sexta-feira, outubro 23, 2015
terça-feira, outubro 20, 2015
- original soundtrack -
quando preparei este post tinha outra coisa em mente, mas depois o trabalho deu-me cabo da paciência e achei que o que tinha preparado não se adequava. O Al Green merece todo o envolvimento que eu lhe possa dedicar. o que vai bem, neste momento, é isto:
(...)
The power of love
A force from above
Cleaning my soul
Flame on burn desire
Love with tongues of fire
Purge the soul
Make love your goal
I'll protect you from the hooded claw
Keep the vampires from your door
When the chips are down, I'll be around
With my undying
Death-defying love for you envy will hurt itself
Let yourself be beautiful
Sparkling love, flowers and pearls and pretty girls
Love is like an energy, rushin', rushin' inside of me, hey(...)
(The power of love, Frankie Goes to Hollywood)
- não vai mais vinho para essa mesa -
Leggings não são calças. São uma mistura entre a meia comprida e a cueca de gola alta.
- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (VII)
O Ocidente entra então na chamada Idade Média, também apelidada - erradamente - de Idade das Trevas. Se parte da Idade Média foi marcada pelas invasões bárbaras, queda de Roma (até se diz que a Idade Média começa com a queda de Roma a partir de 410) e consequente ressaca, parte também foi marcada pelo Renascimento Carolíngio, pela cópia sistemática de manuscritos, pelo início das descobertas, etc... A Idade Média é muito variada e não melhora progressivamente até nos aproximarmos do Renascimento, já que mesmo em "períodos bons" da Idade Média, houve aumento da mortalidade, ou guerras... Aliás, achamos muitas vezes que a História vai em crescendo, numa melhoria continua, o que, a ser verdade, implicava que não cometêssemos os mesmos erros do passado. E sabemos que não é assim.
Bom, há quem diga que Roma não caiu; apenas se deslocou para Oriente, para Constantinopla.Isto deveu-se a uma razão lógica: há medida que o Império crescia em diferentes direções de forma não uniforme, o seu centro geográfico deixou de ser Roma. Cria-se então uma nova capital, mais central que não entra em declínio, mas floresce antes. Comércio, arte, política, diplomacia, etc... tudo isso é incrementado. Não acredito muito que o que mudou foi apenas a posição geográfica e o nome. O Império agora é Bizâncio, mas algo mais mudou: já não tem a mesma certeza de invencibilidade de Roma. Aliás, Bizâncio aprendeu com os erros do passado. A prová-lo estão - estavam - os seus altos muros que fizeram de Constantinopla inexpugnável. Neste novo cenário geográfico a religião mantém-se, mas as questões cristológicas e teológicas continuam a dividir a cristandade. Entre 325 e 787 reunem-se 7 Concílios Ecuménicos (Niceia, Constantinopla, Éfeso, Calcedónia, Constantinopla, Constantinopla e Éfeso). No Concílio de Niceia, por exemplo, discutiram-se questões que nos parecem hoje tão irrelevantes como: "deverá uma crença ser considerada uma heresia"? E a religião era de tal forma parte tão integrante da vida de todos que a população participava nestas discussões; ou seja, estas questões não eram apanágio dos bispos. As principais questões opunham as igrejas do Oriente (sírios, palestinianos, egípcios) e eram quase sempre relativas à natureza de Deus. Uns defendiam o monofisismo; ou seja, que Jesus tinha apenas natureza divina. Outros defendiam que em Jesus coexistiam duas naturezas: a humana e a divina. Esta dissidência quase criou a ruptura entre as igrejas do Ocidente e do Oriente. Outro exemplo: no Concílio de Calcedónia debate-se a questão monofisista mais a fundo e decide-se bani-la, acentuando assim os pressupostos do Credo de Niceia que afirma a dupla natureza de Cristo. Os monofisistas são condenados, principalmente os da Síria e da Palestina: padres e monges são deixados no deserto, mosteiros são queimados, etc... Em Alexandria, capital do monofisismo egípcio, chegam muitos monofisistas que fogem destas atrocidades. É neste cenário que Teodora chega à cidade. Teodora era filha de uma acrobata e de um domador de ursos. Quando o seu pai morre, Teodora vê-se faminta entre a multidão que mendiga. Torna-se actriz, talvez até prostituta e aos 20 anos parte com um amante, um governador, para África. Aí é abandonada por ele. Sozinha, parte para Alexandria e passa por uma transformação incrível a nível espiritual e social: converte-se ao cristianismo e regressa a casa, a Constantinopla onde conhece Justiniano, herdeiro da coroa imperial. Justiniano apaixona-se por ela, mas não tem autorização para casar com a bela Teodora já que os senadores não permitem que um jovem herdeiro se case com uma actriz. Mas por manobras de Justiniano a lei é mudada e os dois casam-se tornando-se assim, Imperador e Imperadora (esqueçam lá essa cena de Imperatriz). Teodora está agora em posição de ajudar os monofisistas cuja ajuda, aquando em Alexandria, ela nunca esqueceu.
