quinta-feira, abril 13, 2006

há frutos que é preciso
acariciar
com o dedos com
a língua

e só depois
muito depois

se deixam morder.

(Dióspiros, Jorge de Sousa Braga, in Balas de Pólen)
- não vai mais vinho para essa mesa -

Quer dizer, já não bastavam os antigos, ainda temos os novos. Qualquer dia até respirar é pecado.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Antes:

Bernini
Medusa
1630
Palazzo dei Conservatori, Roma

Depois:

Vik Muniz
Medusa, After Bernini
(from pictures of chocolate)
2004
- mãe, a maçã tem bicho -
Caravaggio
Supper at Emmaus
1600-1601
National Gallery, Londres

Entrevista de Isabel Pires de Lima ao Jornal de Letras
[Então está bem...]
P- Afinal, em que consiste o acordo do Ministério da Cultura com a Fundação Berardo?
R- O acordo resulta da vontade política, expressa com muita veemência pelo Estado e pelo MC, de fixar a colecção Berardo de Arte Moderna e Contemporânea. Pareceu-nos da maior importância fazê-lo, porque estamos a falar de uma colecção constituída por 862 peças, com muitos autores importantíssimos, como Pollock, Picasso, Miró, Andy Warhol, um núcleo surrealista e outro de arte pop muito fortes, a que o público português não tinha acesso noutras colecções públicas. Era um dossier que se arrastava há muito, tendo-se chegado agora a um acordo de empréstimo em que o comendador Berardo, a partir de uma Fundação que vai gerir o Museu, empresta ao Estado português, por um período de dez anos, as obras que compõem esta colecção. Vamos agora proceder à sua avaliação, suportada financeiramente pelas duas partes, finda a qual, o coleccionador terá um mês para aceitar o seu resultado. O acordo prevê ainda que o Estado português tenha direito de opção de compra durante esses 10 anos, a partir de Janeiro de 2007. Para além disto, o Museu será gerido pela Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Fundação Berardo (cujo presidente será o comendador), sendo o conselho de administração constituído por cinco elementos, dois indicados por ele, dois pelo Estado e um quinto por comum acordo. Por último, haverá um fundo para aquisição de obras de arte, já a funcionar este ano, contribuindo cada uma das partes com 500 mil euros.
[Não crê? Ou sim ou não. Para depois do almoço fica aqui a opinião de António Mega Ferreira sobre isto]
P- Um dos aspectos mais controversos deste acordo é o facto do Museu vir a ocupar todo o Centro de Exposições (módulo 3) do CCB. Corremos o risco de ver muito limitada a programação deste equipamento?
R- Não creio. A gestão funcional deste espaço continuará a pertencer unicamente ao CCB, o que está plasmado num protocolo a ser assinado entre a Fundação Centro Cultural de Belém e a Fundação Berardo. Esta conivência abre, em meu entender, muitas possibilidades. Aliás, o CCB há vários anos que convive com a colecção Berardo e o próprio Estado há muito que investia nela, quer exibindo obras, quer fazendo a sua conservação e guarda nas reservas, o que está longe de ser barato.
[Nota-se...]
P- Já anunciou a abertura em Lisboa de um pólo do Hermitage. Como vai ser?
R- Assumo ser uma das minhas apostas, que se integra numa das linhas programáticas deste governo para o MC. Queremos apostar na componente museológica, como elemento fundamental da qualificação cultural dos portugueses, e isso passa também pela criação de novos públicos para os museus. (...)

[Isso é um recado?]

P- Estes novos museus não vão "colidir" com museus já existentes? O Museu Berardo será de Arte Moderna e Contemporânea, mas já temos o Museu de Arte Contemporânea do Chiado...
R- O Museu do Chiado é basicamente um museu de arte moderna e contemporânea portuguesa, que, por vezes, tem exposições de autores de outras nacionalidades e poderá continuar a tê-las, se assim o entender. Não vejo nenhum perigo de sobreposição, pelo contrário, penso que haverá vantagens mútuas. Talvez o Museu do Chiado passe a recentrar-se mais naquela sua vocação primeira.
- não vai mais vinho para essa mesa -

A Páscoa vista de outro lado:

Raffaello Sanzio
The Sistine Madonna
1513-14
Gernäldegalerie, Dresden

Esta pintura de Rafael, muito conhecida pelos putti na parte inferior da obra - reproduzidos até à exaustão em aventais e marcadores de livros, é a Madonna Sistina, por se encontrar rodeada de Santa Bárbara a S. Sisto. Diz-se que no local onde estava exposta, a pintura tinha em frente uma cena da Crucificação de Cristo e por isso o ar assustado da Virgem. De facto, S. Sisto aponta para a frente como se dissesse a mãe e filho que aquele seria o fim do Salvador.

quarta-feira, abril 12, 2006

- não vais mais vinho para essa mesa -

não peças a medida.
não te agarres às árvores.
não desvies os olhos.

não deixes de tocar-me.
não gemas, não suspires, não
faças mais que estremecer. mas

de leve, não digas. não
respires, não esperes que tudo
fique assim, mas

não queiras o contrário. não
escutes os pássaros. não espreites
o espelho. não abras

mais janelas. não tapes
a nudez. não mexas no
cabelo. não protejas o peito. não

te furtes, não tenhas pressa. não
mudes de lugar. não
perturbes esta fresca

melodia, não acendas o vento.
não acendas a sombra. não.
não saias de onde estás.

