"I am a deeply superficial person." - Andy Warhol
sábado, fevereiro 27, 2010
- back to black -
"I am a deeply superficial person." - Andy Warhol
[tão profundamente superficial que ultimamente não me tenho dedicado a outra coisa que não a imagem: os "antes e depois" e a imagem no espelho que tem de desemagrecer, so help me God]
quarta-feira, fevereiro 24, 2010
- o carteiro -
- O Turismo da Dinamarca pediu ao seu realizador mais conhecido, Lars von Trier, para filmar pequenos anúncios de incentivo ao turismo no país. Eis várias boas razões para não ir à Dinamarca, mas nem em pesadelo!. Ainda não percebi se isto é coisa dos tipos de The Onion.
- A indústria amercica da cinema é negócio paradoxal: inventou a pornografia, mas nos filmes as pessoas fazem sexo com as cuecas Calvin Klein vestidas, inventou o "Karaté Kid", mas no novo trailer o actor (filho de Will Smith) aprende na realidade a lutar Kung Fu.
- A Disney também faz copy-paste.
terça-feira, fevereiro 23, 2010
- original soundtrack -
não sou grande fã, mas esta música lembra-me o Verão e os saltos para a água e o "casamento" do Orlando e a chuva de estrelas e os mojitos...
It's going to take a little time
While you're waiting like a factory line
I'll fly across the park
Backseat on the 79
Wasted days you've come to pass
So go I know you would not stay
It wasn't true, but anyway
Pollination yellow cab
You walk up the stairs
See the French kids by the door
Up one more flight
See the buddha on the second floor
Coronation rickshaw grab
So go, I know you would not stay
It wasn't true, but anyway
Racist dreams you should not have
No excuse to be so callous
Dress yourself in bleeding madras
Charm your way across the Khyber Pass
Stay awake to break the habit
Sing in praise of Jackson Crowter
Watch your step along the arch of glass
(M79, Vampire Weekend)
- não vai mais vinho para essa mesa -
[a fazer a minha caminhada na tarde de um feriado. o carro pára junto ao passeio e uma cabeleira loura e sorridente, com baton nos dentes, sorri e chama.]
- ó menina! benha aqui por fabor.
- olá boa tarde.
[fala o condutor com a senhora loura]
- ... dasse!!!... falas tu ou falo eu? bocê sabe onde fica a danceteria STOP? dissero-nos que era aqui.
- a STOP? têm a certeza que não é Arco-Íris?
- mau... se eu disse que era a STOP. já andei muntas bezes por estes lados, sei pronde quero ir. é a STOP.
- tudo bem, mas quem vos disse que era por aqui, enganou-vos. aqui perto, logo nesta rua há uma danceteria que se chama Arco-íris.
- num é essa. é a STOP
- pois, mas a STOP é lá em cima, na Estrada Nacional na zona industrial. frente à fábrica de rações. é um edifício cor-de-rosa que até tem umas colunas dóricas à entrada...
[só uma otária como eu para dar este pormenor]
- num pode ser. bocê inda sabe menos cagente. pode lá ser! da zona industrial beio a gente agora.
- mas olhe que é.
- ai, ai, ai, ai, ai! e cumé queu faço prá gente chegar lá. é que daqui prum bocado começa a matiné.
- tem de dar a volta à rotunda, regressar ao ponto de onde veio... passou pelo Continente, pelo hipermercado, não foi?
- eu sei lá!
- passou, de onde veio deve ter passado. regressa à estrada nacional e quando estiver no sentido Sul-Norte, do lado direito, é a STOP.
- e bocê acha bem? acha bem eu boltar atrás? era o quemabia de faltar. agora já num bou.
- mas eu só lhe estou a dar indicações...
- num bou, é assim. s'isto tem algum jeito, boltar atrás. a STOP debe ser práqui e bocê num quer dizer. se calhar bocê num sabe onde fica.
- mas eu só estou...
