- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (VI)
O Papa (e o Papado) ganha força real e não apenas força espiritual. O imperador por seu turno perde-a quando em 476 o último imperador romano é deposto. De facto já não fazia sentido existir um imperador, uma vez que quem protegia a população (e por consequência, a cristandade, já que uma andava de mãos dadas com a outra) era o Papa. De escravos a nobres, todos eram cristãos.
O Papado tudo protegia, mas em algumas partes mais remotas do Império, as intenções do papado não passavam disso mesmo. Em Inglaterra, por exemplo, com as posições militares abandonadas pelo exército romano, as populações viam-se e desejavam-se para conter a fúria invasora do Norte. E do Norte vinham os Irlandeses. Os Irlandeses eram tidos como um povo rural, conhecidos pela sua ferocidade (dizia-se que iam nus para a a batalha) e que ainda não havia sido tocado nem pelo império romano nem pelo cristianismo. Deslocavam-se em barcos e quando em Inglaterra, roubavam e faziam reféns. Entre muitos dos reféns encontrava-se Patrick, filho de um inglês. Patrick é vendido como escravo e começa a trabalhar como pastor para o seu amo. Durante seis anos passa fome, frio e privações várias até que um dia Deus lhe diz num sonho para Patrick fugir. É o que o jovem inglês faz, reunindo-se à sua família. Mas este Patrick que volta a casa é um Patrick diferente. É mais uma vez um sonho que o faz mudar de vida. Patrick sonha que os irlandeses lhe pedem que regresse à Irlanda com a palavra de Deus. Durante os 12 anos seguintes Patrick dedica-se afincadamente ao estudo e em 432 regressa à Irlanda como bispo missionário. O seu trabalho destaca-se pela harmoniosa junção e adaptação do Cristianismo às práticas e crenças autóctones (ou vice-versa) principalmente ao druidismo que partilhava com o Cristianismo a ideia da imortalidade da alma, a trindade e a ressurreição. o sucesso de Patrick também se deveu à abordagem que teve do deus dos cristãos face aos que não acreditavam n'Ele. Patrick mostrou o Deus dos Cristãos como um deus benevolente e não castigador e que criou o mundo para os seres humanos o aproveitarem.
Há muitas lendas acerca de S. Patrick, mas certo apenas é o grande número de comunidades religiosas monásticas que a Irlanda tinha aquando da sua morte, comunidades estas que eram herdeiras de Patrick. A vida monástica irlandesa distinguia-se da vida monástica das comunidades continentais por ser gerida pelas abadias dos próprios mosteiros, enquanto no continente eram as igrejas urbanas e os bispos que controlavam a vida monástica. Este não é o único aspecto relevante do cristianismo irlandês: os padres irlandeses ouviam a confissão em privado; recusavam-se a legislar sobre a moral privada e as mulheres tinham um papel mais activo e reconhecido, como é o caso de Santa Brígida.
A comunidade irlandesa em si também muda com o cristianismo. Se até aí era uma comunidade iletrada, a partir da instalação do cristianismo, passa a ser uma sociedade que se preocupa com as letras, com a escrita. No espaço de uma geração os monges irlandeses não só escrevem e lêem, como dão ao mundo os mais estudiosos da palavra de Deus, graças ao apoio à actividade dos monges copistas, com lugar, nos mosteiros, para biblioteca e scriptorium. Isto é ainda mais relevante se pensarmos que na parte continental as bibliotecas eram destruídas pelos bárbaros e que a memória aí contida também desaparece. Na Irlanda essa memória é avivada e mantida, não só pela cópia de manuscritos religiosos, mas também históricos.
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