domingo, maio 31, 2020

(...)
Se ao menos eu por fora fosse tão
Interessante como sou por dentro.
(...)

(Opiário, Álvaro de Campos)

quinta-feira, maio 28, 2020

- o carteiro -

tendência Primavera-Verão e, se não me puser a pau, Outono-Inverno:



terça-feira, maio 26, 2020

- original soundtrack -













não tenho andado com cabeça para ouvir música. Mas antes de dormir "tomo" isto. É como tomar um anti-depressivo e um ansiolítico: os dois juntos permitem que durmas, mas como estás a dormir não interessa que não te sintas nem ansiosa nem deprimida pois não tens consciência disso. Por outro lado, se não tomares, passarás a noite acordada a ter consciência disso.
- o carteiro -













Van Gogh
Still Life: Vase with Fourteen Sunflowers,
1888
National Gallery, Londres


quando a minha idade era outra que não esta, o dinheiro escasseava, nós sabíamos disso e éramos felizes. só não sabíamos que éramos felizes. fazíamos férias em parques de campismo, numa tenda gigante que parecia a cantina de um hospital de campanha, tenda essa que tinha dois quartos, uma "sala" com televisão (porque a televisão fazia parte da família) e um avançado onde se cozinhavam os melhores e mais pobres pequenos almoços da minha vida: leite com café e pão quente com manteiga. eu salivava da tenda à padaria e da padaria à tenda. bem… a padaria não era bem uma padaria. era um minimercado dentro do parque (um luxo, para a época) onde nos abastecíamos de pão e... gelo. todos os santos dias trazíamos gelo para mala térmica, responsabilidade do meu pai e que ele, vá-se lá saber porquê, tratava como uma filha. lembro-me de, todos os anos, descobrir na tenda e naquela mobília portátil uma nova janela, um novo atilho, mais um fecho. funcionalidades mil que transformavam as férias numa caça ao tesouro.

esfarrapava os joelhos todos os anos na rampa do parque de campismo de São Pedro de Moel, atirava-me à água sem bóia e metia conversa com turistas a quem os meus pais davam boleia e a quem ofereciam parte dos caranguejos que tínhamos apanhado, divididos em dois grupos: eu e o meu pai dávamos o nosso melhor a pescar à linha, a minha mãe e o meu irmão ganhavam-nos na apanha dos caranguejos. comíamos "jaquinzinhos" fritos com arroz de tomate "malandro" (embrulhado em papel de jornal) em cozinhas comunitárias entre a praia e o pinhal. dormíamos a sesta em redes de baloiço, passávamos a tarde na água: eu a boiar, o meu irmão a fazer...coisas. o meu pai fazia coca-cola (café gelado com muito açúcar) e, exceptuando as bolinhas que na verdadeira coca-cola subiam ao nariz, aquela coca-cola era igual à outra. conhecíamos gente com quem partilhávamos o produto das nossas pescas e trocávamos as únicas palavras que sabíamos: "poisson?", "merci". Aprendíamos inglês e francês através de uma ladainha que repetíamos até às lágrimas, ensinada pelos nossos pais: "I like banana because n'y a pas de caroço". Ouvíamos Boney M, Earth Wind and Fire e Village People enquanto viajávamos de carro por um país mais limitado do que hoje, em parte porque as estradas eram outras, em parte porque o dinheiro não dava para tudo. Mas às vezes - grande maluqueira quando os anos eram de vacas gordas - íamos passar férias ao Algarve. Viagens intermináveis de carro, pneus furados, sanduíches de queijo e fiambre em moletes comidos na berma de pinhais, quase a seco.

às vezes, antes mesmo da época alta, eu e o meu irmão antecipávamos as férias prendendo um cobertor no sofá, entre a parte de cima deste e a parede, e por baixo das almofadas, fazendo assim uma tenda. entrávamos no tenda pelo lado do braço do sofá. connosco entrava também toda a roupa necessária (porque eu não queria que nos faltasse nada) e por vezes tachos e pacotes de arroz. quando era hora de vir embora do campismo de sala, tirávamos o cobertor e transformávamos o sofá num carro. voltávamos a casa, de onde não tínhamos chegado a sair, sãos, salvos, cansados das férias e caladinhos temendo que a minha mãe descobrisse a roupa passada a ferro feita numa trouxa.

