá entrado uma única vez.
São Miguel de Hildesheim, Alemanha

Faz-me lembrar também que existe, por toda a Espanha um conjunto destas arquitecturas, a maior parte delas também assim, junto a "fontanários", em caminhos de cabras, como São Juan de Banhos, São Pedro da Nave, Santa Comba de Bande... O que as une e o que as une às igrejas portuguesas aqui referidas não é a época de construção nem as dimensões, mas tão somente esse aspecto de uma organização em cascata com as forças dos edifícios mais altos a descarregar nos mais baixos até chegar a terra, através de um sistema de pendentes. Bom, na verdade esta parte dos pendentes já extrapola porque os pendentes estão presentes na passagem de cúpulas para semi-cupulas, o que não é o caso de nenhuma destas igrejas. Mas mesmo assim, podemos chamar "arquitetura em baldaquino" a edifícios que não têm nada a ver com estes, como as igrejas bizantinas, turcas, gregas, arménias...
San Juan de Baños, Palencia

San Pedro de la Nave, Zamora

Santa Comba de Bande, Ourense

E last but not least... São Martinho de Mouros, em Resende. Foi de facto mais fácil de encontrar do que as outras ermidas. Muito bem arranjada, mas já com obras de outras épocas, resta-lhe o portal românico. o adro cheirava a aleluias e tílias que vinham do centro paroquial, logo ali ao lado. Estava porém tão deserta, que eu ainda tive tempo para fazer um xixi despreocupado dentro de um tambor de betão que lá estava esquecido de uma obra.

São Martinho de Mouros, Resende

sábado, abril 14, 2012

- não vai mais vinho para essa mesa -

(segunda-feira posto o Renoir e o resto, como prometi)

sexta-feira, abril 06, 2012

- original soundtrack -

- não vai mais vinho para essa mesa -

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como poucos minutos separam estes dois quadros. Certo dia estava Manet em casa de Monet a ver a família no jardim quando chegou Renoir. Renoir - que se calhar não queria deixar os seus créditos em mãos alheias, ou que andava pegado com Manet ou que simplesmente estava a passar uma crise de criatividade - pediu ao dono da casa uma tela e material de pintura para retratar o mesmo momento familiar que Manet. Claro que, na impossibilidade de estar no mesmo local de Manet, Renoir posicionou-se ao lado, o que fez com que a mesma cena tivesse duas perspectivas. O menino e a mãe mantiveram-se mais ou menos na mesma posição, mas o galo definitivamente resolveu dar uma voltinha e o ar da sua graça. Também as cores parecem diferentes. Não sei se é uma coisa da reprodução ou se é do computador, mas mesmo que não tenham esta diferença toda (com Manet parece que a família está à sombra e em Renoir parece que mãe e menino ao sol), devem ter na realidade diferenças cromáticas, isto porque seria impossível dois pintores conseguirem exatamente o mesmo tom de verde. Além do mais, devem as diferenças de posicionamento e da hora a que começaram a pintar (Renoir mais tarde que Manet) devem ter ocasionado diferenças ao nível da luz que a mesma cena tinha nas duas situações. Mas não é só isso. Renoir foca mais a cena no núcleo familiar (mais o galo!) e Manet prefere uma visão mais global que abarcou o jardineiro e que dá uma noção de profundidade. Não sei se é talvez por esta personagem, mas entre as duas pinturas diria que a primeira tem uma sugestão de movimento que a segunda não possui. A obra foi pintada em Argenteuil numa altura em que Manet ajudava financeiramente Monet. Diz-se que Manet, depois de ter visto o trabalho que Renoir estava a fazer, voltou-se para Monet, o dono da casa e disse qualquer coisa como: "é melhor o seu convidado desistir". Para consolar Renoir (ou não), Monet ficou com o quadro deste pintor.
E os picuinhas, que pintaram a mesma cena, deram títulos diferentes aos quadros:
Manet
A família Monet no jardim
1874
Metropolitan Museum, Nova Iorque


Renoir
Madame Monet no jardim
1874
National Gallery of Art, Washington
- o carteiro -