- o carteiro -
olá meus amigos, como estão? eu tenho dias. há dias em que coloco tudo em causa e outros em que, me levanto, canto uma canção e a coisa corre bem. outra coisa que também me deixa bem, e não polui muito, é escrever no blog. já tinha escrito a primeira parte deste supé-méga-hipé post, e aqui fica segunda.
Ora bem, pois estávamos a falar daquela coisa dos quadros dentro de quadros. Para sublimar - porque convém começar com algo de muito especial - eis o quadro The Cellist Pilet quadro este onde Degas leva ao máximo esta artimanha do quadro dentro do quadro. E quem era este Pilet?, perguntam vocês. E eu respondo: era um violoncelista amigo de Degas que este já havia pintado a exercer a sua actividade de músico na orquestra da ópera de paris, onde trabalhava. Neste retrato de Pilet, que ocupa uma parte não central do quadro a ele dedicado, destaca-se a litografia de fundo e que mostra um grupo de músicos. Ao contrário da gravura da equitação (primeira parte deste post), esta é a preto e branco e mostra, ainda que vocês não acreditem, retratos individualizados de pessoas. Mas quando estudamos a gravura mais a fundo percebemos que este grupo de pessoas não é semelhante ao de outras gravuras típicas do romantismo. Enquanto essas gravuras românticas retratavam figuras proeminentes, mas em escasso número, a de Degas mostra um grupo composto por 18 pessoas que não olham para nós como num retrato normal, mas antes para o exterior como que atraídos por algo que acontece ali. Aliás, nesta litografia o pianista até parece suspenso no acto de tocar piano para poder olhar na mesma direcção. E para onde olham eles? para quem? para o seu colega de profissão Pilet (Pilet é assim nome de marca de especiarias embaladas ou de pasta dentrífica...). Esta é a melhor homenagem que Degas podia fazer a Pilet já que entre estas personagens, para além de amadores, podemos encontrar músicos profissionais como Berlioz ou Liszt, actores e poetas.
Degas
The Cellist Pilet
1868-1869
Museu do Louvre, Paris
Esta distribuição que aqui é feita baseia-se em retratos da época. Convém dizer que sim, haveria possibilidade temporal desta gente se ter encontrado. Vejamos quem eles são e em que datas viveram: Ao piano, Chopin (1810-1849); atrás e para a esquerda, Heine (1797-1856); atrás de Chopin, mas para a direita, Liszt (1811-1886); no canto direito, Delacroix (1798-1863); entre Delacroix e Liszt, Jacques Halévy (1799-1862); entre Heine e Liszt, mas mais atrás, eis Berlioz (1803-1869). No centro, encostado ao piano está o nosso amigo Balzac (1799-1850). Vamos agora ao grupo da esquerda: sentado eis Théophille Gautier (1811-1872). George Sand (1804-1876) tira-se pela pinta já que entre todos daquele lá é a única personagem que se parece com uma mulher. Do lado esquerdo de George Sand encontra-se Zalewski (desconheço as datas); e do lado direito, Alfred Musset (1810-1857). Mais à esquerda está Hiller (1811-1885) e à direita de Hiller, o actor Bocage (1799-1862). Não se sabe se esta gente toda algum dia esteve junta, mas nas memórias de Chopin publicadas em 1852 refere-se pelo menos um serão deste tipo onde estiveram presentes Delacroix, Hiller, Liszt e George Sand, que eu confundo sempre com a Gertrude Steiner, vá-se lá saber porquê... Também aqui posso dizer todas as minha aselhices que ninguém vai ler.
