segunda-feira, outubro 31, 2005

O CARTEIRO (II)

Maria Teresa Horta dá a resposta a Jorge de Sena. Já entregamos ao carteiro e o homem foi embora. É segredo.

Segredo

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar.

Maria Teresa Horta
O CARTEIRO

O carteiro deixou aqui ficar este poema de Jorge de Sena. E está lá fora à chuva à espera de resposta.

Conheço o Sal

Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que
bebemos
quando das bocas se estreitavam
lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos
negros
ou louros ou cinzentos que se
enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minha
mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus
mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em
mim,
um cristalino pó de amantes
enlaçados.

Jorge de Sena
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Hoje, só para ouvir:
- Anthony and the Johnsons porque nunca nos cansamos daquela voz.


Anthony and the Johnsons
I'm a bird now


- The life aquatic with Steve Zissou ou, a banda sonora de "Um peixe fora de água". Um presentinho para quem adivinhar a que anúncio publicitário pertence o tema "The way I feel inside", dos The Zombies, faixa 19.



vários
The life aquatic wiyh Steve Zissou


- The Free Association (principalmente a faixa "Sugarman"). Pode ouvir todo o disco aqui. O site é muito bonito, não é?

COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO

Abro a revista Actual do Expresso de 29 de Outubro de 2005. Na página 7, e a propósito da decisão de abrir em 2007 um pólo do Museu Hermitage em Lisboa, pode ler-se (mesmo nas últimas frases do artigo): "Em aberto está o modelo a seguir. "Poderá ser uma fundação, poderá ser uma associação. Ainda temos de estudar qual o melhor modelo para corporizar o museu", concluiu Isabel Pires de Lima.
(Mãe, dá-me uma coisa nova, um brinquedo e um chocolate!)
Na mesma revista, logo na página seguinte podemos tomar conhecimento das entidades mais beneficiadas com o Orçamento de Estado para a Cultura. E as menos também. A última frase do artigo diz o seguinte: "Para a Casa da Música vão os 10 milhões de doação anual com os quais o MC se comprometeu". E outro problema de definição! Para o Teatro Nacional S. João, não há aumento de verbas.
A propósito, o TNSJ no Sábado passado (chuvoso), estava quase completo. Muita gente a assistir a uma peça divertida e conscienciosa do Teatro de La Abadia cujo nome era "Sobre Horacios e Curiacios", a partir de um texto de Brecht (fica sempre bem...). Uma paródia quase a tocar o nonsense sobre a paródia que é a guerra e que continua actual... porque continuamos em guerra. Com alguns momentos cruéis e marcantes sempre acompanhados de humor.
Aqui no Belogue não discutimos o preço das coisas; é um blog, não uma lota. Porém, perante a qualidade da peça o preço do bilhete (15 euros, sem descontos de qualquer cartãozinho), estava perfeitamente adequado. Já assistir ao concerto de Seu Jorge na Casa da Música custa 28 euros.
Nada de especial, são só coisas que eu não compreendo. E devia ser totalmente proibido as pessoas não terem companhia para ir ao teatro.

domingo, outubro 30, 2005

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

O Outono
O vento vil nas árvores, a chuva (já fria) a escorrer em pingos grossos das caleiras, o bafo quente das castanhas (caríssimas porém cheirosas) e o atraso da hora lembram-nos que... já chegou. Impressionante.

Este dia,


Georges Seurat
A Sunday afternoon on the Island of La Grande Jatte
1884-1886
Art Institute of Chicago, Chicago


com recurso a isto.


Pierre-Auguste Renoir
The Umbrellas
1881-1886
National Gallery, Londres

[Quem encontrar a obra "Domingo à Tarde" de Fernando Botero, diga.]

sábado, outubro 29, 2005

sem título

(para a Nancy, para o Jimi, e para o R., por razões diferentes, obviamente, visto que no Belogue trabalhamos em regime de exclusividade)

"São de nada tempestades
ante a falta que me fazes."


David Mourão Ferreira

sexta-feira, outubro 28, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS (II)

-Acha bem?
-Desculpe?!
-Acha bem utilizar a minha Ofélia assim como uma adolescente.
-Caro senhor, não fui eu, foi o autor desta coisa nova, este... Como é que se diz?
-Blog.
-Blog, exactamente. Eu também sou uma vítima. Veja o que fizeram com a minha engomadeira.
-Ora... A sua engomadeira está descrita tal como é: uma mulher de trabalho. A minha Ofélia parece uma adolescente com tendência suicidas.
-Mas não é o que ela é?
-Ela está morta homem! Pelo amor de Deus, respeite uma das maiores obras de arte de sempre.
-Você não é aquele dos Pré-Rafaelitas?
-Sou. E você não é aquele dos impressionistas?


Edgar Degas
Self-Portrait
1885
Musée d'Orsay, Paris


- Nunca me identifiquei com isso.
-Nota-se. Morreu sozinho e hipocondríaco.
-E você morreu corno. Ou acha que eu não sei que a sua mulher o traiu com o John Ruskin.
-Um pulha, esse tipo.
-Então deixe-se de coisas. Acha que me vai levantar um processo, é isso?
- Oh meu Degas. Como as coisas andam você ía para o Brasil, vinha, era eleito o maior pintor de sempre e ainda lhe pediam desculpa.
-Um absinto?
-Uma água sem gás. Natural.



