terça-feira, maio 31, 2022

 ide, ide a correr fazer zoom



sábado, maio 28, 2022

 - o carteiro -

Eu, beluga, me confesso: tenho passado muito tempo nas mais exclusivas floristas, a podar delicadamente com tesouras de prata as folhas da kadupul que crio-preservo, e a recolher com um dedal o açafrão da flor com o mesmo nome, a meditar sobre o posicionamento da chocolate cosmos naquele que é o ikebana do blog, "o carteiro" (baseado numa história real). por isso apresento-vos o Bruegel (oh, not again!), desta vez em formato "Ó pra mim a estabelecer connections". 

Não foi Bruegel que disse - mas poderia ter sido - qualquer coisa como "pinta a tua aldeia e pintarás o mundo". Talvez porque o Bruegel tenha muitas cenas de aldeia, quase todas no estilo "onde está o Wally", associo-o a esta frase. num desses quadros "O triunfo da morte" vemos uma cena de exterior em que esquadrões de esqueletos (montados a cavalos, disfarçados, com caixões a servir de escudos) tentam mostrar aos vivos que nem a beleza, nem o amor, nem o dinheiro nem mesmo a religião os poupará da morte. A maior parte da pintura parece só "Bruegel free-styling": corpos no chão, vivos a lutar contra esqueletos... mas Bruegel foi tudo menos casual em algumas das suas escolhas. Nos quadrados que assinalo abaixo vemos a morte a mostrar a um rei uma ampulheta (sinal que o seu tempo terminou), a parodiar um cardeal, a cheirar uma criança, a degolar um monge, a encantar uma jovem. Estas e não outras personagens representam uma hierarquia de vivos que a morte iria eliminar, começando pelo Papa passando pelos jogadores, até ao mais inocente dos humanos; a criança. Esta era uma ideia muito enraizada na sociedade medieval europeia que viveu a morte muito de perto devido à Peste Negra e à Guerra dos 100 anos entre França e Inglaterra. Por essa razão a morte estava presente na pintura e na música, tendo esta tendência cessado com o Renascimento e voltado à baila com o Romantismo. 









Pieter Bruegel
The triumph of dead, 1562
Museo del Prado, Madrid

Antes da pintura de Bruegel já circulavam imagens da dança da morte na quais procissões de esqueletos guiavam os representantes dos vários extractos sociais para a morte. As gravuras permitiam essa fácil circulação da ideia e a criação de Hans Holbein de um alfabeto da morte em que as capitais representavam um elemento da estrutura social ainda mais, pois para além desta imagens terem sido gravadas em blocos de madeira o que permitia a sua fácil reprodução, podiam ser vistas por todos aqueles que tivessem acesso ao texto, mesmo que não fossem capazes de lê-lo. Por isso notem como, mesmo não usando o mesmo modelo de composição, Holbein e Bruegel se encontram:
















E agora ide lá gozar sunsets em rooftops que ainda estais na altura dessas cenas. beijinhos e cuidado com aquelas pessoas que usam pezinhos.

terça-feira, maio 24, 2022

- original soundtrack -

eu sei que já venho tarde...

(Santé, Stromae)

terça-feira, maio 17, 2022

- o carteiro -

olá coisas mais riquinhas da mãe! quem são uns lindos, quem são?
Pois é... hoje deixo-vos post para toda a semana. comam com moderação que agora só daqui a 8 dias.
é sobre o Bruegel. andava com vontade de fazer um post acerca da obra dele e tenho pena que esta não seja mais estudada (e o meu tempo para fazer esse estudo não é muito). quanto mais olho para as pinturas dele mais penso que há mais a dizer do que aquilo que já foi dito. já tinha falado/escrito aqui no belogue sobre os provérbios flamengos. na altura só anotei meia dúzia de provérbios. Entretanto, de 2008 até agora, alguém fez o favor de colocá-los todos, ou quase todos na wikipédia. não venho por isso falar dos provérbios flamengos, mas de uma coisinha "escondida" nos provérbios flamengos (e que também é um provérbio). 
Ali ao fundo, quase onde o olhar não se detém, a silhueta cinzenta de três homens chama a atenção: parecem deslocar-se em fila, sendo que cada um tem a mão no ombro daquele que o precede. É um provérbio, sim. Diz aqui (é o 072). Mas mais do que isso, é uma antevisão de outro quadro de Bruegel. Os cegos guiando outros cegos é uma parábola que se encontra no evangelho de Mateus:
"Deixai-os: são cegos a conduzir outros cegos! Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão nalguma cova" (Mt 15: 14). E Bruegel gostava de tal forma da parábola que lhe dedicou um quadro inteirinho. Vejam lá se eu não tenho toooooda a razão:









Pieter Bruegel, the Elder
Netherlandish proverbs
1559
Gemaldegalerie, Berlim















Pieter Bruegel, the Elder
Netherlandish proverbs (pormenor)








