- o carteiro -
olá amiguinhos. tudo bem? estavam à espera que mudasse o layout, que actualizasse o décor, não é? Pois… nããããã… Isto não é o The Gram ("Insta" é para o povo). estavam também à espera que vos dissesse o que andei a fazer durante este tempo todo em que não escrevi, não é? Pois..., mas não há nada para dizer. Por isso vamos ao que interessa, vamos ao "suminho". Estava a ver umas coisas e descobri que os Pré-Rafaelitas (que eu abomino tal como abomino El Greco), usam nos seus quadros muitos espelhos convexos. Há quem diga que é uma homenagem aos Arnolfini do Van Eyck, mas eu acho essa comparação forçada. Quando a National Gallery, Londres, adquiriu o retrato dos Arnolfini em 1842 foi uma grande surpresa para todos os que estavam habituados a ver o museu e as suas colecções. Era uma pintura muito antiga e em excelente estado de conservação. A presença do espelho não passou despercebida e os ingleses em breve começaram a solicitar a execução de espelhos desse tipo para as suas casas ou simplesmente para... ter, em versões mais semelhantes à da pintura de Van Eyck ou versões mais modestas.
A verdade é que, com ou sem homenagem a Van Eyck os espelhos estão muito presentes nas pinturas da Irmandade Pré-Rafaelita. Não vou escrever a história toda, até porque vocês têm instastories para publicar e manter o público actualizado acerca de coisa nenhuma, garantindo assim feed-back positivo que vai preencher a vossa necessidade de aprovação. Digo o básico: o grupo dos Pré-Rafaelitas era inicialmente constituído por sete membros (William Holman Hunt, John Everett Millais, Dante Gabriel Rossetti, William Michael Rossetti, James Collinson, Frederic George Stephens e Thomas Woolner), aos quais se juntaram outros, entre artistas, poetas e críticos (Ford Madox Brown, Edward Burne-Jones, William Morris e John William Waterhouse) e que em meados no século XIX formaram uma irmandade com o propósito de se oporem aos padrões da arte preconizada pela Academia. Consideravam que a arte até Rafael era a verdadeira arte e que a partir daí se tinha degenerado e perdido a sua autenticidade. A irmandade, de origem inglesa, vivia no seu tempo e espaço; ou seja, na Inglaterra vitoriana. Quer isto dizer que na realidade vivia num tempo e espaço que privilegiava um outro tempo e espaço. Como sabemos, a época vitoriana ficou marcada pelo regresso a um certo conservadorismo e um revivalismo de valores passados, como por exemplo o neogótico na arquitectura. Os pré-rafaelistas utilizavam nas suas obras a temática dos romances de cavalaria, dos grandes mitos nacionais, do apreço pelo medieval, mas com os modelos da sua época, o que tornava as obras anacrónicas. Ou seja, quando olhamos para as pinturas pré-rafaelitas, como por exemplo "Ofélia Morta", vemos que a personagem de origem medieval se apresenta com traços de uma mulher de 1850.
A verdade é que, com ou sem homenagem a Van Eyck os espelhos estão muito presentes nas pinturas da Irmandade Pré-Rafaelita. Não vou escrever a história toda, até porque vocês têm instastories para publicar e manter o público actualizado acerca de coisa nenhuma, garantindo assim feed-back positivo que vai preencher a vossa necessidade de aprovação. Digo o básico: o grupo dos Pré-Rafaelitas era inicialmente constituído por sete membros (William Holman Hunt, John Everett Millais, Dante Gabriel Rossetti, William Michael Rossetti, James Collinson, Frederic George Stephens e Thomas Woolner), aos quais se juntaram outros, entre artistas, poetas e críticos (Ford Madox Brown, Edward Burne-Jones, William Morris e John William Waterhouse) e que em meados no século XIX formaram uma irmandade com o propósito de se oporem aos padrões da arte preconizada pela Academia. Consideravam que a arte até Rafael era a verdadeira arte e que a partir daí se tinha degenerado e perdido a sua autenticidade. A irmandade, de origem inglesa, vivia no seu tempo e espaço; ou seja, na Inglaterra vitoriana. Quer isto dizer que na realidade vivia num tempo e espaço que privilegiava um outro tempo e espaço. Como sabemos, a época vitoriana ficou marcada pelo regresso a um certo conservadorismo e um revivalismo de valores passados, como por exemplo o neogótico na arquitectura. Os pré-rafaelistas utilizavam nas suas obras a temática dos romances de cavalaria, dos grandes mitos nacionais, do apreço pelo medieval, mas com os modelos da sua época, o que tornava as obras anacrónicas. Ou seja, quando olhamos para as pinturas pré-rafaelitas, como por exemplo "Ofélia Morta", vemos que a personagem de origem medieval se apresenta com traços de uma mulher de 1850.
