O que se destaca de facto é a forma como tudo acontece muito mais rapidamente. Sim, já havia internet e redes sociais, mas era possível distinguir tendências que se renovavam a cada dois anos. Hoje em dia tal não é possível. As tendências renovam-se a cada semana. Hoje não há uma estação, mas 52 estações do ano. Com as redes sociais e, acima de tudo, as vendas online, é possível às marcas fazerem-nos acreditar que ter aquela camisola que saiu ontem é essencial para ser feliz. e na próxima semana uma camisola totalmente diferente será também essencial para ser feliz. Sem anti-depressivos, mas muito depauperadas, as pessoas adquirem compulsivamente porque a roupa é vendida a preços cada vez mais baixos (com qualidade péssima e confeccionada em condições horríveis), e necessitam de roupa para manterem actualizados os seus perfis nas redes sociais. Quem nunca viu miúdas em pose de modelos com roupas que não são para aquele dia, para aquele tempo, para aquele lugar? Isto revela outra coisa: as bloggers foram substituídas pelas influencers que se movem já não nos blogs, mas em canais agregadores como o Facebook, o Youtube, o Instagram, o Twitter, etc... Para quê andar à procura da influencer A ou B no seu blog, quando podemos tê-las todas no feed do Facebook? Por falar em pessoas normais a substituírem modelos, note-se que as poses para as fotografias são também diferentes do que eram antes. Tivemos
o "cagar de cócoras"...
mas agora temos estas poses difundidas nas redes sociais e pensadas pelas estrelas do entretenimento (Kardashians, cantoras, actrizes...) sem terem passado pelo crivo do fotógrafo profissional. são poses que não pretendem mostrar a roupa, mas a pessoa, o seu estilo de vida e atributos físicos:
o hot squat (ideal para quem mostrar o bumbum)
as pernas abertas (para quem quer dar um ar de quem foi apanhado desprevenido, a viver...)
enfim, todo um mundo novo a aprender para pertencer.
Esta é também a época em que as grandes casas de moda andam a reboque. O que quero dizer com isto? Não é que a Gucci tenha deixado de existir, nem a Balenciaga - que é uma marca que geralmente nos lembra uma série de cortes inovadores nos anos 50, como o square coat - tenha-se eclipsado. Mas não basta agora contratar um bom designer: tem de ser um designer que fale a linguagem das novas gerações. Não basta apresentar uma colecção: mais importante que a colecção é a experiência visual, como o
supermercado Chanel, ou a Fonte de Trevi, local mais visitado de Roma,
ocupado por uma noite pelos ricos, famosos e belos. A alta costura continua a vender-se. Quanto mais não seja, porque vende sonhos (e toda a gente precisa de um Elie Saab de vez em quando), mas o foco está cada vez mais no pret-a-porter, no consumo rápido, na satisfação dos novos compradores. E o que querem estes compradores? Peças actuais. E quando querem? Agora. Por isso digo que as casas de moda andam a reboque: antes eram elas quem ditava as tendências, agora é a rua e as redes sociais quem dita as tendências. O streetwear e o athleisure embora não sejam conceitos novos, surgem agora quase de mãos dadas, o
normcore somos todos nós, a geração z e a internet dominam (muitas vezes existem somente dentro da própria www), e ter peso a mais, a menos ou ter uma prótese passou ser aceitável no fechado universo do belo de que a moda era/é guardiã. É pois difícil estabelecer uma tendência neste dez anos de revivalismos, coisas normais, coisas que nem sequer são coisas, enfim...
Foi-me difícil estabelecer momentos de charneira em que a moda deixa de ser uma coisa para passar a ser outra. Sim, de facto agora, no final de 2020, a moda das penas no cabelo já não tem expressão, mas quase todos os revivalismos são possíveis e por isso não se admirem se, ao virem o que se segue, pensarem "ah, mas isto ainda está na moda!". Escolhi duas a três tendências por ano. São aquelas que recordo melhor e que, em alguns caso, segui (shame on me).
Então cá vamos nós:
2010
Os bandage dresses são um revivalismo dos vestidos Hervé Léger e já vinham da década passada. Eram e são favorecedores da silhueta feminina, embora inimigos da respiração. Os melhores são elásticos, claro. O meu era muito semelhante ao da Versace, preto (ver abaixo), em vermelho burgundy e só o usei uma vez.
Outra tendência que devemos ao início da década - e que felizmente ficou para trás - são os Lita Shoes: sapatos tão feios à frente quanto atrás e que podiam ser usados com saias assimétricas, skater skirts (não, não são saias para andar de skate), bem como com calções de ganga. Não sei já repararam, mas estas moças influencers na rua delas, posam sempre da mesma forma):
2011
Saliento neste ano três tendências, nenhuma que eu tenha seguido, sendo que uma delas é verdadeiramente aberrante. Repito em caps lock: LEGGINGS NÃO SÃO CALÇAS. E acrescento: JEGGINGS MUITO MENOS!.