Sir John Everett Millais
Self-Portrait
1880
Galleria degli Uffizi, Florença

quinta-feira, outubro 27, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS


-Sai da banheira Ofélia.
-Ó mãe, só mais um bocadinho.



John Millais
Ofélia Morta
1851-52
Tate Gallery, Londres


-Estás para aí a tomar banho com pétalas de rosas. O dinheiro não te custa a ganhar! E eu aqui a passar a ferro.


Edgar Degas
Laundress
1874
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque


-Irra, que ninguém me deixa em paz. Qualquer dia mato-me.
-E eu ralada. Sai lá da banheira.
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Após o encerramento das Conferências do Casino, Pinheiro Chagas publica no Jornal da Noite um artigo de apoio à opsição governamental. Eça de Queirós indignado no nº 2 de Junho de 1871 das Farpas, num longo texto de crítica e exposição de razões, ironiza desta forma a decisão do governo:
"Com direito igual pode amanhã mandar suprimir As Farpas, suprimir os romances do sr. Camilo Castelo Branco, os volumes de história do sr. Alexandre Herculano, os jornais, a conversação, esta simples pergunta Como está? passou bem? Pode suprimir ainda ainda um sorriso ou um olhar expressivo. Pode fulminar o espirro."

quarta-feira, outubro 26, 2005

sem título

Com muitas verdades se conta uma mentira.
O CARTEIRO

"Today is the last day that I'm using words..."

Assim começa a música Bedtime Story de Madonna, que se encontra no álbum com o mesmo nome, datado de 1994. No vídeo desta música é possível ver uma dança sufi, ou de dervixes, ou ainda, de dervixes giróvagos (rodopiantes). É uma dança mística onde a cabeça inclinada e os braços esticados têm um significado. Um braço esticado aponte para o céu recebe do Sol, passa pela cabeça inclinada para esse lado e passa para o braço que se entende em direcção à audiência. Recebem do Sol e dão, como o Sol. Procuravam assim a busca de integração com o Altíssimo.



Nos tempos da conquista otomana de Atenas os dervixes giróvagos reuniam-se na Torre dos ventos um edifício octogonal. A Torre dos Ventos em Atenas é uma excepção na arquitectura da Antiguidade, uma vez que se trata de um edifício civil assente em planta octogonal, algo que não era comum neste período.
A Torre dos Ventos, situada em Atenas, nas imediações do mercado romano e que foi edificada no século I a.C. pelo arquitecto sírio Andrónikos Kyrrestés. Até à Idade Média pensou-se que era um monumento funerário que abrigava o túmulo de Sócrates, mas a verdade é que se tratava de uma torre veleta (cata-vento) que informava os cidadãos sobre os ventos que sopravam em cada momento. Na parte superior do monumento existia um friso onde estavam representadas as oito figuras dos ventos. Na realidade, os ventos eram apenas quatro: Bóreas (vento do Norte) ou Septentrio em latim; Zéfiro; Noto ou Auster, vento sul; e Euro ou Volturnus, vento leste. Os atenienses na época adoptaram estes quatro ventos e acrescentaram mais quatro ao seu culto, figurando assim cada um deles num canto da Torre dos Ventos; um ponto cardinal da direcção em que sopram.
Etimologicamente, o hebraico relaciona a torre, edifício circular, ao verbo mover-se (em círculos), girar.

"... they've gone out, lost their meaning, don't function anymore..."
TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS


Ben Vautier
A Arte é inútil, Vão para casa
1971
Galerie Bruno Bischofberger, Zurique

terça-feira, outubro 25, 2005

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA


Para ler: Don Camilo e seu pequeno mundo. Porque sim.





Para comer: Bolo de Chocolate na cafetaria do MoMA. Gentilmente cedido pelo Pedro Cores.


Bolo de Chocolate
Cafetaria do MoMA
Museum of Modern Art, Nova Iorque

Para ouvir: Dead Combo (ouvir aqui), gentilmente cedido pela Formiga Bargante.

Para viajar: um destino para quem gostar (aqui). Gentilmente cedido pelo Leonel Neves.

Sem título




Jimi Carneiro
Preferia continuar a ter piolhos do que medos

segunda-feira, outubro 24, 2005

O CARTEIRO

O carteiro manda dizer que por causa do risco de contágio da gripe das aves não se pode ver os seguintes filmes: "Os Pássaros", "Voando sobre um ninho de cucos" e "Uma andorinha fez a Primavera".
E isto ainda é o começo.
TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS
"Estou demasiado triste para to dizer"
Esta obra foi realizada em três suportes: a fotografia, o filme e o postal. Os postais foram enviados aos seus amigos com a indicação de que a imagem exprimia um sentimento de tristeza genuína, o que fez aumentar a pena pelo artista. Era explicado que ele sofria, mas não porquê. Em 1975, Ader partiu de Cape Cod num veleiro minúsculo para dar continuidade ao seu projecto "Em busca do Miraculoso". O veleiro naufragou e Ader nunca mais foi visto.