Este truque que Degas usou de prestar homenagem ao retratado também foi usado por outros como Manet quando pintou Zola (Manet colocou na parede de fundo uma cena japonesa, "A Olímpia" do próprio Manet e "The Drinkers" de Velazquez) e mais tarde por Pissarro quando pintou Cezanne (Pissarro colocou na parede de fundo imagens de revistas bem como figuras de Courbet e Thiers).
Degas
The Cellist Pilet (pormenor)
1868-1869
Museu do Louvre, Paris
Nem sempre é fácil identificar os quadros dentro dos quadros de Degas, em parte porque em muitas situações esse uso de outros quadros é alusório. Ou então são paisagens que nunca existiram, ou composições a partir de outras obras. No caso do retrato de "Mary e Lydia Cassatt" (a pintora que foi pupila de Degas e a sua irmã) era inevitável pintar, em fundo, obras de arte, uma vez que as duas senhoras se movimentam nos corredores do Louvre. No quadro definitivo, Degas não nos mostra nenhuma obra que possamos identificar. Quase nem conseguimos identificar as personagens, uma vez que uma está de costas e a outra tapa o rosto com um folheto. Para além da silhueta da mulher de pé, que graciosamente se apoia no guarda-chuva - provavelmente inspirada nas gravuras japonesas - é de realçar o cuidado que Degas colocou nas molduras, pelo menos nos estudos prévios.
Degas
Mary and Lydia Cassatt at the Louvre
1880
Colecção Privada
Vejam o estudo aqui em baixo. Neste estudo as figuras de Mary e da sua irmã são mostradas a contemplar o sarcófago etrusco na Sala dos Túmulos, no Louvre. Este interesse das meninas e, acima de tudo, de Degas, por este tipo de arte é muito importante já que o primeiro estudo moderno feito acerca da arte etrusca havia sido feito apenas 3 anos antes de Degas pintar este quadro. Isto mostra o interesse do artista e a sua capacidade em se manter actualizado.
Degas
Mary and Lydia Cassatt at the Louvre
1879-1880
Metropolitan Museum, Nova Iorque
Degas
Mary and Lydia Cassatt at the Louvre (pormenor)
1879-1880
Metropolitan Museum, Nova Iorque
Degas
At the Louvre: The Etruscan Sarcophagus,
1879
Colecção Privada
Sarcophagus of the Spouses
c. 520-510 AC
Museu do Louvre, Paris
O último dos quadros de Degas, que possuem outros quadros lá dentro - de entre uma selecção que fiz - é o de Hélène Rouart no escritório de seu pai, quase uma década após Degas ter mostrado Hélène enquanto menina no colo do pai. Ela é agora uma mulher (a pose denuncia-o), mas a presença do pai mantém-se, quanto mais não seja por a cena ser pintada no escritório dele. Rouart era um industrial e coleccionador francês. A filha, assim retratada, deveria seguir-lhe as pisadas, pelo menos no que diz respeito ao gosto artístico. Ao contrário do retrato que fez da sua própria irmã (no post anterior), em que Degas mostra uma mulher que, embora rica, se sentia pouco à vontade num espaço artístico, aqui Degas enfatiza a ligação de Hélène à arte, dando-lhe naturalidade na pose e tratando o que em segundo plano se encontra com tanto cuidado quanto a própria Hélène. Degas coloca uma pilha de papéis em cima da mesa e rodeia Hélène de objectos vários. Do lado esquerdo da pintura, numa caixa de vidro, encontramos três estatuetas egípcias, de madeira. A mais próxima é uma ushabti, ou máscara funerária que, sabemos, pertenceu a Henri Rouart. Atrás de Hélène está uma grande tapeçaria chinesa, pelo menos a avaliar pelo ornamento da moldura que contempla não só dragões como leões chineses, tradicionais da dinastia Qing, embora o forte da colecção de Rouart não fosse a arte asiática, mas a arte europeia do século XIX.
Degas
Hélène Rouart in her father's study
1886
National Gallery, Londres
Algo mais ao gosto de Rouart - e provavelmente pertencente mesmo à sua colecção - é a pintura e o desenho à direita de Hélène. A pintura é Nápoles e o Castello dell'Ovo de Corot. Aliás, Corot foi professor de Rouart, bem como Millet que é representado nesta pintura de Degas, um pouco mais abaixo do trabalho de Corot, através de uma camponesa.