[e arrancou no sentido oposto à STOP]
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou como… para falar a verdade, já gostei mais do Lachapelle. No início tinha piada porque era muito barroco e kitsch, mas agora ao ver tanto as fotografias como os vídeos dele dou conta que não se reinventou. Parece que estamos a ver continuamente obras dos anos 90.
O antes de hoje é-nos dado numa pintura de Botticelli que para o fim da vida deu em pintar umas coisas desinteressantes. Trata-se de Vénus e Marte, a deusa do Amor e o deus da Guerra (“Vale tudo no amor e na guerra”) que contam nesta obra o repouso após uma vitória bélica. Esta pintura é curiosa porque aprisiona os dois corpos na horizontal asfixiando-os num ninho de amor. Eu sei, esta expressão é horrível, mas é o que aquilo parece: a árvore de murta, árvore de Vénus atrás dos dois como que a ligá-los, Vénus vestida olha fixamente Marte enquanto este dorme, o deus da guerra nu, sem a armadura e apenas com um pudico paninho branco (com um simples paninho branco eu nunca me comprometo) a cobrir as partes pudibundas e os pequenos faunos brincam às escondidas (se não é às escondidas devia ser) com a armadura, o elmo e a lança de Marte. Estes faunos com patas de cabra e corninhos estão pintados segundo a tradição e um deles sobra ao ouvido de Marte através de uma cornucópia, símbolo da abundância e prosperidade. Por isso é que Botticelli pintou Marte e Vénus como num ninho de amor e com as armas presentes, mas não em riste. A mensagem que o pintor pretendia transmitir era que o poder do amor pode derrotar qualquer força que se lhe oponha. Até as moscas zumbem por ali, ao lado da cabeça de Marte (lado direito do quadro) numa alusão provável à família que terá encomendado o quadro, a família Vespucci cujo nome deriva de vespa e cujo brasão contém este insecto. Pode ser e pode não ser: os Barberini também tinham vespas nas colunas salomónicas em São Pedro (Vaticano) e portanto as vespas podem ser um símbolo transversal a várias famílias e ideologias (para os Barberini as vespas/abelhas representavam a produção de cera que vista ao Sol parecia ouro e de mel que era um manjar celestial).
Sandro Botticelli
Venus and Mars
c. 1483
National Gallery, Londres
David Lachapelle
Flaunt
Novembro
2009
- o carteiro -
Os posts não têm sido nem muitos, nem bons, mas não tenho tido tempo e quando tenho tempo desperdiço-o a pensar se valerá a pena postar quando não se tem nada de relevante a mostrar. Num desses momentos lembrei-me que ainda faltava mostrar-vos umas curiosidades sobre o livro/conto de Heinrich Von Kleist, “Michael Kohlhase, o Rebelde”. Li-o porque uma vez me falaram nele e nas diferentes viagens que a personagem faz ao longo da história e é de facto impressionante como num curto conto, Kleist nos faz mudar de repente de visão sobre cada um dos envolvidos. Sabendo que nunca repito livros, voltar a ler o mesmo conto sem me desinteressar é para mim um feito que gostaria de partilhar com vocês. Porquê? Não sei bem, só sei que sabe bem. O conto (coisa para duas horas de leitura, mais ou menos) é sobre uma história real que teve lugar na Saxónia do século XVI. Nessa época e tempo um jovem mercador de seu nome Hans Kohlhase que vivia em Colónia perto do Spree. Em 1532 este mercador desloca-se com os seus cavalos até Leipzig, a uma feira quando é mandado parar. Os seus cavalos são confiscados para pagar um imposto de passagem pela Saxónia, imposto este que não existia e que foi inventado na altura pelo fidalgo von Zaschwitz. Quando sabe, Kohlhase procura que se faça justiça pelos meios legais, mas vendo-se, por um conjunto de tristes circunstâncias constantemente injustiçado e mal tratado, acaba por enveredar pela via contrária. Em 1534 torna pública uma carta onde dá a conhecer as suas intenções de destruir todos os que se lhe oponham e aqueles que protegerem o senhor. Assim, e numa sede cega de vingança, começa a incendiar casas e junta um pequeno grupo de homens, mais mercenários e carniceiros que justiceiros que com ele levam a cabo a destruição. Não obstante uma carta de admoestação de Martinho Lutero, Kohlhase estava cego e convencido que, se não havia alcançado justiça junto dos tribunais, tinha de fazê-lo pelos seus próprios meios, nem que para isso fosse necessário ser injusto. Com todos os seus actos acaba condenado à morte pois os seus crimes tornaram-se mais gravosos que aqueles pelos quais queria que outros pagassem.