Depois de termos apresentado a influência da Biblia Pauperum na arte e na religião da Idade Média para a frente, apresentamos hoje outra fonte, um pouco diferente, mas que julgo, igualmente interessante. Trata-se do Hortus Deliciarium ou "jardim das delícias", ou ainda "paraíso" e que é uma fonte basicamente gráfica. Pensa-se que a autora tenha sido Herrade de Hohenburg, que foi abadessa do mosteiro de Hohenburg. Hohenburg fica no centro da Alemanha e ganhou importância graças ao trabalho da sua abadessa que propôs uma reforma e renovação espiritual dos mosteiros. Essa reforma passaria, segundo Herrade pelo regresso ao ensinamento através do livro. Isto é particularmente importante pois a sociedade da Idade Média não era alfabetizada. A alfabetização foi algo que se perdeu com a queda do Império Romano. E era justamente nos mosteiros que os livros eram copiados e divulgados. A obra foi escrita em latim ao longo de 20 anos e patrocinada por Frederico Barba Ruiva. O manuscrito não é uma compilação de textos bíblicos, mas antes um conjunto de reflexões acerca desses textos, como uma enciclopédia. Tinha como objectivo catequizar as pessoas que ao livro tivessem acesso. O livro original era um texto corrido e não estava dividido como o Speculum ou a Biblia Pauperum. Mas dividia-se porém em três grandes partes: uma dedicada ao Antigo Testamento, outra ao Novo Testamento e por fim, uma outra era referente a visões morais e episódios sobre o fim dos tempos. A imagem que trazemos hoje aqui (na verdade sou eu quem traz a imagem, mas como estou a escrever um trabalho e tenho de dizer o "nós", acabo por contaminar a escrita toda). Trata-se, aparentemente, de uma crucifixão (pode escrever-se crucificação e crucifixão), mas há um conjunto de elementos que têm de ser vistos.

As duas cortinas que vemos em cima, são o véu do templo, que de facto existiam. Não se trata da iconostásis, que é posterior e própria da igreja ortodoxa. Trata-se de um véu que que separava Deus dos homens; ou seja, que separava uma zona, dentro do templo, reservada para Deus - e onde se faziam os sacrifícios - e a zona para os homens comuns, manchados pelo Pecado Original. Isto acontecia assim, mas ainda hoje temos na Igreja uma área habitada pelo corpo de Cristo: o sacrário. Só o Sumo Sacerdote podia penetrar nessa área, mas isso também não era sempre, era uma vez por ano. Isto que estou a dizer não é invenção, estava escrito na Bíblia (o que não quer dizer que não seja invenção). Está presente na Carta aos Hebreus no Novo Testamento. Ali podemos ver: "Com efeito, a primeira aliança continha normas para o culto e um santuário terrestre. Foi construída uma tenda, a primeira, chamada o Santo, na qual se encontrava o candelabro e a mesa dos pães da oferenda. Por detrás do segundo véu estava a tenda chamada Santo dos Santos, onde se encontrava o altar de ouro para os perfumes e a Arca da aliança, toda recoberta de ouro, contendo um vaso de ouro com o maná, a vara de Aarão que tinha florescido e as tábuas da aliança. Sobre a Arca estavam os querubins da glória, que cobriam com a sua sombra o propiciatório. Mas não é agora o momento de falar desse assunto em pormenor. Ora, estando assim dispostas as coisas, os sacerdotes entram continuamente na primeira tenda para celebrar o culto; mas na segunda, só entra o Sumo Sacerdote, uma vez por ano, e não entra sem levar consigo o sangue que oferece por si próprio e pelos pecados involuntários do povo. (Heb 9; 1-7). Para além de falar do véu do templo, este excerto fala igualmente da Arca da Aliança. É possível ver a Arca da Aliança nas cenas da circuncisão e da apresentação no templo. Também Josefo escreveu acerca do véu do templo, dizendo que tinha 12cm de espessura e que nada nem ninguém podiam rasgá-lo. Neste caso parti-lo porque 12cm não é espessura de tecido ou folha.Mas, aqui nesta imagem o véu to templo não aparece direitinho como seria suposto. Isto porque quando Cristo morreu algo aconteceu. Diz em Lc 23; 43-46: "Ele respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso.» Por volta do meio-dia, as trevas cobriram toda a região até às três horas da tarde. O Sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.» Dito isto, expirou.". Quando Jesus morreu, o véu do templo deixou de separar o puro do impuro, pois com a morte de Cristo cada um de nós tinha alcançado da salvação eterna. Foi para isso que ele morreu. Diz-se...

