- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou "como ninguém diria, ou como provavelmente nem eu diria se não tivesse estado para aqui, a ver imagens, a achar que já tinha visto isto em qualquer lado... ou como o Sanchez Cotan era um prodígio no desenho de naturezas mortas a partir de vegetais. E tudo isto, como já um dia tinha referido, tem significado, ou tinha um significado. O melão aberto do qual já se extraiu uma fatia exibe um tom rosa e fresco (melhor que os melões deste Verão), mais à direita um generoso pepino, uma couve "portuguesa" (que em Espanha terá outro nome) suspensa e uma maçã amarela que terá de ser consumida enquanto olhamos é tudo o que compõe este quadro bastante surreal, na minha opinião. A natureza morta também tinha as suas tendências, as suas modas e Sanchez pintou-a à moda flamenga do século XVII, a sair de uma janela ou à janela. Vemos como o pintor colocou todos estes elementos "à janela", emoldurando-os. A luz vem da esquerda para a direita mesmo a tempo de tocar a fatia de melão e o pepino, embora essa luz, ainda que para iluminação dos elementos, não faz muito sentido. Se todos estão "à janela" para amadurecerem, já deviam ter sido tirados de lá pois estão a apodrecer em vez de amadurecer. Maduros já os alimentos estão e nós, que olhamos na tentação de os recolher graças ao trompe l'oeil não podemos fazer nada. Não se percebe igualmente porque razão a couve e a maçã estão penduradas. Na tradição das naturezas mortes, isso acontecia com aves ou com enchidos (que não eram muito comuns), mas não com objectos que estão tão separados entre si, com espaços negros, como se cada um existisse sozinho. É uma imagem teatral que origina uma sensação de gradação (do maior para o mais pequeno), sendo que no final se antevê o enclausuramento da mesma - que a pauta desde a nossa leitura - bem como um travo niilista.
A diferença entre estes dois trabalhos - o segundo não é um quadro, mas a imagem de um vídeo de Ori Gersht - é que no vídeo o artista israelita utilizou não uma maçã, mas uma romã e não um melão, mas uma abóbora. Esta substituição tem um propósito pois a romã tem um significado muito forte para os judeus. Segundo a Bíblia e mais concretamente o Antigo Testamento, a romã era um dos sete elementos (entre frutos e plantas) que definiam o carácter fértil da terra de Israel e segundo as lendas, a romã é constituída por 613 bagas (eu cá desconfio), um número igual aos mandamentos nos Cinco Livros de Moisés (que presumo ser o Pentateuco) Há também uma grande diferença que não se nota assim, mas é visível em momentos posteriores do mesmo vídeo pois enquanto o espectador vê o vídeo (pode fazer o download aqui), e sem contar, surge da direita para a esquerda um projéctil que faz a romã explodir em câmara lenta, espalhando assim os bagos como se de sangue se tratasse. O artista pretendia mostrar como assistimos impávidos à divulgação de imagens violentas sem qualquer tipo de reacção e como essas imagens estão banalizadas. Neste caso e em comparação com Sanchez, a imagem tem um propósito, é perturbadora por diferentes razões, assume a presença humana não só do lado de quem vê, mas também do lado de quem intervém no vídeo e por fim, não fica cristalizada na memória, mas tem acção quase ao nível visceral, retirando o lugar privilegiado do cérebro ou do coração (geralmente atribuído à apreciação artística) e dando-o ao intestino:"
Juan Sánchez Cotán
Still-life with Quince, Cabbage, Melon and Cucumber
c. 1600
Museum of Art, San Diego
Ori Gersht
Pomegranate
Juan Sánchez Cotán
Still-life with Quince, Cabbage, Melon and Cucumber
c. 1600
Museum of Art, San Diego
Ori Gersht
Pomegranate
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home