- o carteiro -
olá meus amigos, como estão? eu tenho dias. há dias em que coloco tudo em causa e outros em que, me levanto, canto uma canção e a coisa corre bem. outra coisa que também me deixa bem, e não polui muito, é escrever no blog. já tinha escrito a primeira parte deste supé-méga-hipé post, e aqui fica segunda.
Ora bem, pois estávamos a falar daquela coisa dos quadros dentro de quadros. Para sublimar - porque convém começar com algo de muito especial - eis o quadro The Cellist Pilet quadro este onde Degas leva ao máximo esta artimanha do quadro dentro do quadro. E quem era este Pilet?, perguntam vocês. E eu respondo: era um violoncelista amigo de Degas que este já havia pintado a exercer a sua actividade de músico na orquestra da ópera de paris, onde trabalhava. Neste retrato de Pilet, que ocupa uma parte não central do quadro a ele dedicado, destaca-se a litografia de fundo e que mostra um grupo de músicos. Ao contrário da gravura da equitação (primeira parte deste post), esta é a preto e branco e mostra, ainda que vocês não acreditem, retratos individualizados de pessoas. Mas quando estudamos a gravura mais a fundo percebemos que este grupo de pessoas não é semelhante ao de outras gravuras típicas do romantismo. Enquanto essas gravuras românticas retratavam figuras proeminentes, mas em escasso número, a de Degas mostra um grupo composto por 18 pessoas que não olham para nós como num retrato normal, mas antes para o exterior como que atraídos por algo que acontece ali. Aliás, nesta litografia o pianista até parece suspenso no acto de tocar piano para poder olhar na mesma direcção. E para onde olham eles? para quem? para o seu colega de profissão Pilet (Pilet é assim nome de marca de especiarias embaladas ou de pasta dentrífica...). Esta é a melhor homenagem que Degas podia fazer a Pilet já que entre estas personagens, para além de amadores, podemos encontrar músicos profissionais como Berlioz ou Liszt, actores e poetas.
Degas
The Cellist Pilet
1868-1869
Museu do Louvre, Paris
Esta distribuição que aqui é feita baseia-se em retratos da época. Convém dizer que sim, haveria possibilidade temporal desta gente se ter encontrado. Vejamos quem eles são e em que datas viveram: Ao piano, Chopin (1810-1849); atrás e para a esquerda, Heine (1797-1856); atrás de Chopin, mas para a direita, Liszt (1811-1886); no canto direito, Delacroix (1798-1863); entre Delacroix e Liszt, Jacques Halévy (1799-1862); entre Heine e Liszt, mas mais atrás, eis Berlioz (1803-1869). No centro, encostado ao piano está o nosso amigo Balzac (1799-1850). Vamos agora ao grupo da esquerda: sentado eis Théophille Gautier (1811-1872). George Sand (1804-1876) tira-se pela pinta já que entre todos daquele lá é a única personagem que se parece com uma mulher. Do lado esquerdo de George Sand encontra-se Zalewski (desconheço as datas); e do lado direito, Alfred Musset (1810-1857). Mais à esquerda está Hiller (1811-1885) e à direita de Hiller, o actor Bocage (1799-1862). Não se sabe se esta gente toda algum dia esteve junta, mas nas memórias de Chopin publicadas em 1852 refere-se pelo menos um serão deste tipo onde estiveram presentes Delacroix, Hiller, Liszt e George Sand, que eu confundo sempre com a Gertrude Steiner, vá-se lá saber porquê... Também aqui posso dizer todas as minha aselhices que ninguém vai ler.
Este truque que Degas usou de prestar homenagem ao retratado também foi usado por outros como Manet quando pintou Zola (Manet colocou na parede de fundo uma cena japonesa, "A Olímpia" do próprio Manet e "The Drinkers" de Velazquez) e mais tarde por Pissarro quando pintou Cezanne (Pissarro colocou na parede de fundo imagens de revistas bem como figuras de Courbet e Thiers).
