sexta-feira, agosto 08, 2008

- o carteiro -
“Babinhas, afternoon, wake up, afternoon!”
Voragine escrevia na sua Legenda Áurea o seguinte sobre Maria Madalena, de descendência real (era originária do Castelo de Magdelon): “procurava tudo o que podia agradar aos sentidos” e “sujava o seu corpo pela sua volúpia (…) significando tão só com o nome de pecadora”. Era uma nova versão de Messalina ou era quase uma vestal que quebrou os votos e se tornou atrevidota. Diz a Bíblia que estando Jesus em casa de Simão, Maria Madalena o foi ver, atirou-se aos pés do Salvador, lavou-lhe os pés com as lágrimas e enxugou-os com o cabelo. Ele perdoou-lhe os pecados, expulsou-lhe os demónios do corpo e tornaram-se amigos. (Lucas 7; 37-50) O resto foi invenção do Dan Brown e tacanhez dos fiéis do Senhor. (Porque a verdade é que se a amizade passou a algo mais, nunca ninguém vai saber. Contentemo-nos pois com o que há.) Diz também Voragine que após a dispersão dos discípulos, após a morte e ressurreição de Cristo, Maria Madalena e alguns desses discípulos embarcaram obrigados pelos infiéis e foram abandonados perto de Marselha. Aí Maria Madalena pregou a palavra de Cristo, converteu a população à fé cristã e por fim retirou-se para o silêncio e solidão de uma gruta situada em Sainte-Baume. Sem o recurso a alimento, sobreviveu com os “manjares celestiais” e sete vezes por dia subia ao céu levada por anjos e aí ouvia os concertos celestiais. (Como disse é o que consta na hagiografia de Voragine) Esta assumpção de Maria Madalena só vem provar que a devoção a um ou outro santo em particular não é mais do que a devoção a Cristo ou a Maria em si, pois Maria Madalena, durante sete anos, sobe aos céus da mesma forma que Maria, mãe de Jesus foi aceite no céu após a sua morte (assunção de Maria e não Ascensão de Maria. Quem ascendeu foi Cristo e já fiz um post a explicar as diferenças).
Giovanni Lanfranco
Ascension of Mary Magdalene
1604-1605
Eis a pintura que relata a subida de Madalena aos céus. Esta não é no entanto a pintura do êxtase de Madalena, esta sim, o propósito deste post e a que as restantes imagens são relativas. O êxtase de Madalena e a forma como ele foi sempre sendo pintado pode ser considerada uma evolução desde a Ariane Endormie, passando pela Morte de Cleópatra e chegando, finalmente a Madalena. E tornou-se, mesmo apesar de ter sido, pela maior parte dos artistas, a adaptação da adaptação, uma das iconografias mais eficazes de sempre, até porque recebe a ajuda de atributos iconográficos como o crânio, o crucifixo e a paisagem montanhosa.


Ariane Endormie
Século II a.C.
Museu do Vaticano



Arnout Mytens
The Death of Cleopatra (after Rosso Fiorentino)
1581-94
The Royal Collection


Jacques Bellange
La Madeleine en extase
Musée Bossuet, Meaux

Caravaggio
Mary Magdalen in Ecstasy
1606
Colecção Privada

O êxtase tem sempre qualquer coisa de divino e de sensual. Aplicado a uma santa e sendo a sensualidade algo censurável a este nível, podemos dizer que tem sempre alguma coisa de divino e de histérico: é um estado de contemplação das coisas do divino, mas sem consciência. Nas várias imagens do êxtase de Maria Madalena (que não se encontra descrito na Legenda Áurea) a posição do corpo, a forma como a cabeça descai, a posição das mãos, a composição em si (Madalena sempre com a cabeça para a direita) o peito praticamente nu ou coberto com tecidos muito finos, tudo isso contribui para que esta seja uma das imagens mais reconhecidas de sempre. São Jerónimo também é reconhecível, assim como São Sebastião, mas estes dois santos foram retratados de inúmeras formas. Maria Madalena em êxtase, não.

Giuseppe Angeli
A sportsman awakening a sleeping girl