Apesar de pouco conhecido, este conto de Kleist é tão importante para a literatura germânica como o Fausto de Goethe o foi na sua época. São os dois pilares fundamentais (que cliché, burra) da literatura alemã. E porque é que o é? Por um lado porque nos leva num curto espaço a sentirmo-nos, tal como o mercador, injustiçados e depois, revoltos. Identificamo-nos como o mercador de Kleist, mesmo sabendo que o que ele faz para obter justiça já é em si injusto e está fora de todo o resquício civilizacional. Por outro lado, porque não obstante Kleist fazer constar que apreciava os homens e mulheres que lutavam pelas suas causas sem baixar os braços, ele próprio baixou os braços (segundo algumas interpretações. Para mim o suicídio é uma questão pessoal) e suicidou-se juntamente com uma amiga. Na época a história – à qual foram acrescentados os pormenores necessários – não foi muito apreciada e só postumamente, como geralmente acontece, recebeu o verdadeiro apreço da crítica. A história de Kohlhase mostra o empenho de um homem na busca pela justiça dentro do corrompido sistema legal saxão e Kleist serve-se dela, da história, para mostrar as suas opiniões sobre a política do seu tempo e para denunciar o que estava mal a este nível. Nesta altura o eleitorado da Saxónia estava descontente com o seu eleitor pois após desmembrado o Sacro Império Romano Germânico a Saxónia passou de membro com estatuto especial e despojado por Napoleão.
Este conto é uma parábola da justiça da época que hoje continua activa. Kohlhase começa por ser um homem sem justiça: recorre aos tribunais, recorre ao príncipe e ninguém lhe dá razão quando sabemos, porque nos identificamos com ele (Kleist é muito esclarecedor e quase minimal pois não conta a história de forma dúbia), que Kohlhase tem razão. A sua acção na justiça fica durante um ano perdida nos tribunais legais e perante isto o mercador começa, progressivamente a mudar a sua acção, quase sem por isso darmos conta. Primeiro emite editais em que repudia todos os que protegem o barão Von Tronka (a versão no conto para aquilo que na realidade era o Senhor von Zaschwitz). Mas estas declarações escritas pelo mercador, não obstante serem baseadas em pressupostos justos, obrigam os outros cidadãos a agir conforme os seus desejos, algo que em si não é muito justo. Claro que as burocracias legais muito contribuíram para que Kohlhase tivesse uma conduta reprovável, mas nem tudo nele é fruto da injustiça. Às tantas, aquando principalmente do seu encontro com Martinho Lutero (Kleist contextualiza a proclamação de Lutero através de uma conversa em mercador e reformador), Kohlhase mostra que já não pretende justiça; ele não quer os seus cavalos de volta nutridos nem a sua indemnização, ele quer a punição do Barão. O direito à justiça que Kohlhase extorquiu aos outros através da sua conduta violenta, que Kleist mostra em crescendo, fica anulado quando, finalmente concedido por Lutero, o mercador reclama mais, e mais importante do que o que lhe é devido é aquilo que não é devido aos outros. Tal como o capitão de Moby Dick que sabe que nunca vai recuperar a perna no estômago da baleia (“mas o que é que ele está a fazer naquela barbatana?”, diria eu reinventando o Harpagon de Moliére) quer apenas matar a baleia, Kohlhase quer aniquilar o barão, mesmo sabendo que nada devolverá a vida da sua mulher, que morreu tentando lutar por aquilo que era do marido, nem a sua paz familiar, nem a saúde dos seus cavalos, nem o apreço dos seus amigos e da comunidade, nem a fidelidade dos seus servos. O mercador quer destruir aquilo com que não se identifica e aquilo