sexta-feira, dezembro 31, 2010

- original soundtrack -

Por que você que é tão Bonita
Tem esse ar distante assim
Diz porque o seu olhar hesita, hesita
Eu tenho tanto amor em mim
O amor é a coisa mais Bonita
É feito dois igual a um
E, no entanto, seu olhar hesita
Você tem medo de depois
Bonita
Talvez Bonita demais
Bonita
Bonita de nunca ser minha
Jamais
E assim,
Meu amor reflita, reflita,
Bonita
Pra que ser assim
Bonita, Bonita


(Vinicius de Moares, Bonita Demais)
- não vai mais vinho para essa mesa -

[na aula de História da Arquitectura Clássica]
- Alguém sabe porque é que as arquitecturas religiosas mudam tão pouco ao longo dos tempos? Alguém? Inês, diga lá porque é que as Arquitecturas ditas religiosas e as funerárias não mudaram muito.
- ...
- Diga lá porque é que as arquitecturas funerárias são sempre iguais.
- Professor... é assim... os mortos estão mortos... eles não se importam...
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Istô dji vóuta pró meu áconchego...
Amiguinhos, eu bem queria estar definitivamente de volta, trazer as bagagens e instalar-me aqui, todo o dia a mandar bitaites sobre arte… Mas eis que o final de semestre, com os seus trabalhos golinianos e exames frugais (com poucas perguntas), me chama. No entanto, e enquanto espero que o meu dealer de material francês traduza uma parte de um documento sobre as arquitecturas da água, dedico-me aos posts como recompensa de mim para mim, por ter terminado o trabalho dos mosaicos (uma vergonha, o tempo que demorei! Shame on me…). Penso que perdi algumas das qualidades, ou até a qualidade nos textos por isso sejam mansinhos na avaliação dos posts. Mais um antes e depois para começar bem o dia, como com o Mokambo (passo a publicidade). Desta vez trata-se de mais uma cabeça cortada, neste caso, a de São João Baptista. Dada a semelhança no tratamento dos diferentes pintores podemos quase dizer que o Baptista era bicéfalo e que depois de uma cabeça cortada, ganhou-lhe o gosto e começou a ser atracção de feira aos Sábados, Domingos e Feriados Oficiais: “Venha ao João! Corte uma cabeça e leve outra pela mão!” Vamos ao que interessa.

No primeiro quadro, que é a parte direita de um tríptico, Salomé apresenta-se vestida à moda da corte francesa, mas mais como uma cortesã do que com uma nobre (se uma coisa não for impedimento da outra). O seu traje tem até qualquer coisa de exótico com aquele chapéu pontiagudo que não me lembra nada. O que está em pano de fundo mostra a cena do banquete em que Herodias, a mãe de Salomé a apresentou – e vendeu – a Herodes, bem como a parte em que decapita o santo como paga pela dança da filha. Tinha para mim que quem tinha decapitado Herodes haviam sido os aios de Herodes, até porque é ele que promete a cabeça a Salomé. O corpo de São João encontra-se em primeiro plano, mas o seu executor encosta a espada no ombro do corpo morto. Não sei se vos parece isso – a mim parece – mas este acto retira à cena o seu sentido de profundidade. No entanto, ao mesmo tempo surgem num suposto segundo plano surgem duas pessoas do lado direito, que não se sabe a posição ocupada pois desconhece-se se estão acima dos degraus ou abaixo. Naquele “corredor” vemos a terceira incongruência já que o pequenino homem que ali está é retratado com dimensão diminuta, mas no fundo está a dois passos da cena. Não temos aqui a cena do painel do lado esquerdo, mas sabemos por esta que estamos perante uma temática lasciva e sedutora, imoral e maculada com Salomé vestida daquela forma a protagonizar tão triste acontecimento. O contraditório chega ao ponto de tanto ela como o executante do crime virarem a cabeça, em direcções opostos, para talvez, não terem de enfrentar o crime cometido. Não sei se já repararam, mas esta Salomé é a cara chapada da Virgem Maria na pintura da Alte Pinakothek, também do Weyden. O rosto sereno quase a desculpa do concubinato na cena.

