segunda-feira, junho 30, 2014

- o carteiro -
Durer, se fosses meu filho levavas um calduço para aprenderes a não gozar com o povo

































Albrecht Durer
Christ Among the Doctors (pormenor)
1506
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid
a das almofadas partiu-me toda. não admira que até ele seja especialista em designer 

segunda-feira, junho 23, 2014

- o carteiro -

Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.

(Noite de São João, Alberto Caeiro)

quinta-feira, junho 19, 2014

- o carteiro -

agora outra coisa completamente diferente: a estetização da violência na fotografia de moda - I (retirei as referência bibliográficas e as legendas das imagens que é para ninguém vir aqui copiar)


Quando a besta se torna bestial
Aquando do ataque às Torres Gémeas em 2001 o compositor Karl Stockhausen disse que a queda destas tinha sido a maior obra de arte possível. Isto provocou a fúria entre o público e entre os seus pares, embora alguns, não obstante censurarem-lhe a incúria, perceberam e anuíram quanto à relação existente entre a estética e a violência. Desde os mosaicos da batalha de Isso até aos seres mutantes dos irmãos Champan inspirados nos filmes de terror série B, a violência foi elevada ao estatuto de arte. A fotografia foi também a coutada para esta proliferação da violência e, acima de tudo, para a sua esteticização como provam os inúmeros concursos de fotografia que levam à lágrima fácil ou as exposições como a World Press Photo geralmente em exibição em locais dedicados à arte e com uma dinâmica nos mesmos moldes. 

Durante quase dois mil anos o paradigma platónico do Belo vigorou em todo o Ocidente. Só com o Romantismo enquanto corrente estética o mesmo foi quebrado. A beleza física e moral, o to kalon dos gregos, foi posto em causa com o irracional de que o Romantismo era portador, com a paixão, a fuga à norma. E o mesmo esteve presente na fotografia, principalmente na fotografia de moda, isto se atendermos ao facto de esta procurar representar a beleza, geralmente a feminina. Por outro lado a proliferação das redes sociais, que Susan Sontag de certa forma anteviu ao falar do uso da fotografia como uma forma de autopromoção, levou à idealização da vida dos seus utilizadores através do uso de imagens com a mesma linguagem da fotografia de moda.[1]

Antes mesmo da violência chegar à fotografia de moda, passou por um campo intermédio, no qual era vista como uma curiosidade, principalmente se seguida de histórias condizentes. É o caso da revista Life de 12 de Maio de 1947[2], uma revista social que noticiou nesse dia o suicídio de Evelyn McHale. Esta jovem até aí desconhecida, com uma vida aparentemente normal havia-se atirado do Empire State Building indo cair em cima de um carro. Robert C. Wiles, um fotógrafo que se encontrava por perto correu para o local e tirou a fotografia que ficou para a História. A composição era dinâmica com Evelyn de pernas para baixo, sem sangue, sem distorções ou contusões. A jovem apresentava-se impecavelmente vestida, como se tivesse saído de uma revista de moda. Não obstante as meias caídas e o facto de estar já sem sapatos, ela parecia repousar em cima do carro, com as luvas ainda postas, o batom intacto e a segurar, com uma das mãos, o colar de pérolas, tal como uma modelo profissional faria na época. Esta imagem evoca as palavras de Rebecca Arnold: «Fashion photographs produce simulacra of the body, of beauty and even of death, removing traces of mortality, ageing and decay, to become sites of conflict and ambiguity, rather than of resolution.»[3] Ou seja: “morrem jovens aqueles que os deuses amam”.


Os grandes timoneiros
No livro “O Sistema da Moda” Roland Barthes enunciou as três estratégias usadas na fotografia de moda: a representação literal (usada em catálogos, onde o produto era o mais importante), a romantizada (que procurava contar uma história e onde a moda era referencial) e a trocista (onde não existia intenção de contar uma história ou de mostrar o produto, mas de criar estranheza).[4] Entre estas três, a fotografia de moda a que aqui nos referimos insere-se na segunda. Um dos autores onde encontramos a relação entre a violência e a beleza, ou pelo menos a sensualidade, é Guy Bourdin que aproveitou o tom dado na década anterior com Richard Avedon, nos anos 60, em fotografias que nos falavam de emancipação sexual, excesso, decadência, glamour e perigo.[5] Bourdin (1928-1991) abordou temas como o voyeurismo, a morte e a violação de forma esteticizada. Os conceitos visuais de Bourdin inovaram pois colocaram o observador no meio de um ponto crucial do drama, mesmo tendo a impressão que em muitas das imagens o actor não estava presente, que a acção decorria separadamente, que ocorria antes ou depois daquilo que era representado, que algo ameaçador estava no ar… O observador imaginava o que estava omisso e por isso tudo parecia permitido. Mas na realidade o cenário montado por Bourdin levava-nos ao pânico porque a fotografia colocava mais questões do que aquelas a que dava resposta. Eram fotografias sufocantes: espaços fechados, confinados – um canto com telefone, um quarto sem janelas, a esquina de uma divisão. As sombras eram usadas frequentemente para criar um ar de mistério, com ameaças físicas implícitas e até arrebatamento.[6]

