segunda-feira, janeiro 14, 2019

- o carteiro -

ao que parece, esta história começa com a escultura egípcia, que, por sua vez (e a meu ver) vai beber aos relevos egípcios e assírios. senão vejamos: os egípcios retratavam a figura humana, nos relevos, com um pé em frente do outro, como que a simular movimento. Os assírios também já faziam isso.













Lion Hunt of Ashurbanipal
645–635 a.C.
British Museum, Londres


Mas enquanto os assírios preferiam, na escultura da figura humana, um certo estaticismo, os egípcios optaram, já no período anterior à Primeira Dinastia por fazer avançar o pé esquerdo. Ou seja, a figura humana encontrava-se não só em movimento, como - e mais importante - fiel à realidade. Talvez os egípcios pensassem "se estes tipos vão estar aqui milénios, mais vale que estejam confortáveis" (não. isto sou só eu a brincar)

o que quero dizer é que o avanço de um pé face ao outro na escultura da figura humana, é mais próximo do real e confere naturalidade ao que é esculpido. Todos nós, quando em pé, temos a tendência para nos apoiarmos num pé ou no outro. nunca, ou quase nunca, deixamos que o peso do corpo recaia sobre os dois pés. nem juntos, nem afastados.

depois veio a escultura grega que foi progressivamente, tornando-se mais natural e os romanos que aproveitaram o período helenístico da escultura grega para tornar a sua própria escultura ainda mais teatral. Parece antagónico, mas o teatral dos gregos (período helenístico) foi o ponto de partida para muita da escultura romana. Assim, o que era já decandente por se afastar da idealização da figura humana, tornou-se o novo "natural" dos romanos. O avanço do pé transformou-se na serpentinatta; ou seja, num espasmo do corpo que começa pelo pé esquerdo avançado face ao direito e termina na cabeça a olhar para o lado oposto àquele a que se dirige o corpo e que é uma expressão estética sem correspondente com a realidade pois ninguém se mantém naquela posição produzida muito tempo. pois então o que temos: nem a posição estática, nem o requebro dos membros são poses reais.

o que é curioso é que o pé que avança é sempre, na escultura egípcia, o esquerdo. senão vejamos:

King Menkaura and queen
2490–2472 a.C.
Museum of Fine Arts, Boston

mas eis que chegamos à escultura da Antiguidade Clássica (isto para não falar de "escultura grega" nem "escultura romana" e seus diferentes períodos cujos nomes podem confundir o pessoal).  enquanto que com a escultura egípcia, o pé esquerdo avançava, os gregos e principalmente os romanos criaram figuras espelhadas, sendo que assim numa delas era o pé esquerdo que se encontrava à frente e na outra, o pé direito.  e enquanto os egípcios se mantiveram fiéis ao modelo utilizado para a figura humana (reconhecido como egípcio em qualquer contexto), os romanos utilizaram as referências dos seus antecessores, mas também as suas próprias referências. Assim temos uma espécie de cariátides egípcias na porta da Villa de Adriano (agora na Sala a Croce Greca do Museu do Vaticano), também chamadas/chamados de Telamons, sendo que estas nem seguram de facto nenhum entablamento, nem são figuras de uma escultura romana típica, nem mesmo apresentam a regra egípcia do pé esquerdo frente ao pé direito (isso acontece numa figura, mas não na outra). A graça repete-se na entrada do Palazzo Davia Bargellini:

Telamons
Sala a Croce Greca, Vaticano


Palazzo Davia Bargellini
Século XVII
Bolonha

São portanto figuras espelhadas que resultam de uma reinterpretação, de uma reutilização do motivo egípcio e grego dos Kouroi e que também Rafael usa numa pintura na Stanza dell'incendio no Vaticano. Não usa as duas figuras, mas aquela que é a figura secundária, a figura derivada da original (a figura com o pé direito avançado, já que no original egípcio é o esquerdo que avança): Basta reparar na figura do canto da sala:
Rafael
Stanza dell'incendio
1514
Vaticano