com que não se identifica é todo um conjunto de pessoas e ideias que outrora defendeu, mas contra as quais agora luta por lhe parecer que formam conluio contra ele. Mesmo quando avisado para ponderar, o justiceiro mostra-se irredutível e assim passamos, de forma muito natural de um homem justo, para um executante. Kohlhase a quem a justiça não serve, serve-se da injustiça, uma vez que a mesma justiça que não pôde ou não quis defendê-lo armou-o para ele se defender e ofender. Ele é um homem, primeiro injustiçado e depois, porque toda a revolta cresceu à sua revelia (o mercador reúne um pequeno exército que pretende apenas pilhar enquanto ele pretende que se lhe faça justiça), incapaz de remendar as suas injustiças, injustiças estas, diga-se em abono da verdade, que são mais fruto do seu sentimento de perseguição e de pressão exterior. O mesmo grupo que o maltratou é aquele que se defende dele segundo normas gerais de convivência em sociedade. Mesmo na penúria, a caminho da morte por enforcamento, o mercador mantém as suas convicções. O final é um triunfo porque para Kohlhase já não haveria restituição possível no mundo dos vivos, mas estes vivos que o vêem morrer, exultam. Por outro lado, é através de uma morte em paz e fiel aos seus princípios que Kohlhase encontra a justiça que procurava.
Acho que á nesta história uma particularidade muito actual: a justiça continua a abrir caminhos de injustiça, uma vez que é lenta, falha e cria mecanismos subversivos devido às suas inúmeras interpretações e constantes alterações. Na busca cega de uma justiça mais justa, a justiça torna-se incipiente, sem princípios, básico e volúvel.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
hipócrates
- A Vitra mostrou o seu novo museu que muito "me gusta". O complexo da Vitra em Weil am Rhein na Alemanha conta com um museu do design de Frank Gehry, um centro para conferências de Tadao Ando e tem na calha mais outro edifício de SANAA. O novo edifício, agora ao acesso dos mortais, foi desenhado pelos suíços Herzog & de Meuron e pretende servir de museu do mobiliário. Estamos a falar de um edifício composto por pequenas casas em cada um dos andares-ramos. Imaginem uma árvore com ramos e em cada ramo há uma casa. O que dá esta sensação de "conto-de-fadas" à minha explicação é o desenho das casas, todas em "A" (o tipo de casas que desenhávamos quando éramos pequenos), casas essas que estão presas umas às outras em altura numa alusão aos propósitos da Vitra: vender mais e para as massas.
- A Tate Britain reuniu cerca de 150 trabalhos do escultor Henry More que mostram um lado desconhecido do artista: um lado obscuro que explora a temática do sexo, guerra e morte e que de certeza nos farão olhar para as esculturas pachorrentas e familiares de Moore de outra forma. A exposição reúne cerca de 40 anos de trabalhos de Moore que eram até aqui desconhecidos e que mostram, entre outras coisas, figuras femininas eróticas gravadas em madeira e desenhos claustrofóbicos de esqueletos. Pensa-se que esta exposição trará mais informações sobre Moore, bem como uma nova visão acerca do seu trabalho, uma vez que o mesmo decorreu entre duas guerras mundiais e assistiu ao Holocausto. Esquecer isto era desvirtuar o espírito humano do artista. Cada sala da exposição possui um trabalho de Morre sobre a temática "mãe e filho", temática essa que para o artista era quase obsessiva. Mas depois, em cada espaço tanto podemos encontrar desenhos de londrinos a fugirem dos raides aéreos como desenhos de preparação das suas estilizadas esculturas que possuem um lado mais sensual no papel do que na pedra.