Bas Jan Ader
Estou demasiado triste para to dizer
(fotografia)
1970
Museum Boymans-van Beuningen, Roterdão
COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO

Fast Music e o Festival (muito) à volta do Barroco

O uso de cores berrantes no decor da Mac Donald's (tabuleiros e embalagens incluídas), bem como a presença de uma música de fundo irritante e acelerada, serve para os comensais terminarem depressa o seu cheeseburguer e as batatas fritas, se levantarem e darem lugar a outras pessoas. Isto é a fast-food.

A fast-music é aquilo que a Casa da Música faz todos os dias quando nos atira com aquele edifício, e fez na sexta-feira à noite com o Festival à Volta do Barroco (aqui com o "muito" entre parêntesis porque realmente o que se passou na sexta andou ao lado do Barroco).

Aqui no Belogue somos a favor de todas as formas de arte: Barroco, Pop Arte, Land Art, Expressionismo Abstracto, Arte Grega (todos os períodos, mesmo o arcaico), Arte Paleocristã (a gente sabe...). Indagamo-nos acerca de algumas, gostamos de outras e de outras não. No que diz respeito à Casa da Música enquanto edifício, é uma fast-arquitectura, isto porque não nos podemos deter mais de dois segundos num pormenor, que estamos a bater com a cabeça numa coluna, numa porta ou em alguém, de tal forma é intrincada a geometria do edifício. Há que ter cuidado com o chão, pois tanto temos escadas a pique, impraticáveis, como temos escadas onde é necessário abrir o pernil todo para não as descermos com dois passinhos por degrau.

E depois temos a Sala 1: fria, onde o espectador é obrigado a sentar-se numa cadeira-gaveta correndo o risco sério de ficar com alguma coisa trilhada lá atrás. O vidro, que não é anti-reflexo e que se encontra no palco em todo o seu comprimento, não ajuda, uma vez que parece existir não uma, mas duas orquestras. A sala é muito iluminada, algo que alguém comentou, deveria contribuir em muito para a conta da luz da Casa da Música. Isto é fast-music, uma vez que logo aqui o espectador fica incomodado, não com vontade de vir embora, mas quase. Uma hora e quinze minutos de Remix Ensemble e era possível observar pessoas a dançar nas cadeiras, a suspirar, a olhar para os lados. Veio o intervalo e nos "corredores" ouvia-se entre dentes: "o que vale é que foi barato" e menos entre dentes "vamos lá ver a segunda parte". A segunda redimiu a primeira, mas não deixa de ser uma mancha a sala a um pouco mais de metade da sua capacidade, gente incomodada com as cadeiras e com a música.

É fast-music porque as pessoas consomem e querem vir embora o mais rápido possível. De facto à saída havia mais uma remessa de espectadores para outro concerto que, esperamos, tenha sido muito melhor. É a mesma coisa que ir a um restaurante e dizer: "vocês são muito simpáticos, o cozinheiro é bom, mas os pratos é que não prestam. E o espaço...puff"

O melhor da Casa da Música ainda é isto:


sábado, outubro 22, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

Aos Sábados temos truísmos de Jenny Holzer

- children are the most cruel of all
- children are the hope of the future
- class action is a nice idea with no substance
- class structure is as artificial as plastic
- confusing yourself is a way to stay honest
- crime against property is relatively unimportant
- decadence can be an end in itself
- decency is a relative thing
- dependence can be a meal ticket
- description is more important than metaphor

sexta-feira, outubro 21, 2005

O CARTEIRO

Segundo o "Dicionário das Cores do nosso tempo - simbólica e sociedade" de Michel Pastoureau (Editorial Estampa), o azul é, a cor preferida de mais de metade da população ocidental. 50% para o azul, 20% para o verde, e menos de 10% para o vermelho. O mesmo se passa nos EUA, no Canadá e na Europa, excepto Espanha, onde a cor preferida é o vermelho.

A razão pela qual a língua inglesa relaciona o "being blue" com estar triste é porque a "hora azul" nos EUA e no Canadá corresponde à saída dos trabalhadores dos escritórios. As ruas enchem-se de mangas azuis das camisas de jovens executivos que relaxam de um dia de trabalho.

Em alemão, estar embriagado diz-se blau (mas na cor verde o autor também diz que em alemão a palavra giftgrün designa um verde-amarelo e por isso o verde é a cor do veneno -???).

Nas embalagens de medicamentos, os calmantes e os soníferos têm a cor azul.

Isto tudo para dizer que hoje o Belogue está azul. E o Yves Klein também.



Yves Klein
Untitled Blue monochrome (IKB82)
1959
Solomon R. Guggenheim Museum, Nova Iorque
COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO

"Doidas, doidas, doidas andam as galinhas..."

Carta do Director do IPM aos seus Caros colegas:


Caros colegas,

Como é do vosso conhecimento, a infraestrutura de comunicações do IPM representa uma excelente ferramenta de trabalho que veio permitir agilizar diversos procedimentos em muitos domínios da nossa actividade, para além de facilitar a comunicação e os intercâmbios de informação, beneficiando um grande número de utilizadores.