(3., Vasco Graça Moura, in Imitação das Artes)
- original soundtrack -


Words disappear,
Words once so clear,
Only echos passing through the night.

The lines on my face,
Your fingers once traced,
Fading reflection of what was.

Thoughts re-arrange,
Familar now strange,
All my skin is drifting on the wind.

Spring brings the rain,
With winter comes pain,
Every season has an end.

There's an end,
There's an end,
There's an end,
There's an end,
There's an end.


(There is an end, The Greenhornes)
- ars longa, vita brevis (II) -
hipócrates
Antes e depois:
- Não vais fazer isso!?
- Vou!
- Mas é a imagem de Cristo!
- Sem as carpideiras ao lado e assim mais pequeno nem parece, pois não?
- Não podes!
- Posso o que eu quiser. De que nos vale toda a arte do mundo, fruto da imaginação e criação de alguém se não potenciar em nós a criação?
- Muito bonito, sim senhor! Mas Ele é filho de Deus!
- So am I.

- Estás a dormir?
- Não.
- Queres um cigarro?
- Estou tão cansada! Mesmo que quissesse não seria capaz de fumá-lo.
- A meias?
- Ok.
- Foi bom para ti?

Andrea Mantegna
The lamentation over the Dead Christ (pormenor e manipulada)
1490
Pinacoteca de Brera, Milão

- Foi, e para ti?
- Estou morto.
- Isso não quer dizer que tenha sido bom.
- Pois não, mas pensa assim, tudo o que é bem feito dá trabalho.
- Por mim é suficiente. Dá aí uma passa.

John Currin
Nude on a table
2001
- o carteiro -
Começou a coutada
Basta ver dois minutos, não mais, de um qualquer canal generalista de televisão para compreender que muitos dos anúncios a alimentos são dedicados à chamada comida diet ou light – uma coisa e a outra não querem dizer o mesmo. Há pouco tempo, e a propósito de as cadeias de alimentação não estarem a cumprir os limites de calorias e açucares impostos pela OMS, uma senhora dizia e com razão, que cerca de 50% dos anúncios publicitários que vemos relativos a alimentos são dedicados a produtos denominados de “fast food”. Pois se 50% são dedicados a produtos ricos em calorias, os outros 50% são dedicados a produtos com poucas calorias. É um racíocinio lógico, simples e muito semelhante ao do copo “meio-cheio” ou “meio-vazio”.

Para quem, como a Beluga, já equacionou a hipótese de comer comida para animais, sabe que este ataque constante aos nossos sentidos, quer com barras de cereais (que não dão para “a cova de um dente”), quer com cremes e loções para todas as maleitas epidérmicas que achamos ser uma maldição demiúrgica, quando afinal são o reflexo de um estilo de vida totalmente errado, é no mínimo irritante. E nem sequer temos a possibilidade de, ao mudar de canal, nos deparamos com outro tipo de notícias. Nos canais ingleses, por exemplo, uma das coqueluches dos programas televisivos é uma coisa que se chama “Footbaler’s wifes”, que como o nome indica, é a exaltação da imagem: nunca em tão curto espaço de tempo televisivo foi possível ver tanta manipulação em photoshop. Os nossos noticiários terminam com imagens de ginásios apilhados de máquinas alinhadas e onde só é possível exercitar o corpo da mesma forma que se vive: com cuidado para não incomodar o vizinho do lado. O entretenimento para esses momentos que deviam ser de entretenimento é a televisão e por consequência, os vídeo-clips de mau gosto.

Este é sem dúvida um mundo cada vez mais estranho, onde ser um rosto perfeito e um corpo imaculado parece estar bem acima de qualquer constrangimento, e onde o preço para o alcançar são desafios televisivos para substituir duas refeições por ceriais, ou tomar durante várias semanas o mesmo iogurte – milagroso – que permite alcançar tal objectivo. Se não ficar satisfeito, não se preocupe, devolvem-lhe o dinheiro. Não lhe devolvem é a saúde.
-ars longa, vita brevis -
hipócrates
Antes de depois:
Num, a lamentação da morte de Cristo numa pintura claustrofóbica e por isso, perturbante - um exercício extremo na busca da perspectiva. No outro, um nu feminino, actual e quase satisfeito. Uma senhora que não parece lamentar nada e ainda nos olha pelo canto do olho como se nós fossemos os intrusos consentidos da sua satisfação. A seguir com atenção este senhor John Currin...

Andrea Mantegna
The lamentation over the death Christ
1490
Pinacoteca de Brera, Milão


John Currin
Nude on a Table
2001


Há mais Diário de Portvgálius na Formiga Bargante

segunda-feira, abril 10, 2006

-original soundtrack -



I don’t believe in an interventionist god
But I know, darling, that you do
But if I did I would kneel down and ask him
Not to intervene when it came to you
Not to touch a hair on your head
To leave you as you are
And if he felt he had to direct you
Then direct you into my arms

Into my arms, o lord
Into my arms, o lord
Into my arms, o lord
Into my arms


(Into my arms, Nick Cave)
- não vai mais vinho para essa mesa -
Obviamente desempregada!