Degas
Hélène Rouart in her father's study (pormenor)
1886
National Gallery, Londres
Corot
Naples and the Castello dell'Ovo
1828
Degas
Hélène Rouart in her father's study (pormenor)
1886
National Gallery, Londres
Millet
A peasant woman against a Haystack
1851-1852
Museu do Louvre, Paris
Estes quadros que Degas pinta dentro dos seus quadros, mostram que o trabalho final tem tanto de captação do real como de imaginação do pintor. Degas escolhe: escolhe para o fundo o impressionismo, o romantismo, o japonesismo ou o rocócó. Os seus quadros dentro de quadros são composições nada inocentes já que pretendem salientar uma opinião ou reforçar o seu gosto e relacioná-lo com o dos retratados mostrando as suas referências.
- não vai mais vinho para essa mesa -
pai - quem gosta muito desta filha?
eu - não acredito em ti!... só dizes isso porque te tiro os pêlos da orelha
sábado, outubro 10, 2015
- o carteiro -
olá professor. porque gostou do excerto do filme do Woody Allen, e em resposta ao seu comentário, segue outro excerto, de outro filme do autor, e que, de resto, combina bem com um blog pretensioso como este.
- o carteiro -
não percebo nada de música, nem de finanças, nem de filosofia, nem de química, nem astronomia. deprime-me a consciência do "só sei que nada sei".
- não vai mais vinho para essa mesa -
coisas que ouço todos os dias, todas as semanas e ditas pela mesma pessoa.
- "papaia toda"
- "você devia comer tomate coração-de-boi. É o melhor que existe. Eu só como desse tomate".
- "sou tão bonito..."
- "sabe, hoje numa relação entre um homem e uma mulher tem de haver muito entendimento, a sedução... está a compreender?"
- "sabe, hoje o sexo é o mais importante de uma relação porque há muitas tentações, muita oferta..."
- "você não bebe, não come, não... coisa..."
- "eu sei o que esta quer. quer que eu lhe dê lulas!"
- "ui, ficaram doidos com o espaço!"
- "quando fizermos a ligação vai ser facturar..."
- "esta está mortinha!..."
- "aquilo vai ser fantástico, vai ser top!"
- "miúda gira!"
quinta-feira, outubro 08, 2015
à mesa
[pai - verte mais um pouco de vinho no copo e volta-se para o lado]
[eu - acabo de comer uma pera e quando ele se volta para o lado, coloco o caroço de pera no copo acabado de encher]
[pai - volta-se para a frente]
pai - então xxxxxx, o que é isto?
eu - é... vinho frutado... com notas de pera...
[pai - verte mais um pouco de vinho no copo e volta-se para o lado]
[eu - acabo de comer uma pera e quando ele se volta para o lado, coloco o caroço de pera no copo acabado de encher]
[pai - volta-se para a frente]
pai - então xxxxxx, o que é isto?
eu - é... vinho frutado... com notas de pera...
segunda-feira, outubro 05, 2015
- original soundtrack -
é muito difícil ouvir uma boa interpretação desta ária: a da Callas era a correr, a da Jessye Norman a morrer... ficou esta da Marilyn Horne nos anos 80 (daí o vestido com manga bufante)...
Mon cœur s'ouvre à ta voix,
comme s'ouvrent les fleurs
Aux baiser de l'aurore!
Mais, ô mon bienaimé,
pour mieux sécher mes pleurs,
Que ta voix parle encore!
Dis-moi qu'à Dalila
tu reviens pour jamais,
Redis à ma tendresse
Les serments d'autrefois,
ces serments que j'aimais!
Ah! réponds à ma tendresse!
Verse-moi, verse-moi l'ivresse!
Ainsi qu'on voit des blés
les épis onduler
Sous la brise légère,
Ainsi frémit mon coeur,
prêt à se consoler,
A ta voix qui m'est chère!
La flèche est moins rapide
à porter le trépas,
Que ne l'est ton amante
à voler dans tes bras!
Ah! réponds à ma tendresse!
Verse-moi, verse-moi l'ivresse!
