terça-feira, setembro 02, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou “mais do mesmo. Hoje não temos bem um antes e depois porque o que está em evidência não é a data. E os “ars longa, vita brevis” não têm de ser sempre “antes e depois”. Este post até podia ser um “carteiro”, mas vamos ao que interessa. É sabido dos leitores fiéis do Belogue que Vermeer pintava quadros dentro dos seus quadros. Na maior parte dos quadros que retratam cenas de interior, podemos ver em alguma parede um quadro pendurado. E conseguimos perceber que tipo de pintura é (se é uma paisagem, uma pintura mitológica ou de uma cena bíblica), embora esta seja quase sempre um original do pintor (que faz o dois em um) ou uma interpretação do pintor de uma pintura já existente. Um dos melhores exemplos, e o exemplo falado aqui é o “Astrónomo” que Hitler tanto apreciou. Não percebeu ele que na parede do fundo estava pendurado um quadro que retratava o resgate de Moisés da água; ou seja, o resgate do fundador do Judaísmo que Hitler tanto abominava. (O seu mau gosto para pinturas e abominações era lendário. Se fosse vivo Hitler seria provavelmente adepto de tunning.)

Nestes dois quadros de Vermeer, que não parecem variar muito (as cenas de interior não variavam muito, a não ser no progressivo aumento de qualidade, com o decorrer dos anos, com que Vermeer foi tratando os temas mais prosaicos). Era um pintor muito conhecido para a época (que depois caiu no esquecimento e foi recuperado há pouco), e por isso trabalhava muito por encomenda. No entanto não pintava o quotidiano das ruas, mas o quotidiano de uma burguesia abastada; a mesma que lhe encomendava os quadros. Por isso as suas obras estão repletas de pormenores que espelham o seu gosto pela pintura, os seus estudos, mas também, a lisonja necessária ao cliente. No primeiro quadro, que não é o quadro mais antigo, uma mulher usando um elegante vestido vermelho convive com dois senhores embora a sua expressão seja dirigida mais a quem olha do que aos convidados. Num raro momento de generosidade Vermeer dá-nos uma personagem com expressão facial. A senhora aceita o copo que lhe é oferecido por um dos senhores, enquanto o outro, mais à esquerda e mergulhado na escuridão apr4senta uma expressão de desagrado ou enfado, expressão essa que não combina, nem com o ambiente que se sente entre homem e mulher, nem com a salva de prata com frutas que tem à sua frente. Como sempre Vermeer deixou a sua marca, não só no quadro que está na parede, mas na janela. A janela apresenta-se como um vitral o que é uma vantagem para um pintor que gosta de colocar um pouco de si em cada quadro. Para além de ter deixado a sua assinatura no quadro, Vermeer aproveitou a oportunidade para pintar as armas da família, não a sua, mas da família que anteriormente tinha ocupado aquela casa, que era a casa onde Vermeer morava com a sua família. É também neste vitral que se concentra o propósito deste post: o vitral é igual ao vitral do outro quadro, “A Lady Drinking and a Gentleman”, que não difere muito deste nem na forma nem no conteúdo. Em ambos o desenho que predomina é uma alegoria: a Temperança.

Johannes Vermmer
A Lady and Two Gentlemen
c. 1659
Herzog Anton-Ulrich-Museum, Braunschweig


Johannes Vermmer
A Lady and Two Gentlemen (pormenor)
c. 1659
Herzog Anton-Ulrich-Museum, Braunschweig

A Temperança é uma das quatro virtudes cardeais, juntando-se assim à força (ou também coragem), à prudência e à justiça embora ao todo sejam sete as virtudes. Faltam as três virtudes teológicas: a fé, a esperança e a caridade. As primeiras são encaradas com inatas, uma ideia até socrática e platónica e aristotélica, enquanto as outras como virtudes sobrenaturais conferidas por Deus, introduzidas no credo durante a Idade Média. (No pormenor do quadro de Mantegna que aqui apresentamos, a Temperança é representada por uma mulher que vai despejando um líquido de um recipiente, de um copo para outro. Num dos copos está vinho e no outro, água. Com isto ela quer dizer que todo o vinho ingerido tem de ser compensado com água, pois a Temperança presta especial atenção às excessos alimentares e com a bebida. Talvez por isso se encaixe tão bem nestas duas pinturas em que os vícios estão patentes.
Mantegna
Triumph of Virtue
c.1497
Musée du Louvre, Paris

No outro quadro de Vermeer, a mulher não só já bebeu do copo, como o senhor tem a mão no depósito de vinho, parecendo assim preparar nova dose. Cabe a ela, que tem a imagem da Temperança à sua frente na janela. Se repararmos nas duas janelas notamos a imagem de uma mulher que tem numa das mãos um objecto, e na outra, outro. Difíceis de distinguir, acreditamos tratar-se de um vaso e um copo que são parcialmente tapados pelas referidas armas da família que habitou aquela casa. No entanto, e como não há nas imagens uma visibilidade tão boa quanto seria de desejar, ao lado da Temperança poderá estar posicionado um anjo que segura num dos objectos, como é comum ver representações da Temperança.Antes temperamental do que temperante, é o que vos digo!

Johannes Vermeer
A Lady Drinking and a Gentleman
c. 1658
Staatliche Museen, Berlim


Johannes Vermeer
A Lady Drinking and a Gentleman (pormenor)
c. 1658
Staatliche Museen, Berlim

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

por acaso não diria tanto que Hitler fosse apreciador de tunning, estou mais a vê-lo em concentrações de motoqueiros (motard é muito piroso e chunga, só um motoqueiro se lembraria de tal palavra). ah, sim... e estaria bastante tatuado

2/9/08 3:02 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro João Barbosa:
"eu é mais" tunning (ou neste caso, eu é menos tunning). não compreendo é como é que as marcas se esfolam por ter os melhores designers, que se esforçam durante anos para criar o automóvel mais bonito que corresponde a determinada pertinência e depois vem o pessoal colocar luzinhas e paninhos e cheirinhos e sanefas e papel de parede...

3/9/08 3:03 da manhã  

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