Rogier van der Weyden

Saint John Altarpiece

1555-1560

Saatliche Museen, Berlim

Neste quadro, que é a parte esquerda de um tríptico de Hans Memling temos Salomé com a cabeça de São João Baptista, um tema que nos é familiar pois aqui no Belogue gostamos dele. O tríptico conta a história de São João, desde a anunciação a Zacarias que antecedeu o nascimento do Baptista, o nascimento em si, passagens da sua vida – também nos outros painéis – até à morte. A leitura deste painel só é completada pelos outros, pois é neles que as passagens da vida do santo continuam: à esquerda e até meio do centro – onde se desenvolve uma sacra conversazione – temos a vida de São João Baptista e à direita, até meio do painel do centro temos a vida de São João Evangelista. Neste painel podemos ver (de cima para baixo, da esquerda para a direita) Salomé a dançar perante Herodes (lá atrás, em sala aberta), o Baptismo de Cristo (naquele riacho mesmo no último plano) e mais cá à frente, dois discípulos de João (um deles também se chama João e o outro é André) no pátio da prisão. Ele está encarcerado numa torre que se encontra diametralmente oposta à da que encima a sala onde dança Salomé. Aliás, por cima desse quarto aberto, podemos ver um nicho esculpido onde um homem nu dança entre duas mulheres igualmente nuas. Em primeiro plano, a decapitação de São João Baptista.

A cena é muito semelhante nos dois quadros (dizem que Memling foi discípulo de Roger van der Weyden): em primeiro plano ambos apresentam Salomé a segurar a bandeja, e a olhar na direcção oposta, há alguém que corta a cabeça a São João Baptista, o corpo morto e alguma figuras que completam o arranjinho embora não saiba se fazem parte da história bíblica. Depois e quase em último plano, uma arquitectura simulada onde se tenta a simultaneidade; ou seja, se Salomé estiver a cortar a cabeça não pode estar a dançar, se estiver a dançar não pode estar a cortar a cabeça! São vários tempos a acontecer quase no mesmo espaço:

Hans Memling

Saint John Altarpiece

1574-1579

Memlingmuseum, Sint-Janshospitaal, Bruges

- o carteiro -

um bocadinho de escatologia por dia ajuda-o a trabalhar, descansar e divertir-se*

Para acabar o ano em beleza (que é como quem diz, em terror), nada como falar da vida e daquilo que ainda podemos fazer enquanto estamos vivos.** Estava aqui a rever os apontamentos da aula de História da Arte e Culturas Clássicas que comparava a crescente representação humana em comparação com a decrescente representação do animal. Assim que na arte o Homem aperfeiçoa a técnica deixa de retratar animais para passar a retratar-se. É quase como se ele não se achasse digno da sua própria obra. À medida que caminhamos para o início do primeiro milénio, os gregos, por exemplo, apesar de terem pleno conhecimento do animal, preferem o ser humano. E mais ainda, à medida que o Homem percebe o seu papel no mundo, à medida que o teologia se forma e se normaliza, à medida que que normaliza a religião (no caso grego, a pagã) o Homem torna-se autor do seu destino. Esquece então a representação animal e passa para a representação antropomórfica. Os animais diminuem à medida que decresce o valor mágico deles e os artistas se movem para os grandes centros. Os animais que subsistem são os associados ao poder como as panteras, os leões e as águias, e aqueles que são vencidos pelo Homem, que são subjugados pela sua força e inteligência. Mas estes animais que o herói grego domina são animais que "dá gosto" dominar, porque não são fáceis de dominar. São animais com carácter apotropaico: afastam o medo, fazem barulho. Os cães que temos em casa, que às vezes latem muito, mas não mordem nada têm um significado apotropaico: se virem ou ouvirem alguma coisa fazem barulho e assim alertam-nos e afastam quem queria aproximar-se.
Ao representar-se o Homem descobre uma vantagem: o Homem ideial nunca é feio, deficiente, monstruoso. O Homem pode criar o que quer ver para só ver o belo e rodear-se de coisas belas. Mais uma vez tudo aquilo que foge ao cânone é afastado. Enquanto as outras civilizações fizeram representações monstruosas, mais dos deuses do que dos Homens (porque aos deuses ninguém conhece a forma definitiva, podem ser uma planta ou um animal e tudo lhes é desculpado porque eles estão acima do monstruoso), a Grécia evitou isso. Os seus deuses são perfeitos, belos, proporcionados... Estão sempre certos mesmo quando castigam os imaculados, são divinos mesmo quando se misturam com os humanos, e justos mesmo quando se vingam.Artemísia, por exemplo, é deusa protectora das florestas, da fauna e da flora. É vingativa, célere, agreste, mas nunca é representada por uma serpente ou uma leoa. Mais tarde, mais tarde sim, os deuses foram representados através de animais: Hera era uma vaca, Zeus um boi... mas antes e pelos gregos, não. Era natural que os gregos absorvessem um pouco das tradições das civilizações vizinhas, mas tal não aconteceu. Porquê é que a Grécia faz isto?
A arte grega era absoluta e completamente antropomórfica: um deus era representado com as feições de um homem, ou caso contrário seria anti-natural, seria contrário à vida. E o que é contrário à vida? A morte. A Grécia mostra, através do ritual que pratica aquando da morte, que é apenas por medo e por respeito e não por devoção que o pratica. Aliás as necropoles eram fora da cidade, tal como na Índia, em determinadas regiões o morto é colocado numa torre construída para o efeito e dado de comer às aves necrófagas. Os ossos são posteriormente esmagados e destruídos. Para além disso, os mortos eram cremados ou inumados e depois colocados fora da cidade (pólis é diferente), fora do espaço em onde os vivos estavam e fora do seu alcance visual. Quando alguém de classe elevada morria na Grécia, os homens ricos levavam a esse morto um papa igual à primeira refeição de um ser humano naquele tempo e feita de grãos de aveia bem como ramos de azinheira. Faziam essa oferta e às primeiras horas do dia barricavam-se em casa e na porta desenhavam uma cruz, um "X". Nesse dia os mortos levantavam-se do túmulo e íam de porta em porta para matar quem deles se tinha esquecido. Porque a morte é o esquecimento e os gregos sabiam disso. Mais tarde, o Cristianismo fez a mesma coisa. Lembram-se das dez pragas do Egipto? A décima era a morte dos primogénitos. Como diz no Êxodo:
E para sobreviver a isso era necessário marcar a porta com um "X", como fizeram os judeus que se barricaram em casa e marcaram a porta com um "X" feito com sangue de cordeiro:
Toda a arte funerária serve para não esquecer os outros, só serve para os perpetuarmos. Porque quem está morto já não tem rosto nem tem memória. Por isso, e só por isso - para exorcizarmos as nossas faltas, o nosso esquecimento, a forma esquecemos os mortos - é que existem as inscrições funerárias. O Saramago escreveu acerca disso e bem no livro "Todos os Nomes" (acho que foi nesse. Ai o meu esquecimento...). Lembrem-se que para os romanos o que separava o mundo dos vivos do mundo dos mortos era um rio, o rio Letes, rio do esquecimento. Quem bebesse dessas águas esquecia e só os mortos ali queriam beber. A diferença é que para os gregos não havia religião salvífica como nos querem agora vender. Para os gregos e para os romanos, a morte era definitiva enquanto para os cristãos, que acreditam na vida após a morte, esta tem remissão. Os gregos cumpriam os seus deveres para com os mortos e afastavam-nos. Os cristãos cumprem a aproximam-se pois acreditam que na morte em Deus há uma certa glória. Não se esqueçam como Eneias fez com Dido.
Tenham um Feliz Ano Novo. Há que acreditar.
*anúncio do Mars: "Um Mars por dia ajuda-o a trabalhar, descansar e divertir-se", lembram-se?
** penso muito na morte, a verdade é essa. nem sou nada dessas tretas new age.
- não vai mais vinho para essa mesa -