(Mon coeur s'ouvre à ta voix, Sansão e Dalila, Camille Saint Saens)
- não vai mais vinho para essa mesa -
[deitada na cama, de barriga para cima, em roupa interior, com a luz ligada]
- que estás a fazer aí deitada?
- fotossíntese.
- à noite?
- é essa a única pergunta que te ocorre?
- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (VI)
O Papa (e o Papado) ganha força real e não apenas força espiritual. O imperador por seu turno perde-a quando em 476 o último imperador romano é deposto. De facto já não fazia sentido existir um imperador, uma vez que quem protegia a população (e por consequência, a cristandade, já que uma andava de mãos dadas com a outra) era o Papa. De escravos a nobres, todos eram cristãos.
O Papado tudo protegia, mas em algumas partes mais remotas do Império, as intenções do papado não passavam disso mesmo. Em Inglaterra, por exemplo, com as posições militares abandonadas pelo exército romano, as populações viam-se e desejavam-se para conter a fúria invasora do Norte. E do Norte vinham os Irlandeses. Os Irlandeses eram tidos como um povo rural, conhecidos pela sua ferocidade (dizia-se que iam nus para a a batalha) e que ainda não havia sido tocado nem pelo império romano nem pelo cristianismo. Deslocavam-se em barcos e quando em Inglaterra, roubavam e faziam reféns. Entre muitos dos reféns encontrava-se Patrick, filho de um inglês. Patrick é vendido como escravo e começa a trabalhar como pastor para o seu amo. Durante seis anos passa fome, frio e privações várias até que um dia Deus lhe diz num sonho para Patrick fugir. É o que o jovem inglês faz, reunindo-se à sua família. Mas este Patrick que volta a casa é um Patrick diferente. É mais uma vez um sonho que o faz mudar de vida. Patrick sonha que os irlandeses lhe pedem que regresse à Irlanda com a palavra de Deus. Durante os 12 anos seguintes Patrick dedica-se afincadamente ao estudo e em 432 regressa à Irlanda como bispo missionário. O seu trabalho destaca-se pela harmoniosa junção e adaptação do Cristianismo às práticas e crenças autóctones (ou vice-versa) principalmente ao druidismo que partilhava com o Cristianismo a ideia da imortalidade da alma, a trindade e a ressurreição. o sucesso de Patrick também se deveu à abordagem que teve do deus dos cristãos face aos que não acreditavam n'Ele. Patrick mostrou o Deus dos Cristãos como um deus benevolente e não castigador e que criou o mundo para os seres humanos o aproveitarem.
Há muitas lendas acerca de S. Patrick, mas certo apenas é o grande número de comunidades religiosas monásticas que a Irlanda tinha aquando da sua morte, comunidades estas que eram herdeiras de Patrick. A vida monástica irlandesa distinguia-se da vida monástica das comunidades continentais por ser gerida pelas abadias dos próprios mosteiros, enquanto no continente eram as igrejas urbanas e os bispos que controlavam a vida monástica. Este não é o único aspecto relevante do cristianismo irlandês: os padres irlandeses ouviam a confissão em privado; recusavam-se a legislar sobre a moral privada e as mulheres tinham um papel mais activo e reconhecido, como é o caso de Santa Brígida.
A comunidade irlandesa em si também muda com o cristianismo. Se até aí era uma comunidade iletrada, a partir da instalação do cristianismo, passa a ser uma sociedade que se preocupa com as letras, com a escrita. No espaço de uma geração os monges irlandeses não só escrevem e lêem, como dão ao mundo os mais estudiosos da palavra de Deus, graças ao apoio à actividade dos monges copistas, com lugar, nos mosteiros, para biblioteca e scriptorium. Isto é ainda mais relevante se pensarmos que na parte continental as bibliotecas eram destruídas pelos bárbaros e que a memória aí contida também desaparece. Na Irlanda essa memória é avivada e mantida, não só pela cópia de manuscritos religiosos, mas também históricos.