Pieter Bruegel, the Elder
The blind leading the blind
1568
Museo di Capodimonte, Nápoles

Bem, vou preparar a mala. E quanto a vocês... cuidado com as cuecas estampadas com calças brancas.
Beijinhos lá para casa.

sexta-feira, maio 13, 2022

- o carteiro -

olá! Estais bões? por aqui, nunca pior. 
enquanto escrevo tenho de dizer - em meu favor - que estou especialmente nervosa porque tenho de ir trabalhar e isso deixa-me ansiosa. portanto, se a coisa correr mal, a culpa é do trabalho. 
eu devia ser dona da internet porque a internet muitas vezes não serve os meus interesses. mas, não sendo, vou encontrando alternativas. vocês lembram-se desta questão bizantina? pois é, descobri mais outro homem de turbante vermelho. mas antes de ir a isso apresento este "antes e depois" com um "correio" pelo meio. 
Jan van Eyck pintou esta Virgem com o Menino e Santa Bárbara, Santa Isabel e Jan Vos. Jan Vos era o monge cartusiano que vemos retratado nesta pintura e que encomendou a obra. Ele mostra-se apresentado a Nossa Senhora e ao Menino pelas santas Bárbara e Isabel. Mas não foi único pintor a quem Jan Vos encomendou uma pintura deste género. Também Petrus Christus o pintou na mesma situação. Podem ver que o rosto é o mesmo, com aquela ruga entre os olhos, no começo da cana do nariz:










Jan van Eyck
The Virgin and Child with St. Barbara, St. Elizabeth, and Jan Vos
1441–43
The Frick Collection​​​​​​, Nova Iorque









Jan van Eyck
The Virgin and Child with St. Barbara, St. Elizabeth, and Jan Vos (pormenor)














Petrus Christus
The Exeter Madonna
1450
Gemäldegalerie, Berlim







Petrus Christus
The Exeter Madonna (pormenor)

Voltando ao post de 2010 e ao homem de turbante vermelho (o próprio Van Eyck) que podemos ver em pinturas como o Arnolfini Portrait, na Madonna of Chancellor Rollin e na Virgin and Child with Canon van der Paele, ele aparece também nesta pintura de fim de vida de Van Eyck, escondido entre as plantas. Conseguem ver?







E assim acontece. Beijinhos e cuidado com as pinguinhas de xixi no assento da sanita.

sexta-feira, maio 06, 2022

- o carteiro - 

não ganhei, mas tentei


Num dia quente de Verão
o papagaio Dr. Simão
observava interessado
um hipopótamo de lado.

Tentava o pobre coitado
tomar banho apertado
com outros hipópotamos mais
num banho de lama sem sais.

A água dava para uma poça,
ou então para uma bossa.
O que antes era um rio
estava agora vazio.

Simão voou até ao rei,
que mandava, ditava a lei,
era o Rei da floresta
e estava a dormir a sesta.

“Que me quer, papagaio?”
perguntou o rei de soslaio,
“É a sesta, é sagrada,
ou isto é uma piada?”

“Excelência, majestade
perdoai-me a maldade,
mas a floresta vai mal
diz-vos este animal.

Falta água para o banho
e para dar a um rebanho
o tempo está muito quente
e há incêndios anualmente.”

Simão a voz da ciência,
esperou com paciência.
Mas o rei endoidecido,
rugiu doido varrido:

“O que está prá’í a dizer?
Pois que posso eu fazer?
Se o tempo está quente
e o incêndio é poluente?

“Há que ter uma ideia”
disse o Sr. Gouveia,
pantera assistente do trono,
a quem nunca dava sono.

“O tempo anda trocado,
só chove em dia feriado.
E se os incêndios destroem
É tudo culpa do Homem!

Temos que pensar em agir,
ficar na floresta, resistir.
Este é o nosso lar,
não nos podemos calar!”

Gouveia terminou a prosa
com uma pancada estrondosa,
num tronco de bananeira,
no meio da clareira.

Marcaram então reunião,
com Gouveia e o Dr. Simão,
com os animais da floresta,
que pensaram tratar-se de festa.

No dia seguinte acorreram todos,
girafas e macacos sem modos,
crocodilos, grilos, pardais
e muitos mais animais.

O Rei ergueu alto a voz:
“estamos aqui todos nós
para tratar do problema
que afecta o ecossistema.

O clima anda mudado,
falta água em todo lado,
afecta a savana e o pombal;
é o aquecimento global.

Vamos falar com o Homem.
E para que todos tomem,
esta atitude com atenção,
representa-nos o Simão.”

Para falar com alguém,
que não fosse animal também,
o Simão para o zoo voou
E por pouco lá não ficou.

