quarta-feira, setembro 03, 2008

- o carteiro -
em virtude das Virtudes do post de ontem (que falava em concreto numa das Virtudes, a Temperança) e em virtude de me ter lembrado filme de Alain Resnais, Coeurs, embora goste mais do título em inglês, e em virtude de me ter lembrado de um outro filme também francês que falava de como todos nós temos uma existência dupla, resolvi postar sobre as Virtudes. As sete Virtudes não são os Sete Actos de Misericórdia descritos na Bíblia e vêm aqui parar porque uma vez que já falamos dos vícios (muito lá atrás), devemos falar das Virtudes. "Virtudes Públicas, Vícios Privados" é uma das minhas expressões preferidas. é até um pouco pedante porque quando dizemos isto em relação a alguém já estamos a partir de uma posição de superioridade: quem diz isto é alguém que não tem vícios privados. A nossa falsa humildade perante os vícios dos outros só proposita o nosso engrandecimento desprovido de inocência. Por outro lado, é quase como um aviso em relação aos outros. Corrobora aquilo que penso: "nunca confies em ninguém. e se confiares, confia da parte da tarde". Isto aplica-se a mim, uma vez que o que é postado não me define. Vamos então ao que interessa. Como tinha referido ontem, originalmente as virtudes eram quatro, tinham origem na filosofia socrática e eram tidas como qualidades naturais. mais tarde foram acrescentadas três virtudes; as chamadas virtudes teológicas que segundo o Cristianismo estavam sujeitas à avaliação do Senhor. Quem as possuísse era porque tinha feito para merecer tal benesse dos céus.
Comecemos pela Força (ou também conhecida por Coragem) que nesta obra foi colocada por Botticelli num local e posição elevadas face à composição e ponto de vista do observador. Esta colocação tinha um propósito uma vez que a pintura foi encomendada para o Tribunale della Mercantanzia (um tribunal onde eram julgados crimes de natureza económica). O trono da Força está gravado com armas e indica influência de Verocchio e Pollaiolo. O trabalho da armadura e da forma como a luz incide no metal denota grande conhecimento da arte de trabalhar os metais. Outros atributos da Força são a pele de leão e a coluna de Hércules: uma porque representa o animal mais forte da floresta e outro porque representa o deus mais forte de todos.

Sandro Botticelli
Fortitude
c. 1470
Galleria degli Uffizi, Florença

Entre 1556 e 1559, Bruegel concebeu dois conjuntos de gravuras dedicados aos Sete Pecados Mortais e às Sete Virtudes. Nesta gravura dedicada à Prudência, as figuras estão a realizar uma série de actos que preparam o futuro tal como diz o provérbio latino: se queres ser prudente, olha para o futuro e prepara tudo aquilo que pode acontecer. Do lado esquerdo do desenho podemos ver as pessoas atarefadas a salgar a carne, a armazenar provisões, a apanhar lenha. Mais atrás um outro conjunto de pessoas renova uma casa. Do lado direito uma mulher sem qualquer prudência tenta apagar um fogo que arde sob um recipiente com água a ferver. Por cima dela vemos uma casa aberta e na qual podemos ver um homem doente acompanhado por um médico (naquele tempo era um curandeiro) que procura um diagnóstico através da análise de urina do seu paciente. Ao lado do homem doente, sentado numa cadeira estará um padre ou um notário: em trataria dos assuntos terrestres do moribundo e outro dos assuntos da alma. No centro do desenho está, aí sim, a Prudência. Ela segura na sua mão esquerda um espelho, o seu elemento iconográfico, que aponta para si. Não é uma alegoria da vaidade, mas do conhecimento interior, do auto conhecimento. À cabeça a Prudência traz uma cesta para separar o Bom do Mau e a Verdade da Mentira e debaixo dos pés uma escada e um conjunto de instrumentos de prevenção de incêndios. O resultado final é fruto da observação que o pintor fazia relativamente ao quotidiano, mas que não deixa de ser fruto da sua imaginação.
Pieter Bruegel, the Elder
Prudence
1559
Musées Royaux des Beaux-Arts, Bruxelas

Esta figura da Justiça está mais confusa do que este post. Porque como o fresco de Giotto foi pintado juntamente com os vícios, Justiça (Virtudes) e Injustiça (Vícios), Justiça e Injustiça surgem com as maiores dimensões do respectivo tema. A Justiça, sentada num trono gótico, e a ocupar a posição central do mesmo, tem em cada uma das mãos uma imagem: o Castigo e a Clemência. São imagens que podem representar a Justiça, mas há outras tais como a balança que está presente num quadro de Vermeer.

Giotto di Bondone
No. 43 The Seven Virtues: Justice
1306
Cappella Scrovegni (Arena Chapel), Pádua

Pollaiuolo também pintou para o Tribunale di Mercanzi, tal como Botticelli, mas desta feita o pintor executou seis pinturas com as seis virtudes (há quem diga que são seis e quem diga que são sete), destinadas à parte de trás das cadeiras do hall. A Temperança que este artista pintou, tal como as outras, apresenta como elemento identificativo o amplo arco descrito pela passagem da água de ma taça para a outra, como forma de provar que a Temperança deve ser cuidadosa no que a bebida diz respeito. Pollaiuolo colocou a Temperança logo no centro da composição para dar a entender que não receava expor as suas qualidades enquanto pintor.

Piero del Pollaiuolo
Temperance
1470
Galleria degli Uffizi, Florença



Iniciamos aqui as virtudes teológicas com Rafael. Rafael executou três composições monocromáticas que mostravam as Virtudes Teológicas: a Fé, a Esperança e a Caridade. A mecenas desta obra era uma nobre que desejava homenagear o seu filho Grifonetto que tinha sido assassinado alguns anos antes, durante uma luta entre ramos rivais da mesma família. A Fé é tradicionalmente identificada com o cálice e a hóstia e neste caso, como assume a forma de uma mulher, está flanqueada por dois anjos que seguram as placas com as inscrições gregas: "CPX" e "IHS" que fazem alusão à presença de Cristo na Eucaristia. Mais uma vez Vermeer também deu o ar da sua graça nas Virtudes, tendo na da Fé o seu pior quadro. Nele pintou uma jovem que posa em ar muito teatral, que rebola os olhos para o céu e pousa a mão no peito, como se este fosse o peito em chamas característico da Fé. Apresenta ainda, para além do cálice e da hóstia, o crucifixo.

Raffaello Sanzio
Theological Virtues (Faith)
1507
Pinacoteca, Vaticano

Estes pequenos baixos-relevos que cobriam as portas do Baptistério de Florença (não confundir com as de Ghiberti), representam uma cena da vida de São João Baptista, o santo patrono de Florença a quem o Baptistério é dedicado. Esta não é a melhor alegoria da Esperança que já vi, porque as suas dimensões não permitem que se observe tudo, mas a Esperança é geralmente retratada através de uma criatura em oração e que recebe (do lado direito da composição), uma coroa oferecida por Deus Pai. A coroa surge do nada e sem a ajuda de ninguém: paira ali como se uma mão divina e invisível a transportasse.

Andrea Pisano
Hope (panel of the south doors)
1330
Baptistry, Florença

Creti foi um dos mais importantes pintores de Bolonha na primeira metade do século XVIII. Quem diria! Esta pintura qe faz parte de um conjunto dedicado ao tema das Virtudes apresneta a Caridade. Já tínhamos visto, a semana passada a propósito de dois quadros de Rubens que a Caridade enquanto Virtude e a Caridade enquanto Acto de Misericórdia não diferiam muito: ambas apresentavam uma mulher que dava alimento através do seu peito. Só que a Caridade alimentava crianças e a Misericórdia alimntava adultos. Muitas vezes a Caridade também surge acompanhada de um pelicano, da ave que se bica para alimentar as suas crias, ou espalha fatias de pão para dar a entender que a Caridade alimenta todos em detrimento de si, caso seja necessário.

Donato Creti
The Charity
1745
Palazzo d'Accursio, Bolonha

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

por vezes digo, ironicamente, que sou um poço de virtudes... a auto-estima é o que é

3/9/08 3:43 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro João Barbosa:
Aí está uma expressão enganosa porque as virtudes, sendo só sete, não dariam para encher um poço muito fundo. Seria mais uma poça.

4/9/08 4:00 da manhã  

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