Jeggings
Meias com padrões (adoro, embora não tenha nenhum par)
Calças saruel (definitivamente... não)
2012
No ano de 2012 a minha pesquisa detectou duas tendências que não podiam ser mais antagónicas. Por um lado o peplum em vestidos e tops, por outro as wedge sneakers. São ambas tendências saídas das passereles. O peplum é sem dúvida um pormenor - ao qual não acho piada, mas que pode ser lisonjeiro numa roupa - que pode acrescentar uma certa sofisticação, enquanto as wedge sneakers saídas da mão de Isabel Marant são uma confusão. De que se trata? Sapatilhas de salto alto, mas o salto fica escondido. Acho horrível, mas pegou.
Peplum (no fundo, é aquele folho... como rosebud é o nome do trenó)
Wedge Sneakers
2013
Aproveito 2013 para falar aqui uma grande tendência da década: o look festivais de verão. Parece que o pessoal vai ali só para se divertir, mas não. O pessoal vai para se mostrar. E aqueles que dizem "ah, e tal... eu visto-me para mim", pensem bem como seria se todas as outras pessoas fossem cegas. Ainda se vestiam só para vocês? Os festivais são locais que proporcionam uma certa feira de vaidades: a comunicação social está presente, as fotografias possíveis mostram a vida fabulosa de quem anda sempre em festa e cada festivaleiro cruza-se com um grande número de pessoas às quais passará a imagem que desejar. Convém que a primeira impressão seja a melhor. no que doz respeito ao público feminino é evidente o esforço feito. Parece tudo muito casual, do género nem-pensei-muito-bem-no-que-vestir, mas é tudo pensado. Há elementos do outfit das festivaleiras que foram reciclados durante a década, como os calções de ganga, as sandálias gladiador e as coroas de flores.
2014
Chegamos a 2014, ano que nos brindou com duas tendências visualmente muito fortes: o casacos e coletes em pele falsa e os ear cuffs. Usei ambos... não gozem comigo.
Faux fur (usavam-se na cor "natural" e em outras cores)
Ear cuffs (não façam perguntas, por favor)
2015
Em 2015 a grande tendência foram as sapatilhas brancas. Lembram-se da
Gisele nua, só com umas stan smith calçadas? pois é, pegou. Não a parte da nudez, mas a das sapatilhas. É uma tendência que veio para ficar e que se enquadra em algo maior que é o athleisure. Quem, a partir de 2015, não viu influencers, meninas que trabalham na parfois, senhoras de negócios e tutti quantti vestidas assim?:
eu usei, ainda uso e tenho a dizer-vos que isto veio para ficar porque é prático e confortável. é como um uniforme (vestimos e não temos de pensar muito naquilo), permite variações (calças brancas em vez de calças pretas, casacos ao xadrez para inverno...) e completa-se com carteira, relógio e fio de ouro no comprimento certo. porque é que é assim? tenho observado que a moda é cada vez mais para pessoas mais jovens. Se virmos o que eram as tendências nos anos 80 (fatos com ombreiras volumosas, correntes com pérolas a fazer de cintos, maquilhagem carregada...), percebemos que aquilo era para ser usado por mulheres de 40 anos ou mais. Eram essas mulheres que compravam tailleurs Chanel. Com os anos 90, a idade baixou e a moda passou a ser direccionada para adolescentes e jovens adultos (Calvin Klein jeans, os perfumes unissexo, o heroin chic...). Entrados no novo milénio essa tendência mantém-se e, por muito que custe às grandes marcas de moda, já não é para os pais que os designers têm de desenhar, mas para os filhos.
2016
2016, ano em que Donald Trump foi eleito.. O casaco "I really don't care. Do you?" apareceu mais tarde, mas deu que falar. Recordo-o porque 2016 viu nascer uma tendência - breve, felizmente - dos casacos militares com patches. E os patches estenderam-se a todo o vestuário. Uma praga que só pessoas muito estreitas de visão poderiam ver como tendência para ficar. O que fica são os clássicos, o resto é mais curto que a presidência de Trump. Felizmente os chokers tiveram o mesmo prazo de validade. De vez em quando voltam para nos atormentarem o pescoço, mas não favorecem nada... quem não tem pescoço.