Charlie Chaplin
The Gold Rush

Neurónio 43 – Então é mesmo a sério.
Neurónio 67 – É. É, mas não é para já.
Neurónio 43 – E agora?
Neurónio 67 – Agora… Agora caramba, lideramos dois pés, coordenamos duas mãos, orientamos esta máquina toda…
Neurónio 43 – Ai se as células te ouvem!
Neurónio 67 – …Não vamos ficar sem ter o que fazer. Tenho a certeza que vai aparecer alguma coisa.
Neurónio 43 – Lojas de roupa outra vez?
Neurónio 67 – Espero que não, mas se tiver de ser…
Neurónio 43 – Horas à espera de uma entrevista, perguntas ridículas como...
Neurónio 67 – Como aquela “Se o mundo acabasse hoje quais destas dez personalidades escolhia para começar um novo mundo?”
Neurónio 43 – Sim, essa é fenomenal. E as respostas que ela tem de ouvir: “Ai eu não escolhia o homossexual porque se é homossexual não iria procriar”.
Neurónio 67 – A ideia dos comportamentos sexuais estanques…
Neurónio 43 – Pois! Eu bem lhe digo para ela não ir.
Neurónio 67 – E quando vamos, que maçada estar a fingir que não se percebe que os lugares já estão ocupados.
Neurónio 43 – Se mostra que tem habilitações…
Neurónio 67 – Porque tem habilitações e quando arranjar alguma coisa melhor vai-se pôr ao fresco.
Neurónio 43 – Se não mora naquela cidade…
Neurónio 67 – Porque não mora naquela cidade.
Neurónio 43 – Se está tudo bem, is the right girl for the role…
Neurónio 67 – Surge um idiota daquelas empresas que fazem entrevistas à hora e cuja sensibilidade é igual à de um hipopótamo perante a bicada de um colibri.
Neurónio 43 – Se passa todas as fases da entrevista…
Neurónio 67 – Francamente, achar que uma pessoa é mais ou menos qualificada para dobrar roupa consoante o número de palavras começadas pela letra “M” que conseguir escrever em dois minutos!
Neurónio 43 – Não ficas porque acham que há em ti qualquer coisa que não funciona. E de facto há qualquer coisa connosco que não funciona bem.
Neurónio 67 – Porque é que dizes isso? Fizeste Erasmus com neurónios de cérebros italianos?
Neurónio 43 – Não, mas acho.
Neurónio 67 – Até me dói a barriga só de pensar nisso.
Neurónio 43 – Em quê?
Neurónio 67 – Respostas a anúncios de jornais.
Neurónio 43 – Podes crer.
Neurónio 67 – Queres ir dar uma volta para espairecer?
Neurónio 43 – Não posso. Ainda estamos em serviço, lembras-te?
Neurónio 67 – O que é que há hoje?
Neurónio 43 – Animação em flash, leituras várias dos vidros ao Pós-Modernismo, trabalhos no freehand, e corrigir aquela tese.
Neurónio 67 – Cansado?
Neurónio 43 – Muito. De viver. Isto custa, sabes? O meu avô e o meu pai morreram aqui. E agora…
Neurónio 67 – Desempregada…
Neurónio 43 – E o pior não é isso!
Neurónio 67 – O pior é que se comenta à boca cheia – neurónios desocupados, tu sabes – que isto é o canto do cisne, que está incapaz de produzir seja o que for.
Neurónio 67 – Mentira. A notícia da sua morte é um exagero.
Neurónio 43 – Eu li isso em qualquer sítio…
Neurónio 67 – Mark Twain.
Neurónio 43 – Tens razão.

Neurónio 43 – E agora, queres vir tomar um copo? Ela está com a boca aberta. Podíamos ir para um canino e apanhar sol.
Neurónio 67 – Vamos lá.
- não vai mais vinho para essa mesa -
Chávenas Beluga numa Casa de Serralves perto de si.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Antes e depois:

Edouard Manet
Olympia
1863
Museé d'Orsay, Paris


Yasumasa Morimura
Futago
1988
Colection SF MoMA, Nova Iorque
- mãe, a maçã tem bicho -
Caravaggio
Supper at Emmaus (pormenor)
1600-1601
National Gallery, Londres
[No futebol, quando o Marítimo acabou de marcar o segundo golo]
Jornalista - Acha que o Benfica merece este resultado?
Adepto - Não. Acho que pelo menos merecia estar a ganhar.

domingo, abril 09, 2006

Porto de Abrigo aqui, ou "Quem precisa de Belogue quando há posts da Beluga na Formiga Bargante?"

sexta-feira, abril 07, 2006

- não vai mais vinho para essa mesa -
Se um desconhecido lhe disser que tem nádegas de ferro e bem modeladas, responda-lhe que faz natação e que a reserva dos vidros é no segundo andar e não há elevador.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
O autor do relato de viagem que aqui pela primeira vez se apresenta em tradução portuguesa, nasceu a 2 de Fevereiro de 1767 em Poggenhagen, Hildessheim. Em 1792 é chamado para a Universidade de Reostock na qualidade de professor de Zoologia, Botânica e Química, onde ficará até 1811; em 1797 obtém do duque-reinante de Mecklenburg uma licença de dois anos para acompanhar o conde de Hoffmansegg a Portugal numa viagem que tinha por objectivo o estudo sistemático da flora portuguesa. O relato dela resultante constitui um texto decisivo, num período decisivo, seja para Portugal, seja mais genericamente para a Europa que mais atentamente seguia as movimentações políticas e militares das potências da época. A prová-lo está a tradução dos dois primeiros volumes para inglês, publicados no mesmo ano em que saiu o original alemão, 1801.
Por outro lado, mesmo adoptando uma perspectiva mais limitada espacial e culturalmente, i.e., mesmo quando a leitura a que esta vasta obra é submetida parece mais empenhada em ajuizar do seu valor ou intersse enquanto fonte da historiografia portuguesa, o texto adquire ainda e também uma importância considerável, nomeadamente quando visto no conjunto da literatura (de viagens) europeia que de alguma forma se dedica ou tem por objecto o Portugal da segunda metade do século XVIII.

(Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, Heirinch Friedrich Link)

Um dos colaboradores de Mao Tse Tung dizia que um dos seus grandes defeitos era a crítica constante que fazia ao país. Este é um livro que nos mostra algumas coisas boas do país que temos.

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Antes e depois:

Nossa Senhora da Conceição
Bento Coelho da Silveira
1620-1708
Museu de Aveiro


John Galliano para a casa Christian Dior
Outono / Inverno 2006
- o carteiro -

Três casos de Anti-Semitismo, ou let's not forget, let's not repeat

Alfred Dreyfus
Alfred Dreyfus foi capitão do exército francês, de religião judaica, injustamente acusado e condenado por traição e em seguida amnistiado e reabilitado. Esta condenação foi o centro de um grande conflito social e político da Terceira República Francesa que ficou conhecido como o “caso Dreyfus”. Dreyfus foi preso a 15 de Outubro de 1894 e em 5 de Janeiro do ano seguinte foram-lhe retirados os galões de oficial numa cerimónia humilhante e foi condenado a prisão perpétua na Ilha do Diabo. Em 19 de Setembro de 1899 foi amnistiado e deixou a prisão. Foi viver com uma das suas irmãs em Carpentras e mais tarde em Cologny. Foi oficialmente reabilitado em 1906 e em Outubro do mesmo ano foi-lhe dado o comando da unidade de artilharia de Saint Dennis. Zola defendeu-o no livro “J’accuse” e Proust dedicou-lhe grande parte dos serões em casa da Senhora Verdurin no seu “Em busca do Tempo Perdido”.


Beilis Mendel
Beilis trabalhava, até à sua prisão, numa olaria em Kiev como superintendente. Era judeu, mas vivera grande parte da vida longe da comunidade judaica pois passou a juventude no exército russo e nos 15 anos em que trabalhou na olaria era o único judeu da vizinhança. Em 20 de Março de 1911 o corpo de uma criança russa de 12 anos foi encontrado mutilado numa caverna perto de Kiev. Enquanto a investigação policial indicava que o assassinato fora cometido por membros de um ganag de ladrões, as forças reacionárias lideradas pelas Centúrias Negras insistiam na acusação de assassinato ritual perpetrado por judeus. Pressionaram então o ministro da justiça para este declarar que o assassinato havia sido cometido por “razões religiosas”. Acusou-se assim Beilis, embora as provas fossem baseadas em dois depoimentos falsos, orquestrados pelo governo que conseguia desta forma satisfazer o desejo de vingança do czar em relação aos judeus. Foi absolvido.
Leo Frank Leo Frank era director da fábrica de lápis de Atlanta e foi julgado culpado pelo assassínio de Mary Phagan, uma empregada de 13 anos em 26 bde Abril de 1913. Foi atacado com facadas quando estava preso e mais tarde, retirado da cadeia por cidadãos locais e linchado em Agosto de 1915.

quinta-feira, abril 06, 2006

- o carteiro -



Para além da maleita já referida, a Beluga sofre de outro malzinho: é de efeito retardado. Assim, passado algum tempo, ao arrumar os folhetos e os souvenirs dos museus de Londres, reuni aquilo que já sabia há muito tempo e que aproveito a deixa da Formiga Bargante para colocar em post.

Nota-se nos museus desta cidade quase uma indefinição entre o que é do Estado e o que é privado, tal é o cuidado que ambas as entidades colocam na forma como nos apresentam o museu, não enquanto espaço, mas como divertimento. Ir a um museu em alguns países da Europa é de facto um divertimento pois tudo é feito para nos levar a ter o mínimo de trabalho possível. Em Londres a entrada para a National Gallery, para o British Museum, para a Tate Britain e para a Tate Modern é gratuita. Calculo que os dois primeiros sejam museus do estado e que as Tates funcionem num sistema que alterna o mecenato privado com o apoio da Coroa Inglesa (no edifício, por exemplo). Em qualquer deles, o visitante pode usufruir do espaço das 10:00h às 18h (mais ou menos) aos dias de semana e até às 22h aos fins de semana. O visitante é também assediado a contribuir monetariamente de forma constante: à entrada, nos folhetos, no site, etc…