A largura de banda de toda a infraestrutura possui uma dimensão considerável, mas denota já uma sobrecarga excessiva, devido ao elevado índice de comunicações/transações efectuadas pela utilização das aplicações implementadas, dos emails e da Internet, mas devido também à utilização abusiva da infra-estrutura para efeitos outros que não os profissionais, designadamente rádios on-line, downloads de filmes, músicas ou outros elementos, que pela sua dimensão afectam em muito o desempenho da rede.

É assim necessário solicitar a todos que restrinjam ao âmbito profissional a utilização da infra-estrutura de comunicação, sob pena de nos vermos obrigados a adoptar uma política de restrição de acessos que não desejamos.

Agradeço o empenho de todos para que esta infraestura possa manter o desempenho por todos desejado.

Com os melhores cumprimentos

O DIRECTOR

Manuel Bairrão Oleiro
TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

"Têxteis-lar Penélope - tapetes que nunca mais acabam"



Penelope at her loom
460-440 a.C.
Museo Civico, Chiusi, Siena

quinta-feira, outubro 20, 2005

sem título



Jimi Carneiro, Saudade
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

A circunferência do quadrado

Ninguém tem opinião sobre tudo. Portanto, escrever sobre este assunto na blogosfera é entrar como um elefante numa loja de cristais: somos grandes, desajeitados e não temos luvas. A "Quadratura do círculo" passa num dia diferente da "Sociedade das Nações" (ambos na SIC Notícias), porque se passasse no mesmo dia, não haveria ecrã panorâmico que aguentasse a overdose de conhecimento que existe em Pacheco Pereira e Nuno Rogeiro.

Mas ontem, Pacheco Pereira brilhou mais e o fosso entre o seu conhecimento e a total ausência de de ideias de Jorge Coelho acentuou-se, talvez pela ausência de Lobo Xavier, ou porque algum dia teria de ser.

Não é por Pacheco Pereira ter o Abrupto, ou pela sua ascendência estar tão enraízada na nossa história, mas aqui, gostamos do Pacheco (Assim, como este escreveu: "Gosto do Eco", Umberto Eco, claro). E é ver o olhar embevecido de Jorge Coelho (sereno, mas não seguro), enquanto o seu interlocutor oscila entre o debitar matéria e o puro exercício de relacionar conhecimentos na hora. Coelho intervém com um "olhe que não" que pagaria muitos direitos de autor, se neste país essa prática fosse corrente. Quando lhe passam a palavra; isto é, quando Pacheco Pereira remata o raciocínio ou o moderador se lembra que tem de fazer o seu papel e chama por Jorge Coelho, este balbucia uma data qualquer e uma data de clichés: sitema, implementação, lana caprina (ontem), pandemia, Estado de direito (lindo!)

No programa, cuja denominação deveria ser "A circunferência e os quadrados", Pacheco Pereira é a circunferência e os restantes presentes, os quadrados. Chamam-lhe a forma estéril porque se fecha em si mesma, mas é a forma perfeita, referida vezes sem conta na Bíblia, usada para congregar fiéis e apreciadores da bola. É o princípio e o fim; é o optimismo hegeliano: virá algo a seguir. O quadrado é uma forma atípica: sufocante, inexpressiva. Com um centro, é certo, mas sem a magia das coincidências matemáticas da circunferência. O quadrado raramente congrega fiéis e não vai à bola com amantes da bola. Escolhemos o quadrado para as nossas casas, depois dividimos esses quadrados em quadrados mais pequenos e apontamos com o indicador no papel: "aqui vai ser a sala, aqui o quarto". Fechamo-nos lá dentro.

Assim é JPP e Jorge Coelho. Miram-se. JPP pensa:
"Este gajo não faz a mínima ideia do que estou a falar" Sorri.
Coelho pensa
"Não faço a mínima ideia do que este gajo está a pensar". Sorri.

Às vezes, nós também não. Mas não temos de ter opinião sobre tudo, pois não?

quarta-feira, outubro 19, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

"Chamada para a morte" (literalmente)

- Estou sim?
- Sim, boa noite. É a D. Manuela do 4º C?
- Não senhor, é o marido. Que deseja?
- Aqui é a Morte. Queria falar com ela. Se pudesse chamá-la...
- Um momentinho...
...



- É para ti.
- Para mim?
- Sim. Atende lá.



- Sim?
- Sim. Estou a falar com a D. Manuela do 4º C?
- É ela. Quem fala por favor?
- É a Morte. D. Manuela, é o seguinte: deixaram-me um recado no desktop do computador para eu chamá-la hoje sem falta.
- Mas a esta hora?
- Sim. Sabe que neste emprego a gente não tem hora.
- Pois, mas eu ainda estou a fazer o jantar. São jaquinzinhos fritos com arroz de tomate e não posso deixar isto a meio. O arroz de tomate seco não tem piada; toda a gente aqui em casa gosta dele malandrinho.
- D. Manuela, nós não fechamos, tem é que vir hoje porque é o que está escrito no papel.
- E quando eu chegar aí o que é que digo?
- Diga que a Morte a chamou.
- Olhe, deixe-me só desligar o fogão e tirar o avental.
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
No dia 7 de Outubro de 2005 o Expresso no seu suplemento "Actual" publicou uma entrevista imaginária a Corto Maltese. Uma das perguntas/afirmações era: "Falemos de mulheres. Alguém o apresentou como um "sedutor frustrante e frustrado, parasita romântico e talvez mesmo sentimental".
A resposta/desabafo: "Falam demasiado de mim! As mulheres seriam maravilhosas se pudéssemos cair-lhes nos braços sem ficar nas suas mãos. Conheci muitas, só porque é impossível conhecer todas. Mas só conhecendo todas se pode amar de facto alguma. (...)"

