sexta-feira, setembro 12, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como eu poderia levar a vida a fazer "antes e depois" com a Cindy Sherman e esta série a que ela chamou "History Portraits". São pelo menos 35 fotografias que mistura o estilo (ou estilos) pós-moderno com as obras de arte europeias, não sujeitas a avaliações temporais. Estas fotografias foram tiradas entre 1989 e 1990 quando a artista esteve a viver em Roma e desengane-se quem pensa que ela o fez para provocar ou à revelia das instituições detentoras dos quadros parodiados. Não senhor, Cindy Sherman fê-lo com conhecimento e apoio dessas instituições. Quem interpreta as personagens destas fotografias que por seu lado se baseiam nos quadros, mas não tentam copiá-los, é sempre Cindy Sherman, algo que acontece desde os anos 70 quando começou a tirar as suas primeiras fotos. Ou usa máscaras que permitem que interprete o drama ou a comédia, ou usa postiços e lindos vestidos, mas é sempre ela. Há quem fale dela e dos seus retratos, mais precisamente, a propósito da querela entre sociedade e feministas e entre arte e feminismo. mas neste caso, no caso dos "History Portraits" a mensagem é mais política do que de género pois o que Cindy faz é reconstruir a História, o que quer dizer que se a História pode ser reconstruída, talvez a História não tenha sido bem apreendida e nesse caso nenhum de nós foi capaz de fazer a evolução civilizacional desejada e tão propalada.


A escolha de Cindy Sherman em relação a Caravaggio é inteiramente compreensível. Existe um outro Baco pintado pelo pintor italiano, mas ela preferiu este "Baco Doente" ou "Baco ébrio", como também já ouvi (li) chamar. Foi uma das primeiras pinturas de Caravaggio a ser conhecida e em relação às outras que Cindy Sherman seleccionou, é a única em que ela representa o papel de homem. Pensa-se que este é um auto-retrato de Caravaggio enquanto Baco (papel que lhe assenta muito bem). O nome "Sick Bacchus" ou "bacchino Malato" deve ter sido dado tendo em atenção o ar desleixado deste baco e a própria cor da pele que para muito sugere a presença de uma doença semelhante à malária. No entanto este Baco, mesmo doente não deixa de ser muito sensual: ele mostra-nos o seu ombro (pálido, muito diferente de um deus que geralmente anda bronzeado e mais conforme a condição de um trabalhador), oferece-nos as suas frutas (pintadas com mestria mas relegadas para segundo plano) e parece que com o olhar nos propões muito mais, algo que a outra versão de Baco de Caravaggio não tem. Este Baco é uma alternadeira ou um travesti, uma vez que se fala tanto da heterossexualidade de Caravaggio como da sua homossexualidade. É um Baco que de divindade mitológica não tem nada, Caravaggio retirou-lhe todo o misticismo e enfatizou o lado efeminado do deus que, como é o meio para o auto-retrato, não deixa de ser o próprio Caravaggio.


Quando Cindy Sherman se mascara de homem para fazer de Baco, procede da mesma forma que Caravaggio, que não se vestiu de mulher, mas assumiu um papel mais feminino. Quando o faz, e como já dissemos, quando escolhe esta obra e não o outro Caravaggio mais convencional ou outro Baco menos problemático, Sherman fá-lo num período crítico para o mundo. Coincide com os momentos que se viveram aquando da descoberta do vírus da Sida e da sua associação à comunidade homossexual. A fotografia deste Baco vem também no rescaldo de uma polémica tipicamente americana que envolvia o Senado e o fotógrafo Mapplethorpe (que tinha morrido em Março de 1989 devido ao Vírus da Sida de que era portador), pois o Senado achava inapropriadas as exposições relativas à obra de Mapplethorpe devido à sua aberta e explícita (em trabalhos vários) homossexualidade. Curiosamente, os pêssegos que vemos na pintura de Carvaggio, não vemos na fotografia de Cindy o que é uma pena pois iconograficamente os pêssegos representam a verdade.


Caravaggio
Sick Bacchus
c. 1593
Galleria Borghese, Roma


Cindy Sherman
Untitled #224
1990

1 Comments:

Blogger João Barbosa said...

tenho a dizer duas coisas:

1) Cindy! Cindy! Cindy!

2) os senadores passam, os artistas perduram (ars longa, vita brevis)

12/9/08 2:57 da tarde  

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