há quem veja arte em tudo. na depilação por exemplo. há quem veja antes:


Lavinia Fontana
Tognina Gonsalvus
1590


durante

François Boucher
Blonde Odalisque
1752
Alte Pinakothek, Munique



depois:

O Grande ditador
1940

sexta-feira, dezembro 24, 2010

- o carteiro -

para todos, amor, saúde, sorte e dinheiro
Caravaggio
Nativity with St Francis and St Lawrence
1609
Formerly San Lorenzo, Palermo (actualmente desaparecido)

quinta-feira, dezembro 23, 2010

jantar de natal do trabalho. o meu braço esquerdo lateja, se é que um braço pode latejar. e eu só penso: "cristo, tu que és a razão desta reunião, faz com que isto acabe. eu prefiro a agitação da minha mente do que ter de sair de mim". mas ele não fez. e eu tive de continuar a fazer de conta que não me achava ridícula de todas as formas: a forma como como, como coro... senti-me como o sapateiro que está sempre a subir acima da chinela. odiei-me tanto que ainda me estou a odiar. não só por me ter odiado, mas também porque de facto há algo em mim que não é igual aos outros (e isto é mau) e porque quando olhei à minha volta para dizer o quão mal me sentia, não havia ninguém e tive de usar este tom confessional (que sempre critiquei) aqui. pois no fundo, escrever é talvez a última coisa que me resta. e o que me faz odiar-me mesmo mais, é perceber que ano após ano, quer esteja com muito ou com pouco peso, estou sempre no mesmo sítio.

terça-feira, dezembro 14, 2010

engordei. o médico diz que não, que eu "desemagreci". é que eu só me conheço assim. tenho receio de deixar de ser magra e por consequência deixar de ser. ou começar a odiar-me e já não ter força para voltar a emagrecer