terça-feira, outubro 18, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

Antes e depois:




Jacopo Pontormo
Visitação
1528-1529
San Michele, Carmignano, Florença



Bill Viola
The Greetings
(vídeo e instalação)
1995
De Pont Foundation for Contemporary Art, Holanda






Giotto di Bondone
Descida ao Limbo
1320-1325
Alte Pinakothek, Munique


Anish Kapoor
Descida ao Limbo
(fibra de vidro e acrílico)
1992
The Pont Foundation for Contemporary Art, Holanda
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Para ouvir: Johnny Cash - "Hurts". E para ver também. O vídeo clip é a junção de várias obras de arte. Johnny Cash é o velho do retrato de Domenicho Ghirlandaio e o resto é uma grande natureza morta de Caravaggio ou Chardin. Só um bocadinho...
"I hurt myself today
to see if I still feel
I focus on the pain
the only thing that's real
the needle tears a hole
the old familiar sting
try to kill it all away
but I remember everything
what have I become?
my sweetest friend
everyone I know
goes away in the end
and you could have it
all my empire of dirt I
will let you down
I will make you hurt."




Domenicho Ghirlandaio
Avô e neto
Museu do Louvre, Paris




Johnny Cash em "Hurt"


Para ver: World Press Photo no CCB até Domingo. Um bocadinho "popularucho", mas se ainda der tempo, sempre se pode ir até à Gulbenkian e ver a colecção Lalique.



Daniel Aguillar (México)
Menção Honrosa na categoria "Actualidade"




René Lalique
Cats choker
1906-1908
Fundação Calouste Gulbenkian

Para ler: Grande Reportagem desta semana. Não toda, claro. Basta a reportagem sobre a ligação de vários países ao Iraque, incluíndo Portugal. Uma notícia que o Dr. Soares não deve ter gostado de ver publicada.

segunda-feira, outubro 17, 2005

EU SOU ASSIM...



Esta rubrica acaba aqui.
COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO
Ainda o Dia Mundial da Alimentação
Peter Paul Rubens
As três Graças
Museu do Prado, Madrid
A SIC fala sobre o Dia Mundial da Alimentação de uma forma curiosa e contraditória. Primeiro, imagens bonitas em espaços abertos, de gente que quer ser saudável, gente que sabe ser saudável, gente que está a aprender a ser saudável e gente que tenta ensinar como ser saudável. À mistura, as palavras obesidade, percentagens, colestrol e diabetes. Logo a seguir a emissão passa para a Feira de Gastronomia, um espaço fechado, abafadinho em sabores e vapores, com cores libidinosas de ovos moles de Aveiro e castanhas doces, barrigas de freira, morcelas e chouriços e açordas. Um brilho irresistível. A repórter tenta estabelecer uma ligação entre a reportagem anterior e a da feira, mas é impossível: a bota não rima com a perdigota, embora pudesse rimar se a SIC tivesse preparado melhor a intervenção. Ou se nem a tivesse colocado no ar.

Faz lembrar uma campanha recente sobre a obesidade infantil. Nela, uma criança anafadinha tocava à campainha de casa de um colega, que este só abre quando, após o primeiro muito insistir em identificar-se pelo seu nome próprio, em vão porque o outro não o reconhece, desiste e decide dizer: "Sou eu, o gordo."Do outro lado obtém um: "Ah, podias ter dito. Entra." Isto tudo para dizer que quem por dever deve alertar para estas questões, mostra a obesidade como doença passível de reprovação social e não como uma doença grave com repercussões futuras.
Hoje assistimos a dois tipos de postura perante a alimentação. Por um lado a preocupação excessiva à qual se dá o nome de ortodexia, e que pode culminar em anorexia, bulimia e vigorexia (embora a vigorexia seja uma preocupação excessiva, ou obsessão se quiserem, com o exercício físico). Por outro, vemos nos supermercados pessoas com os carrinhos cheios de iogurtes de três mil variedades e todos os tipos de bolachas. Sem ninguém lhes perguntar nada, sorriem na caixa enquanto abrem o porta moedas e dizem: " é o que se leva desta vida."

Será?

domingo, outubro 16, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

Depois de onze anos, casaram. Ontem. Esperemos que este não seja um erro daqueles que faz todo o sentido.


