quarta-feira, setembro 10, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
A Igreja Católica inventou, no século IV e pela mão de São Gregório (e mais tarde pela de Santo Agostinho) um lugar intermédio, entre o Céu e o Inferno para onde eram levadas as criancinhas que morreram antes de receber o baptismo e todos aqueles que se foram para o outro mundo antes da chegada de Cristo. Ao primeiro chama-se Limbo das crianças (“limbus infantium”)e ao segundo, Limbo dos patriarcas. Este lugar que é por um lado cómodo porque poupa a religião católica de explicações face a casos isolados de pessoas mortas e que poderiam contradizer a doutrina, mas por outro abre um precedente que será depois utilizado para outros mortos que não crianças nem patriarcas. Quando Jesus morreu desceu ao Limbo. Como podemos ver, mesmo eximindo os mortos de culpa por não terem sido baptizados nem terem recebido o senhor por Ele ainda não ter chegado, o Limbo continua a ser um lugar inferior para onde se desce. A hierarquia seria portanto composta por Céu, Limbo, Terra, Purgatório e Inferno, quando é bem sabido de todos que por vezes a face da Terra está mais povoada de demónios do que o próprio Inferno. A morte só poderia ser, há altura, um momento premente. Por outro lado o Limbo é considerado pelo catolicismo como um lugar exterior ao Céu, o que quer dizer que não obstante as razões referidas, quem pertence ao Limbo não pertence ao Céu. Por isso Cristo desce do Céu (porque quando morre Cristo vai para o Céu, disso não pode haver dúvidas) e visita o Limbo. Nas igrejas protestantes o limbo não existe por uma razão simples: parte-se do princípio que todas as almas que vivem na ignorância do Senhor são puras. E aquelas que tomam conhecimento dele têm, perante o baptismo a oportunidade de remissão dos seus pecados. Já com a Igreja Católica é Cristo que através da sua morte lava a nossa alma dos nossos pecados. O que não dá jeito nenhum porque é muita gente para lavar! Segundo a Igreja Católica Cristo visitou o Limbo dos Patriarcas ou “limbus patrum” e não o limbo das crianças. Uma espécie de visita de Estado a figuras como Moisés, Abraão e Jacob, figuras do Antigo Testamento que receberam o chamamento divino, mas não tiveram a oportunidade de falar com Cristo. São várias as passagens bíblicas que falam deste episódio, embora não se chegue a um consenso: Mateus (8; 11) fala-se de um banquete com os referidos patriarcas. Mas em Lucas (16; 22) faz-se uma alusão a Lázaro que também estaria no Limbo. Quando Jesus abandona o Limbo leva com ele e liberta todas as almas justas e impolutas para o Céu, algo que aconteceu antes da sua própria ressurreição [Efésios (4; 8-10) e Coríntios (12; 1-4)] partir do momento, penso eu, em que Cristo liberta os patriarcas e as almas puras dos homens que não o conheceram, só sobrou o Limbo das crianças. Isto andava a fazer confusão na cabeça do Papa Bento XVI que antes mesmo de ser Papa afirmou estar contra a existência do Limbo. Assim, em 4 de Outubro de 2006 deixou de existir oficialmente o Limbo. O problema para o Papa (problema que está, para mim, ao mesmo nível da Coroação da Virgem), é um problema de interpretação. Se nada na Bíblia faz referência explícita a um Limbo para crianças, também nada na Bíblia faz referência explícita à coroação da mãe de Deus. Por outro lado, assim como todos os descendentes de Adão e Eva foram penalizados e maculados com o pecado original e tomou-se a parte pelo todo, neste caso partiu-se do princípio que todos aqueles que não viviam na presença de Cristo, se não viviam no pecado pelo menos também não podiam viver no Céu. A criação do Limbo dá voz a um Deus impiedoso, contrário ao Deus de bondade e perdão que se pretendia divulgar.

Há diferenças entre estas duas representações do Limbo. Na de Sebastiano del Piombo, embora Cristo esteja, para todos os efeitos, morto, é quase um vivo no mundo dos mortos, uma vez que se distingue deles. Tem ainda as vestes muito alvas, o tom de pele rosado, expressão humana. As figuras patriarcais ficam para segundo plano e recebem a bênção daquele homem. Confundem-se com o fundo e a pele tem os mesmos anos que aqueles que medeiam a sua morte e este encontro com o filho de Deus. No segundo quadro, na versão de Cézanne, Cristo e os patriarcas têm um tratamento muito semelhante. Se a técnica é favorável à condição dos últimos, não deixa de ser aplicada no primeiro. A mudança de cor nas vestes deve ter servido para acentuar o carácter dramático da pintura que tanto é para uns como para outro:"

Sebastiano del Piombo
Christ descending into Limbo
1516
Museu do Prado, Madrid


Paul Cezanne
Christ in Limbo
c. 1867
Colecção Privada

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

ando há que tempos para escrever sobre o céu, limbo, terra, purgatório e inferno no meu blog. isto desde que o papa resolveu terminar com o purgatório e o limbo... achei uma delícia

10/9/08 10:53 da manhã  
Blogger Belogue said...

caro joão barbosa, não se iniba! escreva que conhecimento nunca é em excesso.

11/9/08 2:09 da manhã  

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