segunda-feira, maio 15, 2017
"Come what may, bad days shall pass, exactly like all the others"*
Shakespeare (mas-também-pode-ser-uma-máxima-sufi-ou-um-versículo-bílico.-de-qualquer-forma-faz-todo-o-sentido-neste-momento.-e-nos-seguintes-também-fará.)
*"Aconteça o que acontecer, os dias maus passarão, tal como todos os outros"
domingo, maio 14, 2017
- original soundtrack -
Chico, até já!
(...)
Ah, eu quero te dizer
Que o instante de te ver
Custou tanto penar
Não vou me arrepender
Só vim te convencer
Que eu vim pra não morrer
De tanto te esperar
Eu quero te contar
Das chuvas que apanhei
Das noites que varei
No escuro a te buscar
Eu quero te mostrar
As marcas que ganhei
Nas lutas contra o rei
Nas discussões com Deus
E agora que cheguei
Eu quero a recompensa
Eu quero a prenda imensa
Dos carinhos teus
(Sem fantasia, Chico Buarque e Maria Bethânia)
quinta-feira, maio 11, 2017
- o carteiro -
Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Galleru, Londres
quando a minha idade era outra que não esta, Jesus estava presente na minha vida. Amén!
Agora a sério: quando a minha idade era outra que não esta, eu era muito dada às coisas da religião. Primeiro por causa da minha avó que me levava sempre à missa do final da tarde, quando me apanhava com ela. "Vais comigo para me ajudares a atravessar o parque!". E eu lá ia. Até gostava de ver aquelas coisas: a pia com água benta (que eu, que não tinha altura suficiente para espreitar, achava que estava sem água pois nunca via ninguém com as mãos a pingar), as senhoras numa das laterais a pedir para "a conferência de São Vicente de Paulo" ("que conferência do caraças", pensava eu), o pedinte no fundo das escadas, com um pacote de planta (dos verdes, antigos) a servir de caixa de esmolas, o sacristão que tinha uma perna mais comprida que outra e usava um sapato compensado preto. A minha avó tinha em casa, em cima de um pano que cobria uma cristaleira sem cristais, mas com copos altos decorados com estrelas e que se usavam no dia de Natal, um prato pintado com o rosto do Papa João Paulo II. Não ouvia o terço, mas ensinou-me a rezar. A minha outra avó, que não me levava à missa, introduziu-me ao universo quaresmal e a essa grande festa dos sentidos que é o Domingo de Aleluia na aldeia, com as suas varandas adornadas de colchas - colchas nunca usadas e que a muito custo eram compradas por aquela gente que escondia o dinheiro debaixo do colchão - as soleiras das portas cobertas de jarros e verdes, os biscoitos comprados na vila, em cima da mesa junto a dois copos de Porto e um envelope para o compasso, o beijar do pé ou do joelho de Cristo, a comida farta (porco, acho eu).
Mas eis que chega a altura de entrar para a catequese e com ela, Cristo como obrigação. Vejamos: eu não amava Cristo. Nunca amei e ele que me perdoe. Sempre tive medo dele, que ele me castigasse por eu não ser uma boa menina. Então esforçava-me muito para ser exemplar, mas ele castigava-me na mesma. Como deixei de perceber a lógica da coisa, deixei-me ir, em piloto automático, sem fazer perguntas. Uma vez que meus pais eram catequistas e todos os amigos dos meus pais, catequistas eram, de que me serviria argumentar? Fui vestida de anjo na procissão, participava em todas as acções de caridade e lia frequentemente na missa. Na minha primeira comunhão li a leitura do Livro da Sabedoria que decorei na véspera da cerimónia, enquanto fazia o pino no sofá da sala e do qual ainda hoje recordo partes:
Leitura do Livro da Sabedoria
A Sabedoria brilha sem perder a frescura. Deixa-se [...] àqueles que a amam e [...] aos que a procuram. Quem a busca desde a aurora, não se fatigará, pois há-de encontrá-la sentada à sua porta. Meditar sobre ela é prudência consumada e quem não lhe consagra as suas vigílias, depressa ficará sem cuidados...
(e depois, sempre que recordo isto, dá-me vontade de rematar com um "Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o Céu". Eu sei, são coisas diferentes). Aquilo às vezes aborrecia-me pois parecia monótono. Uma repetição, ad eternum, de uma ideia simples: "sê bom, altruísta, puro de coração, generoso. Aí reside Deus". Mas nesses tempos, houve coisas boas, como os saraus de Natal no Salão Paroquial, as festas de final de ano, os passeios à Serra da Estrela... Com eles vieram tardes de praia a jogar cartas na barraca da Luísa e da Ana Maria; lanches em casa da Tânia, férias com a Sofia e a Maria João. Era tudo muito bom, mas Cristo não estava no meu coração. E o Cristo da catequese estava cada vez mais longe do Cristo necessário para o quotidiano.