A parte comunicacional dos museus londrinos é extremamente eficaz: os folhetos informativos são claros quanto a horários, acessos, preços (para exposições temporárias, essas sim, pagas) e variedade de oferta ao nível das exposições, dos locais para comer e das lojas. Estão dispostos à entrada em várias línguas das quais não consta o português (como seria de esperar, ainda que custe ver que não existe na nossa língua) folhetos com a planta do edifício, o que está em exposição e demais informações. As folhas de sala não são apenas papel encadernado, mas quase um objecto de trabalho que o visitante se vê obrigado a colocar no sítio depois de consultar. Aliás, os sistemas de tradução que orientam a visita tornam as referidas folhas de sala espécies em vias de extinção. Os vigilantes – um por sala – inibem as macadas todas que conhecemos: comer, falar alto, tocar nas peças, levar as folhas de sala embora e debaixo do braço. Ainda no que diz respeito à comunicação ds museus, vemos que estes não comunicam apenas algo, mas fazem-se eles próprios mensagens; ou seja, os museus publicitam-se constantemente com uma falta de decoro louvável. Em vez de ocultarem, assumem o seu carácter de instituição conceptualmente secular, de forma que o visitante perante isto não possa colocar em causa o valor daquilo que vê. As lojas destes museus são um bom exemplo disto que digo. No British Museum existiam três lojas, sendo que duas eram dedicadas à exposição relativa aos desenhos de Miguel Ângelo e numa delas era possível comprar sem ter visto a exposição. É claro que se levanta, a meu ver, um mau princípio que é o da valorização da aquisição com dano para o conhecimento do que é adquirido. Na National Gallery, a loja tem artigos quase tão bonitos quanto as obras de arte e há uma orientação tão bem definida do marketing que nada é deixado ao acaso (Até o papel de parede é reproduzido em papel de embrulho). Perante isto, passar pelo Discóbolo ou pelas cariátides no British é algo de somenos importância para o observador mais distraído.

Por cá não temos cariátides, mas o espólio dos nossos museus não é, como queremos crer, decorativo, secundário ou de pouco valor. Desconhecemos no entanto o valor daquilo que temos e continuamos a desconhecer, uma vez que os museus apostam cada vez mais nas grandes iniciativas de promoção em vez de apostarem no conhecimento das suas colecções. É gasto um tempo ridiculamente alargado em iniciativas de divulgação megalómanas, muitas vezes sem aproximação concreta ao público, que depois não têm concretização, quando nas coisas mais básicas se falha por completo. O recheio dos nossos museus pode não ter a visibilidade do recheio da Tate ou do Louvre, mas estudado pode potenciar novos visitantes. Se possível sem eventos onde prolifera o show-off, por favor. No que diz respeito a lojas de museus, estamos muito bem lançados e podemos mesmo dizer que não há museu nacional de onde o visitante saia sem ter passado pelos “consumíveis”. Falta-nos só “um bocadinho assim”: um bocadinho assim de ambição, de autonomia, de seriedade perante os objectivos traçados e de bom gosto.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Orientalismos:

Vincent Van Gogh
Portrait of Pere Tanguy (pormenor)
1887-1888
Musée Rodin, Paris


James McNeill Whistler
La Princesse du pays de porcelaine (pormenor)
1864
Smithsonian Instituition, Washington


Claude Monet
La Japonaise (Madame Monet in Japanese Cosrtume) (pormenor)
1876
Museum of Fine Arts, Boston


Mary Cassatt
The Letter (pormenor)
1890-1891
The Art Institute of Chicago

Todos os quadros do período impressionista, note-se.

quarta-feira, abril 05, 2006

E enquanto jantava vi as mesmas chávenas na televisão.
- original soundtrack -


I was five and he was six
We rode on horses made of sticks
He wore black and I wore white
He would always win the fight

Bang bang, he shot me down
Bang bang, I hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, my baby shot me down

Seasons came and changed the time
When I grew up I called him mine
He would always laugh and say
Remember when we used to play

Bang bang, I shot you down
Bang bang, you hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, I used to shoot you down

(Bang Bang, Nancy Sinatra)
- mãe, a maçã tem bicho -
Caravaggio
Supper at Emmaus (pormenor)
1600-1601
National Gallery, Londres
Afinal, há coincidências
Eu até estava aqui com os meus botões, a colocá-los nas devidas casas, a fazer de conta que esta história me passava ao lado, mas achei que tinha de falar. Primeiro, porque a capacidade de afectação em número de indivíduos deste blog é semelhante ao de uma janela de casa de bairro social (só dá para o vizinho da frente e meia dúzia de pessoas já conhecidas); segundo porque o blog é meu e escrevo nele o que me apetece; terceiro porque como leitora exigente que sou, vejo-me obrigada a opinar sobre o assunto.

Que Margarida Rebelo Pinto tem um défice de inteligência na escrita, é verdade, como se pode ver na falta de rasgo dos seus parágrafos (que leio à socapa e aleatoriamente nas Fnac’s deste país), que muito ficam a dever à riqueza da língua em que escreve. Porém também é verdade que a editora deixa passar em branco esses erros e que o público não os nota ou parece não se importar com os mesmos. O que me faz escrever nesta história, não são os textos detestáveis da “escritora”, a roçar a escrita de uma adolescente burguesa, a braços com a roupa que vestir, os desejos de possuir todos os homens do mundo, as borbulhas (neste caso, rugas) e a desobediência do corpo perante a senilidade. O que me faz mexer os dedinhos no teclado é a consciência de que o mundo que a “escritora” habita é muito real, isto quando relativizado; ou seja, é um universo comandado pela facilidade; é ver que finalmente alguém partilha da minha opinião (ou eu partilho da opinião de alguns milhares de portugueses) de que os seus livros e as suas crónicas não têm uma frase que possa inspirar sequer a compaixão porque não revelam a mínima humildade. O que me deixa menos satisfeita, se é que isso interessa a alguém, é saber que foi preciso um homem ler todos os livros da senhora para escrever o seu livro. Isso é o que se pode considerar uma obra a entrar para o rol de “coisas que fazemos e que depois são deduzidas na pena do inferno”. Também me entristece a forma como a comunidade pactua com algo que é manifestamente mau – não estamos a falar apenas de estética, mas também de ética, não apenas de bonito ou feio, mas de bem e de mal. Entristeceu-me ver como foi concedido a Margarida Rebelo Pinto (e a Paulo Coelho, para citar outro exemplo), espaço em revistas, e jornais (no caso da crónica de Domingo no Jornal de Notícias, espaço demasiado para tudo aquilo que a escritora tem para ecrever, que na realidade é muito pouco) e no meio literário, tão severo e impermeável à divulgação de bons autores e tão permissivo com determinados nomes.