Nesta relação entre a pintura pré-rafaelita e o espelho começo pela obra de um pintor que não é considerado um verdadeiro pré-rafaelita: John William Waterhouse. Uma das suas obras mais conhecidas é The Lady of Shallot, uma pintura que fala de um poema de Tennyson por sua vez inspirado numa lenda medieval e que tem, na minha opinião, um pouco da mitologia clássica. Lady of Shalott retrata uma jovem que segue num barco a caminho da morte (semelhanças com a mitologia clássica e a barca de Caronte). A sua história é simples: vive numa ilha/castelo/torre banhada pelo rio que se dirigia a Camelot (a corte do Rei Artur) e ninguém ali perto sabe nada dela. Devido a uma maldição não pode ter acesso ao mundo directamente, através da sua janela, por exemplo. As imagens que vai tecendo num tear (como Penélope) surgem-lhe através de um espelho (como Perseu não podia olhar directamente a Medusa e por isso fá-lo através do reflexo da criatura no seu escudo). Um dia a moça vê Lancelot e olha pela janela, o que faz com que o espelho se parta e a maldição "desça" sobre ela.. Nisto, aproxima-se muito do mito de Orfeu e Eurídice (já que quando Orfeu olhou para trás para ver Eurídice, ela retornou ao mundo dos mortos…). Sabendo já que estava perdida, ela entra num barco e deixa-se ir à deriva. Quando o barco se aproxima de Camelot, a "Senhora de Shalott" já vai morta. Ora isto é tudo muito bonito, mas o que interessa mesmo é o poema de Tennyson:
(…)
She lives with little joy or fear.
Over the water, running near,
The sheepbell tinkles in her ear.
Before her hangs a mirror clear,
Reflecting tower'd Camelot.
And as the mazy web she whirls,
She sees the surly village churls,
And the red cloaks of market girls
Pass onward from Shalott.
(…)
A propósito disto, e como nota "pop" neste post, deixo o vídeo de uma canção de um artista da moda. Ele tem ar de rapaz-lá-do-liceu-um-bocadinho-menos-popular-que-os-outros-populares-e-que-para-ser-levado-a-sério-tatua-a-cara-percebendo-mais-tarde-que-só-poderá-ter-futuro-como-viciado-profissional-em-flippers-ou-estrela-pop. Vi isto enquanto estava no ginásio e pensei em Lady of Shalott.
Mas vamos ao espelho nas pinturas relativas a esta história:
The Lady of Shalott
1886-19050
Wadsworth Atheneum, Hartford
Aqui com o espelho em evidência, o reflexo de Lancelot e de uma das peças que está em primeiro plano (Letra A), só para se certificarem que o círculo vermelho não assinala a janela, mas o espelho.
William Holman Hunt
John William Waterhouse
"I am half sick of shadows", said the Lady of Shalott
1915
Art Gallery of Ontario, Toronto
John William Waterhouse
"I am half sick of shadows", said the Lady of Shalott (pormenor)
John William Waterhouse
The Lady of Shalott looking at Lancelot
1894
Leeds Art Gallery, Leeds
John William Waterhouse
The Lady of Shalott looking at Lancelot (pormenor)
Este quadro tem uma composição particularmente fraca. Ou o artista era distraído ou era mesmo mau... Pelos vistos Lady of Shalott deixa o tear à esquerda para ver directamente Lancelot da janela. Mas já existe na divisão uma janela que se situa de frente para o observador, o que quer dizer que seria muito difícil para a moça estar a trabalhar no tear e nunca olhar pela janela, fosse ela qual fosse. Ou a maldição só se aplicava àquela janela em especial?...
William Maw Egley
The Lady of Shalott
1858
William Maw Egley
The Lady of Shalott (pormenor)
Mas não vou enganar-vos. Este não é um post sobre a lenda de Lady of Shalott, se bem que é relevante para este post que todos os espelhos pintados nestas obras sejam circulares e - segundo parece - convexos. Por isso, e porque não quero que vos falte nada, resolvi ver se outros espelhos nas pinturas pré-rafaelitas também são circulares e convexos. Cá vai o que consegui:
John William Waterhouse
Circe Offering the Cup to Odysseus,
1891
Gallery Oldham, Oldham
John William Waterhouse
Circe Offering the Cup to Odysseus, (pormenor)
Dante Gabriel Rossetti
Lucrezia Borgia
1860-1861
Tate Gallery, Londres
Lucrécia Bórgia é aqui representada por Dante Gabriel Rossetti a lavar as mãos depois de envenenar o marido, o Duque Alfonso Bisceglie. O seu cúmplice no crime foi o Papa Alexandre IV, visto no espelho a auxiliar o Duque a movimentar-se de forma a certificarem-se (o Papa e Lucrécia) que o veneno chegava a todo o corpo.