Degas
The Cellist Pilet (pormenor)
1868-1869
Museu do Louvre, Paris
Nem sempre é fácil identificar os quadros dentro dos quadros de Degas, em parte porque em muitas situações esse uso de outros quadros é alusório. Ou então são paisagens que nunca existiram, ou composições a partir de outras obras. No caso do retrato de "Mary e Lydia Cassatt" (a pintora que foi pupila de Degas e a sua irmã) era inevitável pintar, em fundo, obras de arte, uma vez que as duas senhoras se movimentam nos corredores do Louvre. No quadro definitivo, Degas não nos mostra nenhuma obra que possamos identificar. Quase nem conseguimos identificar as personagens, uma vez que uma está de costas e a outra tapa o rosto com um folheto. Para além da silhueta da mulher de pé, que graciosamente se apoia no guarda-chuva - provavelmente inspirada nas gravuras japonesas - é de realçar o cuidado que Degas colocou nas molduras, pelo menos nos estudos prévios.
Degas
Mary and Lydia Cassatt at the Louvre
1880
Colecção Privada
Vejam o estudo aqui em baixo. Neste estudo as figuras de Mary e da sua irmã são mostradas a contemplar o sarcófago etrusco na Sala dos Túmulos, no Louvre. Este interesse das meninas e, acima de tudo, de Degas, por este tipo de arte é muito importante já que o primeiro estudo moderno feito acerca da arte etrusca havia sido feito apenas 3 anos antes de Degas pintar este quadro. Isto mostra o interesse do artista e a sua capacidade em se manter actualizado.
Degas
Mary and Lydia Cassatt at the Louvre
1879-1880
Metropolitan Museum, Nova Iorque
Degas
Mary and Lydia Cassatt at the Louvre (pormenor)
1879-1880
Metropolitan Museum, Nova Iorque
Degas
At the Louvre: The Etruscan Sarcophagus,
1879
Colecção Privada
Sarcophagus of the Spouses
c. 520-510 AC
Museu do Louvre, Paris
O último dos quadros de Degas, que possuem outros quadros lá dentro - de entre uma selecção que fiz - é o de Hélène Rouart no escritório de seu pai, quase uma década após Degas ter mostrado Hélène enquanto menina no colo do pai. Ela é agora uma mulher (a pose denuncia-o), mas a presença do pai mantém-se, quanto mais não seja por a cena ser pintada no escritório dele. Rouart era um industrial e coleccionador francês. A filha, assim retratada, deveria seguir-lhe as pisadas, pelo menos no que diz respeito ao gosto artístico. Ao contrário do retrato que fez da sua própria irmã (no post anterior), em que Degas mostra uma mulher que, embora rica, se sentia pouco à vontade num espaço artístico, aqui Degas enfatiza a ligação de Hélène à arte, dando-lhe naturalidade na pose e tratando o que em segundo plano se encontra com tanto cuidado quanto a própria Hélène. Degas coloca uma pilha de papéis em cima da mesa e rodeia Hélène de objectos vários. Do lado esquerdo da pintura, numa caixa de vidro, encontramos três estatuetas egípcias, de madeira. A mais próxima é uma ushabti, ou máscara funerária que, sabemos, pertenceu a Henri Rouart. Atrás de Hélène está uma grande tapeçaria chinesa, pelo menos a avaliar pelo ornamento da moldura que contempla não só dragões como leões chineses, tradicionais da dinastia Qing, embora o forte da colecção de Rouart não fosse a arte asiática, mas a arte europeia do século XIX.
Degas
Hélène Rouart in her father's study
1886
National Gallery, Londres
Algo mais ao gosto de Rouart - e provavelmente pertencente mesmo à sua colecção - é a pintura e o desenho à direita de Hélène. A pintura é Nápoles e o Castello dell'Ovo de Corot. Aliás, Corot foi professor de Rouart, bem como Millet que é representado nesta pintura de Degas, um pouco mais abaixo do trabalho de Corot, através de uma camponesa.
Degas
Hélène Rouart in her father's study (pormenor)
1886
National Gallery, Londres
Corot
Naples and the Castello dell'Ovo
1828
Degas
Hélène Rouart in her father's study (pormenor)
1886
National Gallery, Londres
Millet
A peasant woman against a Haystack
1851-1852
Museu do Louvre, Paris
Estes quadros que Degas pinta dentro dos seus quadros, mostram que o trabalho final tem tanto de captação do real como de imaginação do pintor. Degas escolhe: escolhe para o fundo o impressionismo, o romantismo, o japonesismo ou o rocócó. Os seus quadros dentro de quadros são composições nada inocentes já que pretendem salientar uma opinião ou reforçar o seu gosto e relacioná-lo com o dos retratados mostrando as suas referências.
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