quinta-feira, agosto 14, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou como "há algo de muito apelativo e familiar nos quadros de Hopper, especialmente neste Nighthawks que é hoje um ícone. Se os nossos rapazes e raparigas não gostassem de Tokyo Hotel, de certeza teriam poster de Nighthawks na parede em vez do poster da banda. A imagem provoca em nós este sentimento de familiaridade e identificação pessoal porque não é só o quadro da solidão que se vive numa cidade, mas o quadro da solidão humana. E por isso digo que se adequa tão bem aos nossos adolescentes que nessa altura da vida se sentem sós, embora não sozinhos. A presença dos outros não lhes mitiga a sua solidão e o quadro fala disso. Fala como num local público, frequentado por muita gente nos dá a sensação de abandono existencial. Este local não é no entanto um sítio acolhedor. No fundo de uma rua escura de Nova Iorque, seria de prever que o café com grandes montras iluminadas fosse um sítio onde apetecesse entrar. Note-se que não há sequer entrada, não há porta e a iluminação que poderia trazer algum calor, não exime o facto de a mesma iluminar e expor de forma fria as pessoas que lá dentro se encontram. Isto porque toda a montra é em vidro e quem se encontra lá dentro está sujeito ao olhar dos outros. E basta ver com mais atenção as pessoas para notar que se encolhem sobre a própria refeição: os ombros altos a enclausurarem a cabeça e esta escondida na roupa aparentemente focada no alimento. Na verdade (em verdade em verdade vos digo, dizia Cristo), Hopper ignorou as suas personagens porque estas têm um único modelo: ele. Hopper serviu de modelo para os dois homens que se encontram dentro do café e eles são portanto, um clone de Hopper. O modelo feminino ficou a cargo de Jo, a mulher de Hopper que por ele tudo fazia. Diz-se que ela gostava mais dele que o contrário (como se isso se pudesse medir), mas ela era-lhe mais devota e abdicava de mais coisas por ele. E ele usava essa fraqueza dela dizendo-lhe que as pinturas dele só resultavam porque ela estava lá e servia de modelo (se calhar para Hopper, uma forma de amar). A interpretação de Hopper dava ao quadro era a seguinte: o homem atrás do balcão era na realidade, livre, o mais livre de todos porque tinha um emprego, e se tinha um emprego, tinha hora de saída e de chegada. E se tinha isso, tinha tempo livre que gastava em sua casa, ou na casa de outrem, num espaço seu ou não, mas ele era sem dúvida aquele cuja condição naquele espaço nos permitia concluir pela existência de outra vida. Só ele pode sorrir aos predadores nocturnos, aos nighthawks, que são os clientes. A mulher vestida de vermelho tanto pode ser predadora como presa, mas talvez seja presa da ligação que tem com o homem a seu lado. Formam um casal como o indica a linguagem corporal de ambos, mas um casal de olha em frente, que não comunica. Quanto a Segal, e tal como Hopper, é um bisbilhoteiro da realidade americana. E tal como Hopper, Segal também salienta as situações de solidão humana, mas desta feita de um modo muito clássico, utilizando apenas o preto e o branco. Ele fixa as personagens e projecta-as sobre um fundo negro. Mas elas, mesmo em grupo, não deixam de estar sós. Os trabalhos de Segal a que nos referimos foram feitos em gesso, tendo como modelos os próprios amigos do artista. No entanto, há algo neles de fóssil humano e por isso esta sensação de solidão nas obras de Segal":

Edward Hopper
Nighthawks

1942
The Art Institute of Chicago


George Segal
Vitrina de Restaurante I
1967
Museu Ludwig, Colónia

5 Comments:

Blogger Ji|||i said...

...assim, fico a gostar mais de Edward Hopper.

14/8/08 9:54 da manhã  
Blogger AM said...

não conhecia esse tal de segal
é sinistro no sentido de fantasmagórico
estou com a q
com uma boa professora como a beluga...
(ps: já não fumo tokio hotel desde os 12...)

14/8/08 10:33 da manhã  
Blogger João Barbosa said...

concordo com AM: fantasmagórico (também não conhecia)... e gostei muito do seu texto, confesso que me tocou. Não sei se estou sensível, a ficar senil ou se é do Hopper.

14/8/08 4:48 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro Q:
dedico-te a original soundtrack de hoje.

caro AM:
ia quase para escrever "imperdoável" não conhecer Segal (não o actor), mas nem é assim nada por aí além, como se costuma dizer. (A Q é um homem)!
quanto aos Tokio Hotel é um fascínio que eu só vou compreender quando atingir os 70, 80 anos. por aí.

caro João Barbosa:
já nem digo que é imperdoável. Ainda bem que ficou a conhecer o Segal e o Hopper melhor. Acho que não está a ficar senil, acho que está (desculpe-me a intromissão) um bocado triste. Eu não tenho intuição nenhuma para isto, aviso já, mas acho que anda um bocadinho "down". Por isso o ars longa via brevis de hoje tem mais um Hopper, mas é divertido.

15/8/08 1:26 da manhã  
Blogger Ji|||i said...

obrigado pelo esclarecimento do género, beluga :)

15/8/08 9:12 da tarde  

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