depois… depois não me lembro bem. acho que veio a adolescência e tudo mudou. passei a chamar a convivência de promiscuidade, os amigos abriam pontos de comparação em questões até aí impensáveis, os fatos de banho eram assim como os vestidos da primeira comunhão usados para ir às aulas de biologia no oitavo ano. a autoconsciência é uma merda das valentes.

sábado, maio 23, 2020

Constança:
uma pessoa que ao ler a expressão "citação da personagem do Lampedusa" não percebe que "Lampedusa" é mais do que o nome de uma ilha, não pode fazer correcções ao meu texto. Quanto às vírgulas, chama-me Eça que eu gosto.

quinta-feira, maio 21, 2020

- original soundtrack -

quem sabe, um dia...

(FKJ, Salar de Uyuni, Bolívia)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como "é mais ou menos como "andar de bicicleta": depois de aprenderes não esqueces" ou como "eu devia ter estudado literatura":

"Se visses a tua cara enquanto lias - disse ela, pois tinham acordado na véspera o tratamento por tu, essa carícia da linguagem, quando Louise enxugara…" (BALZAC, Honoré de - Ilusões Perdidas. Lisboa: D. Quixote, 2009. pág. 128 - publicado entre 1837 e 1843)

"- Parece-me que sempre deviam importar-te e ser objecto dos teus cuidados, acima de qualquer outra coisa - retrucou-lhe (espantosa doçura, cheia de perigos, a de falar-lhe, dizer-lhe "a mim", "a ti", "tu", "eu", lançar através dos dois passos de distância que os separavam o sopro da palavra que cria o vínculo e a conjunção") (MANN, Thomas - José no Egipto - José e os seus irmãos. Lisboa: Livros do Brasil, s.d. pág. 403 - publicado em 1936)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como hoje quero começar isto de outra forma, principiando por saudar-vos e manifestar o meu pesar por… cenas. é que eu às vezes tenho dias. ou como tenho andado à volta dos impressionistas e pós-impressionistas. Para vos impressionar, trago um antes e depois. não sei é daqueles bons, com sustança, mas é um antes e depois para reflectirem. Vi primeiro o "depois" e pensei "onde é que já vi isto?..." Andei às boltas no google images com "young boys fighting+Bazille" e lá os encontrei, ao fundo (na minha cabeça estavam em primeiro plano). Afinal a printura do Bazille é anterior à de Gauguin. Nunca compreendi bem esta "obsessão" do Bazille pelos rapazes nus. Não que a referida "obsessão" seja assim classificada devido ao número de pinturas da autoria do artista, nas quais figuram homens nus. Elas serão em mesmo número quanto as pinturas de mulheres nuas. As suas mulheres nuas são sempre inexpressivas, sem qualquer capacidade de nos suscitar interesse, ao contrário de algumas mulheres nuas dos expressionistas como a Olímpia ou a jovem nua junto a homens vestidos do Déjeuner sur l'herbe. As mulheres nuas de Bazille são… booooring. Não se lhe conhece uma relação com uma mulher, ou com um homem. Numa carta de 1867, Bazille alude vagamente a uma desilusão amorosa que gorou as suas expectativas de casamento. Sabendo que o casamento gay não era permitido no século XIX, calculo que este desgosto amoroso estaria relacionado com uma mulher. Ou então o pintor sente desgosto por perceber que não poderia casar e ter uma família, sendo homossexual. Esta questão de Bazille ser gay ou não, não é "obsessão" minha. É uma questão que vários críticos estudam. Estudam igualmente a razão pela qual o artista se alistou no exército francês para combater na Guerra Franco Prussiana, aos 28 anos de idade. Estudam igualmente o facto de pertencer a uma família protestante, putativamente abastada.  Tudo isso pode justificar a força daqueles homens nus que Bazille pinta. Ou talvez tudo se explique pois na história da pintura há mais Vénus a tomar banho, meretrizes a seduzir e Marias a amamentar, do que homens a lutar e daí o nosso espanto com os corpos nus destes homens (nem idealizados como os corpos masculinos do Renascimento nem martirizados como o corpo de Jesus e sucedâneos). Vejam lá o antes e depois e vejam se não tenho uma pontinha (pequenina que seja) de razão. Eu às vezes nem sei para que escrevo isto.