Jan Van Eyck
A boda dos Arnolfini
ou
Retrato de Casamento
1434
National Gallery, Londres

sábado, outubro 15, 2005

COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO
[No comboio]
- Votas?
- Voto.
- Em quem?
- Ou no Pâ ésse, ou no Partido Socialista.
(É por estas que temos um dia de reflexão.)
[Na televisão]
- "A internet é a rua" - diz uma personagem a outra.
(Então e o caminho entre a casa e a padaria, e entre a casa e o trabalho, e o prédio que estão a construir e ainda não está acabado, é o quê? E a soleira da porta, conta? A internet é a rua a partir do momento em que somos capazes de manter um diálogo com um estranho cujo nome verdadeiro desconhecemos e que está a quilómetros de nós, e na mesma sala, não somos capazes de dizer mais do que duas palavras por dia ao colega de trabalho. Para mais informações ler "A política do pior" de Paul Virilio ou "A pele da cultura" de Derrick de Kerchkove).
[No Público de hoje - hoje, sexta]
Britney Spears vai doar objectos num leilão da ebay com lucros a reverter para as vítimas do furacão Katrina. Entre essas peças está uma T-shirt com os seguintes dizeres: "I have a golden ticket", e respectiva seta a apontar para a zona púbica.

(Alguém avisa a miúda que para ter um golden ticket é preciso comer um Willy Wonka. E francamente, não se esconde um golden ticket ali.)
[No jornal Público de hoje - hoje, sexta]
O fabricante do anti viral contra a gripe das aves nega-se a libertar a patente do medicamento, alegando que não pode esperar três anos (tempo necessário a que pelo menos um laboratório comece a produzir o mesmo produto).
(Uns morrem - calma que o caso ainda não é para tanto - e outros, lucram.)
[No jornal Público de hoje - hoje, sexta]
Lula da Silva, presidente brasileiro esteve em Portugal. O nosso primeiro ministro pediu que os empresários brasileiros investissem mais em Portugal, para contrariar a tendência que se tem vindo a sentir de um investimento português por terras brasileiras, muito superior ao deles aqui pelo nosso país. O jornal apresenta três casos de investimentos brasileiros em Portugal. Num deles o empresário refere que "o investimento tem corrido bem", mas "as leis laborais, a qualificação técnica e a produtividade dos trabalhadores" foram o aspecto menos positivo.
(Alguém com as orelhas vermelhas e quentes? Alguém? Aí atrás? Não? Então vamos continuar)
[No Público de hoje - hoje, sexta]
"Vinte e dois hospitais lesados por "cartel" de laboratórios". Em 36 concursos públicos que envolveram 22 hospitais do portugueses, cinco laboratórios foram coimados por aplicarem todos o mesmo preço. Assim, todos os laboratórios apresentavam preços iguais e isso permitia-lhes subi-los, uma vez que o concorrente nunca teria um preço mais baixo. (Curioso!!??)
(Ninguém explica!!)

quinta-feira, outubro 13, 2005

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Este blog e eu fazemos hoje um mês. Vou convidá-lo para jantar, tirá-lo para dançar e quem sabe, se no fim da noite, mais desinibido, ele me deixa depositar a mão no seu peito, sob a blusa.




Agnolo Bronzino
Vénus, Cupido, Tempo e Loucura (detalhe)
1540-1550
National Gallery, Londres

quarta-feira, outubro 12, 2005

COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO

Documento 1676, e o outro, o que nunca apareceu

O Público de hoje noticia a intenção da Torre do Tombo de divulgar o dossier da Legião Portuguesa entregue pelo ex-grão-mestre da loja do Grande Oriente Lusitano em Abril. Ao que parece, há vozes desfavoráveis a esta divulgação uma vez que em cerca de 127 folhas são referidos nomes e moradas de colaboradores da organização paramilitar Legião Portuguesa que contou com o apoio Salazarista. Estas vozes defendem que a divulgação dos dados relativos a pessoas que colaboraram com a Legião Portuguesa, algumas delas ainda vivas, para além de poder perturbar a intimidade, as recordações e sentimentos dessas pessoas, não respeitava o número de anos que por vezes estes casos requerem; ou seja, 75 anos após o ano do dossier. Neste caso, só em 2026 o processo nº 1676 estaria disponível para consulta.

Apesar do que as últimas eleições autárquicas podem fazer crer, ainda vivemos num país que pode, sabe (e deve enterrar) os seus fantasmas convenientemente. Não se prevê aqui pelos lados do Belogue que a divulgação desta lista, mesmo no que se refere a pessoas que vivem em meios mais pequenos, possa desencadear uma caça às bruxas. Não há regimes políticos sem mácula e a prova de que procuramos diariamente não cair nos erros do passado, poderia ser dada com esta divulgação.

Quando em 1960 Luís de Sttau Monteiro escreve o drama “Felizmente há Luar”, baseou-se unicamente na peça escrita por Pinheiro Chagas sobre o caso em questão, o caso Gomes Freire de Andrade, uma vez que o processo Gomes Freire que deveria estar na Torre do Tombo, estava desaparecido integralmente, como relata o escritor numa entrevista a Rogério Rodrigues. Perde-se deste modo a possibilidade de consulta de um processo que esteve na base da Revolução Liberal e essencial não só pela sua carga histórica, mas também como retrato fiel de um acontecimento.
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Para ler: Le Nouvel Observateur (recomendado esta semana pelo Expresso e com o grosso da publicação dedicada às utopias de hoje, como se pode ler na capa.) A revista fala (e citando o Expresso) da utopia da “abolição do mercado, da Antárctida, do fim da ciência, da abolição da fome, da androgenia, da paz perpétua, do fim da má educação, do útero artificial, do corpo virtual, das zero crianças pobres, da imortalidade, tecnicista, da sociedade ateia, da vegetariana”.