Beijos e lavem sempre as mãos depois do xixi.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Então vamos lá testar quanto é capaz de fazer do seu saber um saber vivo: a pintura em link

https://www.rijksmuseum.nl/en/search/objects?q=Wouter+Johannes+van+Troostwijk+&f=1&p=1&ps=12&type=painting&st=Objects&ii=3#/SK-C-1535,3

é do pintor holandês Wouter Johannes van Troostwijk (1782-1810). Chama-se " A porta Raam em Amesterdão" , é de 1809 e pertence ao Rijkmuseum

Transcrevo do site do Rijkmuseum: "The 18th-century Raampoortje was part of Amsterdam’s city rampart near the Bloemgracht. The small gate gave access to the bleaching fields outside the city wall, where dyed cloth was laid out to dry on wooden frames, from which the Raampoortje (Frame Gate) got its name. Here we look from the bleaching fields past the houses on the Bloemgracht towards the cold and wintry city. The Westertoren rises in the distance. The gate was demolished in 1846.On the right of that small gate a man is peeing against the wall, a detail often seen in the Dutch and Flemish paintings."

Diga-nos então cara Beluga (e restantes leitores), o que está errado nesta pintura.

Muito obrigado. Cá se fazem cá se pagam, eheheheh

14/1/19 7:25 da manhã  
Blogger Belogue said...

Tenho uma ideia, mas provavelmente vai "dizer" que está errada, que é somente especulação. Então cá vai: de um lado, do lado de cá, há de facto uma abertura - a tal que levava, segundo a descrição do Rijksmuseum, aos campos. Mas do outro lado, a porta parece muito maior, como se não correspondesse ao que vemos do lado de cá. Por outro lado, há um gradeamento e um muro do lado de lá que não há do lado de cá, o que me parece ser motivo para chamar a Protecção Civil.

O meu saber é um saber morto, pelos vistos.
Pode ser que nos esclareça com a sua sapiência… viva.

14/1/19 11:13 da tarde  
Anonymous Anónimo said...


Eu também vou esperar os esclarecimentos do anónimo colocador, que me parece um pouco pedante mas acho que o que está errado é que o pintor não sabia muito da fisiologia masculina. Nessa situação o homem sempre mantém as pernas abertas com os pés afastados. Alivia a próstata e facilita a tarefa. E isto é assim desde muito antes da primeira dinastia egípcia. E se o cavalheiro for asseado lava as mãos no fim. Isto digo eu que também não tenho sabedoria viva.

15/1/19 5:41 da manhã  
Anonymous Anónimo said...



Bom dia.

Beluga
Não acertou eheheh...de facto tem a haver com abertura , mas anatómica, conforme explicou muito bem o anónimo das 5:41. Esteve muito perto. Pelo que pude compreender no seu comentário, avaliou a dimensão da porta do lado da cidade pela parte superior/posterior do entablamento. Se medir o entablamento do lado do canal e o do lado urbano verá que o primeiro é significativamente maior, de acordo com as leis da perspectiva.A porta do lado de cá parece mais pequena porque tem logo ao lado a abertura grande do canal como termo de comparação. Ou será que...

Anónimo das 5:41.
Acertou! Bravo! Não é fácil e nunca encontrei uma senhora que acertasse.Não me tome por pedante que não sou. Só que estas coisas divertem-me e às vezes a minha vontade de as partilhar parece que presume a ignorância alheia o que não é o caso. É só ânimo!!
Muito obrigado aos dois.

15/1/19 6:27 da manhã  
Blogger Belogue said...

Caros anónimos

Então querem ver que o pintor fazia xixi sentado? Como é que um homem não sabia pintar outro homem a fazer as suas necessidades fisiológicas? Não será especulação vossa?

Vou para dentro.
Não estou nos meus dias.

16/1/19 11:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...



Bem eu reservo a minha explicação para o caso. Há organizações que têm o braço muito longo... Tomemos esta pintura como uma fase decadentista do artista.
Melhoras rápidas, Beluga.

17/1/19 10:45 da manhã  

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