Frédéric Bazille
Summer Scene
1869
Fogg Art Museum, Massachusetts




















Frédéric Bazille
Summer Scene (pormenor



Gauguin
Jeunes Lutteurs
1888
Colecção Privada

segunda-feira, maio 18, 2020



TARTT, Donna - O Pintassilgo. Lisboa: Editorial Presença, 2014 
(a páginas tantas... não sei, não anotei)

sexta-feira, maio 15, 2020

- original soundtrack -


I make a date for golf, and you can bet your life it rains
I try to give a party, and the guy upstairs complains
I guess I'll go through life, just catching colds and missing trains
Everything happens to me

I never miss a thing. I've had the measles and the mumps
And every time I play an ace, my partner always trumps
I guess I'm just a fool, who never looks before he jumps
Everything happens to me

At first, my heart thought you could break this jinx for me
That love would turn the trick to end despair
But now I just can't fool this head that thinks for me
I've mortgaged all my castles in the air

I've telegraphed and phoned and sent an air mail special too
Your answer was goodbye and there was even postage due
I fell in love just once, and then it had to be with you
Everything happens to me

I've telegraphed and phoned. I sent an air mail special too
Your answer was goodbye and there was even postage due
I fell in love just once, and then it had to be with you
Everything happens to me

(Everything happens to me, interpretado por Timothee Chalamet)

- não vai mais vinho para essa mesa -

apesar do post acima, há quem não goste de Nova Iorque
(...eu facilmente visitaria um museu por dia...é pena. até já tinha marcado presença em outros eventos…)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como "eu tenho quase a certeza quanto à ordem deste "antes e depois", pois que sou ladina conforme a vontade do Senhor, Amén. Desculpem, tenho andando a ler umas coisas e dá-me para falar assim. Pois como sabemos todos, Van Gogh (dizer com a pronúncia correcta) e Gauguin pintaram juntos em Arles. A sua quarentena forçada - Gauguin devia dinheiro a Theo Van Gogh e não podia sair de Arles assim sem mais nem porquê pois não tinha para onde ir, nem como sobreviver - a sua quarentena forçada culminou com o célebre episódio da orelha cortada. Antes disso e durante o Inverno de 1888, impossibilitados de sair para pintar em pleine air, os dois conviviam de forma sofrível na casa amarela de Arles. As coisas foram escalando: "pequenas misérias da vida conjugal", deram origem ao referido episódio da orelha cortada e, consequentemente, na ingresso de Van Gogh num manicómio/hospital. Os dias passados em casa eram pautados por discussões frequentes: Gauguin era arrumado e organizado (reminiscências do tempo em que foi marinheiro) e Van Gogh era caótico. Van Gogh pintava o que via, Gauguin improvisava e pintava a partir da sua imaginação, e tentava aguçar o engenho de Van Gogh para que este fizesse o mesmo. Bem, durante esse tempo, mais precisamente em Novembro de 1888, Van Gogh pintou Madame Ginoux (segundo sei, muito favorecida…). Uma vez que o quadro "Memory of the garden at Etten" foi pintado também em 1888, com o mesmo rosto de Madame Ginoux, calculo que tenha sido pintado depois do retrato desta e por isso, entre Novembro e Dezembro de 1888. Gauguin não se ficou atrás e vai daí pintou a mesma Madame Ginoux numa cena semelhante que, segundo sabemos pelos seus esquissos, foi muito trabalhada até à composição final. 




















Vincent van Gogh
L'Arlésienne: Madame Ginoux with Gloves and Umbrella
1888
Musée d'Orsay, Paris











Vincent van Gogh
Memory of the Garden at Etten
1888 
Hermitage Museum, São Petersburgo
















Paul Gauguin
In the Garden of the Hospital at Arles
1888
Art Institute, Chicago

sábado, maio 09, 2020

- não vai mais vinho para essa mesa -

mais uma edição de "avaliar um livro pela capa e uma pessoa pelos sapatos":





E para não dizerem que não falei das flores...

