Para ouvir: D'Angelo - Voodoo (principalmente o muito subestimado "How does it feel")




Para ver: ainda que virtualmente e aqui, “O rapto de Proserpina” (pormenor, delicioso diga-se), de Gian Lorenzo Bernini, 1621, Galleria Borghese, Roma.
TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

"Não sou nada.
Nunca serei nada,
não posso querer ser nada.
À parte isso,
tenho em mim
todos os sonhos do mundo."

Fernando Pessoa


Van Gogh
Auto retrato com a orelha cortada
1889
Coutard Institute Galleries, Londres









terça-feira, outubro 11, 2005

O CARTEIRO
Tântalo era rei da Lídia e pai de três filhos, entre eles, Pélope. Uma vez, sabendo que ía receber os deuses em sua casa para um jantarzinho informal, resolveu testar a imortalidade deles e serviu aos convidados o seu próprio filho. Os deuses descobriram e resolveram condená-lo a perecer no Tártaro, onde estava mergulhado em água, com uma árvore de frutos que oscilavam sobre a sua cabeça. Quando se baixava para beber água, esta descia, quando se colocava em pontas dos pés para comer um fruto, o vento afastava os ramos.

Na versão bíblica, não chegou a haver banquete. Deus ordenou a Abraão que levasse o seu filho Isaac ao alto de uma colina e aí o sacrificasse. Presume-se que para Abraão fosse particularmente difícil uma vez que foi pai com uma idade muito avançada. Resignado, e de faca em riste, levou o filho Isaac até à colina indicada e quando se preparava para fazer o que Deus lhe tinha ordenado, o Senhor enviou um anjo para segurar a mão de Abraão.
Nos dois casos, podiam abrir empresas de catering.
Por exemplo: “Refeições Abraão e Isaac – mão-de-obra do pai e matéria-prima do filho”, ou “Air Greece, voe com Pélope em escabeche, servido por Tântalo”, ou “Restaurantes Pélope, banquetes e Tântalo”, ou “Um Banquete e Tântalo, de Pélope”, ou “Abraão, a mão divina na cozinha”, ou “Talhos Isaac, dedicação de corpo e alma”. Esperamos mais sugestões, principalmente de quem ainda não tenha sugerido nada neste blog.



Michelangelo Merisi da Caravaggio
The Sacrifice of Isaac (detalhe)
1603
Galleria degli Uffizi, Florença

segunda-feira, outubro 10, 2005

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Porque há dias em que os erros que fazem todo o sentido são difíceis de aceitar, isto é tudo o que hoje postarei.

domingo, outubro 09, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS
Fossem todos os Domingos assim: silenciosos, expectantes, misteriosos, quentes, desinteressados, tensos.




Edward Hopper
Early Sunday Morning
1930
Whitney Museum of American Art, Nova Iorque

sábado, outubro 08, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS


Ao Sábado, truísmos de Jenny Holzer

- being alone with yourself is increasingly unpopular
- being happy is more important than anything else
- being judgmental is a sign of life
- being sure of yourself means you're a fool
- believing in rebirth is the same as admitting defeat
- boredom makes you do crazy things
- calm is more conductive to creativity than is anxiety
- categorizing fear is calming
- change is valuable when the oppressed become tyrants
- chasing the new is dangerous to society

sexta-feira, outubro 07, 2005

O CARTEIRO

Alguns poemas sobre Portugal (desculpem a ausência de datas):

De Alexandre O'Neill, Portugal

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

De Ruy Belo, Portugal Sacro-Profano

Neste país sem olhos e sem boca
hábito dos rios castanheiros costumados
país palavra húmida e translúcida
palavra tensa e densa com certa espessura
(pátria de palavra apenas tem a superfície)
os comboios mansos têm dorsos alvos
engolem povoados limpamente
tiram gente de aqui põem-na ali
retalham os campos congregam-se
dividem-se nas várias direcções
e os homens dão-lhes boas digestões:
corediros de metal ou talvez grilos que mãe aperta ao peito os fihos ao ouvi-los?
Neste país do espaço raso do silêncio e solidão
solidão da vidraça solidão da chuva
país natal dos barcos e do mar
do preto como cor profissional
dos templos onde a devoção se multiplica em luzes
do natal que há no mar da póvoa de varzim
país do sino objecto inútil única
coisa a mais sobre estes dias
Aqui é que eu coisa feita de dias única razão
vou polindo o poema sensação de segurança
com saúde de um grito ao sol
combalido tirito imito a dor
de se poder estar só e haver casas
cuidados mastigados coisas sérias
o bafo sobre o aço como o vento na água
País poema homem
matéria para mais esquecimento
do fundo deste dia solitário e triste
após sucessivas quebras de calor
antes da morte pequenina celular e muito pessoal
natural como descer da camioneta ao fim da rua
neste país sem olhos e sem boca.

