quarta-feira, janeiro 30, 2019

Você tem-me cavalgado
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.

(A História da Moral, Alexandre O'Neill)
farta. muito farta.

domingo, janeiro 27, 2019

- o carteiro -

Leio o expresso ao Domingo (ena, que culta...). Sei que sai ao Sábado, mas… "cenas" levam-me a só poder lê-lo ao Domingo. Percebo logo quando o Pedro Mexia andou a ler Horácio e quando a SIC faz mexidas na programação. O que não percebo é aquela página da Guta Moura Guedes. Já não bastava a história do clip (chavão para qualquer conversa pseudo-coisa) e agora, na edição de 19 de Janeiro de 2019, aquela verborreia encomiástica relativamente ao campus da Vitra. 

Guta, vou dar-te dois conselhos:
1) no Verão - pelo menos - lima sempre as peles mortas dos calcanhares;
2) se queres falar de arquitectura da boa num espaço limitado e sob a mesma função vira-te, por exemplo, para o campus universitário de Aveiro. É tão ou mais antigo que o da Vitra e congrega num espaço limitado embora nada pequeno, edifícios tão emblemáticos como a Biblioteca da autoria do Siza (com as suas janelas rasgadas para a ria), o Departamento de Geociências do Souto Moura e aquelas escadas à entrada, o Complexo Pedagógico, Científico e Tecnológico com a enorme parede curva de um arquitecto menos conhecido (Vítor Figueiredo), mas não menos válido que qualquer um dos que citas, a Reitoria…
Enfim pá, vê se deixas de ser uma deslumbrada.

sexta-feira, janeiro 25, 2019

- original soundtrack -

apeteceu-me:

Hope there's someone
Who'll take care of me
When I die, will I go?

Hope there's someone
Who'll set my heart free
Nice to hold when I'm tired

There's a ghost on the horizon
When I go to bed
How can I fall asleep at night?
How will I rest my head?

(…)

(Hope there's someone, Antony and the Johnsons)
- não vai mais vinho para essa mesa -

corpo - por favor adormece. os gémeos doem, os glúteos doem, as costas doem, as coxas doem... dorme! 
cabeça - "devia dormir", "porque é que não adormeço?", "tenho tudo: creme, dentes lavados, perfume...", "e se tiver um problema que não me permita dormir? nunca mais...", "e se for um daqueles casos que dá um documentário da BBC?"
corpo - e se fechasses os olhos? 
cabeça - ah desculpa, esqueci-me...

- ars longa, vita brevis -
Hipócrates

"antes e depois" ou "como isto hoje vai a seco, apesar dos comparsas daqui de baixo estarem a "molhar a palavra" porque eu tenho tido muito trabalho e muitas chatices e fico sem capacidade mental para vos escrever coisas lindas e profuuuuuuuuundas."


















Diego Velasquez
Luncheon
1618
The State Hermitage Museum, St. Petersburg



Diego Velasquez
Peasants  at table
1618-1619
Szépmûvészeti Múzeum, Budapest

terça-feira, janeiro 22, 2019

- o carteiro -

foram tempos difíceis. é verdade que nem melhores nem piores que antes. e é verdade que também nada mudará porque o ano mudou ou porque voltei a escrever no belogue. nem cá dentro… nada mudou. não há nenhuma estratégia de auto-valorização ou alternativa no horizonte. mas nestes meses, neste último meio ano, aquilo que seria uma condicionante trivial, uma contrariedade com que todos lidamos, teve consequências físicas e psicológicas: insónias, palpitações (extrassístoles), cólicas, vómitos, dificuldade em aumentar ou mesmo manter o peso e depois as outras…. ansiedade (daquela de uma pessoa se levantar a meio da noite, vestir-se e voltar ao lugar onde esteve horas antes para se certificar que tinha desligado tudo), apatia, sensação constante de fracasso, de que não se é boa o suficiente, de que não se fez o suficiente, regresso aos antidepressivos. 

nada mudou. a minha vontade em escrever continua muito aquém dos níveis do passado, tal como a minha vontade em tudo o que até aí me dava prazer. mas obrigo-me. porque isto é só uma parte da vida (uma parte do dia, ainda que a maior), não é a vida. 

domingo, janeiro 20, 2019

- ars longa, vita brevis -
Hipócrates

a importância de "ser bonita"

quinta-feira, janeiro 17, 2019

- original soundtrack -

ode aos narizes grandes (e com sinais. e aos cabelos negros. ah… e às sobrancelhas grossas.)