quinta-feira, maio 07, 2020

cretino
não quero nem preciso do teu dinheiro

quarta-feira, maio 06, 2020

- o carteiro -

olá amiguinhos. tudo bem? estavam à espera que mudasse o layout, que actualizasse o décor, não é? Pois… nããããã… Isto não é o The Gram ("Insta" é para o povo). estavam também à espera que vos dissesse o que andei a fazer durante este tempo todo em que não escrevi, não é? Pois..., mas não há nada para dizer. Por isso vamos ao que interessa, vamos ao "suminho". Estava a ver umas coisas e descobri que os Pré-Rafaelitas (que eu abomino tal como abomino El Greco), usam nos seus quadros muitos espelhos convexos. Há quem diga que é uma homenagem aos Arnolfini do Van Eyck, mas eu acho essa comparação forçada. Quando a National Gallery, Londres, adquiriu o retrato dos Arnolfini em 1842 foi uma grande surpresa para todos os que estavam habituados a ver o museu e as suas colecções. Era uma pintura muito antiga e em excelente estado de conservação. A presença do espelho não passou despercebida e os ingleses em breve começaram a solicitar a execução de espelhos desse tipo para as suas casas ou simplesmente para... ter, em versões mais semelhantes à da pintura de Van Eyck ou versões mais modestas.

A verdade é que, com ou sem homenagem a Van Eyck os espelhos estão muito presentes nas pinturas da Irmandade Pré-Rafaelita. Não vou escrever a história toda, até porque vocês têm instastories para publicar e manter o público actualizado acerca de coisa nenhuma, garantindo assim feed-back positivo que vai preencher a vossa necessidade de aprovação. Digo o básico: o grupo dos Pré-Rafaelitas era inicialmente constituído por sete membros (William Holman Hunt, John Everett Millais, Dante Gabriel Rossetti, William Michael Rossetti, James Collinson, Frederic George Stephens e Thomas Woolner), aos quais se juntaram outros, entre artistas, poetas e críticos (Ford Madox Brown, Edward Burne-Jones, William Morris e John William Waterhouse) e que em meados no século XIX formaram uma irmandade com o propósito de se oporem aos padrões da arte preconizada pela Academia. Consideravam que a arte até Rafael era a verdadeira arte e que a partir daí se tinha degenerado e perdido a sua autenticidade. A irmandade, de origem inglesa, vivia no seu tempo e espaço; ou seja, na Inglaterra vitoriana. Quer isto dizer que na realidade vivia num tempo e espaço que privilegiava um outro tempo e espaço. Como sabemos, a época vitoriana ficou marcada pelo regresso a um certo conservadorismo e um revivalismo de valores passados, como por exemplo o neogótico na arquitectura. Os pré-rafaelistas utilizavam nas suas obras a temática dos romances de cavalaria, dos grandes mitos nacionais, do apreço pelo medieval, mas com os modelos da sua época, o que tornava as obras anacrónicas. Ou seja, quando olhamos para as pinturas pré-rafaelitas, como por exemplo "Ofélia Morta", vemos que a personagem de origem medieval se apresenta com traços de uma mulher de 1850.
Nesta relação entre a pintura pré-rafaelita e o espelho começo pela obra de um pintor que não é considerado um verdadeiro pré-rafaelita: John William Waterhouse. Uma das suas obras mais conhecidas é The Lady of Shallot, uma pintura que fala de um poema de Tennyson por sua vez inspirado numa lenda medieval e que tem, na minha opinião, um pouco da mitologia clássica. Lady of Shalott retrata uma jovem que segue num barco a caminho da morte (semelhanças com a mitologia clássica e a barca de Caronte). A sua história é simples: vive numa ilha/castelo/torre banhada pelo rio que se dirigia a Camelot (a corte do Rei Artur) e ninguém ali perto sabe nada dela. Devido a uma maldição não pode ter acesso ao mundo directamente, através da sua janela, por exemplo. As imagens que vai tecendo num tear (como Penélope) surgem-lhe através de um espelho (como Perseu não podia olhar directamente a Medusa e por isso fá-lo através do reflexo da criatura no seu escudo). Um dia a moça vê Lancelot e olha pela janela, o que faz com que o espelho se parta e a maldição "desça" sobre ela.. Nisto, aproxima-se muito do mito de Orfeu e Eurídice (já que quando Orfeu olhou para trás para ver Eurídice, ela retornou ao mundo dos mortos…). Sabendo já que estava perdida, ela entra num barco e deixa-se ir à deriva. Quando o barco se aproxima de Camelot, a "Senhora de Shalott" já vai morta. Ora isto é tudo muito bonito, mas o que interessa mesmo é o poema de Tennyson:

(…)
She lives with little joy or fear.
Over the water, running near,
The sheepbell tinkles in her ear.
Before her hangs a mirror clear,
Reflecting tower'd Camelot.
And as the mazy web she whirls,
She sees the surly village churls,
And the red cloaks of market girls
Pass onward from Shalott.
(…)

A propósito disto, e como nota "pop" neste post, deixo o vídeo de uma canção de um artista da moda. Ele tem ar de rapaz-lá-do-liceu-um-bocadinho-menos-popular-que-os-outros-populares-e-que-para-ser-levado-a-sério-tatua-a-cara-percebendo-mais-tarde-que-só-poderá-ter-futuro-como-viciado-profissional-em-flippers-ou-estrela-pop. Vi isto enquanto estava no ginásio e pensei em Lady of Shalott.

Mas vamos ao espelho nas pinturas relativas a esta história:
William Holman Hunt
The Lady of Shalott
1886-19050
Wadsworth Atheneum, Hartford


Aqui com o espelho em evidência, o reflexo de Lancelot e de uma das peças que está em primeiro plano (Letra A), só para se certificarem que o círculo vermelho não assinala a janela, mas o espelho.











William Holman Hunt
The Lady of Shalott (pormenor)


















John William Waterhouse
"I am half sick of shadows", said the Lady of Shalott
1915
Art Gallery of Ontario, Toronto




















John William Waterhouse
"I am half sick of shadows", said the Lady of Shalott (pormenor)
















John William Waterhouse
The Lady of Shalott looking at Lancelot
1894
Leeds Art Gallery, Leeds
















John William Waterhouse
The Lady of Shalott looking at Lancelot (pormenor)


Este quadro tem uma composição particularmente fraca. Ou o artista era distraído ou era mesmo mau... Pelos vistos Lady of Shalott deixa o tear à esquerda para ver directamente Lancelot da janela. Mas já existe na divisão uma janela que se situa de frente para o observador, o que quer dizer que seria muito difícil para a moça estar a trabalhar no tear e nunca olhar pela janela, fosse ela qual fosse. Ou a maldição só se aplicava àquela janela em especial?...














William Maw Egley
The Lady of Shalott
1858














William Maw Egley
The Lady of Shalott (pormenor)


Mas não vou enganar-vos. Este não é um post sobre a lenda de Lady of Shalott, se bem que é relevante para este post que todos os espelhos pintados nestas obras sejam circulares e - segundo parece - convexos. Por isso, e porque não quero que vos falte nada, resolvi ver se outros espelhos nas pinturas pré-rafaelitas também são circulares e convexos. Cá vai o que consegui:
















John William Waterhouse
Circe Offering the Cup to Odysseus,
1891
Gallery Oldham, Oldham


















John William Waterhouse
Circe Offering the Cup to Odysseus, (pormenor)

















Dante Gabriel Rossetti
Lucrezia Borgia
1860-1861
Tate Gallery, Londres

Lucrécia Bórgia é aqui representada por Dante Gabriel Rossetti a lavar as mãos depois de envenenar o marido, o Duque Alfonso Bisceglie. O seu cúmplice no crime foi o Papa Alexandre IV, visto no espelho a auxiliar o Duque a movimentar-se de forma a certificarem-se (o Papa e Lucrécia) que o veneno chegava a todo o corpo.

















Dante Gabriel Rossetti
Lucrezia Borgia (pormenor)


















Ford Madox Brown
Take your son, Sir
1851-1856
Tate Gallery, Londres















Ford Madox Brown
Take your son, Sir (pormenor)

















Edward Burne-Jones
Fair Rosamund and Queen Eleanor
















Edward Burne-Jones
Fair Rosamund and Queen Eleanor (pormenor)















John Collier
The Prodigal Daughter
1903
Usher Gallery (Yeah, Yeah, Yeah... não resisti)







John Collier
The Prodigal Daughter (pormenor)














William Holman Hunt
Il dolce fare niente
1866
Colecção Privada









William Holman Hunt
Il dolce fare niente (pormenor)