De António Nobre, Lusitânia no Bairro Latino

Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!

Oh as lanchas dos poveiros
A sairem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
A espera da maré,
Que não tarda hí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força,
Clamam todos à uma: "Agôra! agôra! agôra!"
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(As vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento, e todas à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:

Snra. Nagonia!

Olha, acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

Senhora Da guarda!

(Ao leme vai o Mestre Zé da Loenor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador! Senhora d'ajuda!
Ora'pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
S.hr dos ramos! I
strella do mar!
Cá bamos!

Parecem Nossa Senhora, a andar.

Snra. da Luz!

Parece o Farol...

Maim de Jesus!
E tal qual ela, se lhe dá o Sol!

S.hr dos Passos!
Sinhora da Ora!

Aguias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fóra...

S.hr dos Navegantes!
Senhor de Matozinhos!

Os mestres ainda são os mesmos d'antes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mail-os quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...

Senhora dos aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!

O lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!

Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jéques, o Pardal, na Nam te perdes.
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes
"As armas e os barões assinalados..."

Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele:

Bamos com Deus!

Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com ele
Por esse mar de Cristo...

Adeus! adeus! adeus!

De Xutos e Pontapés, Diz-me

Diz-me, que pode fazer um homem,
quando as portas estam fechadas
e as ajudas não chegam.
Diz-me, se uma mulher
não é dona do seu corpo
e se dá tudo para o torto
e acaba no tribunal
Diz-me se fazem as leis por medida
para ficarem na gaveta
e nos fazerem de tolos ...

Refrão

Então, vão-nos dando futebol
põe-se o norte contra o sul
é dividir para mandar

Diz-me, se estão a favor da guerra
e deixam de lado a terra
e vam-se esquecendo de ti
Diz-me, se o que parece é
vivemos fora de pé
num completo desgoverno

Então??? Tem que haver informação
tem de haver partcipação
na vida de todos nós;
e tu se isto não te diz nada
olha para a rapaziada
vê a vida que o povo tem,
vê a vida que o povo tem,
vê a vida que o povo tem.



Sem título


Tudo era apenas uma brincadeira
E foi crescendo, crescendo, me absorvendo
E de repente eu me vi assim completamente seu
Vi a minha força amarrada no seu passo
Vi que sem você não há caminho,eu não me acho
Vi um grande amor gritar dentro de mim como
eu sonhei um dia
Quando o meu mundo era mais mundo
E todo mundo admitia
Uma mudança muito estranha
Mais pureza, mais carinho mais calma,mais alegria
No meu jeito de me dar
Quando a canção se fez mais clara e mais sentida
Quando a poesia realmente fez folia em minha vida
Você veio me falar dessa paixão inesperada
Por outra pessoa
Mas não tem revolta não
Eu só quero que você se encontre
saudade até que é bom
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom
Que eu tenho em mim
Eu tenho sim
Não tem desespero não
Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu serei mais feliz

Caetano Veloso, Sonhos

quarta-feira, outubro 05, 2005

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

- Talhos Perseu...
- Olá Sr. Perseu, é a D. Arminda.
- Olá D. Arminda, está tudo benzinho? O que é que vai ser hoje?
- Olhe Sr. Perseu... Ainda tem cabeças de Medusa, é que já cheguei a casa tarde e se calhar já não tem, não é?
- Não D. Arminda, claro que tenho. Diga lá.
- Então queria, da parte de fora, três serpentes mas tenrinhas.
- Três? Mas vocês não são 4 aí em casa?
- Somos, mas a minha mais nova não gosta.
- Três serpentes tenrinhas e que mais?
- E da parte de dentro era o costume, mioleira. 1 Kg.
- Vai haver festa, D. Arminda.
- Não, nem por isso... No domingo há futebol e se ainda der tempo, eu e a minha cunhada vamos ver os fogos.




Perseu com a cabeça da Medusa
António Canova
1801
Museu do Vaticano

terça-feira, outubro 04, 2005

COISAS QUE EU NÃO COMPREENDO

Se a Judite abrisse um talho, será que venderia cabeças de Holofernes?





Michelangelo Merisi da Caravaggio
Judite decapitando Holofernes
c. 1598
Galleria Nazionalle dell' Arte Antica, Roma
O CARTEIRO

A festa do Avante 2005

A imagem de Álvaro Cunhal em grande formato e os altifalantes a soar a sua voz metálica em tempos de vida, pareceram-me um "1984" de George Orwell, meets "O Outono do Patriarca" de Gabriel Garcia Marques.

"Chegou o carteiro
das nove p'ras dez
a vizinha do lado
de roupão enfiado
chegou-se à janela
em bicos de pés
e logo gritou:"Traz carta p'ra mim?"
e o carteiro que é gago
espera um bocado
e responde-lhe assim:
"Não não não não não
não não não trago nada
só só só só só
só trago o pacote
da sua criada"
"Chegou o carteiro" - Sérgio Godinho
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

Devido a problemas técnicos, outros, outros e outros, que não tenho de especificar, este blog ficou sem novidades. A actividade é retomada....
agora.