Segue-se, ao centro em cima, a lua e o sol. Porquê? Porque quando Jesus morreu fez-se noite:"Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz: «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?», que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?". Note-se que as trevas ocorreram antes do véu do templo se rasgar. Por isso na imagem temos a presença do Sol (alusão ao meio-dia) e a lua (numa alusão às trevas). Para além disso, a Lua parece especialmente triste.

do lado esquerdo e direito, logo a seguir a Jesus, vemos dois homens, que são dois soldados. Um deles tem consigo uma lança, e o outro a vara com a esponja em vinagre e um balde, onde provavelmente a ensoparia. São ambos símbolos da paixão, mas não estão os dois presentes nos mesmos Evangelhos. Marcos fala da esponja com vinagre: "Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo: «Esperemos, a ver se Elias vem tirá-lo dali.»" (Mc 15; 36). Já João é o evangelista que fala da lança: "Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água." (J0 19; 34). A propósito desta passagem da lança, não me lembro de nenhuma representação que mostre água a sair do corpo de Cristo, mas é algo para investigar.

De um lado para a esquerda e de outro para a direita encontramos quem eu penso ser Maria, mãe de Jesus e João. Maria, porque tem o nimbo. Acho que se fosse Maria Madalena não teria nimbo. João, porque parece novo e porque era um dos discípulos mais próximos de Jesus. Jesus até chegou a dizer a João: "Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua." (Jo 19; 26-27). De facto, na dormição da virgem, que é uma passagem com base nos apócrifos, João é quem está à cabeceira de Maria.

Os dois "companheiros" de Jesus que estão crucificados têm nome e estão diferenciados. Como se lembram Jesus foi crucificado com dois ladrões, como um impostor. Daí a razão para ser estranho que na maior parte das representações a sua cruz de Jesus a maior... Os ladrões chamavam-se Dimas e Gestas. Gestas é o mau ladrão, o da direita, que está a olhar para o lado. Já o da esquerda é o bom ladrão, o que olha para Jesus: "E um dos malfeitores que estavam pendurados blasfemava dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós. Respondendo, porém, o outro, repreendia-o, dizendo: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal fez. E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino." (Lc 23; 39-42). Não existe nos evangelhos canónicos referência a estes nomes, mas existe nos apócrifos. Vamos encontrá-los, na declaração de José de Arimateia (texto apócrifo), que diz o seguinte: "El primero, llamado Gestas, solía dar muerte de espada a algunos viandantes, mientras que a otros les dejaba desnudos y colgaba a las mujeres [...] El segundo, por su parte, estaba encartado de la siguiente forma. Se llamaba Dimas; era de origen galileo y poseía una posada." (I, 2).

Também do lado equerdo e direito vemos duas figuras femininas montadas em animais. A da direita tem o olhos tapados por um véu e está montada num burro sem corda. A da esquerda está montada num animal de 4 cabeças e 4 patas diferentes. Este animal representa o tetramorfo, os quatro símbolos que representam os quatro evangelistas. Assim temos: Marcos identificado pelo leão (e pela pata de leão), João representado pela águia (e pela garra), Lucas é representado pelo touro (pata de touro, atrás) e Mateus é representado por uma cabeça humana (pé). Estas analogias são bíblicas, mas acho que a relação entre cada um deles e o símbolo ficou a dever-se a Santo Irineu, mas não tenho a certeza. Na bíblia surgem em Ezequiel 1; 10: "E a semelhança dos seus rostos era como o rosto de homem; e do lado direito todos os quatro tinham rosto de leão, e do lado esquerdo todos os quatro tinham rosto de boi; e também tinham rosto de águia todos os quatro." Quem vem montado neste animal é uma mulher que tem numa das mãos uma taça e na outra, bem alto, a cruz. Esta figura aparece triunfante, de cabeça erguida a olhar para Jesus e com uma coroa. Trata-se da Igreja Cristã em oposição à Sinagoga. No fundo o que esta cena mostra são as alegorias da Igreja (fé cristã) e da Sinagoga (fé judaica) que foram muito célebres em cenas da arte da Idade Média, principalmente na Alemanha e em França. Como podemos ver, a imagem de uma igreja vitoriosa junto a uma igreja derrotada, faz acreditar que o cristianismo tinha vencido. Para a taça que esta figura tem na mão desce diretamente o sangue de Cristo. A outra figura, que representa o judaísmo, mostra uma figura feminina com os olhos tapados (em algumas representações está mesmo com os olhos vendados), com instrumentos da circuncisão, a tábua com os dez mandamentos e um animal que iria ser oferecido em sacrifício. Os olhos vendados mostram a sua cegueira ante a divindade de Cristo. O facto de estar montada no dorso de um burro terá algum significado, até porque o burro parece bastante aborrecido. Na Reforma o burro era o animal aplicado em alguns quadros para os pintores se referirem aos judeus, com sentido depreciativo.