A iconografia mariana relaciona muitas vezes Maria com o espelho. Ela é "espelho sem mácula" (speculum sine macula), é "espelho humano" da vida de Cristo (tal como ele, também Maria sobe aos Céus) e é "espelho de justiça" a quem pedimos que rogue por nós (Ladainha a Nossa Senhora). Os Pré-Rafaelitas tomam por vezes as suas mulheres, as mulheres que representam nas suas pinturas por Maria, uma vezes de forma mais directa como no caso de Holman Hunt ("Take your son, Sir"), e outras menos directa como no caso de Lady of Shalott que, até ver Lancelot não tinha entrado em incumprimento, por assim dizer. Em outros casos o espelho Pré-Rafaelita é somente uma forma de contar vários momentos de uma narrativa no mesmo suporte. O espelho permite reflectir outros espaços e por isso complementa o que se passa no plano principal, sendo que por vezes as narrativas em causa não possuem nada de religioso. O espelho na pintura sobre Lucrécia Bórgia ou sobre Circe não conota estas personagens com Maria, mas permite contar o resto da história. Por outro lado, é nesta altura que surge uma tendência apelidada de Aesthetic Movement, um movimento artístico que defende o regresso do belo à arte, em detrimento do tema. A temática religiosa, social, mitológica, histórica, moral, etc... nada disso era importante para os representantes deste movimento. Mais importante era invocar um sentimento ou uma atmosfera de sonho. Porque é que falo disto? Porque este Aesthetic Movement também foi partidário dos espelhos convexos, mas com outro sentido. Os espelhos convexos não procuram aqui (exemplo de "Il dolce fare niente" de William Holman Hunt) explicar o resto da história. Neste caso em específico, o espelho nem sequer reflecte o que deveria reflectir já que no reflexo a mulher do primeiro plano surge como se estivesse muito afastada do espelho. O espelho convexo usado pelos Pré-Rafaelitas é uma metáfora daquilo que estes procuravam na pintura, na arte: procuravam captar uma verdade para além do real, uma "verdade verdadeira". Os espelhos convexos permitem um reflexo mais amplo na só da realidade, mas também na realidade interior cada um. E mesmo sem saberem - nem o desejarem, provavelmente - ao trazerem os espelhos convexos para a pintura, os Pré-Rafaelistas trouxeram novas possibilidades aos seus sucessores, à geração seguinte, já que o espelho convexo abre o espaço pictórico, permite outras noções de realismo e cria por isso uma nova relação com o observador.

E para verem que o espelho tem de facto muita importância para os Pré-Rafaelistas, deixo-vos mais uma pintura. É uma pintura de Dante Gabriel Rossetti, da sua própria sala. Na casa de Rossetti existiam cerca de 25 espelhos, 9 deles convexos e alguns, nesta sala. De quantos espelhos necessita uma sala? Não sei, mas o elevado número de espelhos nesta diz alguma coisa sobre o dono da casa, mais do que diz sobre a sala em si. 














Henry Treffry Dunn
Dante Gabriel Rossetti and Theodore Watts-Dunton at 16 Cheyne Walk
1882
National Portrait Gallery


Sabem quanto tempo me levou a escrever este post? Uma semana. UMA SEMANA! (gente chata, sempre a interromper, chiça!)

domingo, maio 03, 2020

- original soundtrack -
Para lhe responder:

(…)
That’s the way that the world goes round, 
you’re up one day the next you’re down
(…)

(That's the way the world goes round, John Prine)


- não vai mais vinho para essa mesa -

ela - mas porque é que não tens namorado?
eu - ["estou velha para essas coisas"]. ei… não tenho tempo.
ela - isso arranja-se.
eu - não dá, não consigo.
ela - oh… lá estás tu!...
eu - trabalho ao Sábado que é dia de fazer o amor, logo não posso fazer o amor. Só se fosse ao Domingo, mas ao Domingo tenho de descansar e ler o jornal porque trabalho ao Sábado, logo não posso namorar ao Domingo. Só se fosse ao Domingo à noite, mas o Domingo à noite é para anal, percebes? Não tenho tempo para clisteres…, não dá.
- o carteiro -

6 semanas e 1/2 de puro prazer (seus malandrecos…):