Patches
Chokers
2017
Em 2017 assistiu-se, com espanto, ao aparecimento dos biker shorts (calções de ciclista ou à ciclista) nas passagens de modelos. Já tínhamos usado biker shorts. Alguns até mais curtos do que aquilo que devia ser (cof, cof)... Mas vê-los numa passagem de modelos, legitimados como objecto de desejo e não apenas como roupa desportiva, com uma funcionalidade própria; vê-los a surgir na rua acompanhados não de t-shirts, mas de blazers e sapatos de tacão alto... isso foi uma surpresa para a qual não estávamos preparados. Ainda um dia destes estava a falar com uma pessoa que não sabia que os biker shorts eram uma tendência, talvez porque ainda estão a conquistar adeptas em 2020. São um pouco como as meias brancas em chinelos adidas: são uma tendência, mas para além de rappers e gunas pouca gente tem coragem de usar.
Bikers
2018
Não sei se já disse, mas estas tendências são transversais a toda a década. Quero com isto dizer que se para vocês os biker shorts só tiverem surgido em 2019, tudo bem. E se as fanny packs (ou, como eu lhes chamo, "as-cobras-que-engoliram-um-rato), forem algo mais antigo, tudo bem também. Mas vamos primeiro à outra grande tendência do ano de 2018: os dad sneakers e os ugly sneakers. Para mim são a mesma coisa. No fundo são sapatilhas com sola elaborada, um pouco anos 90, e que parecem mesmo aquelas sapatilhas que nos nossos pais usavam aos Sábados de manhã quando nos iam buscar ao treino. Quer dizer, que os vossos pais usavam aos Sábados de manhã; os meus tinham mais que fazer. E falo primeiro nelas em vez de falar das fanny packs porque as dad sneakers são uma nova cara das sapatilhas brancas e uma renovação do athleisure.
fanny packs
Lembram-se do tempo em que os jogadores de futebol andavam com "mariconeras"? Pois é. Quem pecou e disse parvoíces nessa altura (como eu, por exemplo) pode agora estar a provar do próprio veneno. Pois o que são as fanny packs que não cintos com uma bolsa? Se é mau? Não... mas faz lembrar os nossos pais, num Sábado de manhã no campismo, a dizer "chega-me aí a espia". Isso e uma cobra que engoliu um rato e que está sossegada a digeri-lo. (Vá, confesso que gosto das mais pequenas e clássicas)
2019
Das wedge sneakers (no início da década) à parceria da cantora Beyonce com a Topshop em 2014, foi um instante. Em 2014 Beyonce iniciou uma parceria com a marca Topshop no sentido de vender a sua linha de roupa Ivy Park naquela marca. E que roupa era esta? Roupa desportiva. O athleisure (athletic + leisure) passou a estar na nossa vida quase sem pensarmos. De repente um fato de treino deixou de ser roupa para treinar, e passou a ser roupa para estar confortável no dia a dia, sem que isso significasse desleixo. Aliás, as peças de roupa desportiva passaram a ser usadas com outras mais formais como blazers e sapatos de tacão alto. As marcas já conhecidas como a Nike ou a Adidas começaram a pensar melhor nos seus consumidores. Já não eram apenas atletas profissionais, mas também firmes defensores do "fit é o novo saudável". A competir com marcas mais preocupadas com questões como a qualidade dos tecidos, a estética e o estatuto que determinada roupa poderá conferir num espaço tão competitivo como um ginásio, as grandes marcas tiveram de se actualizar para ficarem a par da Gymshark, Lululemon, etc. Estas marcas, inicialmente desconhecidas, compreenderam o que as mulheres desejavam numa roupa desportiva: chamar a atenção, não ficar com cameltoe, não ter a roupa transpirada e dar sempre a impressão de um rabo impecável. Não será por acaso que outras marcas - cujos nomes jamais nos passariam pela cabeça - tivessem seguido os passos das Nikes, Adidas ou Pumas desse mundo. Agora, tanto a
Paco Rabanne como a
Givenchy vendem leggings. Outros nomes menos conhecidos acabaram por vingar, embora com um estilo mais raunchy e uma filosofia menos focada na performance desportiva e no tempo de laser, mas mais... no rabo (ver Nebbia, Maria Gueixa, Great I am). No geral, no entanto, o athleisure é uma forma de nos vestirmos de maneira cada vez mais informal, mais confortável, após anos em que para as mulheres (pelo menos) os tormentos vinham sob todas as formas: dores nos pés dos sapatos altos, dores no peito dos wonderbra's, calças muito justas para mostrar as formas... O athleisure foi um alívio!
Deixo alguns exemplos do que pode ser o athleisure:
2020
... fica para a próxima década.
beijinhos às famílias e se souberem de alguém que necessite uma moça como eu para trabalhar, avisem.