Legitimou-se assim e deu-se desta forma a vitória à forma em detrimento do conteúdo. Não necessitamos de ouvir e ler todos as mesmas coisas, mas necessitamos de espaços diferentes em que estas são tratadas. Não vou espezinhar mais, até porque não fui eu que levantei a questão. Muito se espezinhará em outros blogs, mas tudo o que ultrapasse uma página A4 é uma folha da coroa de louros da senhora.
- o carteiro -
“Quando falo da beleza das figuras, não quero dizer aquilo que a maior parte das pessoas entende por estas palavras, seres vivos por exemplo, ou pinturas; entendo, diz o argumento, a linha recta, o círculo, as figuras planas e sólidas formadas a partir da linha e do círculo por meio do torno, das réguas, dos esquadros, se me estás a compreender. Porque afirmo que estas figuras não são, como as outras, belas relativamente mas que são sempre belas por si mesmas e pela sua natureza.”

Platão, Diálogos IV: Sofista, Político, Filebo, Timeu, Crítias,trad. da versão francesa de Maria Gabriela de Bragança, ColecçãoLivros de Bolso, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1969, pág.219.

Tomando como ponto de partida (ou de chegada) esta frase de Platão, podemos dizer que o que é belo pode ser medido, pode ser o resultado de relações matemáticas elementos básicos, aquilo que Kandinsky chamava de "Ponto, Linha e Plano". E se o que é belo pode ser medido, a arte que desde a Antiguidade era considerada uma expressão do belo, também pode ser medida, mesmo que o que era considerado belo, o fosse dentro de cânones muito restrictos.

Assim sendo, qual é o tipo de arte que cada um gosta mais? Quais são as obras mais desejadas e as mais detestadas? Tendo por base um estudo de dois artistas russos sobre as obras de arte mais e menos desejadas nos diferentes países europeus, foi conceber a configuração das mesmas através da contabilização das cores preferidas, das formas, das paisagens. Obviamente o estudo é limitado a partir do momento em que existe um número limite de formas que podem ser escolhidas. Porém, o estudo revela que existe uma tendência europeia para detestar ou adorar determinado tipo de formas ou cores, o que se traduz em pinturas quase sempre iguais e quase sempre... de muito mau gosto.
Porque o gosto, discute-se.

Em Itália
Cor preferida:
azul: 27%
verde: 17%
vermelho: 12%
amarelo: 9%
preto: 6%
turquesa: 5%
branco: 3%
violeta: 2%
rosa: 2%
laranja: 2%
castanho: 2%
bordeaux: 1%
beige: 1%
cinzento: 1%
pêssego: 1%
outras: 7%
não sabe: 2%

2ª cor preferida:
azul: 17%
verde: 17%
amarelo: 12%
vermelho: 11%
branco: 6%
preto: 5%
cinzento: 5%
turquesa: 3%
beige: 3%
violeta: 2%
castanho: 2%
laranja: 2%
pêssego: 2%
rosa: 2%
outras: 5%
não sabe: 3%

estilo moderno ou tradicional:
tradicional: 42%
moderno: 19%
ambos: 31%
não sabe: 2%

arte de que continente:
Ásia: 5%
América: 2%
África: 5%
Europa: 34%
Itália: 44%
Outra: 2%
Não sabe: 7%
Com qual das seguintes afirmações concorda mais:
Quando escolho obras de arte para minha casa, tento geralmente escolher as combinam com a decoração: 42%
Quando escolho obras de arte para minha casa, tento geralmente escolher as que gosto mais: 56%

Prefere objectos antigos ou modernos para decorar a casa:
Antigos: 40%
Modernos: 17%
Ambos: 42%
Não sabe:1%

animais domésticos ou selvagens:
animais selvagens: 25%
animais domésticos: 22%
ambos: 22%
nenhum: 29%

cenas do interior ou do exterior:
exterior: 66%
interior: 4%
ambas: 27%
nenhum/não sabe: 3%

cenas exteriores preferidas:
florestas: 11%
lagos, rios, oceanos: 28%
campo, cenas rurais: 15%
cidades: 2%
casas e edifícios: 1%
montanhas: 13%
parques: 3%
todos: 27%

estações do ano preferidas:
Inverno: 7%
Primavera: 38%
Verão: 18%
Outono: 14%
todas: 22%

cenas interiores preferidas:
frutos e flores: 23%
objectos domésticos: 6%
pessoas: 18%
animais: 10%
nenhum: 4%
todos: 31%
não sabe: 9%

cenas religiosas ou não-religiosas:
não-religiosas: 59%
religiosas: 6%
ambas: 30%
não sabe: 5%

com qual das seguintes frases se identifica mais:
As pinturas deviam servir um objectivo superior, tal como desafiar os seus observadores para pensar na arte ou na vida de uma forma diferente daquela que geralmente fazem: 28%
As pinturas não têm necessariamente de nos ebnsinar nada, mas podem ser apenas algo que uma pessoa gosta de ver: 60%

com qual das seguintes frases se identifica mais:
Prefiro pinturas realistas: quanto mais fotográficas, melhor: 28%
Prefiro pinturas que não sejam muito realistas. Para isso prefiro olhar para uma fotografia: 47%
Ambas: 23%

