segunda-feira, abril 30, 2012

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como precisava de postar mesmo isto. às vezes torna-se difícil encontrar um "antes e depois" digno, porque muitos artistas fazem cópias de obras coetâneas e isso, na maior parte das vezes, não dá um bom "antes e depois". como não gosto de estar a postar só por postar, principalmente este tipo de coisa, esmerei-me para conseguir esta imagem. estava na biblioteca da faculdade e vi esta gravura (acho que vi em pintura, não tenho a certeza). mas não tinha caneta (a minha acabou na aula, e a outra que me emprestaram, também acabou na aula). resolvi apontar no telemóvel (ah, as novas tecnologias...) e quando cheguei a casa pus-me à procura. Só consegui esta imagem fazendo um print secreen de um ficheiro pdf que abri da net.  De resto, não havia quase nada do maestro das bandeirolas (Master of the banderoles) acerca desta fonte da juventude que surge depois em Bosch, no painel central do jardim das delícias (a tvi tem agora um programa que se chama o "jardim das notícias", com genérico com esta pintura e não poderia ser uma associação pior). Eu achei as imagens parecidas, mas vamos à fonte em si. A fonte da juventude é uma ideia da Antiguidade que diz que em algum lugar do mundo material existe um lugar onde a velhice é regenerada e se converte em juventude. Ora esta ideia chegou até aos nossos dias e foi/é transversal a muitas civilizações. Não é apanágio do Ocidente pois também no oriente se acredita neste lugar onde, mais do que recuperar a juventude exterior, se recupera a vivacidade, a ousadia, a inocência, a inconstância... Claro que isto influenciou a pintura e a escrita. No século XVI em Nuremberga um escritor deu a entender que a fonte da juventude existia em mais do que um lugar no mundo; ou seja, existia mais do que uma fonte da juventude, uma ideia nova pois até aí procurava-se "o" lugar e não os lugares, as fontes. esta exclusividade também torna a ideia de regeneração mais mítica, mais misteriosa ("quando a esmola é alta o pobre desconfia"). um dos locais onde existiria a fonte da juventude seria na Florida. Diz-se que quando Ponce de Leão descobriu a Florida em 1513, tinha descoberto da realidade uma das fontes da juventude. Ora isto até deve ter tido algum eco porque sabemos que muitas são as pessoas que escolhem a Florida para viver o final da sua vida. apesar de ser um tema caro à arte, só na segunda metade do século XV é que  foi passado e difundido através da gravura, o método mais barato e mais popular. A fonte encontra-se junto a um jardim, o jardim do amor (soa muito mal), que se tornou canonicamente o local onde os amantes se encontravam (amantes, amados). Na imagem o muro separa os novos dos velhos: os velhos estão fora da água e os novos, neste caso, as novas, dentro de água. Esta gravura do mestre da bandeirolas, enaltece uma visão erótica dos banhos e da água do banho, à qual não deve ter sido alheia a imagem de pecadora que a mulher possuía. Daí a aplicação de mulheres, e apenas um homem. É como se para a mulher ficasse o trabalho de sedutora e ao homem o de vítima. Note-se que ao centro uma mulher oferece um seio ao homem, mas depois com a outra mão afasta-o. Esta imagem tem eco numa outra também na gravura: quase ao meio, no topo, um homem e uma mulher abraçam-se e ele toca com a mão num dos seios dela. E há mais! No canto inferior direito um jovem levanta a saia da rapariga enquanto esta parece impedi-lo de avançar e no canto superior direito o tocador de gaita de foles, alude na realidade para os seus genitais. No quadro de Bosch vemos exclusivamente mulheres ruivas dentro da fonte da juventude e algo que se assemelha a uns diabos no feminino, de silhueta negra. Também há, na cabeça de algumas destas figuras, pássaros negros que podem estar relacionados com a ideia de morte (os corvos são negros e associados à morte por serem necrófagos). bem, e assim acontece:

Master of the banderoles
Fontain of the youth
1460-1470
Graphische Sammlung Albertina, Viena

Bosch
Garden of earthly delights
1500
Museu do Prado, Madrid

Bosch
Garden of earthly delights (pormenor)
1500
Museu do Prado, Madrid