- o carteiro -
A arte da felicidade, uma ova
às vezes irrita-me um bocado que subvalorizem o impressionismo: "ah e tal, é a arte da felicidade". ainda que seja a arte da felicidade, não há mal nenhum em ter a felicidade como ilusão. e a felicidade não tem de ser um tema menor para qualquer forma de arte. aliás, é suposto que entre outras coisas, a arte nos traga alguma forma de felicidade. A mim traz! mas a felicidade só o é porque quase nunca o é; ou seja, só apreciamos e desejamos aquilo que quase nunca possuímos. e acredito que, assim como ninguém é sempre e completamente infeliz, também ninguém é completamente feliz. mesmo um felizardo como o Degas, que para além de ter pertencido aos que pintavam a "felicidade" era também um tipo de posses materiais. o que dá sempre jeito embora não traga a felicidade (cliché aplicado, vamos ao que interessa).
às vezes irrita-me um bocado que subvalorizem o impressionismo: "ah e tal, é a arte da felicidade". ainda que seja a arte da felicidade, não há mal nenhum em ter a felicidade como ilusão. e a felicidade não tem de ser um tema menor para qualquer forma de arte. aliás, é suposto que entre outras coisas, a arte nos traga alguma forma de felicidade. A mim traz! mas a felicidade só o é porque quase nunca o é; ou seja, só apreciamos e desejamos aquilo que quase nunca possuímos. e acredito que, assim como ninguém é sempre e completamente infeliz, também ninguém é completamente feliz. mesmo um felizardo como o Degas, que para além de ter pertencido aos que pintavam a "felicidade" era também um tipo de posses materiais. o que dá sempre jeito embora não traga a felicidade (cliché aplicado, vamos ao que interessa).
Nos quadros do Degas é possível ver bailarinas a ensaiar, e cavalos de corrida, mas também cenas tensas de famílias infelizes, coroadas por alguns pormenores que por vezes nem vemos. O Degas utilizava muito aquele truque dos quadros dentro dos quadros. Para mim, são como olhar para dentro da janela de um prédio e ver o que fazem os que lá estão. ou assistir a uma peça de teatro. ou assistir a uma peça de teatro com analepses.
Um exemplo, não só da infelicidade nos quadros de Degas, como da presença de quadros dentro de quadros é este Bellelli Family. A figura masculina é o tio de Degas que uma vez lhe confessou que de facto a família não era lá muito feliz. Há aqui qualquer coisa de "As Meninas" de Velazquez, não por causa da presença de meninas, mas por causa do espelho e da porta que abrem o espaço para além daquilo que podemos ver, e pela presença dos progenitores, nenhum deles de frente para a pintura e que parecem supervisionar as duas crianças. As imagens difusas do lado do tio (o espelho grande que reflecte outro mais pequeno e que reflecte uma pintura), contrastam com a nitidez do retrato junto ao rosto da tia de Degas. O mais engraçado neste retrato, que é um estudo para um retrato, é que na realidade ele parece nunca ter existido. Não se conhecem estudos para o retrato que Degas de facto fez do seu avô René-Hilaire de Gas. Quando Degas inclui o suposto estudo de uma obra que já existia, o seu avô já havia morrido e por isso tanto mãe como filhas vestem de luto. A presença da imagem dos ancestrais junto do mundo dos vivos vai beber à tradição flamenga renascentista do retrato de grupo (The Van Berchem Family de Frans Floris, por exemplo). O próprio Degas afirmou a sua ligação ao retrato holandês. Mas o retrato do avô de Degas tem semelhanças com o desenho renascentista: vista a três quartos da cabeça e do busto, a sanguínea, em contraste com o azul e dourado da moldura (lembra os desenhos dos Clouet, não acham?).
Edgar Degas
The Bellelli Family
1860-62
Musée d'Orsay, Paris
Edgar Degas
The Bellelli Family (pormenor)
1860-62
Musée d'Orsay, Paris
Edgar Degas
René Hilaire de Gas
1857
Degas usou novamente o espelho e o retrato emoldurado no quadro que executou da sua irmã, Thérèse Morbilli. Mas ao contrário do quadro anterior, em que o espelho e o retrato surgiam de forma mais plana, estes aqui são usados para transmitir profundidade e de certa forma, falarem da riqueza desta senhora que havia casado com um primo, o Duke de Morbilli, após autorização papal. Thérèse mostra-se num interior ricamente decorado, num estilo até um pouco pesado para a época, mas que espelha a sua condição de mulher da mais alta sociedade. Podemos pensar que ela posa em casa, em sua casa, mas na verdade, ela posa em casa do pai de Degas, e seu pai, na sala de desenho deste, aquando de uma das suas visitas a Paris. Atrás, encontra-se, muito provavelmente, o retrato de Mademoiselle Miron de Portioux, da autoria de Jean-Baptiste Perronneau que fazia parte da colecção privada do pai de Degas, um banqueiro que se dava com grandes coleccionadores do seu tempo e que possuía várias obras de La Tour.