Prefere representações que exagerem as dimensões ou a realidade de objcetos que já conhece ou as que mostrem objectos imaginários:
exagerados: 24%
imaginários: 35%
não sabe: 4%

Prefere ângulos agudos ou curvas suavizadas:
Ângulos acentuados: 13%
Curvas suavizadas: 58%
Não sabe: 8%

Prefere as formas geométricas ou mais livres:
mais livres: 62%
geométricas: 16%
não sabe: 1%

Prefere pinceladas rugosas e marcadas ou leves:
pinceladas rugosas: 60%
pinceladas leves: 18%
não sabe: 20%

Prefere que as cores se misturem umas com as outras, ou que se note que estão separadas:
misturadas: 57%
separadas: 17%

Prefere variações vibrantes, pálidas ou mais negras das cores:
vibrantes: 48%
pálidas: 24%
negras: 4%

Prefere pinturas mais sérias ou mais festivas:
sérias: 20%
festivas: 47%

Prefere pinturas cheias ou mais simples possível:
cheias: 33%
simples: 36%

Prefere pinturas grandes ou pequenas:
grandes: 29%
pequenas: 21%
depende: 49%

Prefere pinturas que retratem pessoas famosas ou pessoas comuns:
pessoas famosas: 10%
pessoas comuns: 51%
não tem preferência: 39%

Se prefere pessoas famosas, prefere as figuras históricas ou mais recentes:
figuras históricas: 71%
mais recentes: 20%
depende: 8%

Prefere pinturas que retratem mulheres, homens ou crianças:
crianças: 12%
mulheres: 7%
homens: 1%
não tem preferência: 75%

Das pinturas que já viu e das que preferiu, retratavam pessoas a trabalhar, em momentos de lazer, ou eram retratos:
a trabalhar: 19%
em lazer: 38%
retratos: 29%
não sabe: 13%

Prefere pinturas com uma pessoa ou com muitas pessoas:
uma pessoa: 16%
grupos de pessoas: 35%
não sabe: 47%

Prefere nus, pessoas parcialmente vestidas ou totalmente vestidas:
nuas: 9%
parcialmente vestidas: 20%
totalmente vestidas: 21%
depende: 49%

Prefere oferecer dinheiro ou arte:
arte: 58%
dinheiro: 35%
não sabe: 7%

Factores preponderantes na escolha de uma pintura:
1º gostar ou não da pintura: 55%
2º a fama do artista: 20%
3º o valor que acha que a pintura vai ter no futuro: 11%
4º a técnica: óleo, aguarela...: 5%
5º o tamanho do quadro: 1%
6º não sabe: 9%

De qual destes artistas tem, boa imagem, ou má imagem:

Com quem gostaria de jantar:
Artista: 22%
Actor: 18%
Escritor: 27%
Estrela do desporto: 18%
Nenhum: 6%
Outro: 6%
Não sabe: 3%

Com que frequência vai a um museu por ano:
Quatro ou mais vezes: 13%
Duas ou três vezes: 17%
Uma ou duas vezes: 28%
Menos de uma vez: 22%
Nunca: 15%

Razões pelas quais não vai a um museu:
1º Não há museus na minha área de residência
2º Não tenho suficiente tempo livre
3º Não me sinto confortável em museus de arte porque não sei muito de arte
4º Os bilhetes são demasiado caros
5º Não apreciao arte

É a favor que uma parte dos impostos que paga se direcione para as artes:
A favor: 28%
Contra: 65%
Não sabe: 7%

Algumas obras de arte são mostradas em locais públicos. Acha que os cidadãos deviam poder dizer quais as obras mais apropriadas para esses espaços:
Sim: 36%
Não: 45%
Não sabe: 19%

Habilitações literárias:
Escola primária: 7%
Escola secundária: 21%
Curso superior: 45%
Curso técnico: 3%
Mestrado/doutoramento: 12%

Posição política:
De esquerda: 21%
Centro-esquerda: 11%
Centro-direita: 11%
Direita: 10%
Centro: 7%
Não sabe/não responde: 34%

Posto isto, a pintura preferido dos italianos...


e a pintura mais detestada.
Na Formiga Bargante está um post da Beluga. É ir lá ver...

terça-feira, abril 04, 2006

- o carteiro -
Carta ao leitor:
Kasimir Malevich
Suprematist Composition: White on White
1918
Museum of Modern Art, Nova Iorque

