quinta-feira, agosto 14, 2008

- o carteiro -

Este quadro é hilariante. Primeiro porque foi pintado por um seguidor de Poussin, um clássico de nascença. Se pesquisarem no Goggle os quadros dele vêem a mesma matriz dos quadros de Poussin, mas com um pouco mais de chiaro-escuro, um pouco mais de tenebrismo. Este quadro, pertence, segundo aquilo que li, ao Louvre, mas não se encontra visível no site do Louvre, embora possa pertencer às reservas do museu. É natural que não que o Louvre não desejasse ver o quadro exposto. Ele é uma gargalhada só. Por cima da figura que está sentada atrás da mesa e conversa com as duas mulheres de pé, está uma telha em queda. O quadro chama-se mesmo “A telha” ou “As jogadoras de dados” e quando aquilo acabar de cair na cabeça dela, tanto a jovem como Laurent de La Hyre vão ficar com uma grande telha.

Este quadro é uma tradução quase pictórica do poema de Mallarmé “Un coup de dé jamais n’abolira le hasard” (“Um lance de dados nunca anulará o acaso”). No caso da pessoa que atirou os dados, o azar é algo certo. E certeiro. Há também uma relação com as ilustrações dos poemas latinos de Alciat, Emblemata, que nos dão conta da forma trágica como as deusas lançavam os dados para adivinharem, não o seu destino ou o destino de outros, mas a hora da sua morte. As três mulheres são substituidas, por alguns pintores, por homens que se juntam à volta de uma mesa para apostar. Neste caso, as três mulheres não podem deixar de ser relacionadas com as Três Graças, ou as Três Parcas ou mesmo com as Três deusas do Julgamento de Páris. E a escolha é de facto difícil pois não há nelas qualquer elemento iconográfico. Ora a resposta inclina-se para a primeira hipótese, as Três Parcas pois estas representam o destino e o desenrolar do tempo, algo que os homens não dominam.

A telha seria uma alegoria da omnipotência do inesperado no decorrer dos acontecimentos que tanto pode ser activada por um mortal como por uma deusa. O tema, seja como for, não é do agrado do Concílio de Trento nem da Contra-Reforma, uma vez que tem uma carga intelectual forte. Ao atribuir ao acaso a responsabilidade pelo bem e pelo mal, "A Telha" furta-se à aceitação da ideia, profundamente religiosa, de que Deus é a Origem de todo o Bem e de todo o Mal.

3 Comments:

Blogger AM said...

santa telha

14/8/08 10:36 da manhã  
Blogger João Barbosa said...

lol... esta da telha lembra-me o Ícaro a cair na água

14/8/08 4:51 da tarde  
Blogger Belogue said...

caros Senhores:
é que o pintor poderia ter pintado uma alegoria do azar, como a morte a espreitar no canto do quadro, uma serpente nos pés da senhora, não sei... mas uma telha a cair-lhe em cheio na cabeça, é tão pouco... clássico!
Se fosse no tempo da velha senhora ela poderia dizer que estava a jogar dados "debaixo de telha"!

15/8/08 1:28 da manhã  

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