Degas
Portrait of Thérèse Morbilli
1869
Colecção Privada
Degas
Portrait of Thérèse Morbilli (pormenor)
1869
Colecção Privada
Jean-Baptiste Perronneau
Mademoiselle Miron de Portioux
1771
Colecção Privada
Dentro do que referia atrás da tensão em alguns quadros de Degas (o da Família Bellelli, The Rape, etc...) conta-se este apelidado de Sulking ou The Banker. A tensão desta obra pode ser parcialmente revelada a partir do quadro rectangular de fundo que une a cabeça dos dois intervenientes. O quadro que vemos no fundo é uma cena de corrida de cavalos, mas que não pertence a Degas. É antes uma cópia de um artista inglês de seu nome John F. Herring. Degas vai buscar para este quadro, não só a pintura de Herring na sua totalidade, mas também parte da mesma, usando o cavalo e respectivo jockey do canto inferior direito como modelos para o seu False Start.
Edgar Degas
Sulking
1870
Metropolitan Museum, Nova Iorque
Edgar Degas
Sulking (pormenor)
1870
Metropolitan Museum, Nova Iorque
Cópia de Steeple Chase de Herring
Cópia de Steeple Chase de Herring (pormenor)
Degas
False Start
1870
Yale University Art Gallery
Uma vez que o pai de Degas era banqueiro, não terá sido muito difícil criar o decor do espaço, que possui, na pintura, todos os elementos para descrever o escritório de um banqueiro. a pintura na parede poderá estar apenas dentro da moda do tempo que trouxe para a ribalta as corridas de cavalos. As personagens que não se olham dão origem a um outro quadro - Conversation - , também de Degas e igualmente, na senda de algo típico da época: a expressão das emoções na arte, mesmo que essas fossem de tédio, ira ou tensão. N'O Absinto, vemos o tédio; aqui, a tensão. Os modelos foram Duranty, amigo de Degas e percursor do Naturalismo - e que rapidamente caiu no esquecimento devido ao sucesso de Flaubert e Zola; e Emma Dobigny a modelo preferida de Degas. Enquanto no primeiro caso as duas personagens se ligam, de forma claudicante pelos saltos dos cavalos, que reafirmam o espaço social deste homem e desta mulher, aqui o quadro é apenas uma mancha de duas cores.
Edgar Degas
Conversation
1895
Yale University Art Gallery
Face à Familia Bellelli, a situação inverte-se no quadro The Collector of Prints: aqui é o fundo que tem mais força e quase se sobrepõe à figura humana que, no fundo, dá título ao trabalho e que, de resto, é anónima. ora este anonimato é paradigmático de uma certa atitude dos coleccionadores do tempo que quase se anulavam ante a obra de arte, dedicando-se inteiramente a ela. o coleccionador parece absorto e vira as costas às próprias obras que colecciona e que são exemplos de arte popular, mas também sofisticada do Oriente (o Oriente estava na moda) e da Europa. Na mão segura uma litografia de uma rosa, sendo que na mesa atrás dele também se encontram mais destas litografias. O Oriente e o Ocidente encontram-se também na pequena estatueta do cavalo, no lado esquerdo. Do Oriente, provavelmente da dinastia T'ang, vem a posição das patas e da cabeça, submissa. Do Ocidente, vem a crina pintada de forma realista, por Degas. Outra junção/justaposição de Oriente e Ocidente pode ser vista no painel de fundo: os fragmentos mais pequenos como envelopes, cartões, fotografias são típicos da Europa, enquanto os maiores e mais coloridos são pedaços de seda típicos do Japão. Estes fragmentos são sem dúvida o mais importante neste painel. Eram usados para encadernar cadernos ou livros de bolso e muito admirados por Manet, Whistler, Tissot, entre outros, pela harmonia das cores
Edgar Degas
The Collector
1866
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Edgar Degas
The Collector (pormenor)
1866
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Edgar Degas
The Collector (pormenor)
1866
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Edgar Degas
The Collector (pormenor)
1866
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
No retrato que fez de Tissot, nos mesmos anos em que pintou o Coleccionador, Degas opta por uma composição mais clássica no jogo de rectângulos, mas nem por isso menos arrojada. Os seis rectângulos de fundo (correspondentes a seis telas), estão constantemente a ser entrecortados uns pelos outros ou pelos limites da tela. Tissot é quase decorativo neste espaço assumindo uma atitude de elegância e indiferença (não sabemos se visita um atelier ou se está no seu atelier e a sua expressão facial também não ajuda a descobrir. por este tempo Tissot era um artista reconhecido e, talvez por isso, um dandy. mas isso não pode ser cobrado a um homem...). Degas também era e por isso, as pinturas de fundo poderiam ter sido pintadas por qualquer um dos dois, à excepção do retrato junto ao rosto de Tissot que é uma pintura de Cranach. há alguma afinidade entre os dois retratados; ou seja, entre Tissot e Frederik: ambos com o seu bigode elegante, ambos voltados para o seu lado direito.