- O Guardian tem um artigo entitulado "Critics? You need us more than ever". Este artigo não fala das críticas, mas sim dos críticos de arte. Nem sei bem se isto é assunto para Portugal uma vez que nesta área há no nosso país uma espécie de concubinato que não aquece nem arrefece nenhum artista visado pela crítica. A última grande discrepância que vi foi entre dois críticos de cinema: um escrevia que o filme "Anticristo" de Lars von Trier era abominável, o outro que era uma coisa de génio. Assim sendo, não vi o filme. Mas o que me leva a escrever sobre o artigo do The Guardian é a quantidade de sondagens e votações on line que sites sobre moda, música, cinema e literatura fazem, deixando ao cuidado dos leitores a escolha de uma opinião que deve ser dos críticos. Que mal tem um bocadinho de compromisso? Que mal tem dizer que o que a Lady Gaga faz agora, já a Madonna fazia no seu tempo só que sem os sapatos McQueen (que Deus o tenha) porque não havia dinheirinho? Que mal faz ler o "2666" até ao fim e declarar que não se tomou o livro como um "Excelente", mas como um "Bom"? Que mal tem dizer que a Naomi Campbel é desastrosa a vestir? Que mal tem dizer que o último do Woody Allen é tão auto biográfico que até nem parece dele que costuma deixar mais à imaginação? E o Avatar? Ainda me lembro quando passou na televisão um filme 3D sobre o monstro do lago Ness e tivémos de o ver com óculos especiais. Então, porque é que ninguém diz que o Avatar, fora o espectáculo pirotécnico, não é bom? É preciso que os críticos digam mal das coisas, não de forma gratuita ou coberta na rectaguarda (dizer aquilo que alguém, por esse mundo fora também já disse), mas do que lhes vem da experiência.
- não vai mais vinho para essa mesa -
CIMA
- Sócrates que pelo menos até ao próximo SOL vai poder desviar atenções da sua face;
- Miguel Sousa Tavares que com um programa com nome de telenovela terá mais audiência que Perfeito Coração.
ASSIM-ASSIM
- Sporting porque com a tragédia em Alvalade, ainda vai ter que organizar um jogo em causa própria.
BAIXO
- Sócrates porque depois disto vai ter que ceder na lei das Finanças Regionais;
- MST pois só os índios é que comunicam através de sinais de fogo e fumo.
segunda-feira, fevereiro 22, 2010
estive a desenhar, a ouvir Etta James, a pensar em coisas que não devia, distraí-me e não preparei os posts. fica para terça. juro!
sábado, fevereiro 20, 2010
- back to black -
Art is coming face to face with yourself. That's what's wrong with Benton. He came face to face with Michelangelo, and he lost - Jackson Pollock
[segunda-feira posto a sério]
segunda-feira, fevereiro 15, 2010
- o carteiro -
Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres
Quando a minha idade era outra que não esta achava que com esta idade seria uma estilista famosa, sem filhos e muitos namorados. Nada mais errado. Era uma altura em que para mim a moda devia ser “efémera” palavra que repetia até à exaustão por me parecer um sinónimo de eterna. Era também a altura em que dar recados por telefone não podia ser tarefa mais ridícula uma vez que, segundo a minha cabeça, um recado era uma coisa escrita. Prostrava-me horas a pensar que seria necessário cortar o papel em pedaços muito pequenos que passassem nos furos do bocal do telefone e que depois era necessário soprar. Do outro lado a pessoa que recebesse o recado teria de colar as partes e isso era mais trabalhoso do que enviar o recado pelo correio. Eu pensava que as pessoas que morriam nos filmes eram pessoas que tinham respondido a um anúncio num jornal anúncio esse elaborado mais ou menos nestes termos: “Precisamos de pessoas que desejem morrer em filme de acção”. E as pessoas lá iam. E o Mário Soares? O Mário Soares não defecava – na altura dizia “não faz cocó” porque não aplicava o “efémero” (termo polivalente) à conversa escatológica. Para mim, uma pessoa importante como o Presidente da República não podia defecar.
