- o carteiro -
Para além da maleita já referida, a Beluga sofre de outro malzinho: é de efeito retardado. Assim, passado algum tempo, ao arrumar os folhetos e os souvenirs dos museus de Londres, reuni aquilo que já sabia há muito tempo e que aproveito a deixa da Formiga Bargante para colocar em post.
Nota-se nos museus desta cidade quase uma indefinição entre o que é do Estado e o que é privado, tal é o cuidado que ambas as entidades colocam na forma como nos apresentam o museu, não enquanto espaço, mas como divertimento. Ir a um museu em alguns países da Europa é de facto um divertimento pois tudo é feito para nos levar a ter o mínimo de trabalho possível. Em Londres a entrada para a National Gallery, para o British Museum, para a Tate Britain e para a Tate Modern é gratuita. Calculo que os dois primeiros sejam museus do estado e que as Tates funcionem num sistema que alterna o mecenato privado com o apoio da Coroa Inglesa (no edifício, por exemplo). Em qualquer deles, o visitante pode usufruir do espaço das 10:00h às 18h (mais ou menos) aos dias de semana e até às 22h aos fins de semana. O visitante é também assediado a contribuir monetariamente de forma constante: à entrada, nos folhetos, no site, etc…
A parte comunicacional dos museus londrinos é extremamente eficaz: os folhetos informativos são claros quanto a horários, acessos, preços (para exposições temporárias, essas sim, pagas) e variedade de oferta ao nível das exposições, dos locais para comer e das lojas. Estão dispostos à entrada em várias línguas das quais não consta o português (como seria de esperar, ainda que custe ver que não existe na nossa língua) folhetos com a planta do edifício, o que está em exposição e demais informações. As folhas de sala não são apenas papel encadernado, mas quase um objecto de trabalho que o visitante se vê obrigado a colocar no sítio depois de consultar. Aliás, os sistemas de tradução que orientam a visita tornam as referidas folhas de sala espécies em vias de extinção. Os vigilantes – um por sala – inibem as macadas todas que conhecemos: comer, falar alto, tocar nas peças, levar as folhas de sala embora e debaixo do braço. Ainda no que diz respeito à comunicação ds museus, vemos que estes não comunicam apenas algo, mas fazem-se eles próprios mensagens; ou seja, os museus publicitam-se constantemente com uma falta de decoro louvável. Em vez de ocultarem, assumem o seu carácter de instituição conceptualmente secular, de forma que o visitante perante isto não possa colocar em causa o valor daquilo que vê. As lojas destes museus são um bom exemplo disto que digo. No British Museum existiam três lojas, sendo que duas eram dedicadas à exposição relativa aos desenhos de Miguel Ângelo e numa delas era possível comprar sem ter visto a exposição. É claro que se levanta, a meu ver, um mau princípio que é o da valorização da aquisição com dano para o conhecimento do que é adquirido. Na National Gallery, a loja tem artigos quase tão bonitos quanto as obras de arte e há uma orientação tão bem definida do marketing que nada é deixado ao acaso (Até o papel de parede é reproduzido em papel de embrulho). Perante isto, passar pelo Discóbolo ou pelas cariátides no British é algo de somenos importância para o observador mais distraído.
Por cá não temos cariátides, mas o espólio dos nossos museus não é, como queremos crer, decorativo, secundário ou de pouco valor. Desconhecemos no entanto o valor daquilo que temos e continuamos a desconhecer, uma vez que os museus apostam cada vez mais nas grandes iniciativas de promoção em vez de apostarem no conhecimento das suas colecções. É gasto um tempo ridiculamente alargado em iniciativas de divulgação megalómanas, muitas vezes sem aproximação concreta ao público, que depois não têm concretização, quando nas coisas mais básicas se falha por completo. O recheio dos nossos museus pode não ter a visibilidade do recheio da Tate ou do Louvre, mas estudado pode potenciar novos visitantes. Se possível sem eventos onde prolifera o show-off, por favor. No que diz respeito a lojas de museus, estamos muito bem lançados e podemos mesmo dizer que não há museu nacional de onde o visitante saia sem ter passado pelos “consumíveis”. Falta-nos só “um bocadinho assim”: um bocadinho assim de ambição, de autonomia, de seriedade perante os objectivos traçados e de bom gosto.
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