Bem que se quis
depois de tudo ainda ser feliz
mas já não há caminhos pra voltar.
E o quê que a vida fez da nossa vida?
O quê que a gente não faz por amor?

Mas tanto faz,
já me esqueci de te esquecer porque
o teu desejo é meu melhor prazer
e o meu destino é querer sempre mais
a minha estrada corre pro teu mar

Agora vem pra perto vem
vem depressa vem sem fim dentro de mim
que eu quero sentir o teu corpo pesando
sobre o meu
vem meu amor vem pra mim,
me abraça devagar,
me beija e me faz esquecer.

(Bem que se quis, Marisa Monte)

- não vai mais vinho para essa mesa -

quando estás com o período e um pelo fica preso na cola do penso higiénico


- o carteiro -


Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a vase, 1888
National Gallery, Londres


quando a minha idade era outra que não esta, tive uma paixão platónica pelo Paulo Sousa.

Vamos por partes (e há muitas para dissecar!):
- deveria ter cerca de 16 anos. localizo tudo da minha adolescência nos 16 anos, não sei porquê. Os gregos dizem que é a idade em que a beleza feminina está no auge, mas eu não era nada bonita aos 16. Nem aos 17. nem antes disso. fui sempre normal. Mas sim, teria 16 anos. Foi antes de começar a emagrecer, o que aconteceu a partir dos 17, e por isso é natural que tenha sido entre os 15 e os 16 anos.
- mais platónica não podia ter sido… Platónica e assolapada, embora unilateral como convém às paixões assolapadas.
- O Paulo Sousa era um jogador de futebol, agora treinador de um clube qualquer.

Tudo começou porque a Vera gostava do Capucho, do Sporting. O pai dela comprava os desportivos e a gente lambuzava aquilo de beijos. Depois recortávamos as fotografias e os artigos e guardávamos entre as páginas dos livros de História. Abríamos os livros e discorríamos sobre o futuro: casas com piscina, crianças negras adoptadas e luas-de-mel em Bora Bora (nem sabíamos onde ficava Bora Bora, mas como o Norton de Matos havia casado na praia em Bora Bora, parecia ser uma tendência a seguir.) 

Um dia o Paulo Sousa foi jogar para a Juventus, Turim, Itália. Para mim, o outro lado do mundo. Quando é que ele me podia ver? Como poderia a nossa relação arrancar se ele estava tão longe? Ah... as cabras das italianas! As minhas esperanças de me revelar a mulher da vida dele - ele não sabia que eu era, mas eu estava certa ser - ficavam assim muito reduzidas. Eu chorei. Como chorei!... Sou dada a um bom drama: mulher que chora baba e ranho enquanto desce pela parede com o cabelo desgrenhado é a imagem que melhor ilustra um coração despedaçado. Pelo menos nos anos 80. E nos 90 também. E depois, os homens mais velhos... Desde sempre tive tendência para os homens mais velhos. E alguns deles, por mim. Talvez porque me vejam como uma espécie de Lolita que vai fazê-los sentirem-se mais jovens. Para panaceia de crise de meia-idade, sempre fica mais barato que comprar um descapotável. Só que no meu caso a "meia-idade" é sempre uma "idade-inteira" ou noutra versão, uma "idade para ter juízo". Já o meu interesse por eles escapa à minha compreensão: é como um crime que se repete sempre da mesma forma. Pecado com castigo, mas sem lição.

Bom, um dia disseram-me que o Paulo Sousa - que era de Viseu - tinha casa de família "naquela saída depois do cruzamento, assim-assim e assado". Obviamente, a família dele era, seria, a minha família e por isso tinha de ir lá ver como era, se me agradava, se no futuro mandaria arrancar aqueles anões de barro do jardim, mais a charrua enferrujada com uma samambaia a pender do pseudo cesto, ou arrancar as correntes à lá Alpes suíços. Da casa não vi grande coisa: havia um gradeamento branco, alto e cerrado que não permitia vislumbrar nem a samambaia. Mas eu vaticinei que ele iria ser meu. O problema era a distância. E as italianas. E a minha falta de sorte crónica. Obrigada pelas circunstâncias a seguir em frente, curei as mágoas ao som de Led Zeppelin. Os livros ficaram obsoletos no ano seguinte, seguiram-se outros destinos para luas-de-mel, a Vera mudou de turma, acabaram-se as boas-novas do futebol. Surgiram paixões platónicas em latitudes mais propícias, mas todas tão distantes como Turim está, ou mais até. Entra-se no circuito de vários Humberts Humbert, faz-se de Dolores,... mas Turim continua a ser o outro lado do mundo.  