Edgar Degas
James-Jacques-Joseph Tissot
1867-68
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Edgar Degas
James-Jacques-Joseph Tissot (pormenor)
1867-68
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Lucas Cranach, the Elder
Portrait of Elector Frederick the Wise
1530s
Colecção Privada
A tela horizontal, atrás de Tissot não lembra nada conhecido. É sem dúvida uma cena japonesa, mas que não tem referência com nenhum dos quadros nem de Tissot, nem de Degas, embora um e outro tenham pintado cenas com influência oriental. Tissot chegou mesmo a alugar um vasto conjunto de trajes japoneses para, talvez, a tela Japanese Woman at the Bath. A coisa mais parecida com aquela tela atrás de Tissot é um painel de Eishi, que está no British Museum e que apresenta, como semelhanças, a presença de mulheres com trajes tradicionais, e a orientação da tela.
Edgar Degas
James-Jacques-Joseph Tissot (pormenor)
1867-68
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Eishi
Evening under murmuring pines
1800
British Museum, Londres
A tela que se encontra no lado direito é de difícil identificação. Muito difícil, até. Há quem diga que se trata de uma espécie de Dejeuner sur l'herbe. O Dejeuner sur l'herbe "original" - ou pelo menos aquele que todos identificam - é o de Manet. O que não quer dizer que não houvessem outros almoços na relva. de facto, a vida ao ar livre é apanágio da sociedade deste tempo que muito beneficiou com a iluminação pública e optimismo generalizado. Tissot, por exemplo, pintou um Almoço na Relva, mas os trajes não parecem ser os mesmos deste fragmento.
Edgar Degas
James-Jacques-Joseph Tissot (pormenor)
1867-68
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Tissot
Partie Carree
1870
Colecção Privada
O outro quadro que se encontra dentro deste retrato de Tissot é, aparentemente, um resgate de Moisés das águas do Nilo. Vemos, na parte de cima a filha do faraó a dirigir-se ao Nilo, enquanto na parte de baixo uma serva retira a criança e o cesto das águas. Não é conhecida nenhuma pintura de Tissot ou Degas acerca deste tema, a não ser por cópias que os mesmos fizeram de alguns autores. Também não é conhecida nenhuma pintura do Barroco com estas características. Digo "do Barroco" pois dado o violento contraste de cores, e a disposição das figuras na vertical e em torção, é muito provável que se trate de uma pintura Barroca. No entanto, e tal como foi dito, os dois fizeram cópias dos grandes mestres: Degas interessou-se pela pintura veneziana; Tissot também mas tinha outras preferências. Ao colocar na mesma tela uma pintura com referências ao japonesismo, outra aos grandes mestres, ao Renascimento, à arte do retrato, Degas mostra quais são as suas afinidades artísticas
Edgar Degas
James-Jacques-Joseph Tissot (pormenor)
1867-68
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
(continua...)
sábado, outubro 03, 2015
- o carteiro -
O medo vai ter tudopernas
ambulâncias e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis (o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários (assim assim)
escriturários (muitos)
intelectuais (o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
(Poema pouco original do medo, Alexandre O'Neill)