segunda-feira, junho 06, 2016

- o carteiro -

 e o Homem criou Deus... (XVIII)
 
Como vimos (não pensem que me esqueci), a ascensão do protestantismo marca também um ponto sem retorno na História do Cristianismo, uma vez que pela primeira vez o Homem pode - segundo o protestantismo - estabelecer uma relação directa com Deus. A sua salvação viria não das indulgências e pagamentos vários à Igreja, mas das Escrituras e da oração. Mas se isto resolve em muito o problema das pessoas - que viviam mal e porcamente e ainda tinham de dar parte significativa dos seus rendimentos à Igreja - levanta a Lutero uma outra questão: se a Salvação pode vir da simples crença e da Fé individual, que motivação existia para a moralidade? Ou seja, se não existe uma "polícia", quem vigia a moral?
 
A resposta chega de um outro local: de Genebra. De facto, as ideias de Lutero já tinham chegado até muito longe. Genebra era uma cidade, à época, moralmente à deriva. Os partidários de Roma a viver na cidade haviam levado a uma ruptura entre esta e a Igreja Católica e é Calvino, um homem de disciplina, que assume essa tarefa de colocar alguma ordem na cidade. A sua ideia é criar uma sociedade ideal, a cidade de Deus ou até, a Commonwealth divina! No lugar que antes era ocupado, na cidade, pelos partidários de Roma, Calvino coloca um governo local com poder civil e religioso. Pede-se também aos cidadãos que tenham uma vida mais virtuosa, (dedicada ao trabalho), que não bebam, por exemplo. Jogar e dançar, por exemplo, passam a obedecer a regras e tornam-se por isso divertimentos mais restringidos. Genebra torna-se rapidamente um modelo do movimento protestante já que atrai uma camada da sociedade entre a nobreza e os pobres: a classe média. Um número elevado de pessoas está agora habilitado a fazer parte de uma sociedade capitalista, deixando assim o campesinato, e na qual enriquecer não era um crime. Podia até ser considerado uma virtude. Ora este lado bom do protestantismo não esconde um lado muito negro: austeridade, frieza nas relações e clima de delação constante. Todos estes males eram necessários em nome de um bem comum: preservar a moral e a ordem religiosa. Há até outro aspecto incómodo para Calvino e que ele aborda na sua obra Institutas: se, como Lutero defendia, um cristão podia ser salvo apenas pela Fé, que motivo existia para alguém praticar boas acções? A solução e resposta de Calvino à própria pergunta é engenhosa: ele defende que apenas alguns são salvos, enquanto outros são condenados. E ninguém sabe quem será salvo e quem será condenado, excepto Deus. Isto poderia ter deitado tudo a perder já que poderia ter provocado nas pessoas o seguinte pensamento: se já está tudo pré-determinado, que posso eu fazer? Mas na realidade teve o efeito contrário: as pessoas, como não queriam ser condenadas, empenhavam-se para fazer parte do plano de Deus. Viviam a sua vida com um propósito pois encontravam um lugar no Mundo. A sua vida importava.