Padeço de um mal, um mal para o qual não há panaceia: necessito, sob pena da minha existência se tornar insuportável, de pelo menos uma hora diária de total silêncio ou/e solidão. Uma hora sem cumprimentos obrigatórios ou conversas habituadas, decoradas; uma hora sem a voz de seja quem for; uma hora a mexer no lóbulo da orelha; uma hora para almoçar e ler ao mesmo tempo; uma hora para fazer o sudoku e punir-me como entender por ter colocado duas vezes o número 8 na mesma linha; uma hora para a mudez; uma hora para a nudez; uma hora para observar se quiser ou se não quiser; uma hora para os meus “alfinetes”; uma hora para não ter de ser nada que desejem que eu seja. É claro que contabilizados, estes minutos perfazem um número superior a 60 e quantos mais minutos tenho ao fim do dia mais quero ter, uma vez que a mudez, como a solidão, são para mim condições inseparáveis do estar vivo, do respirar. Daí a necessidade de estar debaixo de água, pois entre um vai e vem em apeneia, é possível não ouvir nada e com sorte, ver apenas ao longe o vulto de tanga, cúmplice, a vir na nossa direcção, sem ser necessariamente para vir ao nosso encontro.

Parece incoerente dizer que é “um mal” e depois afirmar, meia dúzia de linhas mais abaixo que este mal é um pré-requisito da vida, como o comer e o dormir. Porém, a soma dos números apontam para uma vitória da solidão que se agiganta mas não assusta.

O único problema é que a linha que separa esta solidão voluntária da involuntária é traçada com lápis 8B, que facilmente se espalha pelo papel com um passar de dedo seco e firme. E na vida fica aquela mancha cinzenta que não permite a aproximação de nada nem de ninguém – se isso implicar a abdicação de 60 minutos de uma espécie de morte para a vida -, nem a saída da mesma para fora, uma vez que… já não há linha. Não nego contudo aquilo que já afirmei aqui neste blog: gosto da vida. Principalmente daqueles 60 minutos em que nem sequer estou comigo. Ainda que me mostrem outros 60 minutos melhores, esses terão de ser sempre comigo e eu não sou boa companhia para mim própria.

segunda-feira, abril 03, 2006

- não vai mais vinho para essa mesa -

- Vou embora.
- Não dramatizes. Se já disseste que ías, vai.
- Não me pedes para ficar?
- Porque é que havia de pedir?
- Por tudo aquilo que existiu entre nós.
- Disseste que ias.
- Mas posso ficar.


Vilhelm Hammershøi
Interior
1899
National Gallery, Londres

- Não dizes nada?
- Não. Tenho muito que fazer.
- Tens o que fazer? E nem te voltas para falar comigo.
- Baixo! O miúdo está na sala ao lado.
- Quero lá saber! E ele? Achas que ele não sabe? Não notas que anda sempre pelos cantos como um cão com medo.
- Ou como um lobo à espera.
- Ele não é o problema. O problema é a tua recusa, as tuas costas voltadas.
- Não tenho nada para dizer.
- Nem por ele?
- Não o metas nisto.

Vilhelm Hammershøi
Interior with young man reading
1898
The Hirschsprung Collection

- Nisto o quê?
- Não sei. Tu é que estás de saída.
- É impossível falar contigo.
- Nunca tentaste.
- Estou a tentar!
- Tenho de trabalhar. Não tenho tempo para isto.
- Então tens tempo para quê?
- Como assim?
- Se não for isto que te faz voltar as costas, será o quê? Vais viver sempre nessa recusa?
- Enquanto puder…
- Porquê?
- Para não me magoar. Para não me magoares.
- Para não viveres!
- Fecha a porta quando fores.


Vilhelm Hammershøi
De fire stuer
1914
Ordrupgaard, Dinamarca

- O diabo te leve! Eu disse para fechares a porta!
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Gente com lata:

Jasper Johns
Painted Bronze (Ale cans)
1960


Piero Manzoni
Merda d'artista
1961


Andy Warhol
Campbell's condensed Tomato soup
1962
- original soundtrack -


Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã

De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar

No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?

Não sei se preguiçoso ou se cobarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã

(Samba e Amor, Chico Buarque)

domingo, abril 02, 2006

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Da série Revenge de Ellen von Unwerth
Com anquinha poedeira, a caminhar em passos largos e seguros (pela verdura como a Leonor), rumo à Formiga Bragante.

sábado, abril 01, 2006

- mãe, a maçã tem bicho -


Caravaggio
Supper at Emmaus (pormenor)
1600-1601
National Gallery, Londres

(Jornal Record, Domingo, 26 de Março de 2006)

Valentim Loureiro escapou ileso a acidente - Um susto em Leiria
Valentim Loureiro não ganhou para o susto, ontem, em Leiria. O presidente da Liga foi vítima de um acidente de viação, quando se aprestava para regressar ao Porto após ter participado na cerimónia de lançamento da primeira pedra do futuro centro de estágios da União de Leiria.
A viatura da Câmara de Gondomar, um Volvo S60 que transportava Valentim Loureiro, foi albaroada, cerca das 16 horas, na estrada de acesso à A1, sofrendo fortes danos na traseira.
Apesar do grande susto, o presidente da Liga escapou ileso ao acidente e seguiu, de imediato, viagem para o Porto, após João Bartolomeu, presidente da U. Leiria, ter disponibilizado um carro e um motorista para efectuar a viagem para o Norte.
O motorista de Valentim Loureiro sofreu ferimentos ligeiros, mas ficou no local do acidente, tendo seguido viagem para o Porto horas depois.
(Bolds de Beluga)