Abriu o bico, mas o que disse
ía criando chatice.
Fez lindas acrobacias
de palavras vazias.

Balançou e deu a pata,
rodou a omoplata,
fez graças com as penas;
foi esta uma das cenas.

Na outra tentou piar,
dizer “temos de falar”.
Mas saiu-lhe o que tinha:
“Louro, dá a patinha.”

O Homem não percebeu
e quase que o meteu
numa gaiola de arame;
que situação infame!

Regressou esbaforido,
e com o bico torcido,
tal era a vergonha,
da sua verbe medonha.

O Rei convocou reunião
para acalmar a confusão.
Ficou para quarta-feira,
à esquerda da videira.

Tomou-se outra atitude,
comentada amiúde:
“Uma manifestação!”
Disseram o rato e o pavão.

Logo se fizeram cartazes,
com folhas de ananazes,
e tinta escura de amora;
participou toda a flora.

Reuniram-se crocodilos,
camelos, cobras, esquilos,
bisontes para ir à cidade,
espalhar a novidade.

Saíram pois da floresta,
em modo de quem protesta,
contra o Homem actual,
que andava a fazer mal.

Mas qual não foi o espanto,
Após andar assim tanto,
as ruas e outras vias,
estavam todas vazias.

O Homem, com medo,
fechou-se manhã cedo
dentro da habitação
a rezar a São João.

“São João nosso,
dizei-me como posso,
evitar os animais,
que vêm comer os demais.

Vêm todos à cidade,
com toda a naturalidade,
estão a rugir e a silvar,
Ainda nos vão matar!”

Por uma janela aberta,
Helena, a cobra esperta,
olhou, mas não viu viv’ alma
e retirou-se com calma.

“Eu acho que as pessoas
no fundo até são boas,
mas devem estar com medo
do crocodilo Figueiredo.”

Figueiredo disse depressa:
“que disparate, ora essa!
Nada disso, cobra Helena,
eu até tenho a boca pequena!

Mas ao fim de quase três dias,
e sem verem melhorias,
os animais voltaram pra casa
uns à pata, outros ‘ása.

Não se compondo a situação,
nem com manifestação,
o Rei propôs ao de leve:
“Vamos fazer uma greve.”

“Greve? Nós não trabalhamos!”
Disseram as preguiças nos ramos.
As formigas protestaram:
“De que raio se lembraram!?”

“Vamos ficar quietos,
mamíferos e insectos,
e logo logo a Natureza,
mostra a sua grandeza.”

Começaram no dia seguinte,
por volta das nove e vinte,
a águia, a lontra, o puma,
a fazer coisa nenhuma.

As moscas fecharam a asa,
as abelhas voltaram pra casa,
os castores deixaram o dique
e fizeram um piquenique.

As hienas amarraram o burro,
aos elefantes cheirou a esturro.
Não podiam ficar de trombas
e deles riram-se as pombas.

As zebras tiraram uns dias.
Ficaram até mais sadias!
Os sapos saltaram menos
e em charcos mais pequenos.

Dormiram o ouriço e a lebre,
dormiram porque era greve,
o urso hibernou na toca,
a ele juntou-se a minhoca.

Assim passavam os dias
com temperaturas mais frias.
Aproximava-se o Outono
Que dava ainda mais sono

Um dia o Gouveia,
Reuniu a assembleia,
e iniciou a sessão
com esta elucidação:

“Chegou um telegrama
da nossa prima Elisama,
uma gata de bengala,
mais rápida q’uma impala.

“Ela diz que o seu humano,
que é bastante urbano,
preocupa-se com a floresta
e com o que se passa com esta.

Na cidade já se sente,
a mudança no ambiente,
e ninguém está satisfeito,
com o inesperado efeito.

Com os diques ao abandono,
e a floresta quase sem dono,
há risco de inundações,
para todas as populações.

Não há polinização,
as sementes ficam no chão,
não crescem plantas...
Começam a faltar tantas...

Por esta mesma razão,
e tal é a privação,
a situação é urgente,
em casa de muita gente.

O humano pede tréguas,
pois agora vê a léguas,
que quando o Homem erra,
afecta o planeta Terra.”

O Gouveia retomou,
a palavra onde ficou:
“acho que está na altura,
de acabar c’o esta loucura.

Vamos arrumar o habitat,
limpar aqui, ali, acolá,
ajudar o ambiente,
e ensinar a esta gente,

que sem a acção da Natureza,
e a palavra de sua Alteza,
o Mundo perde o rumo,
e esgota-se no consumo.”

Fez-se silêncio na assembleia.
E uma aranha numa teia
parou de imediato o tear
para melhor escutar.

Aos poucos os animais
voltaram para os locais
onde faziam a sua vida
entretanto interrompida.

O Sol veio no Verão,
mas no Inverno não.
A chuva chegou c’o frio,
daquele que dava arrepio.