Dante Gabriel Rossetti
Lucrezia Borgia (pormenor)
Ford Madox Brown
Take your son, Sir
1851-1856
Tate Gallery, Londres
Ford Madox Brown
Take your son, Sir (pormenor)
Edward Burne-Jones
Fair Rosamund and Queen Eleanor
Edward Burne-Jones
Fair Rosamund and Queen Eleanor (pormenor)
John Collier
The Prodigal Daughter
1903
Usher Gallery (Yeah, Yeah, Yeah... não resisti)
John Collier
The Prodigal Daughter (pormenor)
William Holman Hunt
Il dolce fare niente
1866
Colecção Privada
William Holman Hunt
A iconografia mariana relaciona muitas vezes Maria com o espelho. Ela é "espelho sem mácula" (speculum sine macula), é "espelho humano" da vida de Cristo (tal como ele, também Maria sobe aos Céus) e é "espelho de justiça" a quem pedimos que rogue por nós (Ladainha a Nossa Senhora). Os Pré-Rafaelitas tomam por vezes as suas mulheres, as mulheres que representam nas suas pinturas por Maria, uma vezes de forma mais directa como no caso de Holman Hunt ("Take your son, Sir"), e outras menos directa como no caso de Lady of Shalott que, até ver Lancelot não tinha entrado em incumprimento, por assim dizer. Em outros casos o espelho Pré-Rafaelita é somente uma forma de contar vários momentos de uma narrativa no mesmo suporte. O espelho permite reflectir outros espaços e por isso complementa o que se passa no plano principal, sendo que por vezes as narrativas em causa não possuem nada de religioso. O espelho na pintura sobre Lucrécia Bórgia ou sobre Circe não conota estas personagens com Maria, mas permite contar o resto da história. Por outro lado, é nesta altura que surge uma tendência apelidada de Aesthetic Movement, um movimento artístico que defende o regresso do belo à arte, em detrimento do tema. A temática religiosa, social, mitológica, histórica, moral, etc... nada disso era importante para os representantes deste movimento. Mais importante era invocar um sentimento ou uma atmosfera de sonho. Porque é que falo disto? Porque este Aesthetic Movement também foi partidário dos espelhos convexos, mas com outro sentido. Os espelhos convexos não procuram aqui (exemplo de "Il dolce fare niente" de William Holman Hunt) explicar o resto da história. Neste caso em específico, o espelho nem sequer reflecte o que deveria reflectir já que no reflexo a mulher do primeiro plano surge como se estivesse muito afastada do espelho. O espelho convexo usado pelos Pré-Rafaelitas é uma metáfora daquilo que estes procuravam na pintura, na arte: procuravam captar uma verdade para além do real, uma "verdade verdadeira". Os espelhos convexos permitem um reflexo mais amplo na só da realidade, mas também na realidade interior cada um. E mesmo sem saberem - nem o desejarem, provavelmente - ao trazerem os espelhos convexos para a pintura, os Pré-Rafaelistas trouxeram novas possibilidades aos seus sucessores, à geração seguinte, já que o espelho convexo abre o espaço pictórico, permite outras noções de realismo e cria por isso uma nova relação com o observador.
E para verem que o espelho tem de facto muita importância para os Pré-Rafaelistas, deixo-vos mais uma pintura. É uma pintura de Dante Gabriel Rossetti, da sua própria sala. Na casa de Rossetti existiam cerca de 25 espelhos, 9 deles convexos e alguns, nesta sala. De quantos espelhos necessita uma sala? Não sei, mas o elevado número de espelhos nesta diz alguma coisa sobre o dono da casa, mais do que diz sobre a sala em si.
Henry Treffry Dunn
Dante Gabriel Rossetti and Theodore Watts-Dunton at 16 Cheyne Walk
1882
National Portrait Gallery
Sabem quanto tempo me levou a escrever este post? Uma semana. UMA SEMANA! (gente chata, sempre a interromper, chiça!)
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