Sempre rezei e fiz tudo o que tinha a fazer sem o considerar uma obrigação, mas não me conseguia concentrar: não ouvia uma homilía do princípio ao fim e dava muitas vezes por mim a encontrar contradições entre a Primeira Leitura e o Evangelho. Adormecia a rezar, talvez porque rezasse muito. Achava que Deus ou o seu filho ou fosse quem fosse (não tinha preferência) me podia aliviar o fardo familiar que tinha, isto quando percebi que o problema não estava nos comprimidos Bekunis. No fundo, sempre soube, mas custava-me, com tão pouca idade, aceitar isso. Mas Deus não ajudou e eu, ou porque tinha pouco peso e precisava de me concentrar na minha recuperação física, deixei-o de lado. Primeiro, por uma questão de saúde, deixei de ir à missa. Depois, e também por uma questão de saúde, deixei de rezar: os comprimidos davam-me sono. E percebi que estava bem comigo. E se eu estava bem comigo, ele também devia estar bem comigo. Se Deus, cuja grandeza supera o nosso entendimento, é assim tão grande, ele iria gostar de saber que estou bem. Por isso Deus, onde quer que estejas, se tiveres acesso à net e quiseres passar por aqui, era só para te dizer que estou bem. Sem mágoa, ok? Continuo a gostar do ritual e da teoria, mas quero outras práticas. Amigos?
segunda-feira, maio 08, 2017
- original soundtrack -
Acto II da ópera Turandot de Puccini. Os sábios perguntam: o que é que morre todas as manhãs e se renova todas as noites? O príncipe responde: a esperança.
(Turandot, Puccini)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
olá amigos, como estão? Cada um na sua vidinha, não é? Fazem muito bem. eu também andava por aqui na minha vidinha, a pôr uma roupa de molho e a preparar um franguinho do campo para amanhã, quando me dou conta do que vos apresento abaixo. é um "antes e depois" em que o depois é antes e o antes é depois. Ou seja, como na minha mente o desenho antecede o quadro, resolvi obnubilar (tá fálando caro, biluga!) as datas e reformular, para uso pessoal, a História da Arte. Quer dizer, parte dela.
O Charles Le Brun nunca me disse grande coisa. Bom rapaz, gente de boas famílias na França absolutista, mas um pouco... parcial e preconceituoso. Enfim, um académico com jeito para a arte, mas pouca abertura à abertura de que ela é portadora, mesmo que sob o reinado de Luís XIV. Le Brun defendia uma hierarquia das temáticas, sendo que a mais nobre era a pintura histórica (de grandes dimensões, geralmente a contar o feito heróico do povo a que o pintor pertence) e a menos nobre, a pintura de naturezas-mortas. Não sei porquê. Adoro naturezas mortas e detesto essas golinianas pinturas históricas, sempre a apelar à emoção nacional, a manipular os outros. O Le Brun pintou - em nome do interesse nacional francês - este quadro.
Charles Le Brun
The Family of Darius before Alexander1660
Musée National do Château, Versalhes
Mostra a Rainha da Pérsia, e toda a família de Dario, a prestar vassalagem a Alexandre, o Grande que derrotou o rei persa. Qual a relação com a França? Le Brun faz derivar a França e os franceses do grande rei macedónio; parte da sua descendência, pois se Alexandre não tivesse derrotado Dario, a França também não existiria. Obviamente esta ideia é muito rebuscada, pois se não tivesse existido Clóvis também não existia a França e os franceses... Mas enfim, os grandes regimes gostam de fundamentar-se em grandes eventos, povos, mitos. O nazismo, por exemplo, tentou fundamentar a ideia de supremacia da nação alemã na mitologia nórdica, o fascismo socorreu-se da mitologia clássica...
Bom, mas voltando ao quadro do Le Brun. Vejamos como algumas personagens devem a sua expressão a um tratado da autoria de Le Brun (do próprio, quem mais?) que se chama Tratado das Expressões da Alma. Segundo investiguei, esse tratado é posterior ao quadro, mas para mim - e dentro da minha tendência Romântica - o desenho antecede sempre a pintura. Le Brun define uma expressão típica para:
a veneração
a admiração
a atenção
- o carteiro -
[1]
Museum of Failure (abre dia 7 de Junho na Suécia e apresenta todos aqueles produtos que foram, de facto, uma má ideia. Exemplos: Bic para elas, Perfume Harley Davidson, Monopólio Trump, etc)
[2]
Buckland Gallery of Witchcraft and Magick (o museu/galeria que faltava para quem acredita nas argilas, nos xaropes, nas rezas... e no vuvu.)
[3]
Colorir mandalas, já era. o que está a dar é colorir isto