Nunca estamos certos daquilo que acontece nas suas fotografias: sabemos apenas que estamos a lidar com um momento específico no qual alguma coisa acontece ou está para acontecer. Bourdin dispersa as pistas pelas fotografias: um elefante em peluche, um saco laranja, um sapato... Algumas das suas mulheres parecem ser o resultado de um crime e são retratadas com a mesma pretensa sensibilidade de alguns periódicos (ocultando o rosto da vítima), mas como nas pinturas (criando tensão através do uso de uma zona não povoada). Vejamos a figura 1 em que o autor usou cores quentes (laranja no sofá, saco, fato de banho e rosa dos sapatos), contrastante com uma janela de vidro num espaço que não identificamos, mas que pela carpete e que pela cor das paredes nos parece ser um um escritório talvez. No centro da composição vemos as pernas da modelo, em “V”, mas não o resto do corpo: como num crime somos poupados a esses pormenores. Embora vejamos esta mulher ligeiramente de lado, a sombra das pernas projectada na parede indica-nos a presença de um foco frente a ela, o que nos leva a pensar nos policiais negros. O sofá não tem marcas da presença humana e desta forma também não percebemos como aquela mulher foi lá parar, naquela posição. O facto de não vermos mais para a esquerda também nos inquire sobre o que estava nesse lado e se tal era útil para a resolução do enigma. O mesmo se passa na figura 2 ou até na 3. Na figura 2 contrastam duas cores quentes num espaço, espaço esse cuja presença dessas cores não nos permitia identificar. O mais notório na imagem é a grande área vazia que existe à esquerda e que cria a falada tensão porque não encerra a cena. Nota-se a emenda na parede e a presença de uma superfície mais brilhante e clara que anuncia as luzes que se por um lado distraem quem vê a fotografia, por outro orientam para aquilo que ela pretendia verdadeiramente ser: uma fotografia que captava um mistério, como se fosse originária dos ficheiros da polícia e não de um fotógrafo de moda. É provável que Bourdin tenha tido conhecimento do caso Dália Negra de 1947 pelos jornais que mostraram fotografias do corpo de uma jovem aspirante a actriz desmembrado. De facto essas imagens tinham muito em comum com as de Bourdin para a marca de sapatos Charles Jourdan. A nossa perplexidade é acentuada pela forma como o corpo feminino, mais uma vez sem cabeça, sem identificação, passou de tridimensional a bidimensional e integrou a parede. Na figura 3 o cabelo da modelo foi cuidadosamente trabalhado em volta da cabeça. O vermelho que aparentemente sai da boca é brilhante como um verniz e acompanha a forma imaculada como está maquilhada. Não percebemos como esta mulher perfeita – que até morta cai bem num chão branco igualmente perfeito – pode aparecer despida porém perfeitamente maquilhada. Apesar de neste exemplo vermos o rosto da modelo, o seu corpo surge mais uma vez truncado, algo que na nossa opinião constitui uma espécie de violência. Da mesma forma que nas fotografias anteriores, também nesta o autor optou por não fechá-la no acontecimento em si, deixando algum espaço livre à direita, onde a fotografia clareia.[7] Na figura 4 vemos como Miles Aldridge em 2002 recuperou Bourdin e, fazendo uso das mesmas cores feéricas, o mesmo espaço por identificar e da modelo desmembrada, passou mais uma mensagem estética do que comercial.[8]A influência de Bourdin na arte e na fotografia reflectiu a escalada de violência na sociedade, abrindo caminho para autores como Paul McCarthy e Matthew Barney, ao combinar o repugnante com o sedutor, sugerindo significados mais do que articulando-os. 


















Fig. 1












Fig. 2














Fig. 3













Fig. 4

[1]
[2]
[3]
[4]
[5] A própria Susan Sontag parece lamentar o abandono da beleza intemporal que estava patente nas fotografias de Edward Weston que ela associava ao optimismo da utopia modernista no início do século XX. «Darker, time-bound models of beauty have become prominent, inspiring a reevaluation of the photography of the past; and, in an apparent revulsion against the Beautiful, recent generations of photographers prefer to show disorder, prefer to distill an anedocte, more often than not a disturbing one, rather than isolate an ultimately reassuring ‘simplified form’». 
[6] Até na sua vida pessoal Bourdin a violência sobre as mulheres esteve presente: as duas primeiras mulheres cometeram suicídio, uma das suas namoradas cortou os pulsos, mas sobreviveu, e uma outra morreu depois de cair de uma árvore. O próprio Bourdin parecia propenso a minar a sua reputação, não deixando que as suas fotografias fossem usadas em livros ou exposições e recusando-se a dar entrevistas. Em 1985 chegou mesmo a rejeitar o Grande Prémio de fotografia dado pelo Ministério francês da Cultura. Bourdin usava uma Nikon de 15 mm que lhe permitia obter uma fotografia clara, na qual nenhuma parte tem prioridade sobre outra. 
[7] No seu vídeo “Hollywood” Madonna faz uso de muitas das fotos de Bourdin, substituindo-se às modelos. 
[8] A própria página do fotógrafo na internet (http://www.milesaldridge.com/) presenteia-nos com uma música de fundo sinistra e o som de um telefone não atendido.

quarta-feira, junho 11, 2014

- o carteiro -

um destes dias fui ao centro de emprego. precisava de me inscrever para poder fazer um estágio profissional que está na forja. a conversa que tive com a funcionária foi desconcertante. a palavra é essa. estava tudo a correr muito bem quando a funcionária, muito simpática, me informou que os maiores de 30 anos apenas podiam ser candidatos a estágios profissionais se a sua última formação tivesse ocorrido há menos de três anos. sim, há menos de três anos. eu pensei: "wtf? queres ver que os maiores de 30 ficam desactualizados em três anos?". depois disso pensei outras coisas também: que sendo a formação de que falam de um nível muito baixo, o centro de emprego pretende que pessoas como eu estejam a fazer formações de trampa para poderem usufruir de um estágio. e se durante três anos estiver a trabalhar, perca o emprego e a minha única opção de trabalho seja um estágio? tenho de fazer uma formação em "mecatrónica" só para poder usufruir do estágio?

hoje fui cortar o cabelo. quando saí de lá achei-me muito sassy. cheguei a casa e achei-me normal. não fiz paragens pelo caminho, pelo que não sei o que aconteceu.