quinta-feira, setembro 04, 2008

- o carteiro -

regresso às aulas com o Belogue (compre todo o seu material escolar aqui):
Rafael pintou a Escola de Atenas em parte devido à influência de Bramante no Papa Júlio II. Bramante tinha ouvido falar do prodígio de 25 anos de idade e ao falar dele ao Papa, este não esteve com meias medidas e chamou-o a Roma. A empreitada não era simples e implicava mesmo ter de superar obstáculos éticos: enquanto Miguel Ângelo, nos aposentos ao lado pintava o tecto da Capela Sistina dando a conhecer a sua visão de um mundo cristão, Rafael foi convidado pelo Papa a cobrir as paredes do Palácio do Vaticano. Isto implicava cobrir a reboco os frescos já existentes da autoria de Piero della Francesca, de Signorelli e de Perugino. Rafael pintou as paredes deste aposento dando a conhecer a sua visão humanista do mundo. A Escola de Atenas tem a mesma construção arquitectónica que há época deviam ter as termas de Carcala e Rafael de facto esteve lá a visitá-las, por isso seria muito natural que o contexto espacial fosse esse. No entanto o tema da pintura não estava relacionado com a água nem com os vapores nem com as saunas. Ao denominar o quadro de Escola de Atenas, Rafael não estava a referir-se a nenhuma escola em especial, mas a uma escola ideal e idealizada por ele onde todas as correntes filosóficas pudessem coexistir e ser discutidas, juntamente com a arquitectura, a geometria e a pintura.

Rafael
The School of Athens
1509
Stanza della Segnatura, Palazzi Pontifici, Vaticano

No centro do fresco vemos duas figuras que se destacam e que são Platão e Aristóteles. Estes estão a discutir o mérito devido a cada uma das correntes que defendem; ou seja, o Idealismo versus o Realismo. Na mão esquerda Platão (a figura barbuda) segura um livro; o seu livro, o Timeu (um dos poucos livros de Platão redescobertos no Renascimento e fundador do mesmo) enquanto explica como o Universo foi criado por um ser demiurgo a partir de modelos formas e sólidos matemáticos. No Renascimento tal foi interpretado numa palavra: arquitectura. A mão direita de Platão aponta para cima como se ali estivesse a Verdade, a Beleza e a Bondade. Para discordar de Platão, o discípulo Aristóteles aponta não para cima, mas para a frente, para o mundo real. Na outra mão segura a Ética. E é a partir deste eixo entre Idealismo e Realismo que a composição se divide e o quadro se desenrola, assim como estas duas tendências dividiam a Itália: Florença era adepta fervorosa do Paltonismo enquanto Milão orgulhava-se do seu aristotelismo. e começa tudo pela decoração do espaço.



Do lado de Platão, encontra-se um nicho com uma estátua de Apolo o patrono grego da poesia e das artes, que posa segundo o cânone grego da serpentinatta. Do lado de Aristóteles podemos ver a estátua de Atena, a deusa da razão vestida com as suas vestes guerreiras e com elmo.



Ainda do lado de Platão podemos notar a presença de um grupo liderado por uma figura de vestes verde-azeitona (como eu detesto esta cor). O senhor de verde-azeitona é Sócrates cujo rosto Rafael pintou a partir de um busto existente no Museu Capitolino. Ao lado de Sócrates encontra-se o seu pupilo Xenofonte, de azul, que já não está a prestar atenção ao que o mestre diz. Talvez já não precise e por isso olha para a direita, para o infinito ou para o seu sonho em ser militar. Um dia Xenofonte contou a Sócrates o sonho que tinha de se juntar às tropas do Rei da Pérsia e Sócrates aconselhou-o a consultar o oráculo de Apolo (uma espécie de Maya lá da terra). Xenofontes consultou o oráculo, mas fê-lo nos termos que entendeu e não foi bem sucedido no seu sonho. O rapaz de armadura dourada que muitos tomam por Alexandre o Grande, mas que à data não podia ter conhecido Sócrates, era Alcibíades, um soldado ateniense rico e um playboy conhecido. Xenofonte não tem coragem para ser soldado e Alcibíades tem, embora lhe falte a ética. Talvez ele e Sócrates conversem sobre isso, sobre a coragem. Entre Alcibíades e Xenofonte vemos as cabeças de dois homens de mais idade e que seguem atentamente os argumentos de Sócrates. São eles Aechines e Demóstenes.



Mais abaixo do grupo liderado por Sócrates está o grupo de Pitágoras, o matemático grego que foi importante tanto para Platão como para Aristóteles. É a figura calva, de barba e vestida de branco que está a escrever e que todos rodeiam. Pitágoras não está a enunciar o seu teorema, mas sim a demonstrar a existência do número perfeito e que é composto pela soma dos quatro primeiros números: 1+2+3+4=10. E dez era a medida ideal. O corpo humano ideal deveria ter 10 vezes, em comprimento a cabeça da pessoa em causa. Chamava-se a isto Tetrakis (e isto levar-nos-ia muito longe, mas não vale a pena. se continuássemos iríamos ter à divisão da corda de uma guitarra e como essa divisão deu origem a um novo número e como se acreditava na harmonia musical das esferas planetárias). O que está mesmo à sua frente e o confronta com outra teoria diferente tem sido identificado como Parménides e Xenocrates. Atrás dele encontra-se uma figura com um ar angélico e misógino, toda vestida de branco e que ao contrário dos outros no fresco, olha para nós. Esta figura é de extrema importância. No estudo mostrado ao papa, a figura feminina estava perto de Diógenes, onde agora se encontra uma espécie de vazio. O papa discordou com a presença daquela mulher, não por ser uma mulher numa escola de homens, porque a mulher em questão estava a fazer de Hypatia de Alexandria, uma mulher filósofa, matemática e astrónoma da Universidade de Alexandria, mas pela modelo escolhida para fazer de tão importante personagem. Dizia-se que era Margherita Luti ou La Fornarina (a filha do padeiro) com quem Rafael mantinha um tórrido romance. Ela foi o modelo de muitas das suas virgens e madonnas, ele pintou-se com ela ao colo, pintou-a nua e diz-se que foi por causa dela que Rafael encontrou a morte tão cedo. Conta-se que após uma extenuante noite de sexo Rafael caiu na cama (onde já devia estar!) com febre. Os médicos prescreveram-lhe uma panaceia, mas como ele não disse qual tinha sido a causa da febre, o que supostamente iria curá-lo, acabou por matá-lo. Rafael retirou a Fornarina dos estudos preparatórios, mas voltou a incluí-la. O homem muito moreno de turbante branco e veste azul que se encontra atrás de Pitágoras é o filósofo árabe Averrois que é muito importante nesta composição pois foi graças a ele que os conhecimentos de Platão e Aristóteles foram passados para o Oriente. Atrás ainda de Averrois espreita um jovem de cabelo encaracolado que parece estar meio absorto, seu saber bem onde está ou até totalmente deslocado. Pelo modelo sabe-se que era o filho dos duques de Mântua, Francesco Gonzaga e Isabelle d'Este, que por essa altura estava a ser recebido no Vaticano.



Este é o conjunto liderado por Euclides que está a demonstrar alguns princípios geométricos através do uso do compasso. Dizem que o modelo deste filósofo calvo que se curva nas suas vestes laranja foi o amigo de Rafael, Bramante. Atrás dele, de veste amarela está Ptolomeu com o seu globo, defendendo a teoria geocêntrica e de veste branca a segurar igualmente uma esfera com estrelas fixas está o filósofo e astrónomo persa Zoroastro. À direita de Zoroastro encontramos o próprio Rafael que se auto retratou como Apeles (lembram-se?... aquele que foi caluniado pelo seu amigo? Apeles era tão bom pintor que até se dizia que os pássaros batiam nas paredes ao tentarem bicar os frutos que Apeles pintava). Ao lado de Rafael, aquele que caluniou Apeles, o seu amigo Protógenes. Rafael apresenta-se aqui em glória, como o bom artista traído, mas na realidade foi ele quem traiu. E traiu justamente a pessoa que serviu de modelo para a figura de Protógenes; o seu amigo Sodoma cujos frescos Rafael teve de cobrir para pintar esta Escola de Atenas.






Fora destes dois grupos duas figuras ficam destacadas pela sua apatia. Do lado direito, mesmo na escadaria e envergando apenas uma túnica azul encontra-se o filósofo cínico Demóstenes que vivia no seu barril e deambulava pela cidade de Atenas quando um dia a cidade recebeu a visita de Alexandre, o Grande. Quando Alexandre se ofereceu para lhe providenciar melhor agasalho e até quem sabe, um lugar para passar as noites, Diógenes terá respondido: por favor afaste-se da luz que está a fazer sombra no meu barril. Mais à direita, perto do grupo liderado por Pitágoras encontramos também sozinho Heraclito, um filósofo pré-socrático cujo modelo foi o colega Miguel Ângelo.


2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

embora saiba que a Beluga é sábia de tirar o fôlego, ainda me surpreendo consigo.

4/9/08 5:21 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro João Barbosa:
Os Beluga são assim: descendemos dos Sálcidos da Sálcida que como se sabe deram a conhecer outros mundos ao Mundo. Corre-nos nas veias fluídos dos Nibelungos (até ajudamos o Wagner). Depois ajudamos o Tolkien a descobrir a Terra Média. Depois ajudámos o Huxley a descobrir a Eurásia. E depois ajudámos o Eco a descobrir onde ficava o reino do Prestes João. hoje andamos pelos blogs a espalhar conhecimento. temos divisa: uma beluga por dia ajuda-o a trabalhar, descansar e divertir-se.

"sábia?" caro joão barbosa, sou como os outros: umas coisas sei e as outras investigo. isto não é matéria que esteja permanentemente na minha cabeça.

5/9/08 5:33 da manhã  

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