Istô dji vóuta pró meu áconchego...
Amiguinhos, eu bem queria estar definitivamente de volta, trazer as bagagens e instalar-me aqui, todo o dia a mandar bitaites sobre arte… Mas eis que o final de semestre, com os seus trabalhos golinianos e exames frugais (com poucas perguntas), me chama. No entanto, e enquanto espero que o meu dealer de material francês traduza uma parte de um documento sobre as arquitecturas da água, dedico-me aos posts como recompensa de mim para mim, por ter terminado o trabalho dos mosaicos (uma vergonha, o tempo que demorei! Shame on me…). Penso que perdi algumas das qualidades, ou até a qualidade nos textos por isso sejam mansinhos na avaliação dos posts. Mais um antes e depois para começar bem o dia, como com o Mokambo (passo a publicidade). Desta vez trata-se de mais uma cabeça cortada, neste caso, a de São João Baptista. Dada a semelhança no tratamento dos diferentes pintores podemos quase dizer que o Baptista era bicéfalo e que depois de uma cabeça cortada, ganhou-lhe o gosto e começou a ser atracção de feira aos Sábados, Domingos e Feriados Oficiais: “Venha ao João! Corte uma cabeça e leve outra pela mão!” Vamos ao que interessa.
No primeiro quadro, que é a parte direita de um tríptico, Salomé apresenta-se vestida à moda da corte francesa, mas mais como uma cortesã do que com uma nobre (se uma coisa não for impedimento da outra). O seu traje tem até qualquer coisa de exótico com aquele chapéu pontiagudo que não me lembra nada. O que está em pano de fundo mostra a cena do banquete em que Herodias, a mãe de Salomé a apresentou – e vendeu – a Herodes, bem como a parte em que decapita o santo como paga pela dança da filha. Tinha para mim que quem tinha decapitado Herodes haviam sido os aios de Herodes, até porque é ele que promete a cabeça a Salomé. O corpo de São João encontra-se em primeiro plano, mas o seu executor encosta a espada no ombro do corpo morto. Não sei se vos parece isso – a mim parece – mas este acto retira à cena o seu sentido de profundidade. No entanto, ao mesmo tempo surgem num suposto segundo plano surgem duas pessoas do lado direito, que não se sabe a posição ocupada pois desconhece-se se estão acima dos degraus ou abaixo. Naquele “corredor” vemos a terceira incongruência já que o pequenino homem que ali está é retratado com dimensão diminuta, mas no fundo está a dois passos da cena. Não temos aqui a cena do painel do lado esquerdo, mas sabemos por esta que estamos perante uma temática lasciva e sedutora, imoral e maculada com Salomé vestida daquela forma a protagonizar tão triste acontecimento. O contraditório chega ao ponto de tanto ela como o executante do crime virarem a cabeça, em direcções opostos, para talvez, não terem de enfrentar o crime cometido. Não sei se já repararam, mas esta Salomé é a cara chapada da Virgem Maria na pintura da Alte Pinakothek, também do Weyden. O rosto sereno quase a desculpa do concubinato na cena.
Rogier van der Weyden
Saint John Altarpiece
1555-1560
Saatliche Museen, Berlim
Neste quadro, que é a parte esquerda de um tríptico de Hans Memling temos Salomé com a cabeça de São João Baptista, um tema que nos é familiar pois aqui no Belogue gostamos dele. O tríptico conta a história de São João, desde a anunciação a Zacarias que antecedeu o nascimento do Baptista, o nascimento em si, passagens da sua vida – também nos outros painéis – até à morte. A leitura deste painel só é completada pelos outros, pois é neles que as passagens da vida do santo continuam: à esquerda e até meio do centro – onde se desenvolve uma sacra conversazione – temos a vida de São João Baptista e à direita, até meio do painel do centro temos a vida de São João Evangelista. Neste painel podemos ver (de cima para baixo, da esquerda para a direita) Salomé a dançar perante Herodes (lá atrás, em sala aberta), o Baptismo de Cristo (naquele riacho mesmo no último plano) e mais cá à frente, dois discípulos de João (um deles também se chama João e o outro é André) no pátio da prisão. Ele está encarcerado numa torre que se encontra diametralmente oposta à da que encima a sala onde dança Salomé. Aliás, por cima desse quarto aberto, podemos ver um nicho esculpido onde um homem nu dança entre duas mulheres igualmente nuas. Em primeiro plano, a decapitação de São João Baptista.
A cena é muito semelhante nos dois quadros (dizem que Memling foi discípulo de Roger van der Weyden): em primeiro plano ambos apresentam Salomé a segurar a bandeja, e a olhar na direcção oposta, há alguém que corta a cabeça a São João Baptista, o corpo morto e alguma figuras que completam o arranjinho embora não saiba se fazem parte da história bíblica. Depois e quase em último plano, uma arquitectura simulada onde se tenta a simultaneidade; ou seja, se Salomé estiver a cortar a cabeça não pode estar a dançar, se estiver a dançar não pode estar a cortar a cabeça! São vários tempos a acontecer quase no mesmo espaço:
Hans Memling
Saint John Altarpiece
1574-1579
Memlingmuseum, Sint-Janshospitaal, Bruges
6 Comments:
estou muito aborrecido (comigo mesmo) porque não me recordo de ter visto esse primeiro do Weyden em Berlim (qual é mesmo o museu!?...)
(as postas estão óptimas - postar é como andar de bicicleta: quem sabe nunca esquece)
também gostava de espreitar, um dia mais tarde, esse seu traballho sobre as arquitecturas da água
Caro AM:
nunca fui ao Saatliche museum, não sei se já foi...
bem, deixe-me dizer-lhe que quanto que essa comparação com a bicicleta não é boa: é que eu não sei andar de bicicleta!
As arquitecturas da água estão a ir... se calhar não é aquilo que está a pensar. é apenas um trabalho sobre aquedutos, fontes, termas e latrinas na antiguidade. assim como havia o conjunto de equipamentos denominados arquitecturas dos jogos, também havia este. se tiver alguma ideia, avise. de qualquer forma, um dia pode ler o trabalho.
não sei se sei (não domino o idioma) o que é o "Saatliche Museen"
http://www.smb.museum/smb/home/index.php
em B. visitei alguns museus
este Weiden é pintura para estar na Gemäldegalerie (ao pé da galeria do Mies e...)
mas (entre tantos - e nem todos grande coisa...) não o recordo
AM,
staatliche museum - museu nacional
Está nessa galeria ao pé do mies LOL
Beluga é fundamental aprender a andar de bicicleta
*estou sem computador, por isso estou muito limitada a patinar pela net ...
bons trabalhos!
Meus caros, a resposta segue por email, mas amanhã que eu estou cansadinha
descanse
o descanso, quando é bom, é o mais importante
mesmo mais que o trabalho, o estudo e a blogo
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