- o carteiro -
Oscar Wilde dizia a propósito da morte do pequeno Nell no livro “A velha loja das curiosidades” de Charles Dickens, o seguinte: “Só alguém com um coração de pedra é que não consegue ler a passagem sobre a morte do pequeno Nell sem se rir". Wilde, que era um bom vivant e um homem com muito sentido de humor criticava assim a forma como Dickens calculou cada lágrima que o leitor pudesse derramar durante a morte da personagem inocente. Parece quase uma heresia rir da morte de alguém, mesmo em ficção, mas em ficção até nem é tão mau como soa e algumas mortes são realmente hilariantes. São hilariantes quando são merecidas, ou inesperadas, ou divertidas, ou excessivamente piedosas. Além disso, elas são sempre fruto de um homicídio: o homicídio perpetrado pelo seu criador, pelo autor.
A imagem acima refere-se ao livro "The Gashlycrumb Tinies" da autoria de Edward Gorey, um livro que conta um conto por cada uma das letras do alfabeto, conto esse devidamente ilustrado, mas sempre com um sentido um pouco sarcástico e quase mórbido. Vejam-se alguns exemplos: “G is for George smothered under a rug”; “R is for Rhoda consumed by a fire” e “N is for Neville who died of ennui”. Isto era comum na literatura inglesa e funcionava como catarse face à alta mortalidade infantil e ao culto da inocência das crianças na época vitoriana. Para além de Gorey e de Dickens, há um exemplo alemão “Der Struwwelpeter” da autoria de Heinrich Hoffmann, os “Cautionary Tales” de Hilaire Belloc (em co-autoria com Gorey) e as “Ruthless Rhymes” de Harry Graham. Todos eles encetam a tendência dos contos moralizantes para crianças, com algum humor negro e grotesco.
No caso de Gorey, os pequenos contos com crianças são de facto divertidos e não podem ser vistos separadamente ou perdem a graça. Até porque esta advém da continuidade. Em cada conto, uma criança morre ou passa uma provação e não o passa perante os nossos olhos, mas já passou como no caso de “N is for Neville who died …” em que o verbo está no passado. E por falar nisso, peguei agora mesmo no livro “Quatro Estórias” de Edward Gorey e n’ “A Morte melancólica do rapaz ostra e outras estórias” de Tim Burton. E ainda me estou a decidir…
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