segunda-feira, setembro 08, 2008

- o carteiro -
Sim, vi a reportagem na televisão sobre o graffiti, mas foi não por causa da mesma que resolvi postar sobre a arte urbana. Até porque a reportagem perguntava se seria o graffiti arte ou vandalismo, mas segundo os últimos anos, é arte. Aliás desde os anos oitenta as galerias andam a tentar domesticar a arte urbana, uma arte difícil de legislar como poderemos ver neste post, que passou da rua para as galerias de arte e daí para os leilões. A Bonham’s fez este ano um leilão com arte urbana que lhe rendeu 1,3milhões de libras enquanto as outras leiloeiras têm feito leilões onde ocasionalmente surgem trabalhos de arte urbana. Engraçado porque a Bonham’s até nem se dedica a arte contemporânea. Este leilão da Bonham’s contou com 22 trabalhos de Bansky. A Sotheby’s leiloou um trabalho de Bansky que brincava com a série “Pharmaceutical” de Damien Hirst (tratava-se de uma empregada a aspirar a parte de trás de uma tela coberta com “LSD” de Hirst). E a Tate Modern dedicou este ano uma exposição (nunca uma galeria desta dimensão tinha dado um espaço de divulgação tão grande e forte à arte urbana) chamada de Street Art e que ocupava não só a fachada do edifício, mas também de edifícios envolventes. A arte urbana vai desde o uso do stencil (carimbos ao contrário) ao spay em estilo Pop tem uma forte componente de sátira e crítica social, que perdura desde Basquiat e Keith Haring. Talvez esta seja uma das características desta arte, que devemos reter quando a virmos no futuro. Outra característica é que a arte urbana não pertence a ninguém e muitos artistas optam por exercer a sua arte em locais onde a permanência da mesma é efémera, ou porque são limpas, ou porque as vicissitudes da actualidade obrigam à actualização do espaço pintado.

Damien Hirst
Lysergic Acid Diethylamide
2000


Bansky
Keep it Spotless
2007

E aqui é que se levanta o problema legal. Se o muro pintado pertencer a uma propriedade, como pode a galeria apoiar o artista e comprar e vender a sua arte. Pode remover o muro, como de resto já foi feito com Keith Haring, e vendê-lo. Mas se o muro pertence à rua e a rua pertence a toda a gente, com que direito o autor dá a vender. Tanto quanto sei, e isto foi-me explicado recente e brevemente, a “coisa mais pequena submete-se à coisa maior” e “em última análise a coisa produzida nunca é do artista, mas de toda a gente”; ou seja, a Morte da Virgem do Caravaggio é minha! Se nos focarmos nesta última permissa, da autoria individual sem poder perante a posse colectiva, notamos que no caso da arte urbana, antes mesmo da “última análise”, a autoria estaria a sobrepor-se ao direito individual de cada um à obra estando esta num espaço público. Se de repente a obra, que estava num espaço público, devido à compra do mesmo por um privado, passa a pertencer a uma pessoa, quem usufruiu sempre da mesma poderá fazer-se valer do usucapião? (visto ter sempre passado por aquele sítio de boa fé e vê-lo já como meu, visto eu ter a “posse” do sítio, embora não a propriedade) E em caso negativo, o que é “a coisa maior e coisa mais pequena”? Se o muro pintado se encontrar dentro da propriedade adquirida, a propriedade absorve o muro, mas o que é que está em causa na “coisa maior e a coisa mais pequena”? É uma questão de quantidade (dimensão, tamanho) ou de qualidade? Em Bristol, terra natal de Bansky, a câmara perguntou aos cidadãos se preferiam que uma pintura do artista fosse removida ou não. 97% dos votantes disse que não e a Câmara deixou ficar o graffiti. Proprietários de imóveis que albergaram desenhos de Bansky no início da sua actividade, pediram a intervenção de uma galeria de arte para esta remover e proteger o trabalho do local, naquilo que poderá ser considerado um acordo imaculado e no qual ambas as partes saíram a ganhar.

JR
Installation on the separation wall between Israel and Palestine
Lazarides Gallery

Assim como a arte urbana apresenta ao público novos artistas, novos compradores vão conhecendo e mostrando interesse pela arte urbana, com a qual cresceram. São estas pessoas, que nunca adquiriram arte nem se identificam com os clássicos que começam agora a adquiri-la. O artista chave do movimento é Bansky, mas muitos dos compradores começam a apreciar aos YBA da década de noventa. Bansky é paradoxal e tanto podemos dizer que é o ícone da geração que o compra como não. È a geração que se esconde atrás dos Hi5 e do Messenger e dos chats de conversação, a geração que conversa à distância, mas não com quem está ao lado, e por isso, a clandestinidade de Bansky pode ser paradigmática. Por outro lado é a geração que viva para os 15 minutos de fama e por isso Bansky já seria a negação do artista estrela que Hirst é, por exemplo. Mas não é apenas Bansky que tem lugar dentro da arte urbana. É um nome a respeitar, mas foi a outros artistas (talvez por ser avesso a aparecer) que a Tate pediu a intervenção na Street Art Exhibition em Londres, uma iniciativa que levou às ruas da cidade nomes como Faile (um grupo de Nova Iorque), JR , Sixeart, os brasileiros Gémeos e Nunca e o bolonhês Blu. Apesar do graffiti ter começado nas ruas de Nova Iorque, é a Europa que toma a dianteira, embora não se perceba muito bem para quê, para o quê. Se a arte urbana for institucionalizada, levada para dentro de casa, domada, então deixa de ter a índole que tinha. E assim estamos perante outra coisa que não é arte urbana.