segunda-feira, janeiro 14, 2019

- original soundtrack -

imagino esta música a tocar numa estação de rádio mal sintonizada, numa roulotte nas ruas abandonadas da cidade de Nova Iorque numa noite quente de Agosto de 1975, com a cidade esvaziada e deprimida. não sei… lembrei-me que seria o cenário para:

(Lonely, Bobby Vinton)
- não vai mais vinho para essa mesa -

#mais100mlepummmmm
ou
#comoplanearumatentadoterrorista
ou
#nãofaçamhashtagdahashtagdecima

a passar na segurança do aeroporto:
ele - posso abrir a sua mala?
eu - sim, claro
ele, enquanto abre a mala - esqueceu-se da pasta de dentes aqui dentro. devia tê-la colocado nesse saco transparente. posso?
eu - sim (ao mesmo tempo que passava o saco transparente)
ele, olhando o saco transparente - Neroli Portofino, Tom Ford? Excelente escolha!...



















eu - eu sei!
ele - também há outro com mais bergamota e outro com mais laranja.
eu - mas este é o melhor!
ele, admirando o frasco - boa escolha!... pode seguir! 
- o carteiro -

ao que parece, esta história começa com a escultura egípcia, que, por sua vez (e a meu ver) vai beber aos relevos egípcios e assírios. senão vejamos: os egípcios retratavam a figura humana, nos relevos, com um pé em frente do outro, como que a simular movimento. Os assírios também já faziam isso.













Lion Hunt of Ashurbanipal
645–635 a.C.
British Museum, Londres


Mas enquanto os assírios preferiam, na escultura da figura humana, um certo estaticismo, os egípcios optaram, já no período anterior à Primeira Dinastia por fazer avançar o pé esquerdo. Ou seja, a figura humana encontrava-se não só em movimento, como - e mais importante - fiel à realidade. Talvez os egípcios pensassem "se estes tipos vão estar aqui milénios, mais vale que estejam confortáveis" (não. isto sou só eu a brincar)

o que quero dizer é que o avanço de um pé face ao outro na escultura da figura humana, é mais próximo do real e confere naturalidade ao que é esculpido. Todos nós, quando em pé, temos a tendência para nos apoiarmos num pé ou no outro. nunca, ou quase nunca, deixamos que o peso do corpo recaia sobre os dois pés. nem juntos, nem afastados.

depois veio a escultura grega que foi progressivamente, tornando-se mais natural e os romanos que aproveitaram o período helenístico da escultura grega para tornar a sua própria escultura ainda mais teatral. Parece antagónico, mas o teatral dos gregos (período helenístico) foi o ponto de partida para muita da escultura romana. Assim, o que era já decandente por se afastar da idealização da figura humana, tornou-se o novo "natural" dos romanos. O avanço do pé transformou-se na serpentinatta; ou seja, num espasmo do corpo que começa pelo pé esquerdo avançado face ao direito e termina na cabeça a olhar para o lado oposto àquele a que se dirige o corpo e que é uma expressão estética sem correspondente com a realidade pois ninguém se mantém naquela posição produzida muito tempo. pois então o que temos: nem a posição estática, nem o requebro dos membros são poses reais.

o que é curioso é que o pé que avança é sempre, na escultura egípcia, o esquerdo. senão vejamos:

King Menkaura and queen
2490–2472 a.C.
Museum of Fine Arts, Boston

mas eis que chegamos à escultura da Antiguidade Clássica (isto para não falar de "escultura grega" nem "escultura romana" e seus diferentes períodos cujos nomes podem confundir o pessoal).  enquanto que com a escultura egípcia, o pé esquerdo avançava, os gregos e principalmente os romanos criaram figuras espelhadas, sendo que assim numa delas era o pé esquerdo que se encontrava à frente e na outra, o pé direito.  e enquanto os egípcios se mantiveram fiéis ao modelo utilizado para a figura humana (reconhecido como egípcio em qualquer contexto), os romanos utilizaram as referências dos seus antecessores, mas também as suas próprias referências. Assim temos uma espécie de cariátides egípcias na porta da Villa de Adriano (agora na Sala a Croce Greca do Museu do Vaticano), também chamadas/chamados de Telamons, sendo que estas nem seguram de facto nenhum entablamento, nem são figuras de uma escultura romana típica, nem mesmo apresentam a regra egípcia do pé esquerdo frente ao pé direito (isso acontece numa figura, mas não na outra). A graça repete-se na entrada do Palazzo Davia Bargellini:

Telamons
Sala a Croce Greca, Vaticano


Palazzo Davia Bargellini
Século XVII
Bolonha

São portanto figuras espelhadas que resultam de uma reinterpretação, de uma reutilização do motivo egípcio e grego dos Kouroi e que também Rafael usa numa pintura na Stanza dell'incendio no Vaticano. Não usa as duas figuras, mas aquela que é a figura secundária, a figura derivada da original (a figura com o pé direito avançado, já que no original egípcio é o esquerdo que avança): Basta reparar na figura do canto da sala:
Rafael
Stanza dell'incendio
1514
Vaticano

Beijos e lavem sempre as mãos depois do xixi.

quarta-feira, janeiro 09, 2019

- o carteiro -

como finges que estás:


como estás na realidade:

todos os dias.

segunda-feira, janeiro 07, 2019



- original sountrack -

porque Vivaldi é mais do que aquilo que ouvimos quando ligamos para a contabilidade e nos colocam em espera…











Sileant zephyri,
rigeant prata,
unda amata,
frondes, flores non satientur.

Mortuo flumine,
proprio lumine
luna et sol etiam priventur.

Sed tenebris diffusis
obscuratus est sol,
scinditur quoque velum,
ipsa saxa franguntur
et cor nostrum non frangit vis doloris?
At dum satis non possumus dolere
tu nostri bone Jesu, miserere. 

(Filiae maestae Jerusalém, Vivaldi)

- não vai mais vinho para essa mesa -

[no banco]
ela - podia assinar no canto superior direito de cada uma destas páginas? assinar não, rubricar.
eu - poder podia, mas não tenho uma rubrica…
ela - não?
eu - não… mas posso inventar agora, não posso?
ela - sim, desde que mantenha igual em todas as páginas e em documentos futuros.
eu - bom, ora vamos lá…
ela - …
eu - …
ela - … então? conseguiu?
eu - sim… mas parece um pénis. Há problema com isso? não sei se se pode dizer "pénis" num banco…
ela - ah… pode.
eu - pénis, pénis, pénis
- não vai mais vinho para essa mesa -

























e para não dizerem que não falei das flores…











sexta-feira, janeiro 04, 2019

- original soundtrack -

Vai minha tristeza
E diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Por que eu não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade
É que sem ela não há paz
Não há beleza
É só tristeza
E a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim, não sai

(…)

Dentro dos meus braços
Os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim
Colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos
E carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você viver sem mim


(Chega de saudade, Tom Jobim)
- não vai mais vinho para essa mesa -

visto numa tshirt:
"Team Eternity: 2007-2009"
- não vai mais vinho para essa mesa -
Mona vs David

ou como "um dia os quadros serão vistos assim":



Sim, claro… tudo está em constante mudança. Nada é inalterável. Mesmo os museus, os locais aparentemente mais inalteráveis que podemos visitar, estão a mudar. Aliás, já não visitamos museus; frequentamos museus. Eles serão um dia locais onde iremos para tomar café e, se nos apetecer, ver uma exposição. Ao secundarizar aquela que deveria ser a principal função dos museus para responder a objectivos economicistas e às novas gerações (uma vez que os grandes museus têm agora capital privado e têm de ser rentáveis e uma vez que as novas gerações têm cada vez menos capacidade de concentração), os mesmos tendem a encontrar soluções para rentabilizar-se. Por isso sim, os museus têm um preço. Os museus adaptam-se como podem à era da reprodutibilidade digital, em que todos somos criadores e "produtores de conteúdo".