Os charcos e os rios,
que antes estavam vazios,
ficaram com caudal
para o banho animal.

Rebolaram os hipopótamos,
na água e em bálsamos.
Os papagaios fizeram ninhos
em ramos mais vazios.

Havia árvores para todos
aves e macacos sem modos
Os incêndios cessaram
No Inverno e no Verão.

Esta é pois a história
que ficou na memória.
História dos Humanos,
que mesmo sendo urbanos,

passaram a respeitar
os animais e o seu lar,
e a história dos animais
que só q’riam vidas normais.

quarta-feira, maio 04, 2022

 alto da maia...

 Duarte, seis anos

Duarte - quero falar contigo.

Presidente da câmara - olá! Estás bom?

Duarte - o meu nome é Duarte. Na minha escola não há arroz de pato.

Presidente da câmara - não há? Então porquê?

Duarte - porque tu não mandas!

segunda-feira, maio 02, 2022

 - o carteiro -

Eppur si muove

[antes de tudo tenho uma declaração de desinteresses a fazer: não tenho qualquer interesse em acusar quem seja do que seja.]

Howard's folly é o nome do vinho que Howard Bilton está a produzir em Estremoz, no Alentejo. Em português será qualquer coisa como "A loucura de Howard". Howard Bilton é um financeiro inglês fundador da Sovereign Art Foundation (2003) que organiza o Sovereign Art Prize em países como o Vietname ou o Cambodja. O Sovereign Art Prize tem como objectivo dar a conhecer a arte contemporânea dos países onde se realiza o prémio, mas também - e este é o ponto - ajudar crianças desfavorecidas e artistas através da venda em leilão das obras seleccionadas. Este ano o prémio realizou-se em Portugal com um júri composto por membros conhecidos do mercado de arte nacional e internacional: Philippe Vergne (director de Serralves), Joana Vasconcelos (artista plástica) e os suspeitos do costume. Nada a apontar. Fui ver os parceiros desta iniciativa: Eon Reality (empresa onde o próprio Howard Bilton tem um cargo), Howard's Folly (restaurante, bar e galeria de arte de Howard Bilton) and so on... A página da Sovereign Art Foundation tem um ar igualmente respeitável. Poderá haver muito mais a dizer sobre isto, mas tanto quanto é dado a conhecer ao leitor comum, está tudo muito bem.

Vamos então falar do prémio. Na edição portuguesa do prémio vários artistas foram convidados a apresentar obras, obras essas que seriam sujeitas a uma avaliação do júri. Foram seleccionadas 30 das quais uma seria escolhida pelo júri como a vencedora (sendo que o seu autor receberia o prémio de 25.000 euros) e outra escolhida pelo público (o artista recebe um prémio de 2.000 euros). As restantes seriam licitadas num leilão cujas vendas reverteriam para o artista e para uma ou várias associações de caridade em Portugal, com o objectivo de ajudar crianças desfavorecidas através do ensino e da prática artística. Não há qualquer informação adicional no site do Sovereign Art Prize acerca das associações a serem apoiadas e de que forma. Se virmos os projectos caritativos do prémio também não percebemos de que forma as crianças são apoiadas. Deixo este vídeo que mostra a suposta acção da Sovereign Art Foundation no Cambodja através da organização M'Lop Tapang. Convenhamos que fornecer papel e lápis de cera não é propriamente ajudar as crianças mais desfavorecidas.

O leilão levanta outra dúvida. Serão leiloadas 29 obras de arte em Agosto, depois da exposição do Sovereign Portuguese Art Prize se apresentar no Porto (Palácio das Artes), Lisboa (Sociedade Nacional de Belas-Artes) e em Estremoz (Museu Berardo). O valor destas obras, segundo o Público, oscila entre os 1.700 euros e os 24.000 euros, mas o site do prémio é bem claro: o valor mais baixo é de 1.740 euros e o mais elevado é de 15.000 euros. Foi garantido aos artistas que as obras seriam licitadas sempre a partir do seu PVP o que quer dizer que o Sovereign Portuguese Art Prize vai arrecadar, no mínimo, 188.510 euros (basta ver no site o valor de cada obra de arte e licitar, se estiverem interessados). Mas vamos supor que a disputa entre colecionadores faz com que as licitações ultrapassem o valor base e assim, que a organização do prémio arrecade 190.000 euros. Destes, metade serão para pagar aos artistas e a outra metade para apoiar as tais crianças desfavorecidas. São 95.000 euros. (parto do princípio que o apoio dos patrocínios pagam os 25.000 euros do prémio do júri e as despesas com a organização. para além disso há as doações à Sovereign Art Foundation). Eu... duvido muito que este dinheiro seja canalizado para promover de facto a melhoria de condições de vida de crianças desfavorecidas através da arte.