Anónimo
Igreja
1230
Catedral de Estrasburgo


Anónimo
Igreja
1230
Catedral de Estrasburgo

Em baixo os túmulos abrem-se e deles saem as almas dos mortos. Ora do lado esquerdo, vemos um morto especial a sair do seu túmulo. Trata-se de Adão, o primeiro homem, por oposição ao segundo homem e o segundo Adão: Cristo na cruz. Ora vemos ali ao lado caveiras e vemos muitas vezes na base da cruz, caveiras e ossadas humanas. Porquê? Porque segundo a tradição Cristo foi crucificado no local onde Adão havia sido sepultado. É Origenes quem refere isto e não tenho meio de prová-lo.

Bem, vou embora. boa páscoa, divirtam-se e até à próxima.
- o carteiro -


Van Gogh
Fifteen sunflowers in a vase
1888
National Gallery, Londres

quando a minha idade era outra que não esta a relação verbal que mantinha com o meu pai era tudo menos ortodoxa. isto porque a nossa conversa começava ou terminava em... cócó. Tudo começou quando ele me disse certo dia para acrescentar o que desejasse à lista de compras do supermercado. No fim, depois de acrescentar "esparguete", escrevi "embalagem de cócó fresco para o papá". Já de esparguete no cesto e perante o seguinte item da lista, o meu pai gargalhou enquanto voltava para a caixa e arquitetava uma vingança que se não era deliciosa, era pelo menos mal cheirosa. A partir daí instalou-se entre nós um terrorismo escatológico. Dizia-lhe que o cócó dele era como as farturas: saía em contínuo e depois não passava na sanita. em compensação, os meus cocós eram bonitas alheiras, já plastificados (e por isso não era necessário recorrer ao piaçaba) só faltando mesmo o fio. Sugeria-lhe brócolos e laranjas para alcançar cocós mais perfeitos, com a medida certa e sem "danos colaterais". Pedia-lhe que aguentasse o cocó só mais um bocadinho antes de abrir a portinha. Até que no Natal lhe ofereci um bonito conjunto de piaçaba e suporte para rolos de papel higiénico, naquilo que eu pensava ser aço inoxidável. Enquanto ele desembrulhava o papel do enorme embrulho cantei, ao som de Mr Sandman o seguinte:
Sr Castanho, por favor tente,
fazer cócó antes no Continente
E que cá em casa fica um pivete
não sei nem com Cif de limonete

Sr Castanho, faça um por ano
Caso contrário entope-se o cano
Vai-se o salário em rolhas pró rabo
E fica o cheiro a sopa de nabo

Sr Castanho, coma sabonetes
e limpe o rabo com toalhetes
Passe roll-on na zona anal
Depois hidrate c'o creme Barral

Sr Castanho, faça direito
para cair no buraco estreito
Leve a tesoura, a do jardim
Para depois cortar no fim

Sr Castanho, e pra acabar
É triste eu sei, estava a gostar
Temos pra si esta prendinha
Que vai manter, vai vai manter
vai sempre manter o seu cócó
na linha

Papai gostou do presente. Não sei se por ter visto nele grande utilidade, se por ver reconhecido o direito ao seu próprio piaçaba uma vez que tinha fama de cócós especiais e difíceis, se por simpatia para com os convidados perplexos. O piaçaba foi então instalado na casa de banho e nele, com duas etiquetas TESA o meu pai escreveu: "guardanapos anais" e "escova dos castanhos". Afinal não era de aço inoxidável, mas fica bem com os tons amarelos do azulejo modelo Príncipe de Gales. O modelo não é mesmo Príncipe de Gales, mas lembrei-me que quando ele esteve cá em Portugal disse que as fachadas das casas portuguesas pareciam casas de banho do avesso. E tenho a certeza que se o Príncipe de Gales tivesse passado pela minha casa de banho, sem vestígios do cocó do meu pai, teria ficado bastante impressionado, em parte pela qualidade da nossa verbe. Trato papai por Sr. Castanho e ele, tão lindinho, trata-me por "filha linda", o que prova que fazer cocós bonitos, compensa.

segunda-feira, abril 02, 2012

- não vai mais vinho para essa mesa -

hoje, enquanto estava a fazer a minha caminhada, lembrei-me de uma canção dos Onda Choc ou dos Ministars, não me lembro. É qualquer coisa como isto:
(...)
Então depois é que eu me vingo
Sábado e Domingo
Prá malta se divertir
Ver filmes ou dormir a sesta
Fazer uma festa
Passear com os amigos
Dançar e curtir
(...)
Ah... Sábado vou de viagem
Um Domingo à beira-mar
Vamos lá ganhar coragem
Segunda-feira, recomeçar
(...)
[solo de guitarra]

achei que era um bom incentivo para Segunda-feira.