Não cheguei a Coco Chanel porque entretanto vi que Lisboa não era Paris. E porque não queria ser uma estilista de catálogos. Queria ser grande. E era boa no desenho de roupa. Queria ter sido ginasta, cavaleira e ganhar provas de hipismo, cozinheira de bolos de muitos andares, historiadora de arte, arqueóloga, escritora, actriz nos anos 50, pseudo cantora no Cotton Club, e stripper no Crazy Horse. Modelo só para saber o que é ser muito, mas mesmo muito bonita. Nunca pensei em bebés e ainda continuo a não pensar talvez porque acho que não os posso ter. Quanto aos namorados, nunca os tive, a não ser quando brincava às Barbies com a Bárbara e a minha Barbie era sempre a ninfomaníaca: ela “fazia o amor” com o Ken na piscina da Barbie, na cama cor-de-rosa da Barbie, na prateleira da casinha das bonecas de casa da Bárbara, na gaveta quando a brincadeira chegava ao fim… Era uma doida. Engravidava sempre, mas não fazia abortos porque nós desconhecíamos tal prática: a minha boneca perdia sempre a criança como acontecia nas telenovelas que eu e a Bárbara acompanhávamos religiosamente e às quais reservávamos os comentários mais jocosos sempre que víamos o mamilo da Maitê Proença. De manhã eu e a Bárbara fazíamos a casa das Barbies e depois do almoço resolvíamos a vida das cachopas. Cansávamo-nos e íamos andar de baloiço e fazer saltos no ar, a ver quem caía mais longe na relva. Andávamos de patins, comíamos tartes de nata e Fizz de limão, olhávamos para a caderneta do Roque Santeiro (que a minha mãe nunca me comprou apesar dos meus pedidos insistentes porque lá em casa estávamos em constante contenção de gastos) e íamos ao quarto da mãe da Bárbara cheirar os perfumes, os cremes e admirar um vestido Valentino que ela tinha no gigantesco guarda-fatos. A Bárbara tocava piano antes do jantar anunciado pela empregada. Tomávamos banho com Taithi cor-de-rosa (embalagem paralelepipédica), ouvíamos o disco do Fido Dido e descíamos as escadas para algo bem mais criativo que a farinha de pau da minha mãe ou a faneca frita. O passo último deste inebriamento era a visão triunfal de uma mesa em que, ao contrário de tudo aquilo que eu já tinha visto, os pratos combinavam e os talheres eram todos iguais. Era como estar num episódio da Dinastia, mas não a servir à mesa
Hoje a minha vida não podia ser mais diferente que a da Barbie-dominatrix a quem dava voz e movimento nas perninhas anatomicamente improváveis e a Bárbara já não mora na casa de série televisiva. Já não comemos Fizz porque devem tê-lo retirado do mercado já que, gelado sim, gelado não, o Fizz limão vinha estragado. A minha massa adiposa diminuiu para o mesmo nível daqueles idos anos. Acabaram-se os amores de telenovela e os verdadeiros nunca existiram. Foi-se a moda, mas ficou o gosto e a certeza que, seja qual for a minha idade, eu ainda hei-de ser como o projectado numa tarde de Verão passada na brincadeira lasciva de um pedaço de plástico modelado, com olhos e cabelo loiro. Bem sei que parece tristemente ridículo, mas eu sinto-me a mesma e não mudaria nem o conteúdo, nem o contentor.
sexta-feira, fevereiro 12, 2010
- back to black -
"A wise girl kisses but doesn't love, listens but doesn't believe, and leaves before she is left." - Marilyn Monroe
[um back to black adiantado porque é bem provável que eu não tenha fim-de-semana]
terça-feira, fevereiro 09, 2010
- o carteiro -
Já que o coito - diz Morgado -
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca,
Temos na procriação
Prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
Lógica é a conclusão
De que o viril instrumento
Só usou - parca ração! -
Uma vez. E se a função
Faz o órgão - diz o ditado -
Consumada essa excepção,
Ficou capado o Morgado.
(Natália Correia)
Como habitual, comecei a ler o Expresso pelo fim. Fui ao início ler as “gordas”, fui ao desporto ler o escândalo John Terry e parei na página 36 dedicada ao Editorial e aos artigos de opinião de Ricardo Costa, António José Seguro e desta vez, do Dr. Henrique Carvalho Maia, médico a quem são dadas mais linhas do que ele merecia para divagar acerca do casamento homossexual. Visto que é uma opinião no Expresso e não tendo eu acesso ao mesmo espaço, faço-o aqui no meu blog que pelo menos é meu e é gratuito
Do artigo publicado há apenas uma frase com a qual qualquer português pode parcialmente concordar: “uma causa [casamento homossexual] que interessa uma minoria da população, sem a mínima urgência, mas que, pelo seu carácter vanguardista e provocatório congrega a polémica e o debate, e distrai do essencial.” O resto do texto é porém bafiento e enjoativo, roça até os limites da própria ignorância, da falta de cultura, de gosto, mas mais elementares regras de convivência, respeito pelo próximo e até da lógica e da linguística. Refere o médico que o casamento homossexual ultrapassa o folclore político-mediático pela razão, entre outras de se pretender “por arrastamento, conceder aos casais homossexuais o direito de adoptar”. Que eu tenha visto, até agora esse direito não foi concedido e mesmo que fosse, não vejo razão para tanto alarido uma vez que se de facto as crianças criadas por casais homossexuais fossem inevitavelmente homossexuais, isto queria dizer que os pais dos pais dos pais dos pais dos pais destas crianças também teriam sido. Em última análise, todos nós seríamos homossexuais. (Negando isto, eu pergunto: então fomos feitos “com o dedo”?). Na impossibilidade de construir um campo de concentração para tanta gente, eu acho que devíamos construir dois. E três ou quatro hospícios.
(Natália Correia)
Como habitual, comecei a ler o Expresso pelo fim. Fui ao início ler as “gordas”, fui ao desporto ler o escândalo John Terry e parei na página 36 dedicada ao Editorial e aos artigos de opinião de Ricardo Costa, António José Seguro e desta vez, do Dr. Henrique Carvalho Maia, médico a quem são dadas mais linhas do que ele merecia para divagar acerca do casamento homossexual. Visto que é uma opinião no Expresso e não tendo eu acesso ao mesmo espaço, faço-o aqui no meu blog que pelo menos é meu e é gratuito
Do artigo publicado há apenas uma frase com a qual qualquer português pode parcialmente concordar: “uma causa [casamento homossexual] que interessa uma minoria da população, sem a mínima urgência, mas que, pelo seu carácter vanguardista e provocatório congrega a polémica e o debate, e distrai do essencial.” O resto do texto é porém bafiento e enjoativo, roça até os limites da própria ignorância, da falta de cultura, de gosto, mas mais elementares regras de convivência, respeito pelo próximo e até da lógica e da linguística. Refere o médico que o casamento homossexual ultrapassa o folclore político-mediático pela razão, entre outras de se pretender “por arrastamento, conceder aos casais homossexuais o direito de adoptar”. Que eu tenha visto, até agora esse direito não foi concedido e mesmo que fosse, não vejo razão para tanto alarido uma vez que se de facto as crianças criadas por casais homossexuais fossem inevitavelmente homossexuais, isto queria dizer que os pais dos pais dos pais dos pais dos pais destas crianças também teriam sido. Em última análise, todos nós seríamos homossexuais. (Negando isto, eu pergunto: então fomos feitos “com o dedo”?). Na impossibilidade de construir um campo de concentração para tanta gente, eu acho que devíamos construir dois. E três ou quatro hospícios.
Segue o texto com o mesmo tom de superioridade e jactância de quem tem “queda, mas não tem espaço para cair”. Diz o Dr. Henrique Carvalho Maia: “O grande problema dos homossexuais é a sua própria homossexualidade. Para a quase totalidade deles, ser homossexual é um fardo e uma dificuldade. Quer a moda e os politicamente correctos queiram ou não, a homossexualidade é uma anomalia. Talvez uma das poucas anomalias indiscutíveis, em termos naturais e biológicos, já que o único comprovado e omnipresente propósito de qualquer ser vivo do planeta é reproduzir-se e tentar manter a espécie (tudo o resto é inventado por nós)”. Por onde é que eu começo? Dizer que para os homossexuais o problema deles é a sua própria homossexualidade é dizer que para um judeu o problema é próprio judaísmo, ou que para uma mulher o problema é a própria feminilidade. A propósito, se é “seu” já é “próprio”. Se a homossexualidade é uma anomalia pode dizer-me o Sr. Dr. que é feito dos apontamentos por onde estudou para o acesso à Ordem? È que uma anomalia é o nome dado ao que não é normal e não há normal hoje em dia. Quer algo mais anti-natural ou contra-natura do que a própria natureza? Por exemplo; há espécies de símios que têm um prostituto, nos cavalos-marinhos são os machos que ficam grávidos, os cangurus fêmea têm dois úteros e duas vaginas e podem engravidar dos dois úteros ao mesmo tempo. E como para mim isto ainda não é resposta suficiente à transcrição feita, acrescento que se o propósito dos seres vivos fosse apenas a reprodução como defende o Dr. Henrique Maia, para além dos anormais dos homossexuais, teríamos os anormais dos estéreis, as anormais das velhas, as anormais das pessoas que nascem sem órgãos sexuais e todos os anormais que não querem ou não podem ter filhos.
E termino alertando para a existência de inversões de pensamento e linguagem que não beneficiam o texto, nem quem é por ele visado: “Mal de mim, quer como cidadão quer como profissional, se tivesse qualquer espécie de preconceito, animosidade ou problema com os homossexuais. Além de ter alguns amigos dentre aqueles que conheço, durante os meus longos anos de trabalho tenho tido muitos clientes homossexuais.”. E tenho a certeza que tanto os amigos como os clientes estão satisfeitos por apertarem a mão a um homem que os acha uma anomalia.
“Estamos a perder a virilidade e a fertilidade. A ficar obesos, drogados e ignorantes. Eu acrescento, e homossexuais.” E eu acrescento e “a jogá conversa fora, né seu inriqui?”
sábado, fevereiro 06, 2010
- back to black -
"Sometimes, when I've been staring too hard, I've noticed that I could see the circumference of my own eye."- Lucian Freud
[como eu te compreendo]
quarta-feira, fevereiro 03, 2010
- o carteiro -
Até havia coisas para dizer: o Google abriu as inscrições para o Doodle 4 Google, um concurso em que os concorrentes desenham a homepage do motor de busca, uma escultura de Giacometti atingiu o valor mais elevado de sempre num leilão, o Guardian fala bem de nós, e tive uma epifania que me fez ver os “guês” de George Boole substituírem o s “bês” de Boole (é só um), o que fazia sentido porque o George Boole criou os operadores booleanos de que o Google se serve e que não devolvem a pesquisa de uma forma ordenada, mas isso já são coisas da minha cabeça. entretanto descobri que no Natal de 2007, enquanto a Ofélia enregelava num afluente mal cheiroso do Tamisa, eu e a Rita fizemos uma Ofélia Morta, sem querer, nas águas quentes do Pestana Natal.
Millais
Ophelia (pormenor)
1851-52
Tate Gallery, Londres
terça-feira, fevereiro 02, 2010
- e o burro sô eu? -
portugueses adoram o acordo ortográfico:
"acertivos", "Comessem a fazer", "veem", "escrevese", "pascásios", "Quando não os poderes vencer...", "indule", "calhandrisse", "entender-mos", "pontuário", "Septagenário"