sexta-feira, setembro 19, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

Os dois melhores exemplos do estado do cinema português são este filme e a sala absolutamente vazia quando o fui ver, bem como o rosto da rapariga quando lhe pedi um bilhete para "Aquele querido mês de Agosto". Não era filme para intlectualóides, nem por saudosos dos bailaricos e das imagens da terra e da música portuguesa. Talvez a rapariga da bilheteira não percebesse, como eu, qual a razão para um sala vazia numa segunda-feira à tarde. Vamos ao cinema porque gostamos dos actores, dos realizadores, porque alguém que muito estimamos nos falou bem do filme, porque gostamos do tipo de história anunciada ou porque lemos as críticas. Desta vez, nada de actores conhecidos e lamento a minha ignorância, mas também não conhecia o realizador. Ninguém das minhas "ralações" tinha ido ver o filme, a história não se descrevia em nenhum jornal ou revista, em nenhum site. As definições eram sempre esquivas. Fui pela crítica. E acho que fiz muito bem.

O princípio é uma vertigem. Começamos a mexer na cadeira, principalmente quando as peças de dominó se desfazem e pensamos "ok, já estou a perceber que as analogias são muitas". Esse é aliás o único "pecado" do filme, uma vez que a minha cabeça não teve a capacidade para assimilar todas essas analogias. O filme que também foi chamado de documentário e de ficção, é uma matrioska de três bonecas: é um filme que conta a história de um filme que conta a história de algo que não sendo um filme, deu um filme. (Numa das últimas cenas, uma câmara em plano mais elevado filma uma câmara e dois operadores de câmara em plano inferior que filmam a rapariga que canta.) Tudo começa com um realizador que quer fazer um filme "com tudo a que tem direito": tem um guião, quer actores, tem de fazer castings, mas não se apercebe que enquanto vai fazendo o documentário sobre a localidade que está a filmar (atenção que ninguém sabe qual o uso a dar a essas imagens, se são de facto de um documentário, se pertencem até a outro filme; ou seja, as dúvidas do realizador e da sua equipa vão sendo alternadas com histórias da vila, histórias das pessoas que lá moram, os seus feitos, frases feitas e outras que, feitas na hora nos arrancam uma gargalhada como aquele homem que fala junto de um lagar sobre um vizinho assassino e conta, entretanto que a mulher é que o agarrou senão ele continuava a ser um namoradeiro, isto, em frente à mulher), o que recebe de volta desse documentário tem um simétrico ou mesmo um coincidente no filme. É como se tivéssemos uma folha de papel pintada e a dobrássemos a meio com a tinta a tocar-se. Quando abrimos a folha, o que está numa metade, está na outra. O momento da dobra é quando boy meets girl. Até há pouco a girl estava a fazer de vigia no posto de observação da floresta e a falar para o documentário e depois conhece o rapaz (vindo de Lisboa, mas como ida marcada para o Luxemburgo, se não me engano) por quem se apaixona. A partir dai revive-se toda a história do documentário, que como já vimos não foi contada toda de uma vez e vai pontuando a "segunda parte do filme", mas há cenas em comum: o beijo em cima da ponte, tal como aquele rapaz de quem todos falavam que se atirava da ponte e cujo nome não recordo neste momento; o momento do acidente da carrinha dos músicos que tem equivalente ao episódio do vizinho assassino, e só para concluir o momento em que todos se juntam da adega (?) do pai da rapariga e que em tudo se parece com aquele outro em que a vila se junta para assistir à projecção de um filme que contava como protagonistas com os próprios habitantes da aldeia. Tudo tem o seu simétrico no filme.

Logo no início é dito algo muito importante sobre a música: só a classifica de pimba quem quer ou quem tem ouvido preconceituoso porque ela é música popular portuguesa. Os mesmos versos ou muito semelhantes, ou até piores podem ser ouvidos em inglês em músicas de cantores todos os dias cantarolados e premiados. Se não acreditarem basta tentar traduzi-los. Esta é também a prova que assim como o músico em questão pensa nas dificuldades de fazer vingar a sua música, também o realizador se vê a braços com um país que não valoriza o seu cinema. Por outro lado e como nos mostra o fim do filme, a música "pimba" faz todo o sentido para quem a ouve naquele contexto. Não é a história do Portugal rural, nem a história dos emigrantes (os homens não pavoneiam a voiture, as raparigas são como as outras, mas com sotaque, as histórias entre as personagens são as mesmas que nas cidades: incesto, lares desfeitos, paixões impossíveis, traições. Mas situá-la no interior e no mês preferido dos emigrantes, faz com que toda música faça sentido de uma forma muito simples. Ninguém pode dizer que nunca esteve lá.

4 Comments:

Blogger AM said...

bela posta, beluga
pela parte que me toca, muito obrigado

19/9/08 8:29 da tarde  
Blogger Belogue said...

então, o que é isso?não tem de agradecer.

22/9/08 12:40 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

parabens!
ate agora nao tinha lido melhor comentario do que o teu sobre este filme!

22/9/08 1:56 da manhã  
Blogger Belogue said...

caro filipe:
não faço ideia de quem seja, mas obrigada por gostar (este tipo de coisas não se agradece, pois não?). de qualquer forma, obrigada e volte sempre... que